Não, ela não estava socando o saco de pancadas porque estava chateada do melhor amigo ter trocado os planos deles de burlar a festa do Halloween para ficar com a namorada, ela também não estava socando o saco de pancadas por não ter arranjado um par (na verdade ela deu fora em todos que vieram pedir), ela estava socando porque sentia necessidade de forçar seus músculos até o limite, de sentir as mãos sangrarem e fazia isso porque além de tudo isso, que ela poderia ter levado de boa, seus pais decidiram que ela deveria parar de lutar para se concentrar no quadribol.

A semana havia sido péssima, o dia terrível, e Lily Luna Potter decidiu que decididamente odiava o Dia das Bruxas, mesmo sendo uma e que segundo seus professores era muito talentosa. Na real no momento odiava ser uma bruxa, preferia ter nascido trouxa e poder se dedicar a luta que era o que realmente amava do que ter que subir em cima de uma vassoura e fingir amar um esporte que estava aprendendo a odiar.

Ela deu um soco, mais outro e mais outro. Ela decidiu que iria para as lutas de Samhain, lutas extremamente violentas, sem regras e praticamente sem limites, ela havia se inscrito só por garantia, mas depois de um dia daqueles precisava descontar quebrando os ossos de alguém e quebrando seus próprios ossos.

-Potter – ela parou imediatamente de socar e olhou para o garoto louro parado na porta, ele estava de terno e com os braços cruzados. A primeira coisa que ela registrou na mente foi que ele ficava bonito de terno e a segunda que era estranho vê-lo de camisa, já que ele treinava sempre só com o calção.

-Malfoy – ela sentiu a garganta seca. Havia perdido a noção do tempo que estava ali, suas mãos estavam no limite para começar a sangrar, então talvez fosse bastante... Ela respirou fundo, o corpo todo soado não só berrava por descanso, mas por água e comida – Você não está atrasado para sair com minha prima?

-Hugo avisou que você não vai à festa – Scorpius Malfoy franziu o cenho, ele continuava incrivelmente atraente assim, Lily se sentiu mal, estava toda soada, fedida e provavelmente pior do que já era normalmente, talvez por isso fossem poucos os garotos que se aproximassem dela.

-Sim e daí? Você já sabe disso desde o começo do ano – ela foi até a beirada do ringue e pegou a toalha se secando e descendo. Scorpius fez uma careta ao ver as mãos dela machucadas.

-Tem uma diferença entre não ir e fazer algo legal, do que vir se matar descontando toda a raiva e frustração de não ter sido convidada por ninguém no saco de pancadas – Lily sentiu a ofensa, mesmo não ligando para aquilo, um dos únicos defeitos de Scorpius como amigo era achar que ninguém nunca iria se interessar por ela.

-Eu fui convidada, por uns dois garotos – ela deu de ombros, indo até o armário e pegando suas coisas – Só que tenho mais o que fazer.

-Tipo o quê? – ele descruzou os braços, ela sorriu marota, batendo a porta do armário e jogando a mala em suas costas.

-Lutas de Samhain – ele deu dois passos para trás, Lily aumentou o sorriso, ele ficou chocado. Obviamente Scorpius não esperava ouvir algo daquilo, ele era extremamente contra aquelas lutas, mas Lily vivia querendo ir nelas e ela precisava confessar que ele sempre ia atrás dela e a impedia, quando sabia que ia ter. Mas ela já havia participado de várias e o dinheiro que ganhava com elas estava sendo guardado para planos, tipo uma tatuagem e um apartamento no mundo trouxa para se concentrar na carreira.

-Não. Você não vai – ele disse batendo o pé – Não posso permitir.

-Não é como se o capitão da equipe fosse você – ela levantou uma sobrancelha – E não é como se você pudesse me impedir. Não tem nem o dever e nem o direito.

-Eu sou teu melhor amigo.

-Agora você tem uma namorada, que, aliás, me odeia, então vai lá e cuida dela, eu não preciso de você – ela revirou os olhos, abrindo uma gaveta de um dos arquivos e catando sua ficha para entregar comprovando que ia participar.

-Lils, a Rose é só por sexo – ele levou as mãos ao cabelo, bagunçando-os, só fazia isso quando estava realmente preocupado. Mas Lily não ligou, para ela haviam escolhas a serem feitas sempre e Scorpius sempre escolhia outras garotas e sexo, não a amizade deles.

-Então vá ter teu sexo, se é o que te faz feliz e deixa eu ir fazer o que me faz feliz – ela cruzou os braços, ele suspirou se aproximando.

-Você é feliz quebrando ossos? Tanto seus quanto dos outros? – ele colocou as mãos nos ombros dela, normalmente aquele toque a acalmava. Não naquele dia.

-Talvez – ela se soltou indo para longe dele – Vê se me erra, tá?

-Lils, que aconteceu? – ele perguntou indo atrás, mesmo que ela já estivesse no corredor. Lily praticamente bufou, queria que tudo fosse simples e prático, sem um chato a atrapalhando. Ela só queria se entregar ao torpor da luta, esquecer tudo e um dos idiotas que a machucava sempre podia ficar longe e parar de fingir que se importava.

-Eu preciso do dinheiro – era parte da verdade, ele não a deixaria em paz. Lily não parou, continuou andando, ele apressou o passo até ficar do seu lado.

