Convergente II escrita por Juliane


Capítulo 51
Capítulo 50 - Ela




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/544355/chapter/51

Fecho os olhos com força e respiro fundo, tentando me convencer de que tudo vai dar certo, de que dou conta do recado. Ao abrir os olhos padrões irregulares de luz tremeluzem no teto branco e impecável enquanto sinto-me miseravelmente inútil e impotente. Não posso mais carregar o peso do mundo nos ombros...

Respiro fundo e tento aos poucos organizar o caos que virou a minha mente, Caleb aqui, com o Presidente na biblioteca, a crueldade dele com Cerinéia, ou melhor, Sophia. Isso serve para que eu não me esqueça do que esse monstro é capaz.

Paro e tento organizar os pensamentos... Divindindo-os em núcleos específicos, como num romance policial narrado em terceira pessoa...

Isso! Preciso ser o narrador onisciente, preciso observar essa história sob outra perspectiva: Certo, Tobias está bem, a essa altura deve estar fora da base no encalço de Sean King... Assim eu espero... Wes deve estar cuidando de Christina e enquanto busca uma cura ou solução para o tal vírus... Mas e Caleb? O que faço com ele?! Como pode vir até aqui se expor desta forma?! Deixando-me ainda mais vulnerável...

Queria concentrar-me e explorar os pontos cegos desse lugar, mas não consigo parar de pensar no que pode estar acontecendo naquela biblioteca.

De repente o sonho da noite passada me vem a mente, Caleb e o Presidente lado a lado, como aliados, o corpo de Caleb desabando no chão, sem vida, morto no lugar do maldito avô! E um pensamento sinistro toma conta de mim...

_ Não, não pode ser! Caleb não cairia no papo dele, não! Ele não faria isso comigo! De novo, não!

Sem pensar caminho a passos largos na direção da biblioteca disposta a acabar com tudo isso de uma vez por todas, mas quando estou prestes a socar as duas grandes portas, dois seguranças os quais nem havia notado a presença interceptam meu caminho.

_ Desculpe Soldado Prior, termos ordens para não deixar ninguém interromper o Presidente.

_ Meu irmão está lá dentro, preciso vê-lo!

_ Assim que for possível, liberaremos sua entrada.

Bufo e viro as costas para os dois brutamontes, pensando no quão sou inútil nessa situação. E se Caleb quis colocar-se em perigo para provar seja lá o que, vou testar o livre arbítrio que Nicholaus me deu, talvez lá em cima seja muito mais útil do que aqui nesse buraco!

_ Ei! vocês aí! - Digo chamando a atenção dos seguranças que estão parados em frente as portas da biblioteca.

_ Vou voltar a Base. Avisem o Presidente, caso ele pergunte por mim. - Digo enquanto me dirijo ao corredor principal que leva ao elevador secreto que por sua vez leva as docas.

_ Espera aí, quem disse que você pode subir a Base? - Um dos guardas perguntou.

_ Pergunte ao meu avô, ao que parece ele deixou bem claro que não sou uma prisioneira nesse Bunker e acho que com Caleb aqui ele terá distração o suficiente. - Respondo de forma indiferente enquanto me mantenho em movimento.

_ Espere Garota! - Um deles grita enquanto caminha a passos apressados na minha direção.

_ Você vai nos causar um grande problema! Não posso deixar que saia daqui! - Ele argumenta.

_ Você não ouviu o que eu disse?! Meu avô deixou bem claro que sou livre para ir e vir.

_ Mas não recebemos instruções a respeito! - Ele insiste.

_ Bem, não vou sair do país! Estarei na Base. Caso meu avô precise de mim, basta mandar me chamar que volto. - Digo da forma mais natural possível.

O guarda pondera por um instante e então diz.

_ Vou pedir instruções de como proceder, aguarde um momento. -

Ele aperta um pequeno botão num rádio preso no seu ombro direito e uma voz ressoa do aparelho:

"_ Starsk na escuta!"

_Capitão, a Soldado Prior quer retornar a Base, libero a passagem?

"_ Não recebemos instruções a respeito!"

