Convergente II escrita por Juliane


Capítulo 49
Capítulo 48 - Ela




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Abro os olhos e sinto o vento açoitando meu rosto, fazendo meu olhos lacrimejarem. Meu estômago se contrai e aperto os braços na cintura do meu condutor, reflexo do medo. Minha cabeça descansa nas costas dele e sinto a textura do couro de sua jaqueta na minha bochecha enquanto serpenteamos em alta velocidade pelas estradas poeirentas de um deserto desconhecido, mas familiar. De repente meu condutor misterioso acelera e quando me dou conta estamos deslizando pela estrada apenas com o pneu traseiro da motocicleta, por puro reflexo aumento a intensidade do aperto em sua cintura e tenho a impressão de ter ouvido o som do seus riso sobre o ruido furioso do motor.

Um estampido faz meu coração dar um salto no peito e antes que eu perceba estamos derrapando no chão, cedendo ao peso da motocicleta que cai sobre nossas pernas. O condutor misterioso está desacordado e seus traços são familiares, o cabelo desgranhado e crescido, os lábios carnudos... O som de motores rugindo em nossa direção me distrai da tarefa de reconhecer aquele rapaz. Levanto os olhos e me deparo com um porção de pares de faróis focados em nossa direção e que parecem aproximar-se a uma velocidade alarmante. Desesperadamente tento reanimar o rapaz, até que percebo a inutilidade do gesto já que ele não tem pulsação e a camiseta sob a jaqueta está ensopada de um líquido viscoso e escuro que só pode ser sangue. As luzes dos faróis continuam aproximando-se e decido que se não tenho como salva-lo preciso sair dali o mais rápido possível. Forço a motocicleta para cima, mas é pesada demais... Preciso ergue-la o suficiente para libertar a minha perna, mas a moto parece pesar uma tonelada.

Os fachos de luz produzidos pelos faróis cresceram vertiginosamente... É meu fim! Tateio pela minha jaqueta e não encontro arma alguma, mas então algo reluz sob a jaqueta do condutor que jaz ao meu lado. O cabo de um arma! Puxo-a rapidamente e escondo sob o meu casaco e em seguida mergulho as mãos no líquido viscoso que empoçou entre o corpo do rapaz e o meu e passo na minha blusa... uma tentativa tosca de parecer ferida e se estiver com sorte, pode ser que me julguem morta.

Os veículos param a poucos metros de nós. Ouço o som de portas abrindo e se fechando, ouço coturnos pesados trotando no chão em minha direção... Ouço meu coração martelando no peito.

_ Idiotas! Vocês a feriram! - Ouço a voz e identifico de imediato Presidente Nicholaus King! Mas como?! Ele não sai de sua toca por nada no mundo.

Passos apressados na minha direção, sinto a pressão da motocicleta sobre a minha perna, desaparecer e por incrível que pareça não sinto dor alguma... Penso se devo ou não tentar mover a perna, mas lembro da estratégia de fingir-se de morta. Mãos acariciam meu rosto, seu toque é familiar.

_ Ela está respirando! - Grita o dono das mãos e reconheço a voz de Tobias. Mas que diabos ele está fazendo aqui junto com o Presidente King?

Abro os olhos e tento decifrar algo naquele rosto cálido de olhar profundo. Como se pudesse ler minha mente, Tobias concordada sutilmente com a cabeça enquanto ajuda a sentar-me. Meus olhos atentos olham em volta em busca da figura fantasmagórica do Presidente. E lá está ele vestido de branco dos pés a cabeça, usando uma armadura no peito igualmente branca... Minha única alternativa é atirar na cabeça. Ele caminha em nossa direção escoltados por dois seguranças e outra figura igualmente vestida o acompanha... Demoro um certo tempo para identificá-lo... Mas quando estão próximos o suficiente para que meus olhos possam analisar aqueles traços na baixa luminosidade do entardecer, sinto meus membros formigando... Não pode ser! Caleb!

Busco nos olhos de Tobias uma resposta plausível para meu irmão mais uma vez ter aliado-se ao inimigo, mas ele simplesmente balança a cabeça negativamente. Traída mais uma vez por Caleb, sangue do meu sangue. Tomo fôlego, saco a arma e disparo na direção do presidente King. Mas alguma coisa dá errado, pois o corpo que desaba no chão com um tiro certeiro bem no meio da testa é o de Caleb. Levanto desvencilhando-me dos braços de Tobias e corro na direção dele... O corpo inerte do irmão jaz no chão, sem vida, com os olhos vidrados. A poucos metros dele também no chão está o Presidente... Sua risada gutural faz meu coração socar o peito descompassadamente. Me apresso em sua direção, engatinhando de joelhos, porque não tenho forças para me levantar, mal sinto minhas pernas. Posiciono o cano da arma bem no meio de sua testa, engatilho esperando pelo golpe que vai nos interromper nesse momento tão íntimo, onde a sua vida depende exclusivamente de uma pequena força a ser empregada pelo meu dedo indicador esquerdo neste gatilho... Mas ele parece nem notar, continua rindo convulsivamente, seu riso ecoa em meus ouvidos então viro o rosto para direita e reconheço um dos seguranças que mantém uma metralhadora apontada na minha direção: Christina. Ela está séria, com o olhar vazio, como se de fato não me reconhecesse... Uma simulação. Ela vai me matar, não sem antes me deixar cumprir com meu objetivo.

