Inveja e Avareza escrita por Diego Lobo


Capítulo 7
Sorte e Azar




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— Gostou da historia?

Mike despertou de sua fantasia alucinante para dirigir sua atenção à ninfa da floresta a sua frente. Nadya.

— Eu gostei muito — respondeu, sentindo que uma síndrome de bobão o atacaria em segundos — Eu pesei que vocês... Quer dizer seu povo, sua tribo... sabe?

Perdeu as palavras e o que iria dizer, a ruiva riu delicadamente.

— Pode dizer “ciganos” se quiser, não tem importância mesmo — aconselhou com carinho — Você não pensou que meu povo ainda contava historias com danças e tudo mais, não é isso?

— Sim — respondeu Mike, desejando desesperadamente encontrar um buraco e se esconder nele para todo o sempre.

— Seguimos os velhos costume ainda, ao menos boa parte deles. Não são todos que são assim, mas a nossa “tribo”, prefere manter os velhos hábitos.

Era grande o numero de pessoas que visitavam o parque e paravam para assistir a historia. Agora o sol entrava com mais intensidade entre as folhas, e o pequeno vilarejo cigano improvisado, brilhava. As varias tendas que formavam as casas, tinha uma cor viva, desde um alaranjado ao verde engraçado. As sombras das arvores davam um visual artístico a tudo, os ciganos pareciam interagir com aquilo. Fazia parte de se dia a dia?

Sua mão formigou. Ele sabia o que era aquela sensação que fazia sua mão adquirir vida própria. Era a vontade de desenhar.

— Você costuma a contar muitas historias? — quis saber.

Nadya parecia atenta a alguma coisa invisível. Seus olhos, privados de visão, nunca causavam a impressão de inutilidade. Não. Aqueles olhos eram atentos, mesmo que cegos.

— Sempre gostei — disse ela dando de ombros — Minha mãe sempre me contava quando era pequena, acho que puxei isso dela.

Era evidente que a maneira como ela falou da mãe passava certa sensação de distancia.

— Ela morreu? — preferiu ser direto, não queria ter uma resposta surpresa.

— Não, ela foi embora há muito tempo — Nadya ajeitou seus cabelos vermelhos que cobriam seus ombros.

— E seu pai?

— Nunca soube dele. Minha família são essas pessoas — A jovem não precisou apontar, mas sua voz indicava todos ao seu redor — Nunca tive realmente essa relação de pai e mãe.

— Então... você é órfã? — perguntou, ele sabia da idiotice das suas perguntas, mas havia algo naquela garota que o privava do autocontrole.

— Sim sou órfã. Muita das crianças daqui são — disse em um sussurro musical — Mas a maioria são deixadas em orfanatos, não podemos dar conta de todas.

Mike olhou ao seu redor, eram tantas crianças correndo e brincado que ele não conseguia contar. Isso o fez pensar que tinha uma ótima família lá nos Estados Unidos, mas deixou de vê-los por Sarah. “Por que cada vez mais isso parece ser tão errado?”.

A garota sentou delicadamente na grama, parecia desfrutar dos raios de sol. A forma como falava sobre as coisas fazia tudo parecer simples. Ele sentia que aquela pessoa poderia falar de sexo e morte com a maior tranqüilidade do mundo. Uma sensação calorosa o envolveu, á principio se sentiu acomodado com aquilo, mas também havia uma sensação de liberdade.

Sentou-se também.

— A vida de vocês... parece ser tudo tão simples. — falou reflexivo, Nadya riu.

— Depende do seu ponto de vista — ela juntou as mãos — Funcionamos de acordo com as estações, as fazes da lua ou até mesmo com a direção dos ventos.

Mike observou o tornozelo da garota, tão fino e bonito, continha uma pequena corda artesanal que envolvia entre seus dedos e subia entrelaçado até o tornozelo, lembrava muito algum estilo grego.

Um baque suave acertou sua cabeça.

— Me desculpe “grandão”! — era um jovem um pouco menor que Mike.

