– Tudo pronto,João? – Eu perguntei,enquanto terminava o relatório sobre a noite passada.

A verdade é que eu não sabia o que escrever. O que eu diria? Que o encontro foi um fiasco? Que o principal envolvido fez o favor de estragar tudo e atrapalhar o meu trabalho? Não existia aquela possibilidade,nem em sonho,muito menos pesadelo.

Terminei de preencher os dados para a entrega e,antes de colocar o bendito papel no envelope,apenas escrevi ''falta de afinidade,dois humanos diferentes demais'' no espaço destinado. João abriu o portal e eu entreguei ao anjo responsável,e em seguida ele se fechou.

– Tudo sim,podemos ir.

– K,o que você escreveu no relatório? – Tomtom perguntou.

– Ah,pequena.....essa é uma longa história.

Eu,João e Tomtom saímos de casa e fomos até a casa ao lado. Toquei a campainha e Bianca atendeu.

– Oi cunhadinha! – E me abraçou.

– Oi,Bi. – Eu a cumprimentei meio sem graça.

– Ah,nem adianta me olhar com essa cara! – Cumprimentou Tomtom e deu um aceno tímido pra João. Desde o acidente na mata eles não se falavam direito. – Não importa se você e o Pê brigaram,eu vou sempre te chamar assim.

Assenti com um sorriso,me dando por vencida. Quando Bianca colocava uma coisa na cabeça,era difícil alguém tirar.

– E cadê o Pedro? – Tomtom perguntou por mim,e eu respirei aliviada.

– Tá lá em cima,dormindo pra variar....

Bufei em desacordo. Com os últimos acontecimentos – lê-se Pedro me beijando – na noite passada,acabei esquecendo de avisar que passaria em sua casa para mais uma parte da missão.

– Posso ir lá acordar ele,Bi?

Ela escondeu o riso e disfarçou com um sorriso,dizendo:

– Porque a gente não deixa a Karina fazer isso? – Sugeriu para Tomtom,e eu arregalei os olhos.

– Boa ideia! – Tomtom se alegrou,enquanto eu me desesperava por dentro.

– Ahn,eu não acho uma boa ideia.... – desconversei,ou pelo menos tentei.

– É sim! – Bianca sussurrou enquanto João jogava seu PSP. – Agora sobe lá,enquanto isso eu e a Tomtom vamos comer bolo de chocolate lá na cozinha. Vem também,João.

Os três se afastaram de mim,me deixando sem escolha. Ótima hora pra ser voto vencido. Subi as escadas e parei na porta do quarto que eu sabia muito bem de quem era.

Bati na porta um pouco tímida,mas nada aconteceu. Nenhum barulho. Tentei chama-lo,e o silêncio continuou. Resolvi abrir a porta,e quando dei por mim,já estava dentro do quarto dele.

Ele dormia serenamente,de bruços e todo largado na cama. Seus cabelos de tão bagunçados já pareciam estar ao natural. Corei violentamente ao notar que ele estava sem camisa.

Antes que eu pudesse respirar fundo e seguir para perto dele,ele pareceu ouvir meus pensamentos e se virou na cama,ficando com o corpo – e que corpo! – pra cima.

– Ai meu santinho.... – Meus olhos já passeavam por cada detalhe de seu corpo,principalmente o seu peito nu. – Vamos lá Karina,você consegue.

Me aproximei da cama e me sentei ao lado dele,me contive para não tocá-lo.

– Pedro? – Eu o chamei num sussurro,minha voz quase não saía.

A essa altura,eu já beirava o desespero. Eu tinha certeza que ele estaria com aquele sorriso torto se me visse naquela situação.

– Pedro,por favor... – mandei minha sanidade pra longe e toquei seu ombro,sentindo sua pele quente entrar em contato com a minha. – Acorda,vai.

– Não. – Resmungou,se remexendo na cama. – Dormir,sai.

Então ele não ia acordar? Olhei para o criado mudo ao lado da cama,vendo ali a minha saída. Peguei o copo d’água e joguei nele,vendo seu corpo se erguer num sobressalto e ele se assustar.

