Percy Jackson se torna um Comunista escrita por Goldfield


Capítulo 3
III - Dê poder a um semideus revolucionário, e ele será pior que o próprio Zeus




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III

“Dê poder a um semideus revolucionário, e ele será pior que o próprio Zeus”

O clamor gerado pela conclamação de Percy alastrou-se feito fogo pela multidão. Muitos dos semideuses ergueram punhos fechados em apoio a seu novo porta-voz, enquanto Kydon, Quíron e o Sr. D aproveitavam a distração do público para se retirar estrategicamente até a Casa Grande – correndo pelo gramado como se não houvesse amanhã.

Ainda com a foice de bronze erguida, Percy saltou sobre a plateia de seu discurso – sendo apanhado por suas mãos e conduzido sobre o mar de braços e cabeças feito uma estrela do rock. Embora muitos dos jovens o apoiassem, gritando ensandecidos e logo compondo coro soltando palavras de ordem como “Viva Jackson!” e “Revolução!”, também houve semideuses que se afastaram incomodados da turba. Todo o chalé de Ares, Silena Beauregard com algumas colegas e Annabeth Chase estavam entre eles.

– Olhem, eu não quero parecer chata, mas... – uma das filhas de Afrodite exclamou, após tomar distância segura da multidão. – Não confio nessas ideias. Quíron e o Sr. D sempre foram tão bons conosco, eles sabem o que é melhor para o Acampamento. Podemos estranhar no início essa coisa de trabalhar, porém o momento exige. E Kydon pode acabar se tornando nosso amigo...

– Além do mais, a foice é a arma de Luke e do próprio Cronos – salientou Silena, cruzando os braços em desprezo. – Vamos mesmo seguir alguém que também a usa?

O público que apoiava Percy foi tomado por sinistro silêncio enquanto ouvia as alegações das garotas. Quando terminaram, iniciou um berreiro incompreensível contra elas, os xingamentos mais perceptíveis que a contra-argumentação. Ainda erguido pelas mãos de um grupo de rapazes do chalé de Hefesto – que, como previra, abraçara sem restrições os ideais socialistas – Jackson achou que a agressividade desmedida poderia comprometer sua causa. Ergueu um braço para que seus apoiadores fizessem silêncio e, após um ou outro “patricinhas” e “idiotas” proferidos pela multidão conforme se calava, conseguiu tomar a palavra:

– O que vocês sentem é medo. Receio em viver num mundo sem economia de mercado e consumismo. Infelizmente, a deusa de seu chalé e vocês próprias reproduzem um estereótipo fútil feminino que não terá espaço para se perpetuar em nossa comunidade socialista. Ou então têm a esperança de se integrar à máquina de propaganda capitalista e trabalharem como modelos para os produtos que Kydon quer produzir aqui.

Você é quem está sendo misógino com esse comentário, cabeça de algas vermelhas! – rebateu Annabeth. – Então se uma garota discordar dessa sua falácia de revolução é só para se autopromover?

– Acalme-se, Chase – uma voz feminina misteriosa surgiu de trás do grupo dissidente. – Se ele quer discutir com garotas, deixe que eu tome a frente.

O bando abriu espaço, expressões tão surpresas quanto as de Percy e seus seguidores. Agora visível a todos, Thalia Grace caminhou até os semideuses discordantes e parou entre Silena e Annabeth, usando seus habituais coturnos, calça rasgada, braceletes metálicos e jaqueta preta de couro – com a diferença de existir agora um símbolo desenhado num dos ombros, mais precisamente uma letra “A” vermelha inserida num círculo da mesma cor.

– Vejam só como esses alienados tratam seu porta-voz – ela zombou, apontando com a cabeça para o grupo de Percy. – Erguem-no e reverenciam-no feito um rei. Estão testemunhando o surgimento de um culto de personalidade.

– Aonde quer chegar? – Jackson inquiriu do alto dos braços que o sustentavam, sobrancelhas franzidas.

– Dê poder a um semideus revolucionário, e ele será pior que o próprio Zeus – o tom da garota ficou ainda mais amargo ao se referir ao pai, com o qual possuía sérias desavenças. – Vocês estão trocando seis por meia-dúzia. Abandonando a tirania do capitalismo para aderir à tirania do socialismo. Percy pode falar em revolução e liberdade, mas simplesmente será entronado como governante no lugar de Quíron e o Sr. D, e terão de obedecê-lo da mesma forma. Ou melhor, nada garante que não será pior que eles. O mundo só será livre quando o último deus for enforcado nas tripas de Prometeu!

Ai, que horror... – uma voz desencontrada proveio de algum lugar entre as duas facções.