Nossos dedos pressionam o gatilho quase que simultaneamente, fecho os olhos e me concentro na imagem do rosto de Tobias... Esse será meu último pensamento... Mas um toque de mão insistente em meu ombro me distraí... Abro os olhos e identifico Cerinéia. O quarto no bunker... Respiro aliviada foi só um sonho! Ponho a mão no peito para acalmar meu coração descompassado. Sento na cama e observo sua caminhada silenciosa pelo aposento.

Ela vai até o closet e traz um traje completo para que eu me vista... Mesmo sabendo que não terei uma resposta eu exclamo:

_ O que há de errado com minhas roupas? - Ela descansa as peças sobre a cama e me passa um cartão num papel grosso e refinado com molduras douradas com a seguinte mensagem escrita num a caligrafia bem desenhada:

Minha querida Beatrice, estou aguardando ansiosamente sua companhia para o café da manhã.

Seu avô, Nicholaus King.

Compreendo agora as roupas... Então me lembro-me das cartas, peguei no sono lendo-as.

_ Cerinéia, e as cartas? - Pergunto.

Ela põe o dedo indicador nos lábios como quem pede silêncio. E gesticula com a outra mão sobre a cabeça... Talvez indicando para que eu deixe pra lá, que ela de fato já as guardou em seu esconderijo secreto. Assinto com a cabeça. Ela gesticula apontando para roupa, para o cartão com a mensagem do presidente em minhas mãos e para o próprio pulso, como se ali houvesse um relógio. Quer dizer, preciso me vestir se não, vou me atrasar.

Enquanto troco de roupas ela vira-se de costas embora neste momento eu não esteja nem um pouco preocupada com meu pudor...

_ Cerinéia, afinal quem é você? - Insisto em fazer a pergunta a ela, mesmo sabendo que não poderei ouvir a resposta.

Ela balança a cabeça negativamente ainda de costas para mim, mas então eu me posiciono bem a sua frente, ponho as mãos em seus ombros e fixo meus olhos nos dela e repito a pergunta de uma forma um pouco diferente.

_ Você tem uma ligação direta com Amélia e Alejandra? - Ela assente com a cabeça e um lágrima escapa de seus olhos.

_ Sophia não morreu há cinco anos com câncer nos ossos, certo? - Ela desvia os olhos fugindo da minha pergunta.

_ Ele fez isso com você? - Aponto para sua boca, tentando indicar o fato dela não poder falar.

Ela se desvencilha de mim e sai porta a fora. E entendo sua reação como sim para todos as perguntas. Maldito seja Nicholaus King!

Visto-me rapidamente sem dar atenção as roupas, lavo o rosto, escovo os dentes prendo o cabelo num rabo de cavalo e encaro o espelho a minha frente... Decidida, esse monstro não é meu avô, seu sangue não corre em minhas veias e eu preciso acabar com isso!

Saio do quarto e encontro Cerinéia me aguardando no corredor, ao ouvir minha chegada ela se põe em movimento de cabeça baixa e eu a sigo pelos corredores do bunker até um elevador diferente do que nos trouxe aqui... Esse, assim como todos os outros que eu já havia visto na minha vida, parece uma grande caixa retangular vertical de metal. Ela aperta o botão no painel, as portas se abrem e com um gesto de mão indica para que eu entre. No painel interno ela digita habilmente um código que não consigo acompanhar e em seguida recolhe a mão e as portas se fecham entre nós... E para minha surpresa sinto o elevador subindo, velozmente. No visor não há números que indiquem quantos andares estou subindo, apenas uma seta apontando para cima pisca em azul. Com um tranco suave o elevador pára e as portas se abrem.

Semicerro meus olhos e ponho o antebraço sobre o rosto para protegê-los da luz ofuscante do sol que atinge em cheio.

_ Minha querida! Achei que não viria mais! - Diz o Presidente enquanto se levanta da cadeira para me cumprimentar.

Paro diante da cadeira vaga em sua frente, ele estende a mão e toca a minha em um aperto carinhoso.

_ Sente-se minha querida, vamos tomar no dejejum e absorver um pouco de vitamina D.

Ao sentar-me olho para a grande quantidade de comida disposta sobre a mesa e ouço meu estômago roncar. Não como nada há muito tempo.

Como se pudesse ler minha mente ele diz:

_ Vá em frente, coma o que quiser, é tudo para você!

_ Obrigada. - Eu digo pegando o prato diante de mim e servindo com um pouco de tudo: bolo, pães, carne, frutas, até que não caiba mais nada.

Concentro-me na comida, e imagino que devo parecer um animal selvagem comendo, mas definitivamente não me importo.

_ Beatrice, estamos no topo da principal torre de controle da base, o acesso é restrito. Um benefício exclusivo extensivo somente aos meus convidados! Olhe em volta! Que vista privilegiada! - Ele diz evidentemente orgulhoso por ser o soberano de tudo o que a vista é capaz de alcançar e muito além.

Eu não emito som algum além do ruído produzido pelas furiosas mastigadas, mas ele não se importa, continua seu monólogo sobre o quão poderoso é e principalmente sobre o fato de eu ser herdeira de seu império.

