Quero que você conheça meu mundo escrita por River Herondale


Capítulo 14
Olhos de ressaca


Notas iniciais do capítulo

Olá! Me desculpem pela demora. Espero que gostem :D



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Era sábado, era uma tarde fresca em São Paulo, era um dia ótimo. Clarice andava ao lado de Frederico, estavam de mãos dadas no Shopping. Estava assustada, por mais que não admitisse. Era seu primeiro dia na vida namorando. Era estranho para ela saber que namorava. Na verdade, pode ser apenas um título, mas traz responsabilidades junto.

Ela observava Frederico, e como ele estava sorrindo brilhantemente. Ver aquele sorriso tão feliz fazia ela ter medo da probabilidade de decepcioná-lo, de ser a razão de deixa-lo sem aquele sorriso. Ela gostava de ver ele desse jeito. Ele sorria e uma covinha aparecia, sua expressão ficava mais leve. Ele sorria e parecia mais novo que realmente era.

Eles se conheciam bastante. Podia ser apenas um mês que se conheciam, mas conversar diariamente com alguém faz com que você saiba pelo menos o bastante. Clarice sabia sobre o pai dele, sobre sua avó que insiste em chama-lo de Fred, sobre suas bandas favoritas, comidas favoritas e filmes favoritos. E ele sabia o suficiente também, mas não mais do que ela sabia dele.

Sempre foi uma dificuldade se abrir para as outras pessoas. É preocupante a ideia de você contar seus piores segredos para alguém que não dá o mesmo valor ao segredo que você. É preocupante você entregar seus pensamentos íntimos a alguém que não hesitaria em te abandonar. Pode soar egoísta, mas Clarice sempre soube que sua melhor amiga sempre seria ela, se ela quisesse.

– Vamos entrar nessa livraria? – Frederico sugeriu enquanto eles passavam na frente de uma imensa livraria de dois andares no shopping. Eles entraram e ficaram observando os livros que não acabavam nunca.

Clarice raramente podia comprar livros porque seus pais achavam livros caros demais. A solução era ir a biblioteca e emprestar alguma obra. Na escola onde estudava nunca foi influenciado aos alunos que lessem, o que complicava ainda mais.

Quando ela viu Dom Casmurro na prateleira, sorriu.

– O que é? – Frederico perguntou, notando o sorriso dela.

– Eu li Dom Casmurro quando tinha quatorze anos. Achei que iria odiar porque é velho, mas meu avô insistiu que eu lesse porque ele amava. Então eu li e amei também. Capitu é incrível, e eu queria ser assim meio Capitu, sabe?

Frederico sorriu de um modo fofo, como se achasse o motivo de Clarice gostar de Dom Casmurro algo encantador. Ele pegou o livro, que era uma edição especial em capa dura com detalhes dourados e disse:

– Vou te dar de presente, pode ser?

– Não! Pare com isso, começamos a namorar agora!

– Mas eu quero! Não posso te presentear?

– Não precisa, tudo bem? Obrigada, de verdade.

Clarice viu decepção na expressão de Frederico. Ele relutante devolveu o livro na prateleira e segurou a mão dela.

– Você acha que Capitu traiu Bentinho? - ele tentou mudar o assunto. Estava com as bochechas vermelhas, meio constrangido. Ele entendia os motivos dela de não querer o presente.

– Sinceramente? Não sei. Por um lado ela poderia ter feito isso. Escobar era charmoso. Mas por outro lado ela amava de verdade Bentinho. Pensando melhor, ela poderia ter caído nos encantos de Escobar sim. Ela não tinha jeito de reprimir seus sentimentos por causa da sociedade. Mas Bentinho era psicótico em relação à ela. Mesmo assim nada disso diminui o fato que Capitu era foda e pra frente de seu tempo. - ela refletiu por fim.

– Eu li Dom Casmurro para a escola no Ensino Médio. Achei um pé no saco, mas vendo por esse ponto fiquei interessado. Meu pai tem a coleção de Machado de Assis em casa. Ele é um grande fã dos clássicos brasileiros.

– “Olhos de cigana oblíqua e dissimulada”. “Olhos de ressaca”. A fixação pelos olhos de Capitu é uma das coisas que mais gosto. Os olhos são as portas da alma, então a discrição de seus olhos diz mais sobre ela do que qualquer outra coisa. É fascinante.