 De cabelos propositalmente bagunçados, e descamisado, ele foi buscar sua bola de trapos que havia acertado a cabeça de Mike, que não reparara que um jogo de futebol acontecia ali perto.

— Oi Nadya! — disse, usava também uma calça surrada que parecia ser árabe — Me trocou por esse troglodita foi?

Ela deu uma risadinha abafada com a mão, Mike quase se derreteu ali mesmo ignorando o comentário.

— Acho que sim, você sabe que eu tenho uma quedinha por caras da cidade — dessa vez ela e o jovem cigano riram juntos — Mike esse é meu amigo querido, Marcell!

O jovem de brinco nas orelhas se inclinou para perto de Mike, bem perto.

— Ao menos você me trocou por alguém que cheira bem — Marcell cheirou o pescoço de Mike, que pulou assustado.

Nadya gargalhou.

— Marcell aprecia todo tipo de gente, se é que você me entende — riu Nadya.

Marcell deu uma cambalhota na grama e parou de pé como um movimento de artista de circo.

— Por que vou me contentar com uma coisa só, se posso gostar de duas? — disse indignado, Mike não conseguiu segurar o riso — E então, quer jogar conosco? Estamos sem um atacante.

Futebol.

Quanto tempo Mike não jogava? Depois que começou a namorar serio com Sarah ele raramente jogava o esporte. Lembrou que David chegava a implorar para que participasse. Olhou para Nadya esperando alguma reação, o estranho era perceber que a garota parecia reparar na expectativa dele.

— Acho que você deveria ir. Botar esses músculos em pratica! — disse ela — Pode ir, eu fico assistindo daqui!

Mike a olhou perplexo, “Eu fico assistindo daqui!”. Marcell soltou uma gargalhada alta.

— Olha cara dele, que maldade Nadya! — disse ele conduzindo Mike para o campo — Com o tempo você se acostuma com o humor negro dela.

— Ok — respondeu, meio preocupado com mão do rapaz que ainda estava no seu ombro.

Os ciganos estavam espalhados no campo improvisado, todos deitados na grama e esperando a bola. Não pareciam se preocupar com a demora nem nada.

— Garotas! — gritou Marcell — Temos um atacante bonitão aqui!

Ele deu um chute no traseiro de Mike, que trotou alguns passos para frente. Os jovens tinham panos enrolados na cabeça e vários brincos, eles riam sem parar.

Os “gols” eram toras improvisadas em cada extremidade e a grama não era tão baixa para uma partida decente, mas os ciganos não davam a mínima para isso, pareciam somente se importar em se divertir. Mike precisou praticamente adivinha em que time jogaria, pois eles continuaram o jogo assim que a bola voltou. Mike se espanou quando percebeu que errou completamente em seu julgamento primário.

Os jovens ciganos eram extremamente velozes e astutos. Não demonstraram se intimidar pelo tamanho de Mike, roubaram a bola de seus pés sem nenhum problema.

— Droga! — exclamou quando um rapaz mais jovem surgiu, e em segundos e lhe roubou a bola e com um chute fez o gol.

Os ciganos uivavam alegres e faziam uma dança engraçada comemorativa. O responsável pelo gol remexia seu quadril de uma forma bastante sensual.

“Legal hora de jogar sério”, pensou nervoso.

Como não havia apito nem aviso que o jogo começara, Mike avançou para cima da bola com vontade. Ultrapassou dois ou três com certa facilidade, agora que estava motivado, o vento rasgava em seu rosto. Mas em pouco tempo os outros jogadores o alcançaram, com sorrisos engraçados e fazendo barulhos esquisitos. Ele já podia ver uma brecha para chutar, só precisaria de um milésimo de segundo para executar o ponto.

Mas antes de completar o movimento seu pé agarrou no chão e Mike foi tropeçou com força para a grama.

— Opa! —exclamou alguém.

Mike rolou algumas vezes antes de parar com a cara no chão. Sentia sua testa arder dolorosamente, mas a vergonha era a pior das dores.

— Você está bem bonitão? — perguntou a voz engraçada de Marcell.

Ele levantou com a ajuda do rapaz, todos haviam parado de jogar e olhavam pra ele.