_ Olha só, não vou ficar aqui esperando que vocês decidam se devo ir ou não! Até onde eu sei meu avô é dono de tudo isso aqui e ele próprio me deu o direito de ir e vir quando eu bem entender! Então saia do meu caminho! - Digo intempestivamente.

_ Senhor, só um momento! - O guarda fala com o tal Capitão Starski do outro lado da linha.

_ Você não pode ir até que tenhamos ordens expressas do Presidente autorizando a sua Partida!

_ Ah! Faça-me o Favor! - Digo dando de ombros enquanto tento estudar as minhas opções de como escapar desse cara enorme.

_ Por favor Soldado Prior, queira retornar aos seus aposentos até que possamos falar com o Presidente para liberar a sua partida.

_ Por que você não faz isso agora mesmo? - Eu o provoco.

_ Ele disse que não quer ser interrompido por ninguém. E isso inclui a guarda. - Ele explica.

_ Bem eu estou indo. Avise-o que estou na Base! - Digo enquanto me volto para o meu caminho mas ele me segura pelo braço.

_ Não vai querer começar uma briga agora, vai? Ainda mais com a neta do seu Presidente? É isso mesmo? - Falo da forma mais convicta e ameaçadoramente que consigo.

_ Olha aqui garota, por muito menos ele já mandou executar soldados. Não posso deixar você ir sem a autorização dele.

_ Então você vai ter que me impedir a força! - Digo e desfiro um golpe com o joelho bem em seus países baixos e o guarda cai de joelhos enquanto salto através dele e corro pelos corredores em direção ao elevador que me levará as docas.

Não sei ao certo quanto tempo tenho até que me persigam, então corro sem olhar para trás e conforme a distância entre o o elevador vai diminuindo e nenhuma armilha é acionada reduzo o passo imaginando que talvez eu tenha sido convincente o bastante.

Chego as docas tão rápido e silenciosamente quanto cheguei ao bunker. Tento relembrar o caminho certo, mais as bifurcações levam a longos corredores tão iguais que perder-se é quase inevitável.

Exaurida e depois de testar uma porção de caminhos que leva a lugar nenhum, estou prestes a desistir, mas então ouço vozes nas proximidades e sorrateiramente caminho em sua direção.

As vozes são conhecidas, na verdade uma delas é inconfundível!

Quando expio vejo Wes segurando severamente o braço da Dr.ª Gail na altura do cotovelo, ela a encara de forma dura enquanto ela parece um tanto assustada.

Resolvo não interromper para ver onde isso tudo vai dar.

"_ Gail como você pôde?! São vidas, são seres humanos!"

_ Ah por favor Wes, onde é que você recuperou a sua humanidade?! Até onde eu sei sempre fomos parceiros de projetos e esse vírus é tão criação sua quanto minha! - Ela diz tentando livrar-se do aperto dele.

_ Não diga isso Gail! Jamais cogitei a possibilidade de usá-lo em humanos! - Ele se defende.

_ Qual o propósito de tudo isso então? Criamos o vírus para usá-lo quando fosse julgado necessário!

_ Não Gail! Eu colaborei para a criação do HNDG1 com o único objetivo de criar uma vacina imunizadora, capaz de proteger a população de qualquer vírus que venha a ser utilizado como arma pelo governo.

_ Bem, agora você terá uma excelente oportunidade para testar a sua vacina! Quer dizer se houvesse uma vacina! Afinal o prazo dos primeiros infectados deve estar vencendo... Sem contar a disseminação que a essa altura já deve ter tomado praticamente toda Chicago.

Nesse momento cubro a boca para abafar um grito de susto que mesmo assim acaba saindo feito o grunhido de um animal ferido.

Eles devem ter ouvido, pois a conversa cessa.

_ Que ótimo, Wes! Tem alguém nos ouvindo! - Gail diz enquanto tenta voltar de onde vieram e ele a segura firmemente pelos punhos.

_ Não Há ninguém aqui! Deve ser a voz da sua consciência! - Ele diz.

_ Ora, quanta hostilidade! Achei que você ia me convidar para sair, no entanto você me acusa de um crime que é tão culpado quanto eu!