– Mas que merda é essa?! – Gritou,como se não soubesse aonde estava. Contive minha vontade de rir quando ele notou a minha presença. – Karina?

– Hora de acordaaaaar,preguiçoso! – Dei o meu sorriso mais irônico,e ele me olhava sem entender. – Ou seria Bela Adormecida? Bom,não importa! Se arruma porque você tem mais um encontro hoje!

– Encontro? – Ele riu,sarcástico,e eu apenas assenti. – Pode esquecer,eu não vou.

– Ah,vai sim! – Afirmei,sem dar chances para que ele pudesse retrucar. – Tô te esperando lá embaixo. E bom dia pra você também.

A última parte já era provocação,mas de um jeito ou de outro,eu tinha que tirá-lo de casa,e quem sabe o o irritando,eu conseguiria algum progresso. E eu precisava colocar as coisas em ordem,se dependesse de Pedro,aquela missão nunca chegaria ao fim.

Ele nada respondeu,apenas me olhou de um jeito sedutor e misterioso. Me levantei,mas antes que eu pudesse dar um passo para longe,o ouvi me chamar:

– Sabe no que eu to pensando,Karina? – Eu neguei,ainda parada no mesmo lugar,ele nem mesmo havia me segurado. Ainda que eu tentasse me afastar,eu ainda era muito vulnerável a ele. – Eu como eu adoro abraçar a minha esquentadinha!

– NÃO! – Gritei,entendendo aonde ele queria chegar.

Ele apenas me fitou com um sorriso jocoso,se levantando da cama com um olhar vingativo. Tentei me levantar e sair dali,mas foi em vão. Um grito escapou de minha boca quando Pedro me abraçou e quando eu menos esperei,meu corpo já estava em sua cama,ele por cima me prendendo.

– Me solta. – Pedi,mas a verdade é que eu não queria aquilo.

– Não quero. – Arfei quando sua respiração chegou ao meu pescoço,e o arrepio foi inevitável.

Uma de suas mãos levantou minha blusa e fez leves carícias e beijos em minha barriga,descendo até minha coxa e apertando de leve. Subiu os beijos para o minha boca e eu gemi,levando minhas mãos do seu peito até sua nuca.

– Boa tentativa,Pedro,mas você não vai conseguir me esfriar assim. – Respondi entre um suspiro e outro,me referindo ao seu corpo molhado em cima de mim.

Ele voltou seu olhar pra mim e sussurrou:

– E quem disse que eu quero te esfriar?

Sua voz rouca chegou até mim,e eu não consegui mais suportar aquela distância que nos separava. Uni meus lábios aos dele,matando toda a saudade que eu sentia daqueles beijos. Ele mordeu de leve meu lábio inferior,e um arrepio percorreu por todo o meu corpo quando ele desceu os beijos para o meu pescoço,tocando minha pele com seus lábios quentes.

– Karina! – Ouvi João gritar e me fazendo voltar a realidade.

Ali estava o sorriso vitorioso e confiante de Pedro,mais uma vez. Eu choraminguei,derrotada.

– Me solta,vai. – Supliquei,e ele saiu de cima de mim e se sentou na cama.

– Seu pedido é uma ordem. – Debochou,enquanto eu levantava e tentava me recompor.

Saí em disparada do quarto,mas quando cheguei até a maçaneta,eu o ouvi dizer:

– Bom dia pra você também,esquentadinha!

– AAAARGH! – Eu grunhi morrendo de raiva,sob os risos de Pedro. – Desce logo,eu não vou te chamar de novo! – E desci as escadas.

– X –

– O bolo tá uma delícia! – Tomtom disse,se deliciando. – Quem fez?

– Eu mesma! – Bianca sorriu.

– E eu achando que você não conseguia fazer nem pipoca de micro-ondas... – João zombou,sem tirar os olhos do aparelho.

– Há há há,muito engraçado João. – Bianca retrucou,sob os risos de Tomtom,que tentou repreender João. – Posso saber de onde tirou isso?