– Do jeito que você fala do livro serei obrigado a reler o livro! Não consegui absorver tanto como você. - Frederico comentou enquanto pegava um livro na livraria e observava do que se tratava.

– Veremos então o que senhor Frederico Escobar achará depois de reler tudinho.

– Essa coincidência me fez querer mais ainda voltar a ler. Clapitolina dos olhos de ressaca.

– Clapitolina é ótimo! – Clarice riu. Foi então que uma voz grave entoou:

– Clarice?

Ela se virou e viu que era Heitor. Ele sorria em vê-la, e eles se abraçaram com bastante força. Clarice tinha um carinho especial por esse cara que a salvou quando ela achou que estava perdida.

– Frederico, este é Heitor.

Eles apertaram a mão um do outro.

– Você não apareceu mais, Clarice, fiquei preocupado! Como você não tem Facebook é difícil de saber se está viva ou não. – ele fez uma piada, arrumando o chapéu estiloso que usava. – Mas então imaginei que você e seus pais não devem estar bem.

– Pois é, eles me excluíram da vida deles de novo. – Ela escondia bem a dor na voz. Ela sabia ser indiferente como uma atriz experiente. – Melhor assim.

– Então você não está sabendo de nada? - ele disse com cautela.

– Do quê?

– Seu pai. Ele foi expulso da casa depois de uma briga com sua mãe. Dizem que ele estava caindo de bêbado quando foi embora.

– Não brinca! – Clarice levou a mão na testa, sem querer compreender.

Frederico abraçou ela por trás, envolvendo seus braços na cintura dela. Os olhos de Heitor acompanharam o movimento, e ele perguntou surpreso:

– Está namorando?

Clarice levou a mão para cima das mãos de Frederico em sua cintura.

– Pois é.

– Jura? Meus parabéns ao casal. – o tom de voz dele revelava que não estava tão a fim de dar parabéns.

– Obrigado. – Frederico responder defensivo.

– Então eu vou indo. Clarice, se quiser saber qualquer coisa dos seus pais, só me mandar uma mensagem. Até mais. - ele disse apressadamente, como se quisesse fugir.

– Ei, já vai? Por que não jantamos nós três juntos? - Clarice ofereceu, realmente animada com a ideia.

– Eu preciso mesmo ir. Tenho plantão no hospital hoje. Tchau.

– Tchau – respondeu Clarice e Frederico juntos.

Quando ele já estava bastante longe, Frederico se virou para Clarice em dúvida.

– Não me lembro de ter me dito sobre ele.

– Eu falei sim, mas não chamando-o pelo nome. Vamos comer? - ela mudou o assunto rapidamente. Clarice notou que ele agiu estranho.

Eles pediram uma porção de sushi na praça de alimentação, dividiram a conta e Frederico a levou embora antes de anoitecer. Eles se beijaram no carro, disseram tchau e prometeram se encontrar no outro dia.

Clarice fechou a porta do apartamento de Tati atrás de si, o coração acelerado. Estava namorando, mas era assim mesmo? As pessoas começavam a namorar e então o que mais? O que acontecia? Quando teria que almoçar macarrão com frango assado no domingo na casa de Frederico? Quando seria apresentada aos tios e avós? Ela não queria. Talvez esse fosse um dos motivos de nunca ter namorado antes. Ela nunca gostou de se fazer de simpática com as pessoas que não conhece, de tentar se encaixar em um grupo no qual não tem interesse. Uma hora aconteceria, mas ela decidiu adiar o pensamento. Se desesperar não daria certo.

¨¨¨

Frederico dirigiu até seu apartamento, e ele nunca sorria tanto. Ok, pode parecer exagero, mas ele queria gritar. Seu coração estava preenchido de amor, e não se sentia sozinho. Se sentia compreendido e estava louco para ver Clarice de novo.

O vento batia em seu rosto. Todas as janelas estavam abertas. Ele aumentou o volume da música, e um sentimento de pertencer tocou seu coração.

Ele queria dizer aquelas três palavras que formam uma responsabilidade enorme. Ele queria dizer, e queria que fosse especial. Ele queria olhar no fundo dos olhos dela e falar, e então beijar.