_ Cala a boca Gail! Você que mandou capturar aquelas pessoas da Margem e infectou-as com o vírus! Mas por quê? O que foi que aquelas pessoas fizeram a você? Por que deixá-las em Chicago? Por quê.

_ Não seja tolo Wes, eu apenas sigo ordens!

_ Do que você está falando?

_ Você não acreditou que o Presidente ia simplesmente deixar passar o fato daquelas pessoas terem destruído o experimento Chicago? Você achou que simplesmente ele deixaria que seguissem com a vida deles pensando que agora eles eram donos do próprio destino?

_ Gail, o que você está dizendo?!

_ Wes, você é muito patético! - Ela diz e suspira e quando ele não esboça reação ela prossegue com sua explicação sórdida.

_O Presidente ordenou através do General Sparks que déssemos um fim em Chicago, mas que fosse algo sutil e não um ataque que alarmasse a todos. Sugeri o HND1, o que segundo o General Sparks foi considerado perfeito pelo Presidente, já que as mortes não seriam creditadas à sua crueldade, mas sim a um vírus que se espalha feito fogo num rastilho de pólvora.

_ Santo Deus Gail! Como você pôde! - Wes diz exasperado, o rosto contorcido de dor e desespero!

_E agora, o que faremos para salvar essas pessoas! Não concluí o antídoto e muito menos desenvolvi a vacina! - Ele diz, mais para si mesmo do que para a Gail.

_ Nem adianta retomar o estudo e sua pesquisa. - Ela diz e nesse momento abaixa os olhos como se um lampejo de arrependimento passasse através deles.

_ Do que você está falando? Como posso não retomar a pesquisa, estou correndo contra o tempo!

_ A sua pesquisa foi destruída Wes! Não há registros. Tudo, absolutamente tudo foi excluído do seu computador e do servidor. - Ela diz.

_ Não pode ser! Que tipo de monstro você se tornou Gail?!!!

_ O tipo que obedece ordens para preservar a própria vida! - Ela diz soltando os pulsos das mãos dele que agora afrouxaram devido a sua perplexidade.

_ Você tinha escolha Gail! Poderia ter me procurado! Poderíamos ter dado um jeito nisso! - Ele diz desconsolado.

_ Não Wes, você estava preocupado demais com aquela garota, aliás você pôs tudo a perder quando decidiu salvá-la. Nada disso estaria acontecendo se você a tivesse deixado morrer!

_ Não diga bobagem Gail! Todos em Chicago teriam sido reinicializados! Que bem isso teria feito? - Ele diz perplexo.

_ Tanto faz! Não sei porque você se preocupa tanto com essa gente!

_ Essa gente é o futuro da humanidade! Você não vê?! Quanto mais mortes e destruição, mais próxima da extinção está a raça humana!

_ Não Wes, não é só isso! Você não me engana! Existe um interesse genuíno pela garota e por tudo que está relacionado a ela!

_ Isso não é da sua conta! - Ele cospe as palavras na cara dela.

_ Ela é seu ponto fraco Wes! É ela quem vai acabar te pondo em sérios problemas!

_ Já perdi muito tempo com você aqui! Eu vou agora mesmo tentar resolver o problema que você criou! E não ouse atrapalhar, Gail. Não quero você no meu caminho! Caso contrário não responderei pelos meus atos! - Ele vocifera na cara dela enquanto a segura pelos ombros.

Ela se solta das mãos dele e diz:

_ Estou fora dessa Wes! Se você quiser cavar a sua sepultura, eu é que não vou impedir!

Ele sai a passos apressados e a deixa ali escorada na parede da doca e pondero sobre voar no pescoço dessa psicopata e acabar com ela agora mesmo, no entanto dadas as últimas descobertas e graças a ela tenho mais o que fazer!

Espero a bruxa desaparecer através da porta que liga as docas e adentro o corredor a caminho do hospital. Preciso encontrar o Wes!

Enquanto percorro os corredores tento assimilar toda conversa que ouvi entre Wes e Gail, tento compreender minha parcela de culpa em toda essa situação, mas confesso que ainda estou confusa.