– Até onde eu sei,tu só sabia fazer mioj...Opa,esqueci. Macarrão instantâneo. – Agora ele provocava a fitando sem pudores.

– Eu mato o Pedro. – O pensamento de Bianca saiu um pouco mais alto do que deveria,e João riu.

– Mas do que é que você tá reclamando aí,hein João? Nem comeu o bolo! – Tomtom disse.

– E nem quero. Ah não ser que... – O olhar confiante que João direcionou a Bianca causou um leve arrepio na morena.

– A não ser que o quê,seu nerd doido?

– Joga uma partida de vídeo game comigo. Se você ganhar,eu como o seu bolo.

– E se você ganhar,o que ganha em troca? – Bianca perguntou,correspondendo o olhar do anjo a altura.

Adorava desafios,e perder não fazia parte de seu vocabulário.

– Eu te conto depois.

A verdade é que nem mesmo ele sabia o que iria querer em troca. Pssar um tempo a mais com Bianca era um privilégio que o nerd jamais dispensaria,e vê-la morder a isca e aceitar seu desafio era melhor ainda.

Bianca pegou um dos consoles do vídeo game de Pedro,enquanto João ficou com o outro. Os dois estavam no mesmo sofá,enquanto Tomtom estava em outro,para ‘’supervisionar’’ a partida.

– Vejamos que jogos o Pedro tem aqui... – João pesquisava com os olhos a prateleira que ficava embaixo da tv.

– João,pega leve comigo viu? – Ela pediu,da mesma forma angelical que Karina fazia para convencê-lo de alguma coisa. – Eu não sei jogar nada...

Ao ouvir aquelas palavras,João riu internamente. Aquela partida já estava ganha,pensou. Virou-se pra ela e disse:

– Pode deixar,Bianquinha. – Escolheu o jogo e o colocou para funcionar,se sentando ao lado da morena. Com o console em mãos,selecionou as opções do jogo e não demoraram a começar a jogar Mortal Kombat.

João só não esperava que o pedido da menina não fosse nada mais que um blefe. Bianca sabia sim jogar,e muito bem por sinal.

– Mas o que.... – Ele estava incrédulo,enquanto tentava desviar de um dos golpes de Mileena,jogadora comandada pela atriz.

– Eu pedi pra pegar leve comigo,só não disse que iria fazer o mesmo com você. – Ela respondeu com um sorriso irônico.

Com um golpe certeiro e finalizador,Bianca derrubou Kabal,jogador de João,no primeiro round.

– E que venha o próximo. – Ela se vangloriou,enquanto o jogo se preparava para dar início a mais uma fase do jogo.

João bufou em desacordo. Odiava ser surpreendido,principalmente daquela forma. Bianca era realmente uma forte oponente,e teria que se esforçar muito para poder vencer os dois próximos.

A palavra ‘’fight’’ surgiu no grande telão,e o jogo recomeçou. Foi uma disputa difícil e trabalhosa para o nerd,sabia que se perdesse o segundo round,tudo estaria perdido. Não iria dar o gosto da vitória para Bianca,isso nunca.

João comemorou quando sua vitória piscou na tv,e Bianca se limitou a revirar os olhos.

– Se eu fosse você,não comemorava antes do tempo. – Ela alertou.

– E quem foi que disse que eu vou perder,Bianca? – João a fitou confiante.

– Isso é o que nós vamos ver.

O terceiro round teve seu início,e os dois recomeçaram sua disputa. Olhos concentrados no jogo,nenhum dos dois estava ali pra perder.

– Ah,não. – Karina reclamou,descendo as escadas e parando atrás deles. – Já vicou a menina nesse troço,João?

– Sssshh! – Os dois fizeram,e a loira se sentou no sofá ao lado de Tomtom.

– Cadê o Pedro? – Tomtom perguntou.

– Tá descendo. – Karina afastou as lembranças de minutos atrás de sua mente. – O que tá acontecendo aqui?

A pequena anjo ia explicar sobre a aposta dos dois,mas não teve tempo. O jogo anunciou o grande vencedor,e João comemorou.