Ele se perguntou se seu pai sentiu o mesmo quando conheceu sua mãe. Ou se todos sentiam pelo menos uma vez durante a vida o sentimento que ele sentia, porque era bom demais, e todos mereciam sentir aquilo. Ele se perguntou como viveu até aquele dia sem aquele sentimento de amor que aquecia seu coração.

Seu pai estava na cozinha fazendo chucrutes quando entrou no apartamento.

– Onde você foi? – Dr. Leonardo perguntou.

– Estava com minha namorada. - Frederico jogou a verdade sem hesitar. Não conseguia esconder que estava acontecendo, e estava feliz.

– Namorada é? Bem que imaginei mesmo. Esse mês a conta de água veio mais cara e você passa mais tempo no banheiro. Para demorar tanto para se arrumar só poderia ser paixão mesmo.

– Não enche, pai! - Frederico então se lembrou de Dom Casmurro. - Posso pegar um livro no seu escritório?

– Quer ler um dos meus “livros chatos” da coleção? O que deu em você?

– Ela gosta de Dom Casmurro. Quero ler de novo.

– Ela gosta de Dom Casmurro? Quero conhece-la agora! Amanhã vou levar sua avó para nosso Casarão. Por que não convida ela? - Dr. Leonardo parou de mexer na panela e encarou o filho.

– Pai, a gente mal começou a namorar!

– Uma hora ou outra terei que conhecer essa menina e ver se aprovo. Vai que é uma jogada, sem família e toda tatuada? Eu não admitiria.

Um frio subiu pela costa de Frederico. Como explicar que Clarice era sim uma tatuada sem família, que não fazia faculdade e sonhava em ser cineasta? Dr. Leonardo era do tipo que só valorizava medicina, engenharia, direito e outros cursos extremamente entediantes e tradicionais.

– Eu vou pegar o livro para ler. - Frederico mudou logo o rumo da conversa e saiu de perto.

Frederico entrou no escritório do pai, relatórios espalhados pela escrivaninha, o computador desligado. Atrás do banco da escrivaninha a grande estante com a coleção de seu pai. Frederico puxou o livro Dom Casmurro e levou para seu quarto.

Ele começou a ler enquanto esperava a janta ficar pronta. O livro era fino, e ele tentava pegar no ritmo da leitura. Tudo bem que ele poderia estar preparando seus estudos para a prova da semana que vem na faculdade, mas não é como se ele conseguisse se concentrar em outra coisa que não tivesse relação com Clarice. Ela estava em todo o lugar.

O telefone começou a tocar, e ele correu a pegar, na esperança de ser ela. Mas não, era Bento. Ele atendeu.

– Cara, estou meio preocupado.

– O que aconteceu?

– Lembra quando a gente usou maconha no fim do ano passado?

Frederico estranhou a pergunta.

– Não usamos maconha, Bento. Nunca usei nada disso antes.

– Usamos sim! Naquela festa do meu primo Júlio. Naquela festa que eu conheci a Natália.

– Cara, você está maluco. Nunca usamos maconha antes. Pelo menos eu acho que você nunca usou.

– É, acho que não. Eu falei para a Natália, mas ela está convicta que eu usei, e então dei em cima dela naquela noite e estava “fora de mim”. Cara, eu mal lembro daquela noite, mas sei que não fiquei doidão. Ela disse que eu e você usamos juntos, e que agora não quer um maconheiro perto do filho dela.

– Bom, pode dizer para ela que eu não bebo e lembro perfeitamente que não usamos maconha, já que eu deveria ser o único lúcido, como sempre. Quer dizer que terminaram de novo?

– É... Mais ou menos, mas daqui a pouco serei obrigado a pedir desculpas mesmo.

– Vocês são malucos. Mesmo assim boa sorte.

– Obrigado, irmão. O que eu seria sem você, né? Mas e aí, tem boas novas? – Bento mudou o assunto bruscamente, como se tivesse cansado de falar sobre si.

– Na verdade eu tenho, mas acho que é cedo demais para dizer. – Frederico começou a falar, meio constrangido. Não é como se ele fosse acostumado a falar sobre relacionamentos com alguém.

– Dizer o quê?