Ao longo do caminho sou interceptada por Christina:

_ Tris! Espera! Como, como? Aonde você vai?

_ Chris, não tenho tempo para explicar, você viu pra onde foi o Dr. Wes?

_ Quem?

_ O Dr. Wes?

_ Ah sim, vi ele hoje de manhã quando me deu alta, mas agora não sei onde está.

_ Ok, preciso ir. Depois falamos.

_ Eu vou com você. - Ela disse e se pôs a correr ao meu lado.

_ Você já está bem pra isso? - Pergunto.

_ Sim, estou pronta pra outra! - Ela responde.

Chegando na recepção do hospital ao perguntar por Wes, descubro que ele está em seu laboratório de pesquisa e é pra lá que rumamos num silêncio constrangedor. Sei que Christina quer conversar comigo sobre Tobias, mas esse é um assunto que pode esperar.

Ao sair do elevador é possível vê-lo através das paredes de vidro, Wes está debruçado sobre a mesa, obviamente analisando alguma coisa. Apresso o passo e Christina acompanha meu ritmo.

Quando chego em frente a sala de Wes, bato no vidro para chamar sua atenção, ele levanta a cabeça e ao me ver seus olhos se arregalam, imediatamente se levanta e abre a porta para nós.

_ Beatrice! Como? Como você conseguir fugir?

_ Na verdade foi bem fácil, acho que o Presidente está ocupado demais com Caleb e como ele sabe que tem algo que me é caro, está certo de que voltarei.

_ Caleb foi imprudente, mas não posso negar que seu plano foi assertivo, afinal você está aqui. - Ele diz enquanto me abraça desajeitadamente.

_ É, mas esse é um problema que posso lidar depois, agora... Wes, eu ouvi a sua conversa com Gail, quando estava procurando a saída das docas.

_ Ouviu? - Ele arquei a sobrancelha.

_ Sim, ouvi e estou querendo saber o que faremos já que destruíram os registros da sua pesquisa sobre o antídoto.

_ Antídoto? Mas do que é que vocês estão falando. - Christina quis se inteirar do assunto.

Já havia até esquecido que ela estava por ali e penso que Wes nem tenha notado a presença dela até agora.

_ O antídoto para o vírus do qual vocês saíram em busca da cura. - Wes explicou e depois dirigiu-se a mim:

_ Beatrice, mantenho os registros escritos também no meu diário pessoal, de modo que temos um ponto de partida, mas temo que não temos muito tempo. -

_ E o que você quer dizer com não temos muito tempo? - Pergunto.

_ Bem, você ouviu quando Gail disse que quase toda a cidade deva estar infectada e que os primeiros a contraírem o vírus devem estar quase no estágio final... Quando digo que não temos muito tempo, quero dizer que não haverá tempo para testes, vou produzir o antídoto e imediatamente ele deverá ser enviado para Chicago sem que antes possamos testar a sua eficácia. Será um tiro no escuro.

_ Mas essa é nossa melhor chance, não é? - Pergunto aflita.

_ Sim Beatrice, vamos torcer que realmente funcione e agora se você me der licença, vou voltar ao trabalho.

_ Wes, só mais uma coisa.

_ Sim.

_ Tobias foi atrás de Shean King?

_ Sim, foi com Enrico, Alejandra e a equipe do Milles como você havia sugerido. Aliás, essa é outra história que você terá de me explicar... Mas agora não. Preciso trabalhar no antídoto.

_ Tudo bem. Me avise assim que ficar pronto.

_ Pode deixar... E Beatrice, tome cuidado, ele é imprevisível.

_ Eu sei. Até logo Wes. - Me despeço e saio fechando a porta atrás de nós.

Christina me segue em silêncio, o que não é um bom sinal em se tratando dela.

Quando estamos de volta a Base ela diz:

_ Eles saíram para uma missão e me deixaram pra trás.

_ Você devia estar sob cuidados médicos Chris. - Explico.

_ Não sei Tris, acho que o Tobias não faz questão da minha presença. - Ela tocou no assunto.

