Seja Um Anjo escrita por LunaLótus


Capítulo 13
Eu


Notas iniciais do capítulo

"E logo abaixo, numa letra garranchosa que eu reconhecia como de Rael, estava escrito: eu sinto muito."

*Revisado em 14/06/2016



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—  O que você pensa que está fazendo, beijando o Rael por aí? – Do nada, um projeto de Barbie interrompe minha caminhada matinal até a sala de aula.

— Hein? – pergunto.

— Ele tem dona, sabia? Quer dizer, eu achei que vocês fossem irmãos, cara. Vocês são tão parecidos…

eu achei que não era possível um ser humano falar com a voz afetada e piscar seis vezes por segundo. Pelo menos, não um ser humano normal.

— Tá, primeiro, eu não sabia que Rael era um cachorrinho de estimação para ter dona. E, segundo, você é a namorada dele? – questiono, irônica. – Quer saber, esquece. E foi o Rael que me beijou, caso você não tenha notado. Ou esse tanto de rímel prejudicou sua visão?

— Há-há! Meu rímel é a prova d’água, tá? – responde. Eu a encaro, incrédula. Não posso acreditar que estou ouvindo isso! – Bem, apenas mantenha-se longe do Rael, é só o que digo.

— Ou o quê?

— Ou irá arranjar uma inimiga – diz, e joga o cabelo para trás. Isso era para ser uma ameaça?

— Nossa, morri de medo agora. Você não está num concurso de Miss, linda. O que você vai fazer? Colocar pó de mico na minha roupa? Cresce. E desiste do Rael, fofa, ele é um nível bem acima do seu.

— O que quer dizer?

Dou um sorriso afetado.

— Ah, querida, é que ele é um veterano. O que vai querer com uma caloura pirralha como você?

Dou as costas, deixando-a se queixar com o vento.

 

Há alguns dias que não falo direito com Rael. Claro que não foi por causa daquela cópia barata de Barbie, mas porque eu não queria realmente me estressar com as investidas dele. Ele até que tentou iniciar conversas, mas minhas respostas curtas e rápidas surtiram efeito. Logo ele percebeu que eu queria ignorar o que quer que tenha acontecido entre nós, ou o que quer que pudesse acontecer.

Tenho investigado o passado de Neto sozinha. Não precisei ir à casa dele para saber quem eram seus pais – apenas fui dar uma olhada no núcleo acadêmico da faculdade. Quero dizer, não foi errado. Eu apenas liguei um dos computadores e procurei os arquivos do professor.

Ok, tudo bem, eu poderia muito bem ter perguntado ao próprio Netinho quais são os nomes dos seus pais. Mas aí soaria estranho, ele ficaria desconfiado ou me acharia louca. É claro que eu não posso chamar atenção para mim. Ainda mais dele. Ele deve me ver somente como uma aluna qualquer.

E não como alguém que tem como missão salvar sua vida.

 

Imagine a minha surpresa quando, numa tarde, eu chego em casa e vejo duas malas na sala e um Rael sentado no sofá, me esperando.

— Doando roupas? – pergunto, fingindo desinteresse.

— Samantha – cumprimenta. – Podemos conversar?

— Hum.

— Não é “hum”, Samantha. Será que dá para ter uma conversa normal comigo, ao menos desta vez?

Ui, que garras afiadas.

— Claro, prossiga. – Dou de ombros e me jogo numa poltrona. – Pode dizer.

Rael respira fundo. Eu finjo não estar ansiosa e o encaro com uma expressão neutra.

— Tudo bem – começa. – Eu venho percebendo que você está fazendo progressos no caso de Neto, e sem causar confusão, o que é muito bom. Penso que chegou a hora. Você pode muito bem se cuidar sozinha e mostrou que tem responsabilidade. Por isso, conversei com o Pai e com Gabriel, e decidi que é hora de eu deixá-la.

Ele fala tudo isso e para, provavelmente esperando que eu diga algo. Mas eu não posso dizer nada, porque eu estou em choque, completamente muda.

— Você entendeu o que eu disse? – questiona, cuidadoso.

— S-sim – gaguejo. Balanço a cabeça para desanuviar a mente e continuo: – Você está indo embora. Mas por quê? Cansou de mim?

Para minha surpresa, minha voz soa magoada e triste. Não consigo entender a sensação estranha que vai preenchendo meu peito pouco a pouco, uma fisgada estranha que traz lágrimas. Rael sorri levemente.

— Não. Como eu disse, você tem se saído muito bem sozinha e…

— E nós dois sabemos que isso não o impediria de ficar, se quisesse – eu o interrompo.

— Você tem razão – murmura, olhando para o chão e suspirando. –  Não é só isso. É você.

— Eu?