– Você pode até ser boa Bianquinha,mas eu sou mais. – Sorriu para ela,que suspirou,tentando imaginar o que o menino poderia querer em troca.

– Tá,que seja. Parabéns pra você,seu nerd. – Apertou sua mão . – O que vai querer em troca?

Pedro desceu as escadas em uma hora oportuna,João não pode evitar pensar. Karina se despediu de Bianca e arrastou o guitarrista pra fora de casa.

– Em breve você vai saber. – Deixou a resposta no ar,depositando um beijo e=no canto de sua boca e saindo dali.

– X –

– Eu vi isso,senhor João Spinelli.

– Viu o quê,Tomtom? – João se fez de desentendido,entrando no carro.

Pedro e Karina discutiam sobre o que acontecera no quarto mais cedo,mas os dois não estavam prestando muita atenção.

– Não se faz de santo,não. Lá em cima você pode até ser,mas aqui na Terra você tem só o nome. – Ligou o rádio,escolhendo uma estação. – Eu vi você e a Bianca.....por quê fez aquela aposta com ela?

– Nem eu sei,baixinha. – Tentou se concentrar na estrada,mas os dois atrás dele não deixavam. – Acho que eu gosto de irritar ela,só isso.

Tentou desconversar,e se sentiu mais aliviado ao ver que ela acreditara nele.

– Espero que seja só isso mesmo. Já bastam esses dois pra dar trabalho por aqui.

– Ô casalzinho vinte,será que dá pra parar com os tapas e beijos aí atrás? Eu quero dirigir.

Karina se afastou de Pedro,indo para a outra ponta do banco e se concentrando nas paisagens do caminho.

– Então,quem vai ser a próxima? – Pedro perguntou,fingindo um interesse que não tinha,só para provocar a loira.

E lá estava ela,o fitando com aqueles inconfundíveis olhos azuis. Karina podia ser um enigma,mas também podia ser bem transparente quando queria,e as duas faces da pequena loira conquistavam Pedro cada vez mais.

– O nome dela é Guta,ela é dançarina lá na Ribalta. Conhece? – Pedro assentiu,se lembrando dela.

O encontro aconteceria em um parque de diversões. Quando chegaram,Guta o esperava em um dos bancos,perto do Carrossel e de uma certa Roda Gigante.

Os olhares de Pedro e Karina se voltaram para o brinquedo na mesma hora,e foi inevitável não se cruzarem durante o caminho.

– É melhor você ir,ela tá te esperando. – Karina se limitou a dizer,se afastando dele e indo para longe com João e Tomtom.

Depois dos acontecidos no primeiro encontro,os três decidiram que ficariam por perto de Pedro,para vigiá-lo e se certificar que ele não faria nada de errado.

– Espero que ele não faça nada dessa vez. – Karina disse,tamborilando os dedos na mesa enquanto os via comer algodão doce.

– Tem certeza,K? – Tomtom questionou.

Karina engoliu o bolo que estava preso em sua garganta e respondeu:

– Tenho.

– X –

– Fala,Guta! – Pedro chegou até ela e a cumprimentou com um beijo na bochecha.

– Oi,Pê! – Ela respondeu sorridente,e ele não pode evitar pensar que o som de seu apelido ficava melhor saindo dos lábios de Karina.

Afastou a sua loira de seus pensamentos,pelo menos durante aquelas horas. Tinha mais uma etapa de seu plano para ser concluída,e teria que agir rápido. Pegou o celular discretamente e mandou uma mensagem para Duca,avisando a ele e a Bianca aonde estaria.

Ele percebeu que Guta o observava com atenção e voltou seu olhar pra ela:

– Você ouviu o que eu disse? – questionou,uma sobrancelha arqueada demonstrando dúvida.

– Claro que ouvi,Gutinha! – Desconversou,rindo. - Em qual brinquedo vamos primeiro?

– Eu quero ir na Roda Gigante! Vamos? – Sugeriu,observando o brinquedo de longe.

– Não. – Respondeu simplesmente.