Pondero um pouco sobre o que e como responder, de modo que resolvo usar a impessoalidade como escudo, pelo menos por agora.

_ Acho que ele já superou tudo isso.

_ Você não entende, Tris. Eu sofri a sua perda, mas achei que você não fosse voltar e que ele deveria superar. - Ela diz fitando as próprias botas.

Um pensamento amargo aravessa minha mente: foi cedo demais para Christina ter resolvido que ele deveria seguir em frente, mas no momento em que surge já afasto a ideia e me concentro em nossa amizade e o quanto eu devo ser grata a ela por sua sinceridade, mesmo eu não tendo a tratado da mesma forma quando eu, quando eu matei Will.

_ Eu entendo, de verdade Chris e obrigada pela sinceridade.- Digo.

Ela me olha apreensiva e eu estendo a mão direita para ela:

_ Sem ressentimento?!

_ Sem ressentimentos! - Ela agarra minha mão e num aperto enterramos todo o constrangimento que essa história nos causa.

_ E agora, me conta: Que história é essa de vírus? Para o Dr. Wes ter a cura, quer dizer o vírus foi produzido aqui?! É isso mesmo?!

_ Sim, na verdade ele não tem a cura. Ele contribui para a criação do vírus com o intuito de criar uma vacina que tornasse as pessoas imunes a todo tipo de vírus, mas a Drª Gail a mando do Presidente infectou aquelas pessoas e as largou na cerca de Chicago. - Faço um resumo da conversa que ouvi mais cedo.

_ Nossa, que história heim... E esse Presidente é mesmo seu avô? - Christina pergunta.

_ Assim ele diz... A história parece fazer sentido. Mas o caso é que ele é um lunático Chris, e precisamos encontrar uma forma de pará-lo.

_ E você já pensou em como fazer isso?

_ Na verdade já passou pela minha cabeça um milhão de maneiras de matá-lo... Mas é complicado.

_ Você está em um dilema moral. Já entendi. - Ela diz.

_ Afehh a verdade e que não quero admitir, mas esse lance dele ser meu avô está complicando as coisas. Não queria ter o sangue do pai do meu pai nas mãos, por mais psicótico que ele seja. - Admito mais para mim mesmo do que para ela.

_ Você já pensou em deixar que outra pessoa faça o serviço? - Ela sugere.

_ Chris, seria a mesma coisa... Estou tentando pensar em uma solução que não envolva morte, mas realmente está difícil...

_ Tris, queria poder te ajudar a sair dessa, mas nesse momento não vejo como.

_ Então você sabe que há quanto tempo eles partiram em busca de Shean?

_ Foram essa madrugada. E aliás, quem é Shean King? - Christina quis saber.

_ Ah, essa é uma longa história.

_ Pelo visto temos tempo. - Ela insiste arqueando as sobrancelhas.

_ Sim você tem razão. Vamos para o meu antigo dormitório.

_ Estou hospedada lá, espero que não se importe.

_ De maneira alguma.

_ Mas de qualquer forma Tris, o local é cheio de câmeras, exceto pelo banheiro. Será que é uma boa?

_ Você tem razão, vamos dar uma volta ao ar livre então.

Caminhamos em silêncio até o velho carvalho, nos sentamos sob a árvore e inicio a narrativa da história horripilante que descobri quando fui capturada no bunker, desde a biblioteca sinistra, a história de Edith Prior ser minha avó Margareth, até a triste história de Sophia Lancaster, Alejandra e sua mãe Amélia e seu irmão Shean.

Durante toda a narrativa Christina ficou boquiaberta, vez ou outra deixava escapar alguns sons de admiração e pavor.

_ Nossa, então quer dizer que Alejandra é meio que sua prima, e tem aquele cara, o tal Enrico que namorava ela mais gosta de você?! É isso?

_ Quem foi que disse isso?

_ Ah, as notícias correm. Vocês são o assunto por aqui, você, Tobias, Enrico e Alejandra... Haviam pessoas falando em apostas no almoço...

_ Apostas? A humanidade ruindo e as pessoas preocupada com a vida amorosa alheia... - Digo exasperada.

_ Pra você ver! - Christina concorda.