– Eu e Clarice. Bem, nós começamos a namorar hoje.

– Sério? Pensei que fossem só amigos. – havia um tom estranho na voz de Bento. Como se ele estivesse decepcionado.

– Também pensei, mas rolou e estamos juntos.

– Tipo, você ficou com ela uma vez na vida e pediu em namoro? Porra, você nasceu no século passado?

– A gente já sabia que aconteceria de um jeito ou outro. Pra que complicar?

– Meu caro, o jogo da paquera, da conquista é o mais gostoso. Agora você vai se encher da cara dela do mesmo jeito que eu não aguento mais a cara da Natália.

Mas vocês vão ter um filho, Frederico quis acrescentar, mas preferiu ficar quieto.

– Você poderia pelo menos não passar tanto pessimismo com relacionamentos para mim? Não faz nem um dia, poxa, me deixa!

– Só não quero que se decepcione depois. Não é um conto de fadas. Você vai perceber que ela também tem defeitos, que sabe ser chata e... Espera aí!

– O quê?

– Ah, agora sim estou animado.

– Fala logo, caramba!

– Imagina só o que vai acontecer quando a futura advogadinha Luana souber. A loirinha vai te matar e matar Clarice junto! Agora sim eu gostei, parece coisa de novela.

– Onde Luana entra nessa? Pelo amor de Deus! Além disso, novela? Não podia ser algo menos decadente, tipo série ou filme?

– Novela tem mais reviravoltas, e eu quero sangue! Agora, não se faça de desentendido. Luana sempre gostou de você, ela vai ficar puta quando souber. Sabe aqueles trabalhos que ela arruma para você na facul? Já era! Aqueles resumos para você estudar? Não mais. Meu irmão, você conhece Luana, sabe que ela se descontrola facilmente.

Frederico não queria concordar com o amigo, mas secretamente sabia que era verdade. O pai chamou ele para comer e ele teve que desligar, aliviado de poder fugir da realidade por algum tempo.

– Está gostoso? – Dr. Leonardo perguntou enquanto eles comiam o chucrute. A comida alemã era obrigatória em sua casa quando a mãe ainda era viva. Depois que ela se foi ficou mais raro, o sabor e o cheiro do joelho do porco inconsequentemente lembravam da sua mãe, de seu sorriso bondoso e das tardes ensolaradas no Casarão da família Escobar.

– Está sim, pai. Como sempre.

Era um hobby de seu pai cozinhar nos fins de semanas. Eles não conversavam muito, mas às vezes Dr. Leonardo se esforçava em puxar assunto.

– Eu realmente estou ansioso em conhecer essa sua namorada. É sério a coisa mesmo?

– Provável que sim. Quer dizer, é. Mas como eu disse faz um dia só.

– Eu não entendo esses namoros de hoje em dia.

E então a conversava acabou. Como sempre era. Seu pai usava a ignorância, Frederico ficava quieto e não voltava a puxar o assunto.

– Você lava a louça hoje. Eu vou para meu quarto agora ler um pouco também. – Dr. Leonardo levantou da cadeira e se retirou. Frederico não ligava em lavar a louça, mas o tom de obrigação que seu pai usava na voz o fazia ficar muito irritado. Ele pegou os pratos e talheres da mesa e levou para a pia. Enquanto lavava ficou imaginando o que Clarice devia estar fazendo. Ele queria ver ela de novo e logo.

¨¨¨

Tati e Clarice estavam comendo pipoca e assistindo filme no sofá da sala. Assistiam Brilho Eterno De Uma Mente Sem Lembranças, filme qual Clarice odiara na primeira vez que assistiu.

– Ah, mas você tem que dar uma segunda chance para o filme. É legal! Olhe só para Clementine e seu cabelo colorido. Eu também tenho cabelo colorido, Clarice! Ah, por favoooor!

Então Clarice aceitou, mas só para ver se ela acharia tão ruim quanto achou quando assistiu pela primeira vez. Nos trinta minutos de filme ela percebia que sua visão estava mudando em relação ao filme, mas isso não significava que ela estava realmente concordando com tudo que passava. Há algo de bizarro em querer apagar alguém de sua vida, mesmo que ela tenha te machucado tanto.