— Estou bem, vamos volta ao jogo — uma linha quente desceu por seu rosto — Merda.

O sangue escorreu até o queixo de Mike, alguns ciganos riam outros deitaram na grama dando a partida por encerrada.

— Quer parar? — perguntou Marcell

— Não! — respondeu firme.

Ele balançou os ombros e correu dizendo um “Você é quem sabe”. Mike estava furioso consigo mesmo. Nunca havia tropeçado de um jeito tão patético antes. Correu com mais vontade dessa vez, obrigando vários dos outros jogadores a saírem de sua frente devido a sua fúria. Lá estava o jovem que havia feito o gol inicial do jogo, muito perto do seu objetivo.

Nadya sentada na grama inclinava a cabeça para baixo de forma que seus ouvidos sondassem tudo o que estava acontecendo. A impressão que dava era que estava bastante concentrada. Por pouco Mike quase se distraiu na doce garota atenta.

ARRGH!

Gritou um dos jogadores que teve a infelicidade de estar na frente de Mike. Como não existia juiz algum ninguém pode marcar a falta, nada o impediu então de estar lado a lado com o garoto veloz. Sua perna se movimentou de lado como uma bala, a bola foi roubada, mas novamente algo estranho aconteceu.

Ele só tentou entender o que realmente aconteceu quando resolveu retirar seu rosto da grama. Suas pernas haviam se encontrado momentos antes de ele dar o chute, o tombo foi pior dessa vez.

“O que há de errado comigo?”, pensou desesperado

— Cara, você quer mesmo continuar? — perguntou Marcell tentando parecer serio — Hoje não é seu dia.

O sangue nas veias de Mike esquentou descontroladamente. Sentiu raiva do cigano, desejava colocar a culpa do seu desempenho fracassado naquela pessoa. “Estão zombando de mim!’’, pensava.

Tremia enfurecido.

— Ei relaxa! — disse o rapaz assustado com a expressão de Mike.

Uma sensação ruim invadia a mente dele, um gosto amargo e seco. Ele fechou os olhos tentando afastar pensamentos que nunca teve antes, mas era tão difícil. Foi então que mãos extremamente acolhedoras evolveram seu rosto sangrando. Os dedos suaves acariciavam sua face.

— Vamos acalmar os nervos? —pediu Nadya com um sorriso sincero — Ninguém gosta de um brigão.

— Desculpe — disse envergonhado.

 Agora estava tudo mais claro e limpo. Ele não entendeu porque insistiu naquele jogo. Era um desejo de querer provar alguma coisa.

— Vem, quero te levar para ver uma pessoa — disse ela puxando o braço do garoto, que questionou um pouco sua noção de direção.

Não demorou muito para perceber que Nadya era uma dessas garotas que surpreende a cada instante. Completamente decidida em cada movimento que fazia, cada decisão que tomava. A cegueira não era um desafio para ela, era só algo que tinha que conviver.

Seu pé se arrastava a frente, como se houvesse um mapa mental do solo no lugar. Mike prendia a respiração quando, por muitas vezes, quase colidiram com algumas árvores, mas suspeitara que fora de propósito.

— Uma cartomante? ­— perguntou confuso quando chegaram a uma tenda enfeitada e com o letreiro “Madam Mim”. Jurava já ter visto aquele nome em algum desenho animado.

— Claro! — exclamou Nadya alegre, e empurrado Mike à frente — Espera visitar um acampamento cigano e não consultar uma cartomante se quer? Isso não existe.

A entrada da barraca era uma cortina feita de conchas e pedras brilhantes, seu interior era negro. Engoliu em seco temeroso.

— Ora vamos, não seja um “maricas”! — riu a garota, enquanto empurrava Mike para frente.

— Maricas?

— Gosto de palavras antigas, algum problema?

Antes que pudesse responder, Mike se deparou com um lugar apertado e fechado, onde havia uma velha senhora e uma mesinha improvisada. Uma sensação estranha lhe invadiu. Uma onda fria e avassaladora lhe golpeou com força, não conseguia avançar mais.