_ Mas me conta, ele é gatinho?

_ Quem? Do que você está falando? - Pergunto meio confusa.

_ Enrico, ele é gatinho? O que ele faz?

_ Ah por favor Christina!

_ Ah Tris, não seja desmancha prazer! Sou sua amiga! Você tem obrigação de me contar! Como ele é? - Ela insiste.

_ Bem... Ele é sim, muito bonito.

_ Bonito quanto? Assim tipo o Tobias, ou bonito como Zeke?

_ O que você quer dizer com isso?

_ Bonito como Tobias é: super gato ou bonito como Zeke é tipo gatinho querido, mais querido do que gatinho. - Ela explica e sinto uma pequena pontada de ciúme pela comparação, mas afasto o sentimento antes que ela perceba.

_ Olha Chris, eu acho o Enrico muito bonito e querido, mas não tem como comparar, pra mim são belezas diferentes.

_ Sei... Entendo, mas então quem sabe você descreve ele pra mim e deixa que eu decida. - Ela diz abrindo um enorme sorriso e embora eu não seja muito boa em descrições eu resolvo fazê-la, pois senti falta desse momento de garotas com a Christina...

_ Okay, ele é alto, tem a pele morena, como se estivesse bronzeado pelo sol, os cabelos são castanhos e os olhos são castanhos claro, mas quando estão contra o sol ficam num tom quase verde e quando ele está irritando pra valer ficam quase negros. O nariz é pequeno quase esculpido com precisão e os lábios são cheios...

_ Uau! Você descreveu com uma precisão cirúrgica! Não me admira que Tobias esteja enciumado. - Ela comenta.

_ Durante dois anos Enrico, Wes e Emma foram os únicos amigos que tive por aqui, gosto muito deles, sou imensamente grata por tudo que fizeram por mim. - Tento explicar.

_ Mas se a vida seguisse e você não conseguisse mais voltar para o Tobias, você daria uma chance a ele? - Christina pergunta pegando-me de surpresa e deixando-me na defensiva.

_ Enrico sempre soube quem nunca haveria outro, independente de qualquer coisa. - Respondo mais seca do que gostaria.

_ Desculpa se fui invasiva. Não foi minha intenção.

_ Tudo bem.

_ E o lance com o Dr. Bonitão? - Ela muda de assunto suavizando o papo.

_ Wes? Ah... Essa é outra longa história.

Christina olha para o relógio imaginário em seu pulso e sorri pra mim.

_ Tenho todo tempo do mundo... Ou parte dele. - Ela diz.

_ Bem... Vamos lá então: Você lembra que acabei descobrindo no Departamento que minha mãe , diferente de meu pai, não nasceu no experimento?

_ Sim, lembro! Mas o que tem ela a ver com isso?

_ Wes é o irmão mais novo da minha mãe.

_ Ele é seu tio?!

_ Sim, ele é.

_ Mas como, você tem avós maternos também?

_ Não, ela se suicidou. Também foi uma história trágica, minha mãe nem sabia da existência dele, ela fugiu de casa antes que a mãe deles tivesse concebido Wes. Eles viviam num ambiente marcado pela violência doméstica, resultado dos Genes Danificados, segundo o governo. Ela viu a mãe assassinar o pai depois de uma discussão. Foi aí que ela fugiu, ainda criança. A mãe dela, pelo que Wes me contou acabou casando com o pai do Wes, e engravidou mas nunca conseguiu se livrar da culpa e do passado e a história meio que se repetiu e no fim das contas ela cometeu suicídio.

_ Que horror Tris!

_ É, parece que sofrimento e tragédias são heranças de família. - Digo amargamente.

_ Não diz isso nem de brincadeira! Olha só pra você, uma sobrevivente! Esquece essa história, vai dar tudo certo e você vai escrever o próprio destino e dessa vez sem tragédias! - Ela diz numa tentativa de afastar essa ideia, de me confortar, mas a verdade é que não tenho certeza se conseguiremos sair todos ilesos dessa.

_ Ah!! Achei você Christina! Tris?! É você?! - Cara vem correndo em nossa direção e interrompe meus devaneios depressivos.