Fazia parte de seu plano ser chato e irritar toda garota que Karina insistisse empurrar pra ele,mas daquela vez,sua negação tinha outro motivo. Era impossível não olhar para aquele brinquedo e não se lembrar dos momentos que vivera com Karina naquela noite. Momenteos estes onde ele sequer considerava ter a cupido ao seu lado,a pedir em namoro.....Mas apaixonado? Ele com certeza já estava.

– Por quê não? – indagou,tentando não transparecer sua decepção.

– Porque.....eu tenho medo de altura! – Mentiu,e ela pareceu acreditar. – Porque nós não vamos no carrinho de bate bate?

– X –

– SOCORRO! – O guitarrista da Ribalta dirigia desgovernado.

Para quem visse a cena,acharia no mínimo engraçado. Mas para Pedro,tinha um fundo de verdade. Ele estava em um carrinho,usando de suas estratégias e manobras com o carrinho para fugir de Guta,que o perseguia encarando tudo como uma brincadeira.

– Forças superiores do universo,será que dá pra me salvar? – Ele suplicou.

– Ahn,deixa eu pensar....Não! – João respondeu,enquanto observava a cena sem Guta notar sua presença,e Pedro lhe deu o dedo do meio.

– Então Pê,aonde vamos agora? – A dançarina tentava a todo custo se insinuar para o guitarrista,que se dividia entre ignorar e tentar sair daquela sinuca de bico do melhor jeito possível.

Foram no famoso Trem fantasma. Pedro entregou as entradas para o maquinista e se sentaram no carrinho.

– Pedro,se eu sentir medo você me abraça?

– Erm....Não. – Guta o olhou incrédula,e fechou a cara quando o carrinho começou a andar.

E como ela mesma supôs,o medo veio e ela gritou durante todo o trajeto. Se a situação fosse outra,Pedro também se juntaria a ela na gritaria – talvez ela que tivesse que ampará-lo – mas como tinha um plano a cumprir,encarou o medo com gargalhadas.

– HAHAHAH QUE TREM FANTASMA MAIS HAHAHAH ENGRAÇADO! – Ele riu nervoso,tentando disfarçar seu estado real. - Não acha,Gutinha? – Perguntou para a dançarina,que estava a morrer de medo ao seu lado.

Quando saíram do brinquedo,foi a vez de Pedro perguntar:

– E então Gutinha,o que você quer fazer agora?

Ela se aproximou dele,com um sorriso malicioso. Merda,pensou Pedro. Precisava se uma saída,e rápido.

– Sabe o que eu quero? – Negou,vendo ela se aproximar cada vez mais,com o olhar fixo em sua boca.

Antes que Guta pudesse fazer algo a mais,um grupo de crianças barulhentas passou aos gritos perto dos dois.

– OLHA QUE LINDO! – uma delas apontou para um balão colorido que a outra segurava.

– Crianças,aqui! – Uma mulher que parecia ser monitora tentava controlar os pequenos pestinhas. – Vamos todos com muita calma,em fila...

Uma ideia pasou pela mente de Pedro,e quando deu por si,já gritava:

– QUEM CHEGAR NA RODA GIGANTE POR ÚLTIMO É A MULHER DO MESTRE CRUEL!

Todos os pequenos saíram em disparada,atropelando Guta pelo caminho. Pedro prendeu o riso e a ajudou a se levantar:

– Quê que cê tava dizendo mesmo?

– Que eu quero...

– CUIDADO,MOÇA! – Um baixinho ruivo e sardento gritou,mas já era tarde.

Guta já estava no chão novamente,só que dessa vez,tinha um sorvete em seu cabelo,com direito a casquinha.

– Ai! – Ela resmungou,enquanto o garotinho se levantava de cima dela.

Pedro a ajudou a ficar de pé e ela perguntou:

– Tá muito ruim? – perguntou se referindo ao seu estado.

– Não....tá horrível mesmo. – Fez uma careta,rindo em seguida.

– Eu vou ali no banheiro me limpar,já volt...

– AI MEU DEUS! – Guta e Pedro se assustaram com o grito. Quando se viraram para ver quem era,a única coisa que saltou diante de seus olhos foi um cachorro correndo na direção de Guta.

