Mais que o sol escrita por Ys Wanderer


Capítulo 29
Corpo e alma


Notas iniciais do capítulo

Olá, hosters, vamos a mais um capítulo! Ofereço essa fic aos leitores fantasmas, espero que deixem a vergonha de lado e me deem um oi ao menos agora que falta pouco pra acabar hahahaha.
Boa leitura!


Eu tive você por tantas vezes
Mas de algum jeito, eu quero mais (...)
Procure a garota com o sorriso partido
Pergunte a ela se ela quer ficar por um tempo
E ela será amada (...)

Eu sei que adeus não significa nada (...)
Por favor, não se esforce tanto pra dizer adeus (...)

She Will Be Loved – Maroon5



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Cal

Geralmente, uma alma passa quase a vida inteira em um planeta, trocando de hospedeiro inúmeras e inúmeras vezes. Quando se cansa, ela então parte em busca de uma nova vida e repete o ciclo de troca e renascimento. Porém, a quantidade de planetas habitados por uma alma raramente passa de dois. Trocar de ambiente, de corpo e de vida é algo altamente desgastante.

A terra é o meu segundo lar e eu ficarei aqui para sempre, até o final de minha última vida. Aqui eu viverei somente mais uma vez e isso é mais do que o necessário para mim. Porém, ao contrário de todas as almas que escolhem morrer em um planeta porque estão cansadas de tantos milênios ou porque decidiram ser mães, eu tenho um motivo mais forte e mais especial do que tudo isso para ficar.

Esse motivo se chama Samantha.

Uma humana.

A humana que eu amo.

Nasci no mundo do fogo, um lugar hostil e com hospedeiros muito difíceis. Não como os humanos, obviamente, mas os Provadores de fogo – ou dragões – eram seres muito rudes e que não mantinham quase nenhum tipo de relação social. Na verdade, pelo que aprendíamos ao longo das vidas, tirando a terra nenhum planeta tinha características como sonhos, esperança, fé e família. A reprodução da espécie era muito rara, devido a longevidade dos hospedeiros, e por isso a interação era quase nula. Colocando em termos humanos, seria como viver em meio a um monte de pedras. E eu só conhecia essa realidade, a única para mim.

Então, um dia eu decidi partir.

E foi a melhor decisão das minhas vidas.

O maior prazer existente no mundo do fogo era quando os sóis se alinhavam na elipse mais distante, a cada quatro mil anos, afastando-se muito do planeta e diminuindo a gravidade. Com isso, podíamos saltar dentro de uma das zonas abissais sem o risco de morrermos, o ar fazendo nosso corpo flutuar lentamente. Lá dentro a temperatura ficava quase negativa e a sensação era simplesmente incrível, o frio nos deixando entorpecidos. Era um mundo completamente diferente e eu havia experimentado isso apenas uma única vez. Lembro do meu corpo resistente pairando no fluxo de ar gelado e as cores únicas e novas que só eram possíveis de se ver naquele único dia. Indescritível e inigualável. Achei que jamais algo pudesse superar essa sensação.

Mas eu estava enganado.

Tocar em Samantha, beijá-la e abraçá-la era simplesmente maravilhoso. Eu nunca havia experimentado nada igual e, como o meu hospedeiro humano não tinha nenhuma lembrança de como eram essas sensações, foi tudo realmente novo e intenso. Porém, eu ingenuamente não imaginei que pudesse existir algo ainda mais devastador.

No entanto existia. E eu havia provado disso da melhor maneira possível.

Eu e Samantha havíamos nos amado, nossos corpos se pertencendo de um jeito único. Essas seriam lembranças que eu jamais esqueceria. Sua pele, seu cheiro, sua boca. Os gemidos em meu ouvido, as suas unhas em minhas costas. Ela implorando por mim, libertando a fera presa em meu interior. No quarto, o cheiro de nós dois era irresistível.