_ Beatrice, como você pode ver, o tempo é carrasco e impiedoso... Estou cansado, gostaria de poder contar com seu apoio para governar esse país com o mesmo pulso firme que o tenho conduzido desde então...

_ Minha querida, a natureza humana é dissimulada, egoísta, violenta e mesquinha... São capazes de matar movidos pelos seus sentimentos mais inferiores. A cobiça por exemplo foi o estopim de todas as Guerras que este mundo já presenciou, ela foi a causa da extinção de muitos países. Os Russos abordo dos seus caças bombardearam hospitais, escolas, vilarejos consumindo tudo e todas em suas chamas incandescentes de ódio e cobiça... Reduzindo populações de cidades inteiras a pó. - Ele diz e me olha de forma especulativa, como um víbora que analisa sua presa, tentando imaginar qual o bote mais certeiro...

_ Poder, Presidente. Tudo se resume a um desejo cego e insano de poder. Vidas são tomadas pelo poder. Crueldade, morte, miséria e mais mortes... As vezes me pergunto: Se para manter todo esse poder, mais vidas precisarão ser ceifadas... Quantos de nós restará para reverenciar seu trono, meu querido avô?

_ Ironia minha querida, não lhe cai bem. - Ele responde num tom amargurado e visivelmente ofendido.

_ Desculpe se fui rude, mas para mim é difícil compreender essa busca constate pelo poder custe o que custar.

_ Talvez você não consiga compreender de imediato, mas a minha permanência no poder garante a perpetuação da espécie humana, minha cara. Eu mantenho a ordem, mantenho tudo extamente no seu devido lugar... Meus antepassados e eu garantimos o fim das guerras. É nosso dever Beatrice, manter viva as tradições da família, pelo bem todos em especial daqueles que amamos, nós minha querida, mantemos o mundo seguro para que o Tobias e seus amigos mais queridos possam viver suas vidas sem a ameça de um bombardeio para lhes tirar o sono.

_ Mas de que adianta ser o dono do mundo se isso significa estar longe das pessoas que lhe são mais caras?? - Pergunto, lembrando -lhe que sua intransigência o afastou da mulher de sua vida.

_ Escolhas sempre são carregas de muitas renúncias... Por amor, não interferi no livre arbítrio dela e isso foi o maior presente que já fui capaz de lhe dar... Não cabia a mim escolher, a decisão foi dela. - Ele diz com um olhar saudoso e triste.

_ Quando a minha Margareth partiu ela deixou-me um bilhete sucinto ... Tanto para explicar Beatrice, muitas palavras não ditas mas ela resumiu tudo em poucas frases.

"Meu amado e Querido Nicholaus,

Tentei contrariar a minha essência para estar ao seu lado, tentei desesperadamente convencer-me de que sua causa é juta. Nós sabemos que não é. Se você me ama como diz, prove-me e deixe-me livre."

_ Você nunca cogitou a possibilidade dela estar certa? - Pergunto.

_ Minha adorada, você nunca presenciou uma guerra de verdade, assim como sua avó, você vê o meu domínio como um ato de opressão e crueldade. No entanto tudo o que eu faço é garantir a sua segurança e daqueles que você ama..

_ Você lidera por meio da opressão e do medo, não acha que existem meios menos radicais de obter o apoio das pessoas?

_ Doce ilusão Beatrice... Você é muito jovem para compreender. - Ele diz enquanto sorri e abana levemente a mão direita no ar, visivelmente tentando mudar de assunto.

_ Certo, Presidente. Acho que preciso avisar aos meus amigos que estou bem, caso contrário eles organizarão equipes de buscas.

_ Que não chegariam nem no subsolo da base se eu não permitisse. - Ele mantém o sorriso enquanto profere sua ameça lentamente.

_ Entendo, mas de qualquer forma eles tentariam e de qualquer forma acho desnecessário instaurar o pânico entre eles.

_ Como quiser minha querida. - Ele diz enquanto tira um peque objeto circular do bolso e põe diante de mim, sobre a mesa.

_ O que é isso? - Pergunto enquanto pego o pequeno objeto prateado na mão.

_ Nós o chamamos de holo, pressione a superfície e veja o que acontece.

Eu obedeço e imediatamente o objeto se abre lançando uma luz azulada no ambiente.

_ Agora, grave a sua mensagem, ela serra assistida pelos seus amigos tão logo tenha acabado.

_ Como assim? - Pergunto, ainda confusa sobre a funcionalidade do objeto circular que lança fachos de luz.

_ Simples, o holo é um programa virtual, tão logo sua gravação tenha sido concluída, um código digitado no teclado virtual envia para o meu contato na Base e ele entrega a seus amigos. - Ele explica e eu concordo com a cabeça... Imaginando que provavelmente esse tal contato é o General Sparks...

Tomo fôlego e resolvo gravar, já que pelo que vi não terei privacidade alguma resolvo utilizar o discurso ensaiado e guardar algumas verdades para serem escritas intimamente em uma carta que confiarei à Cerinéia.

_ Tobias, Caleb, pessoal... Como podem ver, estou bem e permaneço aqui por livre e espontânea vontade. Peço que não invidem esforços para me resgatar. Em breve estarei com vocês. Obrigada.

_ Isso é tudo. - Digo passando o tal holo para o Presidente.