— O que foi Mike? — perguntou Nadya.

Ele olhou para o chão. Um imenso tapeta cobria todo o lugar. De tão grande ele dobrava nas paredes da tenta. Havia desenhos estranhos por todo o tecido.

— Nadya? — chamou uma voz antiga — É você pequena?

—Sim “Mim”! — gritou a garota de volta, seus olhos buscavam uma direção correta — Trouxe um visitante! Acha que pode fazer uma sessão?

— Claro minha querida, venha cortar as cartas... — chamou a mulher com a voz rouca.

— Não é para mim, é para o visitante que eu trouxe! — gritou ela mais uma vez, a velha mulher pareceu entender dessa vez.

Madame “Mim” usava um longo lenço para cobrir seus cabelos cinzentos. Seu rosto era cheio de dobras, parecia uma ameixa seca. Ela ergueu seus olhos cansados para o jovem.

— Qual é seu problema? — resmungou balançando as mãos oçudas — Ora vamos, se aproxime!

— Não consigo... — disse surpreso.

Mike tentava avançar, mas lhe faltava força, era algo inalcançável, distante.

— Como assim não consegue? — perguntou Nadya confusa.

Mas Madame Mim levantou de sua cadeira e lançou um olhar demorado, em seguida respirou fundo. Levou certo tempo até que abrisse os olhos arregalados.

— “KALI” TENHA DÓ DE MIM! — berrou a mulher — OH DEUSA...

Mike deu um passo para trás assustado.

­— O que aconteceu? — perguntou desesperado.

Nadya também parecia desnorteada.

— Algo a assustou — falou preocupada — Mim oque se passa?

Ela chorava dolorosamente. Suas mãos levada à cabeça.

— Tire o daqui minha filha! Ele está marcado! — chorou — ele esta marcado com a pata!

O terror invadiu o peito de Mike.

— Do que ela esta falando?

Nadya agora falava com a mulher em uma língua que ele não entendia. Pareciam discutir sobre algo muito sério. Mas o assombro vinha de outras coisas.

Aquele lugar lhe incomodava profundamente. Os vários objetos pendurados no teto balançavam do nada, não havia uma brisa sequer. Tudo parecia reagir a ele. Respirava com dificuldade e sua vista estava embaçada, quanto mais movimentava a cabeça jurava ver sombras se mexerem com rapidez.

— Mike espere! — chamou Nadya quando percebeu os passos nervosos para fora da tenda.

Já estava longe do acampamento quando seu celular tocou.

— Oi Sarah — respondeu ainda eufórico. Não saberia como explicar seu nervosismo para ela, mas não precisou. Sarah começou a falar automaticamente.

— Aquele almoço ainda está de pé? — Mike observou que já passava das onze da manhã.

— Claro! — tentou parecer convincente — Vou te buscar em alguns minutos...

— Isso não será necessário, já estou na cidade. Venha para a saída do parque, uma limusine esta te esperando.

Tão inesperado. Sarah nunca fora de tomar iniciativa para nada, nunca foi apressada e sempre esperava as decisões e atitudes de Mike. Esse almoço deveria ser importante para ela, pensou.

— Ok — e dizendo assim ele avançou para fora do parque.

Lembrou-se de limpar seu rosto sujo de sangue antes de chegar á limusine. Não ficou satisfeito mesmo assim, estava suado e com uma cara horrível. Quando chegou a rua, a limusine preta estava parada bem na entrada. Sarah estava encostada no carro a sua espera.

— De volta ao mundo real — disse ela sorrindo.

Havia algo diferente nela. Usava roupas justas e negras, algum tipo de tecido muito caro e sensual e uma bota longa de couro. O diferencial mais gritante de todos era seu cabelo, que tinha varias mechas negras em meio ao dourado de sempre.

Sua expressão era mais provocante do que nunca.

— Onde vamos almoçar? — é claro que ele já havia preparado planos para aquele momento, mas ela tinha outros.