– Tati, isso não faz sentido! É covarde! Apagar alguém só porque ela te magoou? Fala sério! Todo mundo nos ensina algo, nos molda. Esse filme deveria se chamar Covarde Eterno Com Uma Mente Sem Lembranças.

– Eles estão desesperados! Foi o único modo de eles acharem a paz interior novamente.

– Covardia. Sei lá, vão meditar, viajar, conhecer outro alguém, aprender a tocar harpa, tudo menos querer fugir do passado.

– Você não existe, Clarice. – Tati ironizou. - E tocar harpa? Fala sério!

Quando o filme acabou, o que foi um alívio para Clarice, ela viu que tinha uma mensagem de texto de Frederico.

“Eu meio que contei de você para meu pai e agora ele quer muito te conhecer.”

Um frio na barriga percorreu Clarice. Era tudo que ela menos queria.

“Não brinca! Quando?”

“Ok, não se assuste. Amanhã.”

“Amanhã?!”

Nesse momento Clarice estava completamente apavorada.

“Eu imaginei que essa seria sua reação, mas é que vamos no Casarão que eu te falei, no interior. Vai estar minha simpática vovó (entenda a ironia), minha tia dramática e minha prima Cassiana. Ela tem dezesseis anos, você vai gostar dela. Vamos nos reunir porque meu tio Lucio vai voltar de viagem da Europa com o Paulo e acho que você vai adorar ele! Ele é o mais legal da família, muito inteligente e tenho certeza que ele vai adorar você também. Podem falar sobre viagens.”

“E se eles me acharem antipática?”

“Eu te ajudo a fugir de situações constrangedoras que toda família tem. Aconselho só não chegar perto da minha vó e da minha tia que tudo ficará bem.

“Eu vou então, mas é para você não passar de mentiroso e não acharem que sua namorada é imaginária.”

“Então te buscamos de manhã, às sete. Sempre vamos cedo para almoçar lá e aproveitar.

“Tudo bem. Até amanhã então. Saiba que eu estou querendo te matar neste momento.”

Tati apareceu atrás de Clarice e subitamente tomou o celular na mão de Clarice. Ela começou a subir as mensagens com um sorriso imenso no rosto. Clarice se levantou, tentando tomar o celular de volta.

– Ei! Pare de graça, Tati!

– Qual é? Ai Clarice, bem que eu desconfiava que vocês iriam acabar namorando! Fiquei feliz! - Tati faltava pular. Seu rosto gritava 'eu sabia'.

– Faz só um dia, ok?

– Um dia, mas rolou! Não vejo a hora de ver vocês dois chamando um ao outro de “amor” “mozão” “mozin”.

– Eu hein, você sabe que não desse tipo! E nem ele, pra sua informação. Não vai ter “mozin” nenhum.

– Eu adoraria poder ter com vocês um encontro de casais se eu estivesse ainda com aquele filho da mãe do Mateus. Ele não me ligou o dia todo, Clarice! Ele está me ignorando, é isso?

– Mas você tentou falar com ele?

– Não. Ele tem que vir atrás, ele tem que pedir desculpas. Não fiz nada.

– Tati, você sabe que não é verdade. Acho melhor você tentar falar com ele. Ele deve estar esperando.

– Agora está do lado dele, é isso?

– Não! Ai, Tati, facilita vai! Você sabe que pedir desculpa é a única saída.

– Também, quero que saiba que quando você brigar com o Frederiquinho amorzinho, saiba que não vou ficar do seu lado! Que vou ficar do lado dele, e vou ainda na casa dele consolar!

– Pare de graça! – Clarice tomou o celular dela. – Nem um dia de namoro e ele quer que eu conheça a família dele. Quero morrer.

– Significa que você é importante para ele. Não complica, vai! Deveria estar feliz que alguém nesse mundo entende esse seu jeito torto de ser.

– Obrigada de novo, Tati. Você está conseguindo me deixar brava.

– Eu hein, mas ficou azeda do nada! Qual é, quando eu comecei a namorar parecia que o mundo era feito de Ursinhos Carinhosos, não de espinhos! Relaxa. Respira e vai beijar um pouco. Aliás, como foi?

– O quê?

– Ué, como foi a primeira trepa de vocês? – Tati perguntou com curiosidade, e se sentou de novo no sofá, com o travesseiro no colo.