E parecia que o mundo do fogo inteiro tinha se transportado para dentro daquele quarto, e que todos os sete sóis brilhavam sobre nossos corpos. Eu me sentia vivo... eu estava vivo.

Eu era mais que humano.

— Eu nunca senti nada assim em todas as minhas vidas. Eu amo você — eu disse. Ela não me respondeu, mas eu senti em seu olhar que ela também me amava. — Seja minha para sempre — pedi. Eu não poderia viver em um mundo em que isso não fosse verdade.

— Eu não te mereço. Não sou boa o suficiente para você — Samantha respondeu e me surpreendi com suas palavras. Se antes de tudo acontecer ela parecia cheia de atitude e segura de si, agora ela estava amedrontada. Seus olhos ficaram tristes e vazios e tive medo.

— Não diga isso. Você mesma disse para não pensarmos em nada. Acho que sou eu quem não merece tudo isso — eu a beijei e enxuguei uma lágrima que escapara. Senti quando enfim Samantha relaxou em meus braços, como se realmente tivesse deixado para avaliar tudo depois. — Não precisa me dizer nada, Sam. Apenas fique. Fique comigo.

— Posso responder depois? — ela perguntou de um jeito nada inocente, mordendo os lábios e passando os dedos pelos músculos dos meus braços. Não pude resistir e me entreguei a ela novamente. Ficaríamos juntos dali em diante. E ela jamais fugiria de mim novamente.

Pelo menos eu achava que seria assim.

.

Acordei me sentindo leve, um sono sereno que me trouxe paz e tranquilidade. Abri os olhos e meu corpo parecia estar flutuando no espaço profundo, tudo parecendo incrivelmente mais belo e colorido. Por cinco segundos fiquei com medo de tudo não ter passado de um sonho, mas as lembranças ainda estavam muito vívidas em meu corpo, o cheiro de Samantha ainda grudado em mim. Porém, quando olhei para o lado ela não estava mais lá. O vazio da cama foi devastador.

Ainda era muito cedo, o sol nem havia nascido por completo e isso me fez imaginar onde ela estaria. Recolhi minhas roupas, que estavam espalhadas pelo chão, e as vesti rapidamente, andando pela casa a sua procura. A paz reinava no lugar e o silêncio era minha única companhia. Me senti bastante estranho, toda a alegria sendo substituída por um pressentimento ruim. Como o humano que eu havia me tornado, resolvi não ignorar o que chamavam de sexto sentido.

— Lenny? — esbarrei com ela na cozinha e a menina parecia estar vindo do lado de fora. Ao contrário de me oferecer seu habitual sorriso, ela desviou o olhar e seguiu, me ignorando por completo. — Lenny, você está bem?

— Sim — ela respondeu e continuou andando com pressa.

— Espera! — chamei e ela parou. — Está acordada há muito tempo?

— Sim.

— Já estava trabalhando?

— Sim.

— Você viu a Samantha?

— Não — ela deu outra resposta monossílaba.

— Lenny, aconteceu alguma coisa? — perguntei segurando delicadamente em seu braço. Ela me deu um sorriso fraco e fiquei apreensivo. — Lenny, aconteceu alguma coisa com a Sam? — ela respirou fundo e demorou bastante antes de responder.

— A Sam... foi embora, Cal.

— O quê? — perguntei sem acreditar no que ouvia. Por que ela iria embora depois de tudo o que aconteceu? Será que tudo não havia passado de uma mentira? — Embora? Por quê, Lenny?

— Não sei. A Sam veio até mim, pegou as coisas dela e simplesmente disse que ia embora. Ela também me pediu para não avisar ninguém até que estivesse longe — a garota disse e seus olhos ficaram úmidos.

O que havia dado errado? Por que ela estava fazendo isso comigo?

— Isso faz quanto tempo?

— Uns quarenta minutos. Eu mal tive tempo de ensinar o caminho e ela saiu correndo.