_ Sucinta. Exatamente como avó. A semelhança entre vocês é incrível, as vezes chego até a pensar que estou olhando para minha Margareth. - Ele diz enquanto digita um comando no teclado virtual do Holo.

_ Presidente, agora se me permite, gostaria de retornar ao belo quarto que o senhor gentilmente destinou à minha estadia aqui.

_ Minha companhia lhe entedia? - Ele pergunta arqueando as sobrancelhas.

_ Não, de forma alguma... Necessidades fisiológicas apenas. -

_ Ah, sim me desculpe! Esteja à vontade! E quando puder me encontre na biblioteca. - Ele responde sorrindo, obviamente engoliu a desculpa.

Aceno com a cabeça e sorrio gentilmente enquanto me afasto da mesa em direção ao elevador. Enquanto as portas se fecham aceno com a mão direita para ele que retribui e pondero o quão louca devo estar para ainda não ter chegado as vias de fato, por permanecer ali, por mais tempo do que deveria. A caixa de metal desliza suavemente pelos andares e chega ao térreo, subterrâneo, sul profundo, seja lá como se chama esse buraco, sem emitir som algum. A medida que as portas se abrem, como se materializada pelo meu desejo vejo Cerinéia bem a minha frente. Ela não levanta os olhos, mas sente minha presença.

Assumo a dianteira e quando a sinto seguir-me feito uma sombra, olho envolta a procura de câmeras e escutas, não vejo nada, mas tenho certeza de que estou sendo observada... De qualquer forma, aqui não há lugar seguro, de modo que diminuo o passo bruscamente para que ela se aproxime ainda mais e sussurro:

_ Papel e caneta. - Olho através do ombro para verificar se fui ouvida e a vejo acenar levemente com a cabeça.

Ao entrarmos no meu dormitório. Cerinéia fecha a porta atrás de si e e gesticula indicando os locais de escutas e os locais onde existem câmeras e me entre papel e caneta.

_ Obrigada. Agora ouça, preciso que você faça esta carta chegar até Tobias, acha que consegue? - Pergunto e ela concorda com a cabeça.

_ Okay, obrigada. Preciso que você confie em mim. Preciso de mais detalhes sobre essa história, acha que pode escrever para mim? - Ela parece exitante, então reforço.

_Cerinéia preciso saber, se não como poderei ajudar. Ela concorda com a cabeça e faz sinal para que eu escreva e toca o próprio pulso onde deveria haver um relógio. Mais um vez o lembrete de que nosso tempo está correndo.

Me sento junto a mesa da sala de estar da suíte e começo a escrever furiosamente, pensando nas palavras a serem escolhidas para que Tobias confie e não tente nenhuma besteira, para que eles acreditem que não corro perigo, para que permaneçam a salvo.

" Tobias

Meu amor, nosso reencontro tem sido atribulado, muitos são os obstáculos que nos separam, mas como já havia lhe dito, preciso que você se mantenha forte e não desista de mim, pois foi a sua determinação que me manteve de pé durante todo esse tempo. Eu sei que neste exato momento um milhão de planos já passaram pela sua cabeça e tudo o que você quer agora é despistar Wes e até mesmo seu melhor amigo Zeke e descer aqui na tentativa de me resgatar, mas eu te imploro, não faça isso. O Presidente é imprevisível, embora Alejandra discorde, e não quero arriscar a sua vida."

Torço para que estas palavras sejam o suficiente para segurá-lo, pelo menos por um dia, até que eu consiga sair daqui... Preciso contar com a credulidade de Wes, então vamos lá:

"Ainda estou aqui porque fiz descobertas importantíssimas e há mais coisas a investigar. Eu sei Wes, você deve estar curioso para saber como consegui o salvo-conduto e principalmente deve estar se perguntando se eu realmente obtive a resposta que vim buscar... Pois bem, minha resposta é sim. Estou viva porque ele quis assim, porque ele acredita que sou sua neta. Ele se diz pai de Andrew Prior, meu pai. Sua Margareth na verdade o deixou carregando seu filho no ventre e entrou no experimento Chicago assumindo a identidade de Edith Prior e aí você pode imaginar o que veio depois. Caleb deve estar contestando a informação. Diga a ele que fiz o mesmo, e que o presidente disse que os registros do DAG são falsos e assim que eu sair daqui pretendo levar fotos e provas, mas por ora preciso ficar, preciso conquistar a confiança dele."

Agora, para manter a mente dos rapazes ocupada, em especial Tobias, delego-lhes uma tarefa:

"Quanto a você Tobias, peço que investigue os arredores da Base, fale com Finch diga que lhe pedi que lhe dê uma equipe de preferência com Milles, vocês deverão procurar por Sean King. Alejandra os ajudará na missão, é de interesse direto dela. Peço também que não a deixem a margem dos assuntos, eu confio nela e peço que vocês façam o mesmo. Ela conhece esse lugar como ninguém então ela será nosso elo por enquanto."

Espero que ela tenha acesso a esta carta e de uma vez por todas me veja como aliada...

" Zeke, conto com você, cuide para que Tobias não faça nada imprudente. Wes por favor não drogue ele, tenho certeza que ele vai colaborar. Tobias, amor, perdoa as minhas recomendações, mas é um mal necessário e lembre-se de trabalhar em equipe, sempre! Você e Enrico tentem se entender, não há competição entre vocês, logo estarei voltando para você. Eu te amo."