– CORRE MOÇA,ELE VAI COMER SEU CABELO! – O dono apontou para o cabelo dela,tentando alcança-lo sem sucesso.

– AAAAAH! SOCORRO! – Guta começou a correr,vendo o Golden Retriver cor de mel sair em disparada atrás dela.

– CORRE GUTA,CORRE! – Pedro gritou de volta,gargalhando de tanto rir.

– Nossa....como esse cachorro corre. – O dono apoiou as mãos nos joelhos,ofegante. – Eu esqueci de falar,o Mimoso adora sorvete!

– Sorvete? – Pedro torceu a cara para a revelação,mas principalmente para o nome do animal.

– É,sorvete! Estranho,eu sei.

Conversando com o tal cara,Pedro descobriu que ele não era dono do cachorro. O tal Mimoso foi abandonado no parque,e desde então,as crianças que frequentam o lugar,cuidam dele. Foi assim que o cachorro desenvolveu seu curioso vício por sorvete,não podendo ver nenhuma criança com o doce em mãos – ou nos cabelos,no caso de Guta.

Quando a menina apareceu,alguns consideráveis minutos depois,estava num estado deplorável. O cachorro ainda estava ao seu lado,agora caminhava calmamente,como se nada tivesse acontecido.

– E aí,Gutinha? Como cê tá?

– Como eu tô? – Ela sorriu irônica,tentando recuperar o que sobrou de seus cabelos. – EU TÔ PÉSSIMA,PEDRO!

– Não sei porquê. – Desdenhou na cara dura,e a morena se irritou. – O encontro foi tão bom....

– BOM? BOM PRA QUEM,SEU... – Ela esbravejou.

– Olha o palavriado,Gutinha! Estamos rodeados de crianças,não vai querer dar mau exemplo.

– Como se eu não soubesse disso... – Ironizou a primeira parte. – Quer saber? TCHAU PRA VOCÊ!

– Tchau,Gutinha,foi bom te ver! – Sorriu para a menina que foi embora batendo os pés. – Manda um abraço pra família!

Pedro jurou que podia ver uma certa fumacinha sair pelas ventas de Guta. Mais uma garota que nunca mais iria querer vê-lo nem pintado de chocolate. Nada que lhe importasse,a única garota que ele queria era sua esquentadinha.

– É amigo,acho que só sobramos nós dois. – Acarinhou Mimoso,que aceitou o afago.

Ao longe,viu Duca e Bianca surgirem.

– Mas que demora,vocês dois hein? – Pedro reclamou. – Tavam aonde?

– Desculpa,maninho. Tive que ajudar a mamãe no Perfeitão hoje.

– E eu tive treino pesado pro Warriors hoje,foi mal cara.

– Estão perdoados,mas só porque a segunda parte do plano deu certo. – Pedro riu,notando a presença de um certo louco por sorvete ao seu lado.

– E esse aí,Pê,quem é? – Bianca perguntou,fazendo carinho no Mimoso.

– Pessoal,conheçam o Mimoso,o mais novo integrante da gangue S.O.P.A!

– SOPA? – Duca franziu o cenho. – Ih,danou-se. Esse aí endoidou de vez,gente.

– Que endoidou o quê,maluco? É isso memso! SOPA: Operação Salvar Perina Agora.

– Ai meu santo,e mais essa agora! – Bianca suspirou.

– Vem cá Bianca,porque essa sua fala me lembrou aquele nerd viciado?

Bianca sentiu um estalo ecoar em sua mente. Estava tão preocupada com o que poderia vir de João com a história da aposta,que acabou pensando nele até demais.

– Lógico que não,Du! Eu hein,não viaja. – Tentou desconversar. – E de onde veio esse cachorro?

Pedro contou a história de Mimoso para sua irmã,e quando terminou,tinha um brilho diferente nos olhos,e a morena não demorou para deduzir o que ele queria.

– Não! – Foi sua primeira resposta,mas o guitarrista não desistiria tão fácil,e fez cara de pidão. – Nem vem Pedro,o Mimoso fica!