— Lenny, a Sam não sabe como sair daqui, na verdade ela nem sabe exatamente onde está! — eu me desesperei. — Ela corre o risco de se perder, mesmo que você tenha dito a ela como sair daqui. E ainda tem as armadilhas para os animais! — gritei e a garota fez uma expressão arrependida.

— Desculpe, Cal, eu não pensei nisso — ela choramingou baixinho e eu respirei fundo. Por mais que eu estivesse sentindo raiva no momento, a afirmação de que Sam poderia se perder por minha causa, por estar fugindo de mim, foi o suficiente para me fazer esquecer momentaneamente o que ela havia feito comigo. Eu precisava resolver essa situação e entender como tudo havia mudado tão drasticamente de um instante para ou outro, mas para isso era necessário primeiro encontrá-la.

— Lenny, diga para mim exatamente o que você disse a ela — pedi.

A garota repetiu todas as instruções que havia dado a Sam e fiquei ainda mais preocupado ao perceber que as informações eram incompletas. Segui pelo mesmo caminho, praticamente correndo, e torci para que quarenta minutos não fossem uma vantagem muito grande. Procurei por qualquer sinal de que ela houvesse passado pelo mesmo lugar, mas Sam parecia ter simplesmente evaporado no ar. Comecei a ficar desesperado.

Foi então que, depois de ter corrido muito, avistei um vulto se movimentando lentamente ao longe. Mesmo de costas eu a reconheci e o alívio tomou conta de mim. Eu a reconheceria entre milhões se fosse necessário.

— Samantha! — gritei e então ela parou. — Samantha! — corri o mais rápido que pude e logo estávamos frente a frente, a mágoa e o amor tentando ocupar ao mesmo tempo o meu coração. Ela ficou apenas me olhando, assustada e, apesar de tentar, não consegui resistir e a abracei com força, prendendo minha mão em seus cabelos. Achei que de algum modo ela fosse me rechaçar, mas Sam começou a chorar compulsivamente, me deixando completamente atordoado.

Ela chorou em meus braços por um longo tempo, colocando para fora tudo o que estava preso durante toda uma vida de fuga. Era estranho vê-la tão frágil e isso me fez querer protegê-la para sempre. Esperei até que ela se acalmasse e parasse de tremer e então perguntei, mesmo que temesse a resposta.

— Por quê?

Samantha colocou a mão em meu peito e se afastou de mim. Ela estava sofrendo muito e isso aumentou ainda mais a sensação de vazio.

— Porque é o certo.

— Eu não entendo. Eu fiz alguma coisa errada?

— Não, você não fez nada de errado — ela sorriu tristemente. — Na verdade, você foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida — suas mãos acariciaram suavemente o meu rosto e ela me olhou com ternura. — Você foi o único homem com quem eu senti tudo o que senti.

— Então por que você quer partir?

— Para te proteger.

— Isso não faz sentindo! Você sabe o quanto eu te amo e se você também sente o mesmo não é necessário mais nada. E eu sei que você sente, o que aconteceu entre nós dentro daquele quarto não foi uma ilusão.

— Cal... — ela fechou os olhos, como se tivesse escolhendo as palavras — essa minha personalidade reclusa não é algo pós-invasão. Eu sempre fui dessa maneira, nunca gostei muito de me relacionar com outras pessoas. Eu também não costumo deixá-las me tocar, só depois de muita confiança e se eu gostar muito delas. Para você ter uma ideia, nas poucas vezes em que me relacionei... dessa forma com alguém foi... horrível, um completo desastre — ela pareceu desconfortável por dizer algo tão íntimo e senti um pouco de raiva ao saber que outra pessoa a havia tocado sem o mesmo amor que eu. — Por isso estou indo embora, para não correr o risco de te magoar. Eu sou danificada, Cal, e você não merece isso. Você não merece alguém cheia de feridas e cicatrizes, alguém que tem toda essa carga de dor e que não consegue esquecer as coisas ruins. Eu tenho medo de te machucar com as minhas palavras e atitudes. Eu não mereço você.