Acho que vai funcionar! Tem que funcionar!

"Com amor, Tris."

_ Aqui está Cerinéia, consegue fazer chegar até eles agora mesmo? - Ela acena com a cabeça, dobra o papel e põe dentro da blusa e desaparece do dormitório.

Saio do quarto em direção a biblioteca, os corredores familiares o jardim adormecido, sem corvos ou perfumes convidativos. Abro as portas e entro sem bater. O Presidente King está de costas para mim, de pé diante de uma das tantas estantes de livros, segura um volume pesado nas mãos.

_ Seu pai teria sido um bom sucessor, tinha todas as características necessárias para o cargo... Se eu tivesse participado da sua criação, ele seria imbatível. -

_ Ele era um homem muito justo e abnegado tenho certeza que estas qualidades fariam dele um líder excepcional. - Respondo.

_ Abnegação! Você tem dificuldade em abandonar as facções, não é mesmo? Você sabia que eu as criei para manter o gado organizado no rebanho?! Você não precisa disso minha querida, o seu lugar é no topo. - Ele diz, e o fato de reduzir as pessoas a animais irracionais que precisam de rédeas para se manter na linha faz com que meu sangue ferva.

_ No topo?! Pensei que estivéssemos nas profundezas da terra! - Digo com escárnio e ele me olha especulativo.

_ Beatrice, não seja irônica! Não lhe cai bem, eu já disse e de mais a mais, não deve doer-se por esta gente. - Ele repreende.

_ Essa gente? É assim que você ser refere às pessoas, como se não valessem nada?

_ Não seja tola, são pessoas danificadas, que só estão no experimento para procriação, para gerar indivíduos puros. - Ele diz com desdém, como se tivesse se referindo a ratos de laboratório.

_ São seres humanos e só estão nessa condição porque você e os seus cientistas os fizeram de cobaias, tentando usurpar a sua personalidade. É muito obvio que a experiência seria desastrosa!

_ Já chega Margareth, você está sendo injusta, a experiência foi conduzida por meu avô e por meu pai e a intenção foi a melhor possível, você sabe! - Seus olhos estão vidrados, ele está me confundindo com Margareth.

_ Meu nome é Beatrice Prior, não sou sua Margareth!

_ Eu sei, querida, eu sei! Você é minha neta Beatrice, filha do meu amado filho Andrew. É só que você é tão intensa e veemente quanto sua avó quando se trata de defender as pessoas no experimento. - Ele se justifica, aparentemente de volta a realidade.

_ Você quer que eu assuma o poder, que seja sua sucessora, Certo?

_ Certo. - Ele responde afirmando inclusive com um aceno de cabeça.

_ Quais as suas condições? - Pergunto.

Ele fecha o grosso livro ruidosamente e o coloca cuidadosamente de volta à estante e caminha na direção do lounge em que nos sentamos ontem.

_ Aceita um chá? - Pergunta.

_Não, obrigada. Estou mais interessada nas suas condições para que eu assuma o poder.

_ Quero apenas uma prova de lealdade. - Ele diz servindo-se do chá que estava disposto na mesa de apoio.

_ Que tipo de prova? - Pergunto.

_ No momento certo saberá. - Ele diz evasivo.

_ Qual a minha condição aqui? - Pergunto.

_ Condição? Não entendo. - Ele quis saber.

_ Sou prisioneira?

_Mas é claro que não! - Ele diz ultrajado.

_ Então sou livre para partir agora mesmo?

_ Você abandonaria seu avô assim, tão rapidamente? Sem nem ao menos nos dar uma chance para nos conhecermos melhor? - Ele fala num tom magoado.

_ Não querido avô, apenas quis saber qual q minha real condição nesse bunker, se sou sua prisioneira ou sua convidada.

_ Minha querida você é minha família, essa casa é tão sua quanto minha! - Ele diz.

_ Então estou livre para ir e vir e explorar tudo por aqui? - Insisto

_ Que obsessão é essa agora? Por acaso em algum momento eu dei a entender que você estaria aqui na condição de prisioneira?

_ Ontem quando lhe perguntei se poderia explorar o local, me disseste para ir direto aos meus aposentos.

_ Apenas porque o bunker é um local que oferece muitos perigos. Tem algumas armadilhas que são acionadas pelo simples movimento de ar... Não quero que você se machuque.

_ Se você me mostrar onde elas ficam eu posso me precaver. - Insisto.

_ Não muito o que ver por aqui minha querida, o local mais interessante é o terraço onde tomamos café hoje mais cedo. - Ele argumenta.

_ O senhor não confia em mim. - Digo e ele me encara tentando decifrar o que se passa em minha cabeça.

_ E você minha querida neta Beatrice, confia em mim?

_ É acho que nossa relação ainda é muito superficial para envolver confiança. - Respondo.

_ Mas podemos mudar isto, certo?! - Ele faz afirmação mas deixa um tom de questionamento...

_ Bem, então quero me sentir livre para ir e vir. Caso contrário não aguentarei o confinamento subterrâneo deste lugar.

_ Tudo bem, explore o local. Esteremos monitorando seus passos e antes que possa se machucar as armadilhas serão desarmadas.