— Vamos comer na limusine mesmo, mandei os cozinheiros do castelo preparar algo bem gostoso pra você — falou a jovem cruzando as pernas e lançando um sorriso — Comeremos enquanto passeamos pela cidade. Creio que não tenha visto nossa famosa ponte ainda.

— Não — admitiu.

Já lhe falaram sobre ela. Uma ponte que atraia a todos por seu enorme arco. Mike não era burro nem nada, sabia a real intenção de Sarah e tentou esconder sua desaprovação. Fariam o que sempre acabavam fazendo. Sexo. E horas depois ela sairia às pressas, como sempre fazia.

— Não faça essa cara meu amor. Eu sei que isso não é novidade pra você — riu com sensualidade — É por isso que hoje eu trouxe um pouco de animação. Um entretenimento á mais.

Imediatamente a porta do carro se abriu e duas lindas jovens entraram no carro, uma loira e outra morena.

— Mike, quero que conheça duas amigas minha. Louise e Mirelle.

As jovens sentaram ao lado de Mike com um sorriso no rosto. Ambas abraçaram o corpo do jovem envergonhado. Ele olhava para Sarah a procura de algum sentido para tudo aquilo.

Ela levantou uma sobrancelha e sorriu, abrindo a porta de entrada.

— Esse vai ser um almoço que você jamais vai esquecer!

E Realmente foi. Mas no final terminou como sempre terminava. O motorista lhe deixou na escola, onde o velho carro de Muriel estava estacionado.

— De volta as aulas amanhã. Esteja preparado — disse Sarah enquanto o vidro se fechava.

Mike deu uma boa olhada para sua escola. Agora estava tão vazia e cheia de folhas secas no chão que parecia um local abandonado. Agosto entrava em sua vida de um jeito muito estranho.

— Ah qual é! — gritou indignado quando o carro insistia em não funcionar — Lata velha maldita!

Saiu do carro para olhar a rua, teria que ir a pé até em casa. Uma longa e demorada caminhada pela frente, e ainda teria Muriel que ficaria uma fera quando soubesse que ele deixara o carro na rua.

Era muito azar pra uma pessoa só, pensou.

— Ora ora! — disse uma voz de longe.

Mike conhecia aquela voz. Saindo de traz das várias árvores que cercavam a enorme escola, um ruivo com um sorriso maligno no rosto apareceu. Não estava sozinho é claro.

Os outros capangas de Richard também estavam lá.

— Infernizando muito a vida das pessoas? — atacou Mike, não se importou com a desvantagem.

— Sim estamos, mas sempre interrompemos nossa ronda quando surgi algo interessante! — os jovens se aproximavam perigosamente como um bando de hienas sorridentes e assassinas.

— Sério? Olha, eu não curto muito esse tipo de coisas, mas obrigado pelo elogio. Eu sempre respeitei as escolha de cada um...

— SEMPRE RINDO DA MORTE NÃO É MIKE? — interrompeu o ruivo irado — Mas saiba que o que te manteve vivo até hoje foi apenas sorte, só isso.

Mike não respondeu a afirmação.

— Mas saiba que ela termina hoje! — riu o garoto.

“Ela já terminou há tempos”, pensou ele consigo mesmo. O pensamento ganhou reforço quando eles começaram a se aproximar com sua ira de sempre. Mesmo Richard não estando em Newcastle parecia que seus subordinados continuaram a espalhar seus ensinamentos.

— Algum problema garotos? — outra voz se manifestou, dessa vez uma mais doce e angelical.

Os jovens pararam imediatamente.

— Claro que não senhorita Green! — respondeu o ruivo meio desesperado.

A garota de beleza assombrosa entrou na arena. Usando uma blusa de gola branca, parecia com um anjo. Seus cabelos negros cintilando com a pouca luminosidade do final da tarde. Sophie sabia fazer uma entrada elegante.

— Oi Mike! — acenou feliz — Esses caras estão te perturbando muito?

Ele olhou para cara de pânico dos jovens, que esperavam sua resposta. Tudo fazia sentido é claro. Sophie era namorada de seu líder, Richard. Provavelmente foram instruídos para obedecerem todas as suas ordens.

