Desbravadora escrita por Quase Julieta


Capítulo 1
Seleção




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/557290/chapter/1

Eu observava o lustre de pingentes em safiras da sala da Corporação. À minha frente, sete cadeiras em torno da mesa redonda e escura.

— Quantos anos você tem? — Soou uma voz inexpressiva e masculina.

— Doze. — Minha voz soou fraca, porém natural.

No Cosmo, a cada dez anos, uma criança é escolhida para ir a Terra. Eu tinha medo, porque o mundo lá em baixo requer muito trabalho de purificação. Os humanos, apesar de toda a sabedoria dada por Deus, se tornaram egoístas e maus.

— Por sorte está no último ano para a Seleção.

As crianças eram escolhidas entre seis e doze anos de idade. Por isso eu tinha medo, eu estava no último ano, mas ainda poderia ser escolhida.

— É. — Respondi sem nenhuma expressão que demonstrasse o meu medo.

— Vamos lá. Conte-me uma história humana, com crianças humanas.

Ele me fitava com os negros olhos arregalados.

— Não sou boa com redações. Na Escola de Aprendizes, nunca sou o destaque das produções de texto.

— Stela, aprenda — ele pronunciou o meu nome, mas como? Eu não havia falado e não havia fichas de inscrições com os nomes dos integrantes da Seleção —, se esforce, não existem bons resultados sem esforços.

Pensei por um minuto e disse:

— Como se chama?

— Miguel, mas por que quer saber o meu nome? — Na Escola de Aprendizes, aprendíamos sobre a Corporação de Arcanjos, mas poucas pessoas os conhecem, e eu não era uma dessas.

— Porque você sabe o meu e infelizmente eu não tenho esse seu poder de adivinhar nomes. — Eu sabia que com minha ousadia eu não seria escolhida. Que arcanjo manteria um anjo pré-adolescente e rebelde na Terra?

— E a história? O que isso tem a ver? — O arcanjo que me indagava, conhecido por ser o Guerreiro dos céus, não parecia lá grandes coisas, a não ser pela espada na cintura e as asas grandes e esbeltas.

— Bem, é assim que as crianças humanas se conhecem, fazem amigos.

A partir dali, um longo olhar se seguiu entre Miguel e eu.

— Ela está certa, Miguel.

Miguel hesitou por um minuto, mas aprovou o arcanjo ao lado.

— Tem razão Gabriel.

O arcanjo Gabriel, que sentava ao seu lado direito, era um pouco diferente de Miguel. Seu rosto transmitia paz e os olhos amor, pensei por um minuto: “Se a Terra precisa de paz e pureza, por que não o mandam para lá? Ele é mais experiente, tomaria melhores decisões e além do mais é um arcanjo”.

Fui interrompida de meus devaneios, com uma mão quente no ombro.

— Está liberada agora anjo. — Era o guardião da sala. Abri minhas pequenas asas e levantei-me, já que as cadeiras e a mesa ficavam no alto da sala.

Do lado de fora, sentei-me no gramado, enquanto outras crianças entravam e saiam da sala da Corporação. Esperava por Luna, minha melhor amiga da Escola de Aprendizes. Quando ela enfim saiu, estava com uma expressão preocupada e quieta.

— Por que está tão calada Luna?

— Eu tenho medo, se eu for escolhida, vou ter de deixar o Cosmo por uma missão pesada demais para mim.

O que eu podia dizer?! Compartilhava do mesmo medo que ela.

— Eu também tenho medo, mas será o que tiver que ser. E a Corporação escolherá alguém capaz o suficiente de realizar o trabalho.

Fomos para casa. O Cosmo poderia ser visto com um asteroide da Terra, dependendo da ajuda de aparelhos, mas do Cosmo se via uma grande parte da Terra. A Terra azul em sua imensidão de água, tão bela, tão atraente, habitavam ali seres rudes, injustos com os poucos bons corações, se é que existia algum. Refletia sobre isso quando uma gaivota passou rapidamente na porta da minha casa. Deixou cair uma pena com uma cor indefinida entre marrom e preto na ponta. Apanhei a pena do gramado em frente a porta e entrei.

Guardei a pena junto a uma pedra esbranquiçada que achara certa vez no jardim da Escola de Aprendizes, no lustre de borboletas da casa, a pedra incrustada em uma das argolas da corrente e a pena entre duas borboletas próximas. Do chão via-se apenas um sombreado escuro.

Minha casa, assim como outras casas de anjo, tinha apenas um cômodo largo, com uma cama de solteiro escura e um armário num canto, no outro, uma pia de cozinha em granito e uma mesa de quatro cadeiras do mesmo material. O fogão era pequeno, de apenas uma boca, já que comíamos geralmente frutas. O banheiro e o lavatório ficavam fora da casa.

Como ainda era dia, saí de casa e fui à ponte sobre o único rio que cortava o Cosmo. Desse rio formavam as chuvas. Nada nos faltava no Cosmo, principalmente água, mesmo tendo tão pouco. Mais um motivo para temer a Seleção, tanta água na Terra, mas tanto desperdício, tanto egoísmo. Certa vez, um mestre da Escola de Aprendizes dissera que tanto egoísmo nascera com o dinheiro, mas o que era o dinheiro? Por que tanta idolatria a ele? Será que também fora criado por Deus? Não, Ele não faria algo tão corrosivo.

Perto da ponte passou um coelho pintado e brincalhão, que me puxou dos pensamentos. Eu precisava descansar porque o resultado da Seleção que não saia da minha cabeça, seria no dia seguinte. Fui para casa e caí na cama.

Acordei, já de manhã. Levantei-me e fitei a garota no espelho do guarda-roupa. Os olhos castanhos recém-amanhecidos contrastavam com as olheiras e a pele branca.

Vesti um vestido rosa claro e amarrei os fiapos do cabelo castanho dourado com uma fitinha. Saí de casa e encontrei com Luna no gramado da Corporação.

Miguel saiu da sala arrastando a calça branca larga e comprida pela grama. Luna com a mão gélida pegou minha também fria.

— Bem, saudações a todos os anjos. Os membros da Corporação, Gabriel; Rafael; Uriel; Jofiel; Samuel; Zaquiel e eu — disse, apontando a cada um -, nós demoramos a chegar a uma decisão, pelo número de crianças. A Seleção requer alguém carismático, ousado e ao mesmo tempo bom, amoroso e compassivo. Portanto a Corporação este ano escolheu uma menina — Luna apertou a minha mão e eu inspirei fundo mais uma vez —, Stela.

Naquele instante eu paralisei, apenas senti o jorro de adrenalina que corria sob a pele.

— Venha até aqui Stela para receber a Medalha das Asas.

Luna me cutucou e eu retomei a pose e pigarreei. Com passos lentos me aproximei de Miguel.

Ele me entregou a Medalha em uma corrente de ouro branco. Atrás uma inscrição em latim dizia: “Ominia Vincit Amor”, o amor tudo vence. Em seguida a colocou em meu pescoço.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Desbravadora" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.