_ Oi Cara! Sou eu sim!

_ Como é que você fugiu?! E Caleb? Tem notícias dele? Aquele idiota!

_ Sim, ele está bem. Pode ficar tranquila, que por hora o Presidente não fará mal alguma a ele.

_ E como você pode ter tanta certeza? Bem estou viva e aqui! Quer dizer que nos delírios psicóticos dele, imagina que um dia formaremos uma linda e feliz família.

_ Não imagino que você pudesse arriscar o pescoço de Caleb assim de graça. - Ela conclui.

_ Não estou Cara, garanto a você que ele está seguro.

_ E como vamos fazer para tirá-lo de lá. - Parece que ela continua preocupada com meu irmão.

_ Na verdade ainda não pensei nisso, tem outras coisas rolando no momento que merecem nossa atenção imediata. - Digo e não queria soar despreocupada ou desleixada em relação ao resgate do meu irmão, mas pela expressão no rosto de Cara vejo que falhei.

_ E o que pode ser mais importante do que resgatá-lo? Bater um papo com a velha amiga em baixo do carvalho? - Cara ironiza.

_ Você não sabe de nada! Christina sai em minha defesa.

_ Bem então talvez vocês devessem me contar o que não sei. - Ela insiste, a posição tensa os braços cruzados.

Christina e eu nos olhamos tentando decidir por onde começar...

_ Cara, estamos aguardando Wes concluir o antídoto para o vírus de Chicago e preciso esperar os demais retornarem da missão para saber qual o próximo passo, pois se eu descer agora o Bunker temo que não conseguirei voltar tão cedo para captar mais informações. Pode ter certeza que sou mais útil para Caleb aqui fora do que lá embaixo.

_ Okay, mas sinceramente espero que você não pretenda dar o troco em seu irmão, porque ele sofreu muito esses últimos anos imaginando que você havia morrido, diariamente era torturado pela culpa.

_ Parece que você tem acompanhado o sofrimento de Caleb bem de pertinho né, Cara?! - Christina insinua.

_ Cala a boca Christina! - Cara repreende.

_ Olha Cara, jamais faria isso com Caleb, ele é meu irmão. Eu o amo. Não pude deixar com que ele tomasse o meu lugar no Departamento e jamais deixaria que se sacrificasse por mim aqui.

_ Okay. Acredito em você.

_ Obrigada, significa muito para mim. - Respondo.

_ Agora, procurava por você Christina, porque o Capitão Finch avisou que eles estão a caminho. - Cara diz enquanto confere o relógio.

_ Eles? - Pergunto mais para ouvir uma confirmação verbal, porque na verdade já sei do que se trata.

_ Tobias e os outros, estão chegando e parece que tem outros dois com eles. - Ela responde.

_ Ótimo! - Respondo enquanto me levanto e tiro a grama que ficou nas minhas calças.

_ Vou esperar por eles no portão, querem vir comigo? - Pergunto.

_ Vamos lá! - Responde Christina.

Seguimos na frente e então Cara, que não respondeu ao meu convite nos segue mais atrás. Tenho a impressão de que ela está chateada por Caleb, o que só confirma as minhas suspeitas de que eles estão se gostando. O que na verdade acho excelente. Cara é uma boa pessoa e tenho certeza de que o amor fará bem ao Caleb.

Quando chegamos ao portão já estou ansiosa e inquieta, sigo andando de um lado para o outro, como se o meu movimento pudesse de alguma forma apressar a sua chegada. Christina e Cara sentaram-se na mureta que circunda a estátua e estão acompanhando minha ansiedade com os olhos em silêncio.

Então depois do que parece ser uma eternidade ouço o ronco dos motores e 7 fachos de luz crescem iluminando o caminho a sua frente. Meu coração dispara no peito e por reflexo ponho a mão no peito tentando mantê-lo no lugar. A proximidade iminente de Tobias faz meu corpo reagir instintivamente, as mãos começam a suar, o frio na barriga, o leve formigamento da pele que antecipa seu toque.

_ Ele está chegando! Voltando para mim!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!