— Essa é a maior besteira que eu já ouvi em toda a minha vida! — devolvi e ela desviou o olhar. — Samantha, sei como as coisas funcionam e sei também exatamente o que sou e o que você é. Mas eu amo você, nada mais importa. Por favor, fique comigo. Você vai me magoar se for embora desse jeito, você vai me ferir se me deixar e me obrigar a viver longe de você.

— E se você quiser seguir outro caminho um dia, um outro planeta? Não quero...

— Não há lugar nenhum nesse universo onde eu possa viver sabendo que você não estará lá. Samantha, eu vou te atormentar para o resto da sua vida, ouviu? — eu disse e percebi que ela sorrira discretamente por debaixo de todas aquelas lágrimas.

— Tem certeza que aguenta?

— Sam, eu já me joguei dentro um abismo no mundo do fogo, já cruzei o espaço profundo, enfrentei humanos raivosos e também buscadores armados. Teve até uma vez em que uma garota tentou me matar dentro de uma caverna e mesmo assim ainda estou aqui. É suficiente? — perguntei, e depois de algum tempo de silêncio finalmente ela voltou a me olhar nos olhos.

— Você me aceita mesmo assim?

— Eu te aceitei desde que te vi pela primeira vez — proferi e era verdade.

— Você definitivamente não tem um pingo de juízo... — ela suspirou.

— Bom, nessa nova vida que escolhi isso não me parece algo ruim — respondi e ela enfim se desarmou. Sam se aproximou de mim e me presenteou com um sorriso sincero antes de colocar ambas as mãos dos dois lados do meu rosto.

— Me desculpe, por favor. É que eu fiquei com medo de fazer você sofrer.

— Eu sofrerei se você me deixar. E eu entendo tudo o que se passa no seu coração. E te aceito se você me aceitar também.

Samantha então respirou fundo e sorriu, como se um grande peso houvesse sido tirado de suas costas.

— Acho que então é por isso que eu amo tanto você, Cal. Eu nunca disse isso a ninguém, mas agora eu digo a você com toda a certeza que tenho. Eu te amo e quero ficar com você até o mundo acabar novamente — falou enquanto eu enxugava suas lágrimas e no mesmo instante senti que tudo tinha valido a pena se a recompensa era ela. Coloquei a mão em sua cintura e a puxei para mim, deixando nossas testas coladas. Ela também me amava e ouvir isso foi como renascer, suas palavras inundando meu coração de amor e felicidade.

— Eu te amo, Sam. E depois de tudo o que passamos prometo que nunca mais você vai sofrer. Eu vou te proteger e enfrentar qualquer coisa. Você é a parte que faltava para eu me completar — disse e depois a beijei suavemente. Ela sorriu e correspondeu ao meu beijo, colando de volta os pedaços de mim que haviam se partido. — Vamos voltar?

— Só se você me guiar, pois acho que estou perdida — ela riu e toda a calma estava de volta. — Espero que você me encontre sempre que eu precisar.

— Mesmo que você não precise ainda vou ficar de olho — devolvi e coloquei sua mochila em minhas costas. Ela segurou a minha mão e seguimos o caminho inverso ao que fizéramos cheios de desespero naquela manhã. Durante todo o trajeto não dissemos nada, apenas ficamos sentindo o sol e ouvindo o barulho da natureza.

Eu sempre soube que uma alma precisaria de um humano para se completar e os humanos sempre cultivaram a crença sobre todos precisarem de uma alma para poder viver. Era apenas um conceito, até um mito.

Mas só agora nós sabíamos o quanto isso era verdade.


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Notas finais do capítulo

Ainda bem que foi só um susto kkkk. Gente, esse é o antepenúltimo capítulo e em breve vamos nos despedir. Se você lê essa fic, deixe o seu comentário, gostaria muito de saber quem está aí do outro lado.
Beijos, queridos, até a próxima!



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