— Estão? — rebateu a pergunta para os interessados.

Balançaram a cabeça negativamente.

— Que bom — disse Sophie, agora do lado de Mike — Richard vai ficar feliz em saber que se comportaram direitinho em sua ausência, mas é melhor irem agora ok?

— Sim senhora! — respondeu o ruivo obediente — Vamos!

Não demorou nada para que desaparecessem. Mike só pode ouvir suas motos rugirem bem longe.

— Eu já te falei que você é bem azarado? — disse Sophie, dando um soco leve no ombro do garoto — O que esta fazendo aqui?

Ele despertou com a pergunta.

— A droga do carro não quis pegar...

Ela riu.

— Vamos eu te dou uma carona — chamou alegre.

Ele esperava um carro luxuoso, como todos naquela cidade pareciam possuir, mas se enganou. Sophie dirigia um carro bastante velho, quase igual ao de Muriel.

— Tem que usar a força pra abrir essa porta! — falou a garota, se esforçando um bocado para girar a maçaneta, Mike imediatamente a ajudou.

— Valeu! — disse Sophie — Richard morre de vontade de se livrar do meu carro, mas eu gosto dessa lata velha.

— Eu daria tudo para ter um carro decente, não sou muito fã de antiguidades.

Ela riu mais uma vez, jogando seu cabelo encantado para trás.

— Mais respeito com meu carro mocinho, entre de uma vez!

Mike também riu.

Uma coisa ele acertara em sua suposição. Sophie era péssima no volante. Não arriscava muito e gastava grande parte do tempo parando para os pedestres perdidos atravessarem. Uma boa samaritana sim, mas não com o carro. O pobre automóvel morria varias e varias vezes. Ela trocava as “marchas” de forma errada com freqüência, o barulho que o carro fazia em protesto chegava a doer no coração de Mike, que tentava sorrir toda vez que ela o olhava.

— E então Mike, aquela cigana é linda de verdade! —comentou Sophie — Não sei dizer muito bem o que é, mas tem um ar encantador!

Ele concordou lentamente. Por que ela tocara no assunto?

Mas era verdade, Nadya tinha uma beleza rara. Tão diferente de Sarah, parecia um ser encantado. A sensação de arrependimento lhe bateu. Agora se sentia meio idiota de ter fugido de lá, mesmo que tenha sido assustador o que vira. O que pensara ter visto.

— Richard volta quando? — perguntou apreensivo.

Ela tirou os olhos da estrada para encarar o garoto.

— Ah Mike não se preocupe, Richard não irá fazer nada. Ele me prometeu — agora ele só se importava com o carro não bater — Ele volta daqui uma semana. Não quis ir nos primeiros dias de volta as aulas porque não suporta a agitação... opa!

O carro quase colidira com um enorme caminhão. Mike estava pisando em um freio imaginário desesperado.

— Sou tão desastrada no transito — resmungou a garota sorridente — Aqui estamos Mike.

O carro parou na rua escura, mais a frente ficava a casa de Muriel. A vegetação e as condições arcaicas da rua impediam que os veículos se aproximassem demais do local. Não era desagradável de se ver, pois a impressão que dava era de que um cantinho da cidade ficara presa do passado e as pessoas queriam preservar aquilo.

— Manda um oi pra velha Muriel por mim, ok?

— Ok — ele tentou bater a porta do carro com cuidado. Sophie acenou para se despedir, deixando o garoto na rua mal iluminada.

A lua já fazia seu trabalho. Sua luz azulada iluminava parte do caminho até a velha casa, mas algo estranho chamou a atenção do garoto. Um brilho estranho que parecia refletir a luz da poderosa lua.

— Mas que...

O mato que cercava a casa havia sido transformado em gelo cristalino. Todo ele. Desde flores a pequenas ervas daninha, estava tudo congelado. Como era transparente, era possível ver a casa acessa de longe.

Aquela cena estava estranha demais e o seu coração acelerou.

— MURIEL! — berrou em desespero.