– Ah Bi,por favor! Ele tá solitário,vai mesmo deixar ele qui sozinho sua sem coração?

– Tá na seca e apelando pela companhia de um pulguento? Que fase,hein cara. – Duca zombou.

– Vai te catar,Duca! É sério Bianca,deixa vai? – Imitou a voz do cachorro,e se aproximou dele sorrindo.

– Por quê eu acho que eu vou me arrepender disso? – Bianca disse depois de longos minutos. – Tá legal,pode levar ele,eu te ajudo a convencer o pai e a mãe a te deixar ficar com ele.

– Aaaaah,valeu maninha! – Deu um beijo estalado na bochecha da irmã. – Agora a gente só precisa mudar o nome dele,porque Mimoso não vai rolar.

– Mudar o nome de quem? – Karina chegou perto de Pedro.

– Ah,aí está a senhorita! – Abraçou Karina de lado,que não protelou sua aproximação. – Esse aqui é o Mimoso,ele vai embora com a gente hoje,só que precisamos de um nome novo pra ele.

A loira analisou o cachorro de cima a baixo,acarinhando seu pelo,que correspondeu ao carinho e lambeu sua mão,se aninhando perto dela.

– Que tal Simba? – Sugeriu,e o cachorro latiu. – Você gosta desse,lindão?

– Parece que sim. – João respondeu.

Quando chegaram perto dos carros para ir embora,Pedro aproveitou a distração de Karina com Simba e colocou mais uma parte do S.O.P.A em prática.

– Preciso que vocês deem um jeito de todos irem no mesmo carro. – Pedro pediu.

– Ué,mas e a Karina?

– Mas é lesado mesmo! – Bianca disse. – Todos,menos ele e a K. – Explicou,e Duca pareceu entender.

O lutador olhou para a atriz e começou a gritar:

– BIANCA,EU NÃO ACREDITO QUE VOCÊ FEZ ISSO! – Manteve-se atento a João e Tomtom,que logo pararam para olhar a ‘’briga’’ deles.

– EU FIZ O QUÊ,SEU JEGUE? – Bianca continuou,se segurando para não rir.

– OLHA SÓ PRO TAMANHO DESSE SHORT! MAIS JUSTO QUE ISSO,SÓ DEUS,MINHA FILHA! – Esbravejou como um namorado ciumento.

– ESCUTA AQUI SEU LUTADORZINHO DE QUINTA,QUEM VOCÊ PENSA QUE É PRA CONTROLAR O QUE EU USOU OU DEIXO DE USAR? – começou a andar para o carro e Duca a seguiu. – ISSO É PROBLEMA MEU.

– AH CLARO! E FICAR PARECENDO UMA PIRIGUETE TAMBÉM DEVE SER. – Entrou no carro e se sentou ao lado dela. – E DEPOIS AINDA QUER FALAR MAL LÁ DAS MENINAS DA RIBALTA...

– E VOCÊ PELO VISTO NÃO DEVE TER PROBLEMA COM NENHUMA NÉ? JÁ PEGOU TODAS.

– Isso é você que tá dizendo,Bianquinha. – Deu um sorriso torto para ela,contando vantagem.

– Seu safado! – Começou a distribuir tapas no lutador,e ele teve se conter para não pará-la e não estragar o disfarce,desviando como podia.

Logo o carro já dava partida e eles foram para casa,longe de Pedro e Karina.

– X –

Pedro observava aquela cena com um sorriso bobo no rosto.

Karina brincava com Simba,acarinhando o animal e bagunçando seu pelo. Ele retribuía o carinho,lambendo sua mão e se aproximando dela,deitando de barriga pra cima.

– Detesto interromper o momento,mas a gente tem que ir pra casa.

Karina voltou seu olhar pra ele,ainda sorrindo. Levantou-se e chamou por Simba,que a seguiu e se sentou no banco de trás.

– Parece que ele gostou de você,esquentadinha. – Pedro ligou o carro e deu partida.

– É verdade,e eu gostei dele! É impossível não gost.... – Olhou para trás para vê-lo,e sua ficha caiu. - Pedro....eu vou te fazer uma pergunta,e você vai me responder. CADÊ. TODO. MUNDO???

Ele riu da lentidão da loira.

– Foram no outro carro,ué.

– E COMO ISSO FOI ACONTECER? – Ela estava em pânico,literalmente. Ficar sozinha com Pedro não era mais uma opção.

Karina começou a reclamar sobre o encontro e sobre tudo o que estava acontecendo,ela nem sabia mais se o que dizia tinha nexo ou não. Cansado daquilo,Pedro parou o carro numa esquina qualquer.

– Karina,me escuta. – Uniu suas mãos as dela. – Eu não quero a Tainá,não quero a Guta e nenhuma outra. Eu sei que tem a missão e tudo o mais,mas eu não quero pensar nisso agora,e eu sei que você também não.

– Pedro...

– Vamos propor uma trégua,pelo menos essa noite? – Sugeriu,com a boca próxima demais da boca dela.

– Você promete que colabora com a missão?

– Karina...

– Promete? – Ela insistiu.

– Prometo. – Ele assentiu,e sua loira sorriu em resposta.

Foi o que bastou para Pedro unir sua boca a dela. Sua língua pediu passagem e ela cedeu,aprofundando o beijo. Ele tentou soltar seu cinto sem sucesso e ela riu entre um beijo e outro,se soltando sozinha e indo mais para perto. O guitarrista puxou sua loira para se sentar em seu colo,e logo ela estava com as pernas ao redor do corpo dele. Karina já não sabia aonde estava sua sanidade,mas não se importava. Ela queria aquele beijo,queria senti-lo e nada a faria parar.

Ela levou suas mãos a nuca do guitarrista,dando leves puxões e carinhos em seus cabelos. Ele levou suas mãos da cintura para dentro da blusa de Karina,percorrendo a barriga e as costas da menina.

– Pedro... – Ofegou quando ele deu leves mordidas no sue lábio inferior,descendo os beijos para o pescoço e o sugando. – Acho melhor a gente-e pa-r-ar....

– Eu não acho. – Afastou a alça da regata que ele usava e beijou seu ombro desnudo.

– É sério Pê,vamos logo antes que eles percebam a nossa ausência. – Lhe deu um selinho e voltou ao banco ao lado,colocando o cinto.

Pedro bufou de raiva e deu partida do carro. Karina apenas riu da carranca do moreno.

– Desfaz esse bico.

– Eu não tô de bico nenhum,K.

– Ahh,mas tá sim! Olha só pra isso,parece uma tromba de elefante. – Se aproximou dele e lhe deu um beijo no rosto.

Durante todo o caminho,eles nada disseram. Estavam presos ao acontecimento de minutos atrás,e como ficariam depois que cada um fosse para seu lado. Para descontrair aquele momento,Pedro ligou o rádio e passou a cantar todas as músicas que ouvia pela frente,arrancando gargalhadas da loira,que não demorou a acompanha-lo.

– Pedro,cala a boquinha vai? Tá difícil hoje. – Desceu do carro e abriu a porta de trás,liberando Simba.

– Então vem calar. – Encostou sua loira na porta do carro e a beijou.

– Pê,é melhor eu ir,daqui a pouco o João coloca os anjos todos atrás de mim. – Tentou se soltar dele,sem sucesso.

– Ka,como nós ficamos?

A pergunta de Pedro a pegara de surpresa. Não queria que aquela pergunta viesse a tona,mas ali estava ela.

– Você fez uma promessa,Pedro. – Disse com dificuldade,jurou que aquelas palavras não iriam sair. – Amanhã nós teremos mais uma etapa da missão,e eu acho bom você estar acordado. – Se referiu ao acontecido no quarto dele,mais cedo.

Ele nada respondeu,apenas acarinhou seu rosto e a loira fechou os olhos,rendida.

– Eu não vou desistir tão fácil,esquentadinha. – sussurrou em seu ouvido.

Antes que pudesse colocar mais a perder,se afastou bruscamente dele e correu para casa,mas não sem antes olhar para trás,e ver que ele a esperava entrar.