– Não trepamos ainda. – Clarice estranhou a palavra. 'Trepamos' deixava tudo menos romântico.

– Oi? Estão namorando e nem foderam? Que mundo é esse? Clarice, você?! Você é uma putona!

– Eu? Putona?

– Você me entendeu, amiga. – Tati apertou a bochecha da Clarice, como se estivesse consolando ela. – Só estou querendo dizer que não faz seu tipo namorar, ainda mais namorar alguém que você não ficou. Só é novo.

– Eu sei. Eu nunca namorei antes, mas é como se ele fosse especial demais para simplesmente transarmos. Eu gosto dele, e vai rolar. Temos dezenove anos, esqueceu?

– Ah é. Esqueci que são pré-adolescentes ainda. – Tati ironizou. – E eu sou uma ninfomaníaca de vinte e seis anos, mas com experiência sexual de quarenta.

– E você ainda acha que eu estou azeda?

– Na verdade estou só surpresa. Clarice namorando, de abstinência de sexo e ainda vai conhecer a família do rapaz. Quer que eu ajude com maquiagem para tampar as tatuagens e a vó dele não te julgar? Se ela for parecida com minha sogra tenho certeza que vai olhar torto.

– Um segundo, tenho que ir por partes. Não estou em abstinência de sexo, até porque não sou uma louca por sexo! Tenho dezenove anos, de-ze-no-ve! Fora isso, eu não vou tampar tatuagem nenhuma. Não vou viver uma mentira.

– Clarice, isso está estranho.

– O quê?

– Minha experiência de sete anos a mais que você diz que é estranho uma garota arrumar o primeiro namorado e estar agindo como você. Nem parece que ama.

– Amar?

– É, amar. Qual é, Clarice, sabe o que é isso?

– É só que soa estranho.

– O quê?

– Amar. É estranho a ideia de que precisarei dizer que amo.

Clarice não lembrava da última vez que dissera a alguém “Eu te amo”. Seus pais nunca falavam essas palavras na casa, seus pais não diziam que a amava. Seu avô falava, mas era de seu próprio jeito. Ele falava “Eu te amo” com sorrisos e ações. Não fazia parte de sua cultura ouvir tais palavras juntinhas.

Ela não banalizava o poder delas também. Era como se fosse uma palavra proibida e amaldiçoada. Era como se ela afogasse se dissesse sem sentir. Era como quando sua mãe falava a palavra ‘diabo’, mas tinha medo de dizer alto demais já que temia que o tal diabo aparecesse na sua frente.

– Eu sei que acha estranho, Clarice. Eu sei, eu te conheço. Mas deixa rolar, tudo bem? Não é como se desse para planejar o amor.

Tati abraçou Clarice bem forte, como se apertasse um ursinho de pelúcia.

– O que foi?

– Ai, Clarice, estou feliz por você. E é bizarro te ver assim apavorada. É fofo ver quem não sabe amar amando, e eu estou feliz por você.

– Eu não sei amar?

– Não é como se você tivesse a chance. Mas agora tem, e pode amar, ok? Não tem nenhuma contraindicação.

– É remédio agora?

– Para você soa mais como um milagre.

¨¨¨

Antes de dormir, Frederico colocou o livro Dom Casmurro na sua escrivaninha e mandou uma mensagem para Clarice com uma frase do livro. Não esperou receber resposta, desligou a luz e tentou adormecer.

"Dizem por aí, mas não tenho certeza, que meu sorriso fica mais feliz quando te vejo, dizem também que meus olhos brilham, dizem também que é amor, mas isso sim é certeza."

Dormiu com o coração aquecido, ansiando pelo outro dia. Queria vê-la logo, fosse nos sonhos ou não.


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Notas finais do capítulo

Como eu sei que aqui tem leitores portugueses, não sei se conhecem Dom Casmurro. Mas caso não conheçam, recomendo bastante! É um livro antigo, mas é incrível.
ALIÁS, tenho uma fanfic nova no qual ando trabalhando com muito carinho, e estou apaixonada. Se quiserem conhecer: http://fanfiction.com.br/historia/597551/Sete_coisas_para_se_fazer_nos_ultimos_setes_dias/
Por favooor