-Como assim? – ele franziu o cenho, segurando o pulso dela e a obrigando a parar. Lily sentiu a vergonha do que queria ao olhar para os olhos claros dele. Era egoísmo, mas... Mas ela havia decidido.

-Se eu ganhar vou ter o suficiente para me sustentar e fazer carreira na luta no mundo trouxa, pretendo depois de hoje sumir – ela suspirou – Não estou nem aí para nada desse mundo, não tem nada que me prenda, eu preciso ir embora.

-Quê? Espera aí...

-Scorpius, você é o último que pode me dar sermões, ok? Você vive sumindo nas férias e depois volta como se nada tivesse acontecido. Não pode me condenar...

-Espera aí, isso é diferente – ele a segurou nos ombros e a chacoalhou de leve – Você está falando em abandonar todos, em abandonar sua família, seus poderes, seus amigos... A escola!

-Eu sei – ela virou o rosto – Eu sei que é egoísmo só que... É o meu sonho, é o que eu quero ser e eles... Eles me proibiram de lutar – ele sabia que eram os pais dele – Eu preciso ir.

-Você pode ignorar isso como sempre faz! – ele parecia desesperado, Lily balançou a cabeça tão desesperada quanto.

-Vão me levar pra casa se eu não obedecer. Entendeu por que eu preciso ir embora? – ela fitou os olhos dele – Eu preciso ser livre.

-Você não entende, Lils? Eu não posso deixar você ir embora – ela viu os olhos dele começarem a brilhar – Eu não posso deixar que você vá nessas lutas malucas e se machuque, ou pior, que ganhe, porque eu não quero que você vá embora.

-Isso é egoísmo seu, afinal você sempre vai embora ou me deixa sozinha – ela mordeu o lábio e Scorpius começou a chorar.

-Só que eu sou babaca e sempre volto, porque porra, eu amo você e não posso deixar você ir – ele a abraçou depois disso, Lily sentiu o coração bater mais forte... Havia imaginado aquele momento achando que nunca ia acontecer... Afinal ela não era boa para ninguém.

-Não, pêra, Scorp... Eu...

-Não, espera eu terminar, depois você decide se fica ou vai, ok? Se você for estarei sendo morto, mas talvez eu mereça, eu sou péssimo como amigo e um cara bem idiota, troco você por sexo fácil e todas essas merdas, só que... Só que eu sempre amei você, porra você além de linda é toda independente e forte. E difícil. Boa demais pra mim. Eu sei que fodi com tua auto-estima, no fundo não te queria com outros garotos, mas eu ficava com outras. Você não precisa me perdoar por isso. Mas você precisa saber que eu te amo, que eu preciso de você, que eu terminei com a Rose antes do baile e vim te procurar pra irmos tomar uma cerveja naquele teu bar preferido – ele não parou para tomar ar, Lily se sentiu meio atordoada – É egoísmo eu pedir teu amor, eu sei, não mereço. Mas é egoísmo você ir e me destruir, porque eu preciso de você para ser alguém melhor.

-E você só percebeu isso agora? – ela pediu sentindo o corpo tremer.

-Você só percebe que ama alguém, quando a deixa ir e eu não quero te deixar ir, Lily. Fica comigo, por favor, eu te ajudo com teus pais, você vem morar comigo... Só não vai... Por favor – ele se ajoelhou aos pés dela, abraçando as pernas de Lils e chorando. Ela sentiu as lágrimas se formando em seus olhos.

A única fraqueza em seu escudo sempre fora ele. Se ele pedisse em algum momento para ela ficar e a convencesse que tudo poderia dar certo, ficaria. Só que ainda não estava convencida. Ainda queria ir. Talvez porque... Ela não sabia bem porque, na verdade, só sentia a necessidade de ir.

-Ainda não estou convencida a ficar – ela sussurrou, fazendo com que ele se levantasse. Então Scorpius a pegou em seus braços e a beijou.

Era um beijo desesperado, angustiado, ele a amava de verdade, ela sentiu isso. E precisava que ela ficasse para não cair. E ela descobriu naquele momento que também precisava dele, pois juntos eram melhor do que separados.

E que ela não seria livre em lugar nenhum se deixasse tudo inacabado como estava ali. Eles dariam um jeito... Sempre davam. Ela só parou de acreditar porque ele quase a abandonou, mas estava ali agora.

-Eu te amo – ele sussurrou – Fica, por favor...

-Eu também te amo – ela sussurrou, abraçando-o forte – Eu vou ficar, mas preciso que você me ajude a fazer tudo ficar bem...

-Eu ajudo e se precisar eu faço tudo ficar bem – ele a beijou de novo e de novo e de novo.

Porque em noites de Halloween, para os bruxos não são apenas noites de festas, mas noites decisivas e naquela noite Lily Luna Potter e Scorpius Hyperion Malfoy decidiram a vida deles e o rumo que tomariam. Tudo ficaria bem. Mesmo que demorasse. Mas ficaria.

Porque amores declarados nos dias das Bruxas, para os bruxos, são abençoados e criam laços que não podem ser desfeitos. E promessas feitas nesse dia sempre serão cumpridas, de um jeito ou de outro.

Ele não a deixou ir. Tudo ficaria bem.