Correu sem se preocupar com os obstáculos pontiagudos a sua frente. Quebrando o gelo fino que antes eram folhas e mato, Mike conseguiu chegar à varanda tropeçando muito.

— MURIEL! — gritou, as luzes da casa estavam acesas e muitas dos jarros de planta que enfeitavam a varanda estavam quebrados.

Chutou a porta com toda a força, ela voou metros à frente quebrando quadras e porcelanas.

— MURIEL! — gritou mais uma vez.

Uma figura surgiu.

— MAS QUE DROGA É ESSA? —vociferou Muriel olhando para porta arremessada com espanto — VOCÊ FICOU LOUCO?

Mike paralisado em seu lugar constatava que a mulher estava em perfeito estado segurando seu cigarro fedorento de sempre.

— Muriel, você esta bem?

— MAS É CLARO QUE EU ESTOU BEM SEU MULEQUE! — explodiu, ela pegou a vassoura ao seu alcance — Quem não vai ficar bem é você!

AI!

Muriel lhe acertara com a vassoura repetidas vezes até ele se mexer do lugar.

— Vai limpar essa bagunça antes que eu cometa um assassinato!

Não pensou duas vezes em obedecer. Sabia exatamente onde ficava o material de limpeza, e não tardou a começar. Haveria respostas depois. Limpou os cacos de vidro e retirou a porta que fora arremessada e colocou os quadros caídos em seus devidos lugares.

Foi tudo bem rápido.

— Pronto! — disse ofegante, enquanto entrou na sala.

Várias senhoras estavam sentadas á mesa, jogando carta. Ele conhecia a maioria delas, amigas de Muriel é claro. Fumavam cigarros fedorentos ao mesmo tempo, provocando uma nuvem de fumaça por cima de suas cabeças.

Seus olhos arderam um pouco.

— E então? O que aconteceu? — insistiu. Não conseguia acreditar que estava tudo tão normal e pacifico — O que significa aquele gelo estranho na frente da casa?

Muriel fingiu não escutar. Distribuía as cartas com agilidade de um profissional.

— Bridget, se você vier com um “full house” mais uma vez vou começar a suspeitar de suas mangas! — resmungou Muriel.

As senhoras riram e coral.

— Você sempre foi uma má perdedora Muriel, aceite isso. A propósito se o dinheiro acabar estarei aceitando fogões e geladeiras!

Muriel resmungou baixinho enquanto olhava suas cartas. O jogo continuou normalmente, como se Mike não estivesse lá. Sua tia avó perdera mais algumas vezes.

— Posso ficar aqui até amanhã se quiser. — disse ele de braços cruzados.

Algumas riram de sua insistência, outras eram velhas de mais para ter escutado o comentário.

— Pelo amor de deus Muriel, responda a essa criatura de uma vez! — falou a senhora de brincos enormes.

Ela tossiu nervosamente, e olhou para o garoto de pé.

— O que você quer?

— Respostas! — disse imediatamente — O que aconteceu?

Muriel coçou o queixo enrugado e olhou suas cartas.

— Tivemos uma visita inusitada —explicou sem esforço — Mas ela já esta devidamente acomodada.

O coração de Mike acelerou um pouco. A velha corcunda olhou para o garoto com um sorriso amarelado.

— Ele está ali atrás meu querido. — e dizendo assim ela apontou para o fundo escuro da sala, onde ficava a lareira.

Foi assombroso para ele, pois não tinha visto de primeira. Lá estava à silhueta de um rapaz sentado no velho tapete, no escuro. De pernas cruzadas e olhando diretamente para ele. Mesmo no escuro Mike podia jurar ter visto seu sorriso sinistro.

— Você ficou maluca? — perguntou aturdido — Sabe quem ele é?

Ninguém parecia se importar com o espanto do jovem, o pôquer era mais atrativo.

— Claro que sei seu moleque. Eu estou velha mais ainda não fiquei burra — ela parecia ter as cartas necessárias para ganhar o jogo, seu sorriso a entregava — Avareza. Meu pecado favorito!

Mais uma vez as senhoras riram em coral. Mas Mike não. Ele não conseguia achar graça naