Motsatt escrita por Monique Góes


Capítulo 9
Capítulo 8 - Acalento Efêmero


Notas iniciais do capítulo

OLHA QUEM VOLTOU
Bem, este capítulo foi bem complicado de se fazer... Passei o fim de semana todinho nele.
Bem, a partir do momento em que o Jake vê a Far, aconselho a escutar esta música:
http://www.youtube.com/watch?v=fdHCec23BKE
Boa leitura!



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Capítulo 8 – Acalento Efêmero

Quando saiu da escola, surpreendeu-se ao dar de cara com Nero. Por um mísero instante pensou no fato de no dia seguinte seria atormentado pelos outros alunos novamente, mas quando viu a face de seu irmão, percebeu que havia algo errado. Estava pálido, e havia tensão escondida por detrás daqueles olhos amarelos que o deixaram preocupado.

Deixando de lado qualquer pensamento inútil ou influência exterior – mais conhecida como colegas -, seguiu a passos largos em sua direção.

– Está tudo bem?

Nero não respondeu, apenas olhou em direção aos alunos que os encaravam, dando a Jake uma resposta muito mais clara do que poderia dar com palavras. Era um assunto sério, e mais que isso, precisavam falar a sós. Assentiu e o de cabelos brancos levantou, seguindo silenciosamente para longe do colégio, deixando para trás todas as fofocas que já rolavam soltas.

Após passarem por uma cabine telefônica, a qual se encontrava sendo cobaia para a tentativa de um grupo de adolescentes de tentarem caber todos dentro, Nero questionou repentinamente:

– O que irá fazer hoje?

Olhou-o de cenho franzido.

– O que houve Naphees?

– O que irá fazer hoje?- repetiu numa voz realmente séria, capaz de dar calafrios a Jake. Percebeu que realmente era melhor responder logo o que ele queria, para que então este o contasse sobre o que o fazia agir assim.

– Eu... Falei com Far. Vou depois a casa dela, para enfim conversarmos. Acho que lhe devo alguma explicação. – disse. Estava nervoso com aquilo, mas a face inexpressiva de Nero deixava-o muito mais tenso. – O que houve Naphees? Se for me contar que não é nada, não irei acreditar. Está com uma cara péssima.

O outro suspirou, passando as mãos pelo cabelo prateado, puxando-os para trás como Jake fazia. Parecia tão fatigado e tenso, quase doente. Lembrava-se do ataque que tivera e temia que talvez fosse algo pior.

– Vamos para lá então. – disse repentinamente, assustando a Jake.

– Mas...

A expressão dele dizia claramente: Depois. Mas vê-lo daquele modo deixava a Jake nervoso, o que certamente não era muito bom antes de ir finalmente falar com Far.

– Não vou fazer nenhuma besteira, não é?

Nero não lhe respondeu. Na realidade, sequer lhe dera ouvidos. Seu olhar vagava pelo caminho, como se enxergasse coisas que apenas ele enxergasse.

E enxergava.

– Naphees! – chamou, e seu irmão se sobressaltou.

– O quê?!

– Eu vou fazer alguma besteira ou coisa do tipo?

– Hã? Ah... Não. – passou a mão pelos cabelos antes de pô-la no bolso, puxando-o para trás como Jake fazia antes, retirando Aegis de lá. A ratinha se encontrava inerte, talvez adormecida. Acariciou ligeiramente sua cabeça com um dedo antes de dizer. – Eu tive uma visão. Nada a ver com o que vai fazer agora, mas é realmente sério.

– E com esta cara, só pretendia me dizer depois?

– É... Eu não sei. Talvez sim, talvez não. Na verdade, não sei o que dizer. Acho que seja melhor dizer depois, pois não é...

– Se está dizendo que não é melhor me deixar nervoso, acredite: Já estou. Mais uma vez repito: O que houve? O que viu era tão grave assim?

Nero guardou Aegis, e fitou suas mãos.

Dois na água e dois no fogo.

– O quê?

– Estava tudo escuro, e mesmo não conseguindo enxergar nada, eu sabia que era sua casa. Eu escutava algo... Semelhante ao som de água correndo. E alguém resfolegando como se estivesse se afogando.

Jake franziu o cenho, mas deixou-o continuar. Como assim, alguém se afogando no nada?

– Eu não podia me mover, então apenas continuava a encarar a porta, esperando que alguém a abrisse. E foi você. – estremeceu. – Mas estava machucado. Quando digo machucado, me refiro a lacerações e ossos quebrados. Mal conseguia se por de pé. Entrou na casa, e a pessoa que parecia se afogar mandou-o fugir...

–Fugir?! – Jake exclamou. Nero estava contando as coisas de maneira demais detalhada para seu gosto, e sentia como se aquilo fossem socos em seu rosto por algum motivo. – Do quê?!

– Sim... Deixe-me terminar. Você simplesmente caía. Desmaiado, tenho quase certeza. – balançou a cabeça. – E um homem aparecia. Ele brilhava, e parecia que, mesmo estando no meio de sua casa, estava debaixo da água. Como se fosse ele que havia feito tudo aquilo.

– Isso não faz sentido. – disse, mas lembrava do pesadelo que tivera há algumas semanas. Um homem brilhante, seus cabelos e roupas flutuando como se estivesse sob a água, e parecia estar pronto para pegar seja quem quer que fosse no sonho.

– Eu sei, mas foi isso que vi. E terminou quando me pareceu que Rarac saltou sobre ele. – mentiu, deixando de fora o fato de Rarac se tornar homem. – O que mais me deixa preocupado é o fato que minhas visões antes demoravam muito para se tornarem realidade, fato que não acontece mais hoje.

– Lembro que disse que iria passar mal dentro de quinze minutos.

– Exatamente... Agora não sei o quão logo esta irá se tornar realidade, nem se poderemos mudá-la. E isto é o que me preocupa.

Haviam parado numa ruela vazia, que Jake às vezes pegava como atalho, mas nem percebera o quão longe haviam ido parar. Uma parte desconhecida de sua mente lhe dizia era bom ficar tão nervoso quanto Nero estava, e certamente se encontrava assim. Uma parte que parecia sempre ter estado ali, mas nunca a percebera.

– Se estava escuro, então ocorreu de noite.

– Sim, madrugada. Talvez a melhor coisa a se fazer é se manter em casa durante este horário.

– Nem possuo mais o costumo de sair neste horário...

– Klodike, eu te achei numa praça às três da manhã!

– Aquilo foi uma exceção! Precisava me lamuriar mais um pouco.

Nero abriu a boca, mas de repente travou. Assim como acontecera dias antes, o cenário pareceu mudar. Não estavam mais na ruela, mas sim no que lhe pareceu ser um parque coberto pela neve, e a sua frente, havia um lago congelado, mas a fina camada de gelo havia sido quebrado. As bolhas subiram na superfície e repentinamente alguém emergiu, de costas para si.

Os gêmeos conseguiram ver que o rapaz tremia quase convulsivamente e vinha para a borda carregando o que lhe pareceu ser o corpo inerte de uma garota de entre seus dezessete, dezoito anos, os cabelos cor de fogo grudando em ondas mortas em seu rosto. Estava pálida, com os lábios e as pálpebras roxos, e Nero pensou que ela já se encontrava morta.

Houve gritos, as pessoas começavam a se aproximar, e uma garota parada à margem gritava desesperadamente “Nathalie, Nathalie!”. O rapaz foi até sua direção, mas tinha a certeza de que já não possuía mais forças para se erguer; quase eram capazes de sentir a água álgida contra suas peles.

Mãos os agarraram e os puxaram para fora, já conseguia ver pessoas arranjando cobertores do nada e os cobrindo. Falavam rapidamente e não em inglês. Jake conseguiu identificar a língua como sendo francês. Um grupo rapidamente havia circulado a garota inconsciente, tentando reanimá-la, enquanto a outra encontrava ao seu lado, o rosto coberto pelas mãos e os ombros tremendo devido aos seus soluços. Algo lhe afirmava fortemente que era a irmã dela.

O rapaz foi ligeiramente abandonado, pois quem se encontrava em pior situação era a moça. Mas os olhos de Nero se pregaram nele. Seu cabelo chegava até seus ombros e eram da mesma cor que os cabelos de Jake.

Só teve tempo de ver os olhos azuis gelo se erguendo. Quando percebeu que haviam retornado à mesma ruela.

–... Você viu isso?

Nero assentiu, sem prestar muita atenção, as palavras de Aegis lhe vindo à mente.

“Mas até onde sei... Vannes e Esben estão mortos.”.

“‘Até onde sei’ não é nenhuma certeza”. Pensou Nero. Não conseguira ver o rosto do rapaz, mas parecia ser coincidência demais seus cabelos e os olhos serem da mesma cor que os do irmão ao seu lado.

Assumira que as palavras “dois na água e dois no fogo” significava que dois haviam morrido na água, e que as sombras tentariam matar a ele e a Klodike no fogo... Mas se houvesse se precipitado e não fosse exatamente aquilo que significasse?

–... De novo...

Olhou para Jake.

– Isso já aconteceu com você?

– Uma vez... No dia em que nos vimos pela primeira vez. – respondeu. – Não durou tanto quanto agora, mas foi exatamente assim: De repente, tanto o começo quanto o fim. – suspirou. – Sério que hoje as coisas vão resolver ficar loucas?

Olhou-o por um instante, lembrando-se que Jake resolvera falar com Far justamente naquele dia. Sorriu, sem poder deixar de se sentir um tanto quanto culpado. Talvez não fora a melhor ideia do mundo ter aparecido do nada como fizera...

Ou talvez fosse.

– Bem, ainda irá à casa de Far ou vai desistir?

– Vou perder todo o meu crédito se não for. – Jake suspirou, passando a mão por seu cabelo. Estava certo, protelara demais durante aquela semana. Mas os acontecimentos repentinos justo antes de chegar à casa dos Toy estavam deixando seus nervos em frangalhos. Olhou para Nero. – E você?

– Não tenho nada a fazer. Posso ir com você? Prometo que vou ficar longe quando chegar a hora.

Jake acabou dando uma risada exasperada.

– Está falando como se eu fosse pedi-la em casamento ou algo do tipo.

Mesmo assim, ambos seguiram até a residência, procurando evitar o assunto das coisas que haviam visto ou da visão de Nero, procurando conversar sobre assuntos banais para acalmar a ansiedade.

E não estava dando muito certo.

– Ei garoto... – A voz animada de Martin morreu quando viu Nero parado ao lado de Jake, encarando-o boquiaberto.

“Que a fofoca na vizinhança comece!” – Jake pensou desgostoso.

– Ei Martin, podemos entrar?

– Claro... – o porteiro foi abrir o portão, resmungando coisas ininteligíveis sobre duplicatas e gêmeos por toda parte. Tanto Jake quanto Nero preferiram ficar em silêncio quanto a isso.

– Nossa, que... – o de cabelos prateados começou enquanto passava seus olhos pela propriedade. Era realmente suntuosa a um primeiro olhar... E a um segundo, um terceiro... Passaram por uns canteiros de flores da Sra. Toy muito bem cuidados e quando pararam em frente a porta, o ruivo apertou a campainha.

Não demorou muito para que Lala viesse abrir a porta. Era a governanta, uma mulher negra, robusta e... Minúscula, em torno do fim de seus vinte e começo dos trinta, os cabelos crespos puxados num apertado coque e usando um uniforme azul claro. Trabalhava para Margaret desde seus tempos de solteira, e quando esta se casara com Charles Toy, não hesitara em levá-la junto para a nova propriedade.

Os olhos negros foram de Jake a Nero. E tinha que admitir que estava começando a se acostumar com aquela reação. Mas ao contrário da maioria, agiu com sua constante simpatia e com um imenso sorriso mandou a ambos entrar, indo com passos absurdamente rápidos para alguém do seu tamanho avisar Sra. Toy que ambos estavam ali.

– Irmão? Que irmão?! Os Silverman só tem um... – Margaret deixou a frase morrer quando os dois chegaram à sala de estar, muito depois de Lala.

Havia ali algumas poltronas confortáveis revertidas em uma capa de couro bege, além de um divã praticamente esquecido, meio reconstado a parede no outro extremo da sala. A mesinha de centro de madeira escura e os tapetes de algodão eram felpudos e brancos.

E sobre o tapete, estava Jessica, a caçula, brincando com algumas bonecas. Possuía três anos, seus cabelos dourados caindo lisos até o meio das costas, com uma fita presa à cabeça. Tinha o rostinho rechonchudo e grandes olhos castanhos cobertos de cílios espessos, e largou seus brinquedos no momento em que viu Jake, levantando-se e correndo até ele com o máximo de velocidade que as pernas diminutas permitiam, os braços estendidos indicando que queria que a carregasse. Como possuía dificuldade de fala, quando o chamava, tudo o que saia era um “A... Ke” extremamente falho. Talvez só o compreendesse porque ela conseguisse pronunciar de forma semelhante ao seu nome.

– Oi Jessica. – disse enquanto a carregava no colo e ela se agarrava ao seu pescoço. Por algum motivo era muito apegada ao ruivo, mesmo que o visse apenas algumas vezes. – E olá Sra. Toy.

– Oh... Minha nossa, sinto muito... – deu uma risada sem graça. Alguns fios cacheados escapavam de seu penteado, e Margaret os pôs atrás da orelha. Junto com Mihael, ela era a única morena naquela casa. E entendia exatamente pelo quê ela estava se desculpando.

–... Tudo bem, digamos que seja algo recente. – os gêmeos se entreolharam. Não exatamente, mas nenhum lembrava mesmo do outro antes. – Bem, este é o meu irmão, Nero.

– Hã...? Ah olá. – Nero cumprimentou quando percebeu que estava se referindo a ele. Jake percebeu que ele estava indo para um outro mundo muito rapidamente, e não era como se pudesse exatamente culpá-lo por isso.

E foi uma péssima hora para se lembrar disso.

– Como está Near?

– Far não lhe contou? Ele acordou ontem. Os médicos disseram que seu quadro se encontra estável, mas que ainda terá de continuar internado por enquanto. – suspirou, parecendo aliviada, e seu alívio também passou a Jake. Seu amigo já estava fora de perigo, o que era realmente uma ótima notícia. Pelo menos uma. – Mas graças a Deus ele está melhor e fora de perigo.

– Sim, realmente. – respondeu, percebendo que ela nem soubera da... Situação delicada que ele e sua filha estavam passando. E talvez fosse infinitivamente melhor assim. Percebeu que Jessica encarava Nero de maneira desconcertante, a ponto que quase podia ver nos olhos do irmão a vontade de se encolher. – Quer carregá-la?

– Q-quê? Não, não tenho jeito com crianças nem... – Jake nem o esperou terminar, pôs a menina em seus braços que imediatamente pegou os cabelos prateados como se fossem coisas de outro mundo. Mas se bem que encontrar alguém com o cabelo ligeiramente azulado como os dele deveria ser algo realmente raro. – E-ei, não puxa. – murmurou, enquanto a mãe dela só ria.

– E quando ele vai receber alta? – continuou.

– Mês que vem, talvez. Se apresentar uma grande melhora, talvez daqui a duas semanas.

– E... – seu tom de voz se tornou cauteloso. – E o Sr. Toy?

– Espero que apodreça na cadeia. – ela cuspiu, o que definitivamente assustou Nero. – Tentou matar o próprio filho e fazia a vida de todos da casa um inferno, eu realmente espero que passe muito tempo lá para esfriar aquela cabeça. Mas deixando assuntos e pessoas desagradáveis de lado, você veio falar com Far? – Jake sentiu algo entalar-lhe a garganta e escutou seu irmão disfarçando o riso como um acesso de tosses. Teve vontade de esganá-lo. – Posso chamá-la se...

– Não precisa. – a interrompeu rapidamente, tentando soar o mais naturalmente. – A menos que ela esteja em seu quarto, posso ir até ela.

– E você não conhece Far o suficiente para saber que ela entra naquele bendito quarto apenas para trocar de roupa e dormir? Está nos jardins, perto da estufa. É onde se enfurna nestes dias, apesar do frio horroroso. Tem certeza de que não prefere que a chame?

– Não, obrigado, está tudo bem. – respondeu, já se afastando, mas quase esbarrou numa Lala que trazia uma imensa travessa de lanches. Escutou o gritinho excitado de Jessica atrás de si quando viu a comida. – Desculpe Lala!

– Não é nada! Ei menino, não vai ficar para o lanche?

– Eu já volto, eu só... – escutou as vozes de Mihael, Carol e Jeremiah descendo as escadas.

– Ah não entendo esses jovens de hoje! Não querem comer e depois ficam magrelos assim ó. - Apontou o queixo para Jake. Na realidade, ele não era magrelo, chegava a possuir músculos que se ressaltavam de suas roupas, mas entendia o que a governanta se referia. -Depois tá só osso e...

Enquanto fugia silenciosamente do sermão pela porta dos fundos, viu Nero lhe lançando um olhar de socorro enquanto punha Jessica no chão, e seguiu para os jardins.

A Sra. Toy não mentira quando dissera que fazia um frio horroroso e sabia disso. Às vezes as ruas amanheciam cobertas de gelo, e segundo seus cálculos, não demoraria muito para que em alguns dias começasse a nevar. Pearl certamente ficaria feliz com aquilo.

Engolindo o nervosismo enquanto se encolhia dentro de seu casaco, pensou novamente o quão patético achava ao se sentir deste modo, mas chegava a hora de ser franco. Passou por uma empregada que apenas conhecia de vista enquanto esta corria de volta para dentro, e se dirigiu até a estufa.

Encontrou Far atrás dela, sentada no chão com Blue, seu São Bernardo, esparramado com a cabeça em seu colo enquanto o acariciava. A cena o lembrava de si mesmo com Rarac, e Blue fora um presente de Near a ela no aniversário de quinze anos de ambos. O dela a ele fora um tapa acompanhado por um relógio que até onde se lembrava ele ainda possuía. E ninguém nunca entendera o porquê do tapa...

Ela demorou um pouco para perceber sua aproximação, na realidade, só percebera quando Blue erguera a cabeça para ele e latira.

–... Jake? Você já...

– Eu avisei que viria, não avisei? – disse enquanto se sentava ao seu lado, tentando em vão conter seu nervosismo.

– Bem... Eu esperava que viesse mais tarde.

– Quer que eu vá embora?

– Não. – suspirou e se moveu desconfortavelmente, movendo a cabeça de Blue em seu colo, mas ele estava ocupado demais encarando Jake de maneira desconfiada.

–... A sua mãe falou que o Near acordou.

– É. Ainda não entendeu direito o que aconteceu, mas está bem. Só reclamou de dor de cabeça, e dou todas as razões do mundo para ele.

– Ele realmente tem.

Depois disso, nenhum dos dois falou nada, um silêncio constrangedor se instalando entre ambos. Jake não sabia por onde começar, e ambos evitavam os olhares um do outro. Estava nervoso, e o assunto que pretendia era realmente constrangedor. Não deveria ter rido de seu pai quando este fora ter “a conversa” com Pearl, pois certamente ele iria rir de Jake naquele momento.

Respirou fundo para tomar coragem, e começou.

– Eu... Queria te pedir desculpas por aquele dia. – Argh, o que estava dizendo?! – Não foi a melhor coisa nem o melhor momento para se fazer algo daquele tipo.

–... Era isso? – seu tom de voz deixava claro que ela não gostaria de entrar naquele assunto. E era óbvio, fora o dia em que Near quase morrera.

– O quê? Não! Eu fiquei com a sensação de que havia me aproveitado de você, o que definitivamente é algo que não desejo. – continuou, sentindo seu nervosismo praticamente transbordando. Era impressão sua, ou sua pulsação soava insuportavelmente alta? Apenas olhava para baixo, se recusando a encará-la. Certamente era a primeira vez que se encontrava daquela maneira, portanto sequer via o olhar até admirado de Far com a situação. -... É que... Eu simplesmente não sabia o que fazer. Estava nervoso com toda a situação.

Ela se manteve em silêncio, o que realmente não ajudou a Jake. Estava total e completamente fora de sua zona de conforto, fazendo algo que passara anos adiando. E as coisas loucas que estavam ocorrendo apenas deixavam a tudo pior. Respirou fundo, tentando encontrar palavras para continuar.

– Essa semana foi muito difícil para mim, com você me evitando e tudo mais... – Sua voz saiu quase como um sussurro. Ia mesmo falar aquilo? – Eu te dou todos os motivos do mundo para não confiar em mim depois do que eu fiz. A cada semana com uma garota nova, e depois agindo como se não me importasse com nada, saindo e me metendo em confusão à noite. Mas... Você é preciosa demais para mim, eu não quero... – bateu na própria testa. Mais uma vez, o que estava dizendo? Sentia seu rosto tão insuportavelmente quente que o sentia como fogo em brasa. Não duvidava que estivesse quase da cor de seus cabelos, talvez até mais escuro. Não sabia o que dizer, as palavras apenas vinham-lhe a mente, mas pareciam-lhe tão imbecis.

Parou de falar. Mesmo que houvesse tido mil anos para se preparar, certamente a situação não seria muito diferente. Os olhos azuis recusavam olhar nos olhos castanhos, e sua pulsação continuava tão insuportavelmente alta... Trazia o rosto apoiado numa das mãos cobrindo-lhe a boca e quase que o nariz. Blue sentou-se, saindo do colo da dona e dando uma cheirada desconfiada em Jake, antes de sair gingando em direção a casa, deixando aos dois jovens sozinhos no jardim.

–... Eu sei o que quero dizer, mas não consigo. – confessou, sua voz saindo até adoravelmente abafada pela mão pregada à boca. – Não ria da minha cara, e pode me chamar de louco ou coisa do tipo pelo que irei falar. Desde o momento em que te vi, eu senti que... Para mim, você era diferente. Quando eu a vi, eu juro que meu coração bateu como nunca havia batido antes. Mas toda vez que estou contigo, é como se ele ficasse daquela maneira. E é como ele está agora, mas creio que neste momento, esse fato está muito mais visível do que eu gostaria.

Deu um suspiro.

–... Depois de todo esse tempo, decidi que... É melhor ser franco do que fingir que as coisas não acontecem. Quando eu te beijei aquele dia, eu soube por sua reação o que pensou. Que eu talvez só estivesse fazendo com você o que eu provavelmente fiz com várias outras, que não estava acreditando que eu tive coragem de fazer algo do tipo com você, mas... Não é verdade. Em nenhum momento eu a veria apenas como uma diversão ou coisa do tipo. E na realidade, com ninguém foi assim. Pessoas têm sentimentos, e sei muito bem disso, não tenho orgulho algum de certamente tê-las magoado.

“É melhor fazer agora, senão depois poderá não ter esta oportunidade”, foi o pensamento repentino que lhe veio à mente. Com a visão de Nero, e com a alucinação que tiveram...

Que mau agouro era aquele?

– Jake, eu... – Far começou, e o ruivo sentiu-se encolher internamente, totalmente despreparado para qualquer resposta provinda dela. – Eu não sei exatamente como eu posso lhe responder isso, mas agradeço por ter vindo aqui e ter dito tudo o que disse; ter sido franco, como você mesmo disse. – escutou-a se movendo. – Naquele dia, você está certo, tudo aconteceu rápido demais, e não consegui acreditar que estava fazendo aquilo comigo. Normalmente um beijo não deveria trazer tantos problemas, não é? – ambos deram uma risada sem graça. – Mais uma vez acertou quando disse sobre todas as coisas que poderiam ter passado por minha cabeça. É verdade Jake, eu pensei em muita coisa que o vi fazendo nos anos anteriores. Mas... Bem no fundo, eu queria acreditar que era diferente.

Olhou-a quase que chocado, finalmente. Mas dessa vez, era ela que evitava seu olhar. Sua mente parecia ter se dividido em dois: A parte racional que lhe dizia para se acalmar, que ela apenas não queria que ele tratasse como uma diversão passageira, como sempre parecera com outras garotas, enquanto a parte emocional berrava que aquela era uma possibilidade de que ela retribuía seus sentimentos.

E realmente estava muito difícil de manter-se quieto assim.

– Eu te conheço há tanto tempo... Quase dez anos. Agora vendo, não sei dizer se alguma vez reparei se você chegava a demonstrar algo próximo a mim, mas pelo que te conheço, agora sei que tenha tentado ao máximo esconder isso.

– Está certa. Eu sentia como se fosse errado sentir isso.

–... É estranho ter que lidar com algo do tipo com você Jake. – confessou com um suspiro. – Não sei o que dizer. Você sempre pareceu tão... Neutro. Mesmo que seja muito mais emotivo na minha frente e na de meu irmão, você sempre teve uma atitude tão “não ligo para nada” que... Simplesmente não consigo acreditar que estou te vendo desse modo.

– Estou com os meus nervos em frangalhos. – murmurou incerto se ela escutara ou não.

– E você está tão nervoso. Não dá para fingir algo assim. – Far aproximou-se e Jake prendeu a respiração quando ela pousou a mão em seu peito, bem sobre seu coração. Sentia-o martelando tão forte e rapidamente que mordeu os lábios tentando manter-se calmo.

– Não faz isso, por favor. É embaraçoso.

– Sinto muito, não resisti. – sussurrou. – Você disse que achava errado sentir alguma coisa por mim, certamente por ser amigo da minha família por tanto tempo, mas Jake, não acredito que exista um tipo de amor errado.

– Mesmo que seja aparentemente doentio?

– Olhe para si mesmo, você acha que é um tipo de afeto doentio?

Mordeu os lábios novamente. Passara tanto assumindo que aquela paixão era uma coisa doentia que era simplesmente um choque para si que Far dissesse o contrário. Sempre assumira que ela o rechaçaria caso soubesse há quanto tempo aquilo durava, mas ela não parecia pensar daquele modo. Estava confuso, toda a situação o deixava quase tonto.

E droga... Ela ainda estava tão próxima...

– Eu... – começou, umedecendo os lábios. – Passei anos acreditando que é, mas agora que você diz, estou simplesmente confuso. – balançou a cabeça. – Sabe Far, muita coisa tem acontecido esses últimos dias que parece que meu mundo irá virar de pernas para o ar. Às vezes penso que estou enlouquecendo, e que minhas certezas já não são assim tão certas.

Olhou para ela, sentada bem ao seu lado. Ergueu sua mão, traçando com seu polegar a linha da face da garota numa carícia. Nem sabia porque estava fazendo aquilo, mas quando parecia prestes a parar, Far o segurou, mantendo sua mão contra o rosto gelado devido o frio. Respirou fundo por um momento, antes de se aproximar um pouco mais.

Era estranho pensar que aquele beijo era tão diferente do que ambos haviam trocado em sua casa, mas fora. Não parecia errado e deslocado. Aquele simples e demorado selar deixava sua mente ficou em branco durante sua duração, apenas aproveitando a sensação dos lábios macios que se encontravam gelados contra os seus. Não havia nenhum tipo de desejo, apenas um afeto quente e delicado, que dizia ao seu coração que martelava dolorosamente em seus ouvidos que todos aqueles anos talvez valessem a pena diante um contato como aquele.

Sua mão desceu do rosto de Far, indo até sua cintura, acariciando-a ligeiramente, enquanto a sentia pousar uma de suas mãos em seu ombro. Quando separaram os lábios, Jake roçou-os ainda ligeiramente no rosto da garota, quando um gritinho acordou a ambos da bolha de paz em que haviam se posto.

Petrificados, olharam para uma Lala parada próxima a parede da estufa, balançando os braços histericamente num ataque eufórico, como se estivesse batendo asas para alçar voo, enquanto mais sons agudos saíam de seu sorriso escancarado. O cérebro de Jake demorou um pouco mais que o de Far para voltar a funcionar.

– Lala! – exclamou enquanto se soltava dos braços do ruivo e se punha de pé num salto.

– Eu não vou contar! Eu não vou contar! – a negra exclamava em meio a gritinhos, risadinhas e saltitava numa estranha dança. Jake não sabia se deveria ficar embaraçado ou rir da situação. – A sua mãe mandou chamar vocês para ir comer, mas... – ela soltou mais um gritinho agudo enquanto Jake se levantava. Sentia-se ligeiramente anestesiado...

– Lala, se acalma, por favor, senão vão te escutar e vão vir ver o que está acontecendo!

– Lala, respira. – Jake disse, e ela começou a inspirar e expirar tão rapidamente enquanto se abanava com as mãos estendidas que quase a ouvia dizendo “Um, dois, um, dois” enquanto o fazia.

– Está mais calma? – Far questionou depois de um tempo e a governanta parecia ter se aquietado.

– Não, mas estou me controlando. – os dois se entreolharam. Felizmente, Lala era uma pessoa completamente contra fofocas, portanto, não teriam de se preocupar com tal, mas com um ataque como o que ela estava tendo, era bem capaz que acabasse soltando algo. – Vão entrar? Menino Jake, acho que vão acabar matando seu irmão lá dentro!

– Irmão? – Far o olhou. – Você o trouxe?

– Matando-o como? – olhou para Far. – Digamos que ele me deu certo apoio moral.

– De perguntas e admito que acho que o entupi demais de comida... – murmurou num tom culpado. – Espero que não passe mal depois.

Voltaram para dentro da construção, enquanto Jake sentia o quanto suas extremidades se encontravam geladas. No calor do momento sequer percebera aquele fato. Quando entraram, parecia que todos os irmãos mais novos de Far haviam sentado envolta de Nero enquanto a Sra. Toy encontrava-se sentada a sua frente. Mas sua atenção foi diretamente para seu irmão, que estava encostado no sofá com uma expressão de quem havia comido demais e que a última coisa que poderia fazer era levantar e andar, e que seria muito mais fácil se deslocar se o fizesse rolando.

– Ei Jake, acho que já podemos escrever uma biografia do seu irmão aqui. – Mihael o disse no momento em que o viu.

– Espero que não o matem tão rápido. Praticamente acabamos de nos conhecer.

Nero simplesmente levantou ligeiramente sua cabeça, mas a jogou de novo contra o encosto do sofá. Jake fez uma careta e olhou para Lala.

– O que você deu para ele comer?

– Muita coisa. – Nero gemeu.

– Mas olha para esse menino! Ele precisa de mais peso até que você!

Jessica cutucou-o ligeiramente. Na cabeça de Jake, parecia que ela estava verificando se ele ainda estava vivo.

– Mas o seu cabelo é assim mesmo? – Carol questionou desconfiada.

– É.

– Meio azul?

– Eu acho que isto é prateado...

– Os olhos dele são estranhos também. – Jeremiah praticamente enfiou um dedo num dos olhos amarelos de Nero, que o fechou por reflexo. – Olha! Os cílios dele são brancos!

– Crianças, por favor, sejam mais educadas! – Margaret repreendeu aos seus filhos enquanto Far ia e sentava no braço de sua poltrona.

– Mas mãe, olha, ele parece bem mais legal que o Jake!

– Nossa, obrigado. Nem vou levar para o lado pessoal. – Jake murmurou num tom ressentido enquanto se sentava e pegava um dos sanduíches dispostos na bandeja. Um sorriso quase diabólico surgiu em seu rosto e pôs o alimento bem em frente ao rosto de Nero. – Quer?

Sua mão foi empurrada e riu. Jerry interceptou a mão e deu uma generosa mordida em seu sanduíche, quase levando os dedos de Jake junto.

– Ah, você deve ser Far. – Disse quando abaixou a cabeça e a viu sentada ao lado de sua mãe.

– Hm? Sim, e você é Nero, não é?

Ele assentiu, mas Jeremiah explodiu logo depois.

– Ei, você sabe alguma coisa do Jake de antes, tipo de antes de ele ser adotado?

– Jerry! – Sua mãe o repreendeu mais uma vez.

– Hm... – olhou para o ruivo. Jake deu de ombros. Não havia nada muito significativo assim que Nero soubesse, além de suas visões. – O nome dele.

– O nome? O nome dele não é Jake?

– Não, é Klodike. – Jake respondeu. Teve de admitir que estava se tornando até acostumado com seu outro nome.

– Saúde! – Jerry exclamou.

– Esse é o nome de verdade dele. – Nero explicou, trocando de posição.

– Que estranho. – Carol comentou.

– O nome dele – apontou para seu gêmeo. – É Naphees.

– Hm... Esses nomes são estrangeiros, não são? – Margaret questionou com uma expressão pensativa.

– Provavelmente. – foi a resposta de ambos.

Nero olhou para o relógio da parede. Talvez fosse melhor ir embora, pois se continuasse ali, era provável que o explodissem. Olhou para Jake, que entendeu o recado e se pôs de pé.

– Acho que já vamos indo.

– Maaaas já?! – Jerry exclamou.

– Eu não moro tão perto assim. – Nero se explicou enquanto Lala surgia, pronta para levá-los a saída. Jake e Far trocaram um olhar significativo, antes que se despedisse e acompanhasse a governanta para fora.

Quando chegaram fora dos portões, finalmente soltou o ar.

– E então? – Nero questionou, encostando-se ligeiramente nos ferros e pressionando o próprio estômago.

– Como se sente?

– Com uma bela de uma azia, mas como foi a conversa com a Far? Só uma coisa, promete não ficar com raiva de mim? – Jake assentiu. – Ela é linda.

– É, eu sei. – percebeu-se que não se encontrava incomodado com a constatação do irmão, indo para sua casa. – Eu estava tendo ataques cardíacos seguidos enquanto me explicava... E... Me declarava?

– E a reação dela?

– No começo parecia que não queria falar sobre o assunto, mas... Depois foi tão compreensiva que eu fiquei surpreso.

– Bem, se você explicou as coisas bem...

– Você não conhece Far como eu conheço. Esperava que ela me batesse, me chamasse de maníaco ou coisa do tipo.

– Espera, você falou para ela que sente isso por ela desde sempre?

– É... Simplesmente saiu. Estava nervoso.

– E só deixa eu ver se entendi, o nome dela é Far e o do irmão dela é Near?

Jake riu.

– É. Nem eles entendem o que deve ter passado na cabeça dos pais deles quando puseram estes nomes deles. Muita gente os chama pelo segundo nome porque acham mais normal: William e Sandy.

– Near William Toy e Far Sandy Toy?

– É. Prefiro chamar pelo primeiro nome mesmo, é mais exclusivo. – ambos riram.

– Mas retornando, as coisas estão bem com Far agora?

– Melhor do que eu esperava. – confessou.

Seu irmão sorriu.

– Viu, não era nenhum bicho de sete cabeças.

– Não, era um de dez. – ambos riram novamente enquanto Jake abria a porta de sua casa. – Mas você já vai mesmo para sua casa?

– Sim. – Nero gemeu. – Mas tem algo para o estômago aqui? Preciso de um remédio urgentemente e na minha casa não vão querer me dar.

Jake suspirou. Incomodava-o pensar em Nero sendo destratado em sua própria casa, mas como nada podia fazer, disse:

– Vou ver lá em cima. Espera aí.

Enquanto subia as escadas, Nero se sentou no sofá da sala de estar, suspirando. Estava praticamente explodindo de cheio e seu estômago dava voltas. Ouviu passos pesados e olhou para Rarac vindo de rabo abanando em sua direção, sentando à sua frente. Olhou envolta para ver se não havia ninguém, então se aproximou de cão e questionou em voz baixa.

– Você é como Aegis, não é?

– Sou. – a voz do cão o surpreendeu. Era profunda e grave, retumbante como um trovão. Uma voz que expressava poder. E aquilo certamente o aliviou. – Então aquele projeto de gente se revelou para você?

– Não a culpe. Escute Rarac, algo vai acontecer com Klodike. Proteja-o, por favor.

– Este é o meu dever e é por isso que estou aqui. – foi a sua resposta, então deitou sua cabeça nas patas e voltou a assumir sua face de cachorro bobão que sempre tivera quando os passos de Jake soaram contra a escada. Nero teve de admitir que a maneira que Rarac se disfarçava era brilhante, pois até então jamais havia suspeitado dele.

– Não achei nada, sinto muito. – Jake se desculpou.

– Foi tão rápido que tenho certeza que só passou o olho pelas coisas. – acusou em tom de brincadeira.

– Ei! – protestou enquanto o som de chaves girando soou, e John entrou pela porta. Ele parou por um instante ao ver os dois. – Oi pai.

–... Oi filho. – respondeu, fechando a porta, tentando ao máximo não parecer tenso.

– Olá, Sr. Silverman.

– Olá Nero.

– Bem, acho que vou indo. – Nero levantou com uma careta, e falou para Jake. – Não quero parecer abusado, mas tem dinheiro para me emprestar? Posso passar numa farmácia no caminho e comprar alguma coisa.

– Na verdade – John o interrompeu. – Jake, sua mãe pediu para que eu comprasse algumas coisas, mas esqueci e só lembrei quando cheguei aqui.

– A sua cara fazer isso, pai. – foi a resposta.

– Pois bem mocinho, estou pedindo para ir comprar para mim.

– Ah tá, eu vou pegar o meu casaco. – disse, e subiu as escadas. Quando já estava chegando em seu quarto, deu de cara com Debrah, que saía de seu respectivo quarto com uma sacola sob o braço. – Aonde está indo?

– E desde quando minha vida te interessa? – foi a resposta.

– Quero agradecer a pessoa que vai me permitir passar uma noite sem ver a sua cara. – rebateu.

– Dane-se! – ela exclamou para ele, já descendo as escadas. Jake nem precisou de sua resposta, ela certamente ia dormir na casa de uma de suas pseudosservas que chamava de amigas. Mas realmente tinha de agradecer a quem quer que fosse, pois era realmente uma dádiva passar uma noite sem ter o jantar azedado pela presença de Debrah.

Quando pegou seu casaco e sua carteira e desceu, seu pai lhe estendeu dinheiro, a lista de coisas que sua mãe queria que fossem compradas e a chave do carro. Olhou-o em dúvida ao ver chave.

– Acho que se comportou bem o suficiente durante esses tempos para eu lhe emprestar o carro, não? – foi a resposta, que fez com que Jake pegasse surpreso tanto a chave quanto o dinheiro.

Ele e Nero saíram, indo até o Cadillac preto de rabo de peixe estacionado. Jake já havia o dirigido algumas vezes, mas estava surpreso pelo fato de seu pai ter revogado – em parte – seu castigo. Quando entraram nele, Nero olhou para sua face e questionou:

– O que houve? Nunca dirigiu?

– Já, só estou surpreso porque ele me deu um carro. Eu estou num castigo que pensei que só iria dirigir depois da faculdade...

– Sério?! O que você fez?!

– Digamos que eu fazia muitas besteiras até certo tempo atrás... Saía escondido, roubava o carro para apostar rachas... Esse tipo de coisa.

–... Sinceramente Klodike...

– Deixe eu e meus tempos de rebeldia em paz, agora sou um moço comportado.

– Ahan, sei...

Ambos riram. Pararam numa farmácia para comprar um remédio para Nero, e com as instruções deste, o deixou em sua casa. Era até bonita, pintada de branco, de dois andares e com varandas nas janelas da frente, mas via duas cruzes douradas pregadas uma de cada lado da janela. Seu irmão suspirou, se despediu e saiu do carro, entrando na casa. Pelo breve vislumbre que teve do interior, viu uma imensa cruz de gesso pregada à parede com um Jesus agonizante preso a ela. Tão grande e tão aparentemente pesada que Jake pensou que se desprendesse da parede e caísse, mataria alguém esmagado.

Continuou encarando o local mesmo depois que a porta foi fechada, e com um suspiro deu a marcha e retornou a dirigir. No caminho para o mercado, o trânsito se encontrava parado devido ao fato de que alguém resolvera se suicidar e se jogara de um edifício. Pegou a lista, e passando os olhos, percebeu que as coisas se encontravam ali serviriam para fazer o jantar, então seria péssimo caso demorasse.

Olhou para o lado, a rua que se abria a sua esquerda. Por ali havia um terreno baldio que normalmente servia de pista de corridas clandestinas – o sabia pois já havia participado. – mas talvez pudesse pegá-lo como atalho. Muita gente o fazia mesmo...

Levou algum tempo para tomar sua decisão, mas então tomou o desvio, indo por ali. Era um terreno grande o suficiente para ser comparado à propriedade dos Toy, e por algum motivo ninguém nunca o comprou. O carro facilmente entrou por uma parte da cerca quebrada e foi em linha reta, em direção a outra extremidade.

Na metade, sentiu um estranho repuxão na nuca. Resmungou, mas novamente este veio, e algo lhe dizia que havia algo muito errado. Ignorando este fato, continuou, quando repentinamente só ouviu um zunido, algo se chocou ao capô do carro, que o fez dar uma guinada repentina e girou, capotando.

Os olhos azuis se arregalaram por apenas um segundo, antes que tudo escurecesse.

Sentiu a dor lancinante antes de abrir os olhos, mas o que realmente lhe alarmou foi o cheiro de queimado.

Abriu os olhos, e de maneira trêmula, ergueu a cabeça que se encontrava encostada ao volante. Silvou de dor, suas costelas doíam insuportavelmente, assim como seu braço, mas de longe o que mais doía era sua perna. Sentiu as lágrimas vindo aos seu olhos, era como se ferro quente houvesse sido incrustado à carne.

Espera.

Olhou para a frente, vendo o fogo que ainda consumia o carro. Já havia consumido boa parte dos destroços retorcidos do carro, mas por algum motivo escapara estranhamente ileso. Das chamas ao menos.

Não era difícil perceber que sofrera um acidente, mas também se questionava como. Não havia nada ali que pudesse fazer um estrago daquela magnitude. Olhou para baixo e silvou novamente ao ver sua perna direita. Realmente, havia ferro a atravessando, e conseguia sentir o contato áspero dos ossos, indicando que estava quebrada. Respirar doía, então provavelmente havia quebrado também algumas costelas... E o braço. Sua respiração saía em ofegos. Estava perdido em dor.

O que acontecera?

Puxou a sua perna, gritando quando sentiu o ferro rasgando a carne. Com a perna boa, chutou a porta para que esta se abrisse e caiu para fora, de peito para cima.

Fechou os olhos, respirando rápida e descompassadamente. Sentia o sangue vertendo de seus ferimentos a ponto de deixa-lo tonto.

Tomado por uma urgência inexplicável, se preocupou por algum motivo com sua família. Não pelo fato de provavelmente estarem preocupados com seu sumiço ou algo do tipo, era algo misterioso até para si.

Era como se estivessem em perigo.

Puxando forças de locais que sequer sabia da existência, levantou. Gemendo e quase gritando de dor. Se arrastou, a mente se nublando e a visão se tornando vermelha. Mancava e praticamente uivava, pingando sangue.

O que havia acontecido? O que havia acontecido?

Ao mesmo tempo em que fora insuportavelmente demorado, fora insuportavelmente rápido chegar à sua rua. Mal enxergava e andava em linha reta enquanto cambaleava, as lágrimas de dor escorrendo pelo rosto contorcido que era manchado de sangue proveniente de um corte que lhe vinha da testa. Por algum motivo, tudo o que lhe vinha a mente era sua família, seu pai sentado ao sofá, sua mãe, sempre tão esforçada, Celinne estudando e Pearl, sempre alegre e curiosa.

Por que sentia como se...

Quase não mais aguentando, abriu a porta, encontrando o recinto completamente às escuras, um intenso e sufocante breu. Escutava os resfôlegos de alguém, como se afogasse, mas não conseguia vê-lo...

Escutava também o rosnado de Rarac.

– F... Uja... – a voz gorgolejou de algum lugar de dentro da casa.

E aquele foi seu limite. Seu corpo estava dormente, sua visão não mais captava a coisa alguma. Apenas viu tudo girar vertiginosamente, e quando percebeu já estava ao chão. Viu algo movendo-se nas profundezas da casa, mas tudo o que conseguia ouvir era sua pulsação.

Fechou os olhos, entregando-se ao mundo sem dor, enquanto o colar em seu pescoço, que encontrava-se fora da proteção de suas roupas, abandonava o morto tom de negro e brilhava na cor do fogo, emitindo calor o suficiente para queimar o chão.

O amuleto de Dekhi, a vida, clamava por seus irmãos.

A luz, a morte e o fogo.


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Notas finais do capítulo

E QUEM ACHOU QUE TUDO IA FICAR BEM LEVANTE O DEDO!
Btw, eu protelei por uns dois dias na cena do Jake com a Far i.i Eu simplesmente não sei escrever declarações de amor - tanto que se forem ver minhas fics terminadas, NENHUMA ninguém se declara. -, e se ficou meloso ou mal escrito, por favor, digam i.i
E posso dizer que finalmente Motsatt irá começar!
Bom, elogios, críticas, sugestões, deixem tudo nos comentários!



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