— Você vem mantendo distância e percebi que era loucura o que eu estava fazendo. Esse… gelo, é assim que se fala?, que você me deu fez com que eu entendesse. Não posso sentir isso por você. Nós somos anjos.

— Espera. Você falou sobre isso com meu irmão?

— Não, claro que não. Que fim nós levaríamos por causa disso? Seríamos dois anjos caídos.

Solto o ar, aliviada. Rael está certo. Que fim nós levaríamos? De que forma seríamos castigados? Eu me sinto aliviada por ele não ter contado nada sobre isso a ninguém. Porém, parece que ele me interpreta errado, porque diz:

— Você se sentirá melhor, sem minha presença. E logo irá concluir sua missão.

— Só não sei o que farei depois disso… – comento, baixinho.

— Você sempre pode voltar para Casa – sorri.

— É para onde você vai?

Ele hesita em falar:

— Não.

— Então para onde?

Rael se levanta e, por instinto, faço o mesmo. Ele se aproxima e me abraça forte. Fico sem reação por alguns segundos, mas logo retribuo o abraço. Então se afasta e afaga meu cabelo, sorrindo ternamente ao responder:

— Para um lugar onde eu possa esquecer você.

 

Faz cerca de duas horas que Rael se foi. Não me disse para onde, e só me deixou um abraço de despedida. Ainda estou grudada no sofá, desde que ele bateu aquela porta, me observando com aqueles olhos castanhos que seriam a perdição de qualquer garota.

Sim, Rael é bonito. Diriam que até lindo. Seus traços fortes davam-no um ar sério, mas ele estava quase sempre sorrindo comigo. Agora mesmo, sinto falta da sua voz preenchendo a casa, cantando desafinadamente.

E o pior de tudo: eu poderia jurar que vi uma lágrima escapar quando ele me deu às costas.

 

Não há muito o que fazer agora à noite. Não há pratos para lavar, chão para limpar ou qualquer trabalho de faculdade para concluir. Hoje é simplesmente um daqueles dias em que você fica preso em seus próprios pensamentos, mesmo que queira fugir deles. O silêncio é tão pesado que decido ir me deitar.

Já na cama, reviro de um lado para o outro. Ainda é cedo e o sono não chega. Levanto-me, ligo a luz e fico encarando cada móvel do quarto. Seria muito tarde para uma faxina? É quando meu olhar cai sobre algo que não estava ali pela manhã. Pego o volume e noto que é o livro que Rael retirou da casa do Pai. Abro-o na página que está marcada. A imagem logo me chama atenção, mas me contenho em ler o parágrafo que a antecipa:

Gabriel foi o segundo arcanjo escolhido para ter uma vida mortal. Ele e Miquel, o primeiro anjo a descer à Terra como homem, eram melhores amigos na Casa do Pai. Eram os melhores guerreiros, os mais corajosos e mais fortes. E ambos amavam os humanos, como o próprio Pai amava. Miquel e Gabriel acreditavam nos homens, como nenhum outro anjo acreditava. Então, o Pai os escolheu primeiro. Gabriel adotou o sobrenome Reis, e casou-se com uma humana chamada Beatriz.

Sobrenome Reis. Reis. Samantha Reis. Não pode ser. Claro que não. É somente uma coincidência, certo? Claro que é só uma coincidência.

Rapidamente, devoro e sigo as linhas da árvore genealógica.

Gabriel e Beatriz tiveram uma única filha chamada Dafne. Dafne se casou com um humano e teve três filhos, Isabella, Marcella e Diego. Ai, meu Pai. Sigo a linha do nome Diego, o primogênito. Ele se casou com uma mulher chamada Maria Clara. E teve um filho chamado Pedro, que se casou com uma mulher chamada Linda. O nome dela está marcado como um asterisco, exatamente como estava o nome da mãe de Neto. Isso significa que ela também era uma Descendente.

E eles tiveram um filho. Um único filho. Ou melhor, uma filha. Ali, na última linha, estavam os nomes, em letra cursiva.

Samantha Reis.

E logo abaixo, numa letra garranchosa que eu reconhecia como de Rael, estava escrito: eu sinto muito.


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Notas finais do capítulo

Heey, cadê meus anjinhos divos? Mesmo os fantasminhas são divos, claro.
O que acharam deste capítulo? Muito grande? Muito triste? Estou me sentindo meio triste hoje. Bem que eu gostaria de voltar com a ironia da Sam, mas hoje não deu. Quem sabe no próximo? ;)
O que vocês acharam sobre Rael já saber do passado da Sam e mesmo assim ir embora? Falta de consideração dele?
Ah! E obrigada a Nath, Datii Cullen Durand, LuaReyna e Marcybel por comentarem! Mil beijoos!
E aos outros, claro, outros mil! ♥



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