A tensão só aumentava, os semideuses divididos cada vez mais próximos do enfrentamento direto. O que os impedia era a confiança em seus representantes. Tinham no íntimo que um lado ainda poderia convencer o outro, antes de se chegar às vias de fato.

– Você despreza a autoridade pela raiva que tem dos deuses, e isso a cega! – Percy replicou, reforçado por clamores de apoio de seu grupo. – A ditadura do proletariado não será eterna e nem um fim em si, ela só existirá para a construção da sociedade comunista sem classes sociais. Ao término do processo, não haverá diferenças entre os semideuses e o próprio governo poderá deixar de existir.

– Não ouve suas próprias palavras? – Thalia riu irônica. – Fala em “ditadura”. Ditadura. Escute, filho de Poseidon: que lógica há em querer se livrar da existência de governo criando outro governo? Se quiser mesmo igualdade, a primeira atitude a ser tomada é abolir qualquer forma de Estado. Somos semideuses. Temos autonomia. Podemos governar a nós mesmos, sem líderes ou comandantes. Proponho que todos deste Acampamento o administrem juntos por meio de uma cooperativa, sem chefes ou subordinados. Aqueles que concordam com meu ponto de vista, venham comigo!

Cerca de quinze jovens até então reunidos junto a Percy, provenientes dos chalés de Ártemis, Atena, Deméter e Hefesto, deram passos à frente e em seguida caminharam até Thalia. Jackson mordeu os lábios: de certo perdera apoio pelo discurso da rival sem dúvida ser melhor elaborado, o que satisfazia os filhos de Atena; também ter apelo à classe trabalhadora cansada de exploração – no caso de Hefesto e, em menor escala, Deméter; e por ele ter realmente se mostrado misógino há pouco – o que batia de frente com a ideologia feminista das caçadoras de Ártemis.

Até uma ou duas das garotas do chalé de Afrodite se uniram a Thalia, as demais permanecendo neutras junto a Silena e Annabeth, ainda sozinha, manifestadamente liberal. O pessoal de Ares, por sua vez, retirou-se das redondezas marchando ameaçador, Clarisse liderando a coluna. Manifestavam discordância quanto a todas as correntes até então apresentadas ali e de certo em breve exporiam sua forma de pensar. Constituíam outro perigo com o qual Percy também teria de lidar mais tarde.

– Você diz querer a igualdade tanto quanto eu, mas suas ideias distorcidas impedem nossa aliança – Jackson rebateu, por fim, a Thalia. – Meu grupo se empenhará na construção do “novo semideus socialista” e, caso se coloquem em nosso caminho a isso, não hesitaremos em enfrentá-los.

– Quem quer mais Estado ao invés de liberdade não deve brincar de revolução, como bem dizia Bakunin – a filha de Zeus caçoou. – Será um confronto de ideias e armas. Que vençam as melhor sustentadas e mais afiadas, Jackson.

Os dois grupos deram as costas um ao outro e, após mais alguns momentos de tensão, caminharam para lados diferentes. As poucas filhas de Afrodite ainda junto a Silena alternaram olhares confusos para cada uma das aglomerações e, quando elas se afastaram o bastante, retiraram-se em outra direção, rumando ao seu chalé.

Annabeth, por sua vez, permaneceu sozinha no gramado por algum tempo... olhando para a Casa Grande, quieta como o Mar Egeu em prolongada calmaria. Passou alguns instantes raciocinando, usando sua perspicácia natural para analisar as possibilidades...

E, ainda encarando a sede administrativa do Acampamento, teve uma ideia.

Glossário:

Economia de mercado: Organização da economia em que os agentes de compra e venda podem fazer suas transações livremente, sem intervenções ou regulações externas (como as do Estado, na forma de impostos ou tabelamento de preços). Princípio base do Liberalismo e, consequentemente, do sistema capitalista.

Misoginia: Nome dado ao ódio e preconceito contra as mulheres.

Ditadura do proletariado: Dentro do pensamento do socialismo de Karl Marx, é o estágio intermediário entre o capitalismo e o comunismo, em que os proletários (trabalhadores) chegam ao poder pela revolução e, governando, fazem as transições necessárias para que seja criada uma sociedade igualitária sem classes sociais.

Mikhail Bakunin: Vivendo entre 1814 e 1876, foi um dos principais pensadores do Anarquismo. Grande opositor do Socialismo e Karl Marx, por alegar que o surgimento de uma “ditadura do proletariado” para criar uma sociedade igualitária só criaria novas desigualdades. Defendia, ao contrário, que igualdade e liberdade plenas só existiriam com a abolição dos governos e quaisquer outros princípios de autoridade – conceito básico do Anarquismo.


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