Mamãe nunca gostara muito de se desfazer de algo que gostasse de verdade. Os principais exemplos eram alguns livros que ela amava ou algum quadro ou outro, motivo do qual papai havia colocado diversas pinturas em uma sala cheia deles, onde Anna adorava pular em um pequeno sofá e imitar as formas que as telas tinham.

Deve ter sido por este apego todo que ela nunca desmontou meu quartinho de bebe. Eu também não teria coragem para tal. Mesmo odiando a neve, não podia deixar de admirar a decoração do ambiente, onde às vezes, eu jurava que imaginava gelo ao invés de cristal.

Estava tudo escuro, mas a luz da enorme lua dessa noite iluminava todo o quarto, dando uma noção do quanto meus pais capricharam para me receber. Eles contavam que havia nascido no primeiro dia do inverno, vinte e um de junho, e que justo neste dia, houve uma nevasca terrível e que, depois que eu nasci, ela se acalmou de um jeito sobrenatural

Por isso, meu símbolo era um floco de neve

Estava parada, de costas e encostada na porta, admirando tudo, até que decidi dar uma olhada mais avançada.

Andei, devagar, até o armário e o abri, encontrando as mais belas roupinhas de bebe. Sorri, me imaginando naquelas pequenas roupas. Achei sapatinhos também e acessórios para cabelo.

Havia fraudas, perfuminhos para bebê e cobertores, o que me fez torcer a cara.

Nunca fui muito chegada a estes panos peludos. Me dirigi até cadeira de amamentação e toquei de leve, imaginando minha mãe ali

O lustre do quartinho era um charme à parte, deixando tudo com um tom sério e ao, mesmo tempo, divertido.

Mas o que chamava a atenção era, sem dúvida, o berço. Todo feito de prata e adornado com flores e flocos de neve. Havia um móbile que, ao mero toque, começou a entoar uma música tão suave e, ao mesmo tempo, tão conhecida.

Conhecia ela de algum lugar e não era do quartinho.

Enquanto a música entoava, andei até uma cômoda e encontrei uma caixinha de veludo roxa ali, fechada. Abri a caixinha e fiquei admirada

– Oh meus deuses! - eu disse tomando cuidado ao pegar a caixinha na minha mão

Ali dentro encontrava-se a mais bela corrente que já vi em minha vida. Era prateada e com um lindo floco de neve como pingente. Toquei de leve o pingente e mil lembranças vieram:

Olhos mais azuis que um céu de inverno, uma voz tão divertida e doce que chegava a viciar, cheiro de pinheiro e menta.

E então sua voz começou a entoar em minha cabeça

"Eu esperei tanto, tanto por você"

"Vou dar um jeito de vê-la ainda pequena"

"Tenho que ir Elsa. Não sei quando a verei novamente"

E a última frase foi tão intensa, que me senti em um déjà vu

"Lembre-se Elsa: você é o meu anjo da neve e eu amo você. Nunca se esqueça de mim"

Senti então algo gelado em minha bocheca direita, como um beijo de despedida.

Soltei o pingente e me senti vazia. De quem era aquela voz? Quem teve que me abandonar?

Coloquei a corrente o mais rápido que pude no pescoço e me senti mais leve, protegida. Suspirei, tentando lembrar se não sonhará acordada minutos atrás

Dei uma última olhada no quarto, já escutando a música de baile. Então vi uma parede, que não havia reparado ainda. Nela havia um quadro, onde estavam pintados mamãe, papai e eu ainda bebe, no colo de minha mãe.

Sorri e toquei uma última vez o pingente, que agora encontrava-se no meu pescoço e saí do quarto, com um sorriso que não aparecia há muito tempo

***************

Apareci na escadaria e já vi quantas pessoas estavam lá. Era realmente um baile e segurei a risada ao ver Lauren e Melissa, vestidas tão exageradamente, que o povo as evitava. Havia muitos líderes políticos e pude perceber um grupo, apenas de homens, com treze integrantes.

Descer pela escadaria significaria chamar a atenção de todos, mas não havia mais por onde entrar.

Respirei fundo e comecei a descer as escadas lentamente. Percebi muitos olhares sobre mim e até algumas exclamações. Os músicos pararam de tocar uma melodia

Tio August deixou uma Lauren nervosa e uma Melissa com inveja para trás e foi me buscar ao pé da escada

– Obrigada - agradeci

– Elsa, você está incrível - ele sussurrou, sorrindo docemente

Abaixei a cabeça, corando

– Obrigada tio - disse sorrindo

Ele me conduziu, sob os olhares de todos até um lugar mais alto.