_ O senhor arrisca sua segurança desarmando as armadilhas. Seria mais prudente falar-me sobre elas do que desativá-las.

_ Tudo a seu tempo. - Ele diz sorrindo.

Um bipe estridente soa nos distraindo da conversa sobre confiança. O Presidente tira o Holo do bolso e pressiona um botão e então a imagem holográfica de um homem negro com traços austeros vestindo um uniforme preto surge no facho de luz projetado pelo holo.

_ Presidente King, desculpe a interrupção. Um jovem foi pego na seção D 23 tentando descer ao bunker. Qual o procedimento senhor? - O Homem negro aguarda resposta.

_ Que jovem? Quero vê-lo! - Digo intrometendo-me na conversa, mas ele não me dá atenção alguma.

_ Joshue mostre-me quem é o jovem! - O presidente atende meu apelo.

Agora o holo foca num rapaz preso por uma rede e tenta desvencilhar-se, as mãos debatem-se bem em frente ao rosto, mas eu o reconheceria de qualquer jeito.

_ Caleb! Oh, meu Deus, o que ele faz aqui?!

_ Joshue, liberte-o e o traga até nós. - O Presidente ordena.

_ Não! Deixe-o na Base, como fizeram com Tobias e Enrico.

_ Não Beatrice, Caleb também é meu neto! Tenho direito de conhecê-lo. - Ele diz enfaticamente.

Como ele pôde ter sido tão estupido? Não leu a minha carta? Não!!! Na verdade ele leu e veio buscar as respostas! Que droga Caleb!

Ficamos nos encarando por algum tempo até ele resolve quebrar o silêncio:

_ Beatrice, espero que você não esteja pensando que eu poderia machucá-lo, não é mesmo?

Eu o encaro tentando imaginar o quer seria mais prudente responder, mas nada me ocorre de modo que balanço a cabeça negativamente. Pouco convincente, mas é tudo que consigo no momento.

_ Você são a úncia família que me resta, e enfim esteremos juntos em breve! - Ele diz.

_ Alejandra também é sua neta.

_ Não quero discutir sobre Perséfone com você, vamos esperar por Caleb, sim?!

Permanecemos calados, ele bebericando o seu chá e eu cogitando a possibilidade de matá-lo aqui e agora...

Então uma batida na porta interrompe meu devaneio homicida.

Sem esperar por resposta a porta se abre e o Homem negro, como é mesmo no nome dele?! Joe, Jim...

_ Joshue, entre. - Sim, Joshue é o nome dele.

Ele entre na sala e Caleb está logo atrás escoltado por outros dois homens, igualmente vestidos de preto.

_ Beatrice! - Ele grita assim que me vê e eu corro sua direção, deixando Joshue e seus companheiros na defensiva.

_ Tudo bem Joshue, nos deixe a sós, é uma reunião de família. - O presidente os dispensa.

Caleb e eu nos abraçamos e eu sussurro em seu ouvido.

_Seu tolo, como pode vir até aqui colocar-se em risco.

_ Bea eu tinha que vir, não posso deixar você se sacrificar mais uma vez. Deixei que você partisse em meu lugar e não pude me perdoar por isso.

_ Não Caleb, você não pode!

_ Beatrice, minha querida, deixe-me ver o seu irmão, quero apresentar-me devidamente. - O presidente diz interrompendo nossa conversa sussurrante e me afasto de Caleb.

_ Meu jovem! Você se parece muito comigo na sua idade, os mesmos olhos azuis, o porte atlético. - Ele diz enquanto se aproxima de Caleb, causando-me calafrios.

Caleb o analisa de forma meticulosa, dos pés a cabeça.

_ Não fique tímido! Sou Nicholaus King, sou seu avô paterno!

Caleb me olha em busca de aprovação, mas a curiosidade fala mais alto.

_ Impossível senhor, meu pai era Andrew Prior, do experimento Chicago, nunca sequer saiu de lá.

_ Correto meu jovem, ele viveu por toda a sua breve vida no experimento, mas sua avó Margareth não.

_ Senhor, antes que possamos terminar esta conversa, peço que liberte minha irmã.

O Presidente King solta uma gargalhada!

_ Que espécie de avô você pensa que sou? Sua irmã não é minha prisioneira.

Caleb me olha em expectativa e leva só um segundo para perceber a situação na qual agora nós dois nos encontramos.

_ Desculpe senhor, eu não o conheço e minha irmã, diferente dos outros dois que a acompanharam ontem, não voltou da expedição. Só pude concluir que ela estava sendo mantida prisioneira neste lugar e vim aqui propor uma troca.

_ Uma troca? - O presidente quis saber.

_ Sim, a liberdade dela pela minha. Eu fico e ela vai. - Calebe explica e vejo que está sendo verdadeiro na sua argumentação, o que faz com que me sinta culpada por ter feito mal juízo dele. Pensei que estivesse vindo até aqui para obter respostas, mas não, ele só queria me libertar.

_ Ora essa, agora que percebeste que ninguém aqui está sendo mantido preso, espero que seu conceito tenha mudado.

_ Sim senhor. - Caleb responde.

Caleb me olha inseguro eu pego em sua mão e o conduzo até o sofá e nos sentamos lado a lado em frente ao presidente.

_ Beatrice, acho que merecemos um momento a sós, não é mesmo Caleb. - Ele diz fazendo crescer o desespero dentro de mim.

Olho para Caleb que sorri nervosamente para mim... Mas que droga, por quê você teve de vir?

_ Tudo bem Caleb?!Pergunto.

_ Sim, vou ficar bem. - Ele responde tentando aparentar confiança.

_ Presidente não sei se é uma boa ideia... - Digo.

_ Confiança, minha querida! Lembra-se? Sangue do meu sangue, não o farei mal algum, apenas vou atualizá-lo da nossa história, afinal ele merece saber.

_ Okay, lhe darei esse voto de confiança. Mas não irei muito longe.

E ri desdenhosamente.

_ É uma leoa, defende os seus com unhas e dentes... Você é idêntica a sua avó. Não me canso de admirá-la. Mas agora vá, assunto de homens! - Ele diz balançando a mão no ar como quem manda alguém se afastar.

Atravesso as portas duplas da biblioteca com o coração na mão. Exito por um instante pensando se devo ou não sair daqui. Colo o ouvido na porta mas não ouço nem um som. Quanto me viro e resolvo voltar para o dormitório me deparo com Cerinéia. O susto é tão grande que salto para trás e ponho a mão no peito tentando acalmar o coração.

_ Nossa Cerinéia! Que susto!

Ela faz um gesto como que se desculpa e então gira os calcanhares e se põe a caminhar e eu a sigo.

Paramos na porta do meu dormitório então ela tira discretamente um papel dobrado várias vezes de dentro da blusa, me entrega e sinaliza para que eu entre no quarto.

Curiosa, obedeço imediatamente. Do lado de dentro sozinha, tento me lembrar dos pontos seguros: Banheiro, closet, ponto cego entre a cama e a parede que divide a sala de estar.... Resolvo que o banheiro é a opção mais segura. Ligo a ducha sento na beirada da banheira e abro a carta.

Não é de Tobias, fico um tanto desapontada mas sigo a leitura:

Beatrice,

Você pediu algumas respostas e um voto de confiança então resolvi mais uma vez ouvir meu coração e sinceramente espero não estar errada.

Minha história começa assim:

Eu tinha 14 anos quando meus pais e eu fomos trazidos para Nova York por um grupo de soldados. Estávamos caminhando há dias, nosso suprimento de água e alimentos havia chegado ao fim. Estávamos fugindo da peste que dizimou nosso vilarejo.

Quando chegamos passamos por uma porção de exames e quando atestaram que além da desnutrição não havia nenhuma outra doença em nossos corpos, fomos autorizados a viver na base. Depois de alguns meses morando no complexo nos convocaram para trabalhar no bunker. Aquela foi a última vez que vimos a luz do dia.

Quando o vi pela primeira vez meu coração parou por um instante. Ele era tão lindo, alto, porte atlético, olhos azuis e calorosos, a pele clara e imaculada, um sorriso incrível emoldurado pelos lábios mais lindos que eu já vi. Eu esbarrei na bandeja, mas ele segurou e sem querer tocou em minha mão... Uma corrente de eletricidade percorreu todo meu corpo, fazendo meus cabelos erriçarem. "_Cuidado por onde anda menina!" - Ele disse naquela voz melodiosa e eu corei, baixei a cabeça e saí.

O tempo foi passando, meu pai trabalhava nas reformas do local, ladrilho por ladrilho até que adoeceu e morreu, a essa altura minha mãe já não era mais a mesma, a privação da luz do sol a danificou de tal forma que por diversas vezes ela esquecia onde estava e estragava horas e horas de trabalho cozinhando pondo sal na massa dos bolos, no café, açúcar no filé de salmão do Presidente... Até que um dia ela foi levada ao hospital na superfície e nunca mais voltou e eu acabei or assumir seus afazeres na cozinha.

O Filho único do presidente, aquele que fazia meu coração bater mais forte foi enviado a superfície para estudar, e dois anos depois quando retornou trouxe consigo uma bela jovem a quem ele chamava de "minha Margareth"... Ele a amava como eu gostaria de ter sido amada por ele, mas nada do que ele fazia parecia contentá-la.

Se ela pedisse a lua, ele daria um jeito de buscar, mas a moça não era feliz vivendo ali embaixo da terra. Mas o Presidente fez o filho acreditar que não haveria local seguro na superfície para um líder, pois todos os outros foram caçados destituídos e mortos. Quando existe um poder soberano que ninguém sabe de onde vem é impossível aniquilá-lo.

Quando o pai morreu Nicholaus assumiu o governo, pesaroso mas orgulhoso por enfim tomar as rédeas do seu reino. Uma das suas primeiras ordens no poder foi destituir qualquer liderança e motim que pudesse haver nas margens dos experimentos, ele temia que outras lideranças pudessem se formar no entorno das cidades ameaçando o seu reinado.

Foi uma guerra sangrenta, muitas pessoas foram mortas, e as que sobreviveram estavam mutiladas e tão pouco serviriam para o trabalho na Base ou para reintrodução nos experimentos. Foi então que Nicholaus tomou a atitude mais cruel que tive conhecimento até então. Ele mandou executar todos, sem exceção, mulheres, crianças, idosos.