– Agora que nossa herdeira chegou, peço para que todos se dirijam até a capela do castelo. A cerimônia irá começar - ele anunciou e todos sem demora, seguiram sua instrução.

– Estavam me esperando? - perguntei, enquanto ele me ajudava descer do "palco" improvisado

– Bem, não podemos começar sem você - ele sorriu e me conduziu até onde Lauren e Melissa se encontraram

– Vestido bonito - elogiou Melissa,olhando com desprezo

Devolvi-lhe o olhar dizendo um "obrigada" seco

Lauren nada disse, apenas foi em frente com um bico do tamanho do mundo. Melissa a acompanhou

– Sinto muito por isso - começou August, enquanto continuava me conduzindo

– Não se desculpe - eu respondi - Mas tio, posso fazer uma pergunta?

– Claro que pode! - ele disse generoso

Me senti culpada pela pergunta, mas não suportava vê-lo com uma mulher daquelas, sendo ele tão bom

– Porque continua com ela? - perguntei, o mais suave que pude

Ele suspirou cansado, parece que já estava cansado

– Sabe, seu pai vivia me perguntando isso. Acredite, eu, Lauren, seus pais, já tivemos um passado marcado por tristeza por causa deste assunto. Mas, querida, se está perguntando se a amo, especificamente, a resposta é sim. Ela me deu o maior presente que um homem pode ganhar, uma herdeira. E por mais que ela tenha puxado o gênio da mãe, ela é sangue do meu sangue, herdeira de Lesirih. - ele finalizou e sorriu, bondoso

Ponderei um pouco. Ele a amava, apesar de tudo.

– Posso fazer outra pergunta? - indaguei, estávamos quase chegando a capela, já que estávamos indo devagar

– Claro!

– Quem era aquele enorme grupo de homens?

Tio August gargalhou

– É o clã das Ilhas do Sul. Decidiram vir - ele respondeu simplesmente

Havíamos chegado a porta da capela agora. Lauren bufafa de raiva e Melissa revirava os olhos, enquanto os convidados murmuravam entre si

– Até que enfim - ela disse, já ficando em formação com a prole.

Logo, elas entraram e eu e tio August fomos atrás

– Seus pais tiveram sorte em ter uma filha como você - le murmurou, enquanto passávamos

Enquanto passávamos, todos se levantaram.

August me deixou em um lugar perto de seu futuro trono, dando-me um beijo na testa. Percebi muito olhares sobre mim. Um se destacava, o mais novo príncipe das Ilhas do Sul me olhava intensamente e me senti um pouco desconfortável

O bispo fez a cerimônia e logo depois de ter coroado August e Lauren, lhes deu espaço para falar algo, se quisessem. Lauren rejeitou mas meu tio levantou-se

– Eu apenas queria agradecer a presença de todos. Sobre mais cedo, não tenho palavras o suficiente para demonstrar minha tristeza em ter perdido um amigo de infância, um companheiro, um irmão. Ele, que sempre me ajudava quando precisava. Eu sinto sua perda desde o momento em que nos afastamos. Sinto também a perda de Lana, que era como se fosse a irmã mais nova que nunca tive. Sinto mais ainda por não ter estado aqui, mais próximo, enquanto eles ainda estavam vivos. Mas deixaram para nós, uma herdeira, da qual teriam muito orgulho. Elsa, este trono é seu. Estou aqui apenas para prepará-la e tenho certeza que você estará pronta. - ele terminou e anunciou os comes e bebes

Enquanto todos se dirigiam ao salão, o garoto , que me lembrei chamar Hans veio ao meu encontro.

– Queira me dar vossa permissão para acompanhá-la até o salão - ele disse, enquanto fazia uma reverência pomposa

Não sabia exatamente o que fazer

– Cl...claro - gaguejei, enquanto aceitava sua mão

Ele me guiou até o salão e passamos em frente ao espelho, onde parei pasma.

Com toda a empolgação no quartinho de bebe, não tive tempo de me ver no espelho.

E o que eu via era uma garota, no mais fabuloso vestido de baile, com os cabelos bem arrumados e uma maquiagem leve. A corrente no pescoço dava o toque final e ela brilhava intensamente. Não parecia a Elsa que vivia trancada no quarto ou na biblioteca.

– Posso dizer que a senhorita está belíssima esta noite? - indagou o garoto, galanteador, ao meu lado, fazendo-me despertar do transe

Olhei novamente ao meu reflexo e lhe lancei o olhar mais determinado que consegui

– Pode. Pode sim - respondi, virando-me de costas para o espelho