Para o seu desespero sua querida Margareth tomou conhecimento da sua crueldade e o abandonou. Nunca o vi tão triste e desesperado. Achei que ele definharia...

Ele procurou por ela por algum tempo, chegou a subir a superfície, pondo em risco sua identidade, mas não obteve sucesso, todas as pistas que teve se mostraram falsas... Então um dia ele decidiu que ela não queria ser encontrada e desistiu das buscas. E nesse momento eu pensava, como um homem com tamanho amor no coração pode ter sido capaz de tanta crueldade...

Eu cuidava de sua alimentação e de sua rotina com todo zelo, amor e carinho. Numa noite após o jantar eu servia uma dose de conhaque ao meu amo, quando ia me afastar ele segurou-me pelo pulso e disse: "_ Como se chama minha querida servente?" Nesse momento meu coração martelava no peito e a voz mal saiu da minha boca. Ele sorriu pelo meu constrangimento e pela minha falta de jeito, mas convidou-me a sentar e conversar com ele.

Conduziu a conversa fazendo questionamentos a meu respeito, minha idade, família, interesses, instrução... Na época Beatrice, eu era uma moça no auge dos seus 18 anos, com longos cabelos negros e um corpo magro porém curvilíneo, posso dizer que fui uma jovem atraente. Então eu o vi aproximar-se cada vez mais. Suas mãos tocaram meus cabelos, a ponta dos dedos tocando suavemente meu rosto e quando dei por mim eu estava em seus braços, sendo beijada ardentemente. E aquele foi o momento mais feliz da minha vida...

Ele me tomou ali mesmo, no chão daquela saleta sob o calor que emanava do fogo da lareira e ali deixei minha inocência. E passei a amá-lo ainda mais, se é que isso é possível.

Nossos encontros passaram a acontecer todas as noites... Em seus braços eu era sua mulher, amada, desejada, mas quando o dia chegava eu era delegada à serviçal que limpava as latrinas, era humilhada e ignorada... Meu sonho dourado acabava toda vez que o sol surgia bem acima de nossas cabeças, embora eu não pudesse vê-lo sentia sua presença opressora através da indiferença do meu amante.

Então engravidei e conforme a barriga crescia fui deixada de lado e sofria a cada noite fria e solitária em que não podia me aconchegar em seus braços, mas de certa forma estava feliz por ter uma parte dele crescendo dentro de mim. Quando nossa filha Amélia nasceu ele fez com que eu a criasse como uma ama de leite, disse que jamais ela poderia ser nossa, ela deveria ser filha dele, órfã de mãe e assim o fiz, mas nunca deixei de amar a minha filha e nunca escondi dela nosso verdadeiro laço, mas a instruí de que na frente do pai deveria esconder seus sentimentos por mim e me tratar apenas pelo nome. Talvez esse tenha sido meu erro, cara Beatrice, pois conforme Amélia crescia, ela criava aversão ao pai.

Quando enfim teve idade suficiente exigiu que fosse enviada para estudar com os demais e ele não viu motivos para negar-lhe o pedido, pois desconhecia o ódio secreto que a filha nutria por ele. Como tentei dissuadi-la! Deus sabe como tentei...

Mas então ela descobriu aquele rapaz na Margem e se apaixonou, e eu como poderia culpa-la já que ela mesma era fruto do amor que senti por seu pai... Amélia tinha muito do gênio do pai, quando colocava uma ideia na cabeça nada mais a convencia do contrário... Então ela fugiu e a partir daí nunca mais a vi, só recebia suas cartas através de um rebelde infiltrado na base. Mas sua felicidade não durou muito, minha pobre menina, tão cheia de ilusões quanto eu fui um dia.

O Informante foi descoberto e seguido, nossas cartas foram interceptadas e uma tropa de soldados enviados a margem. Minha filha ficou viúva com dois bebês para criar, mas conseguiu fugir. E eu tive a minha língua decepada por traição, mas o que mais doeu foi o fato de que ele, o amor da minha vida, pai da minha filha, jurou diante de mim, enquanto eu sangrava a seus pés, que o motivo da minha traição seria aniquilado, pois nossa filha Amélia não era sua filha e sim uma peste, uma besta posta no mundo para afrontá-lo e destitui-lo do trono.

Mas alguns meses depois um traidor entre os rebeldes entregou o paradeiro dela e uma nova tropa rumou com a missão de captura-la. Ouvi dizer que ela morreu em combate, defendendo os filhos como eu não pude fazer por ela. Os soldados voltaram com um dos Bebês, Alejandra!

Eu temia pela vida do bebê, mas por sorte ele decidiu criá-la e por misericórdia deixou que eu o fizesse, mas para protegê-la ela nunca soube quem eu sou... Sua avó Sophia.

Beatrice, tudo o que eu lhe peço é que cuide dela, eu a vejo se encaminhar pelo mesmo caminho da mãe e se isso acontecer ele irá mata-la. E tem também o garotinho, Sean, encontre-o. Não o deixe fazer mal aos meus netos, eles são a única coisa que eu tenho nesse mundo, o pedaço que restou de minha filha Amélia.

Por Deus Beatrice, ajude-me.

Da aliada suplicante Sophia Lancaster, conhecida como Cerinéia, a Corça Mitológica, criada por alguém que esconde segredos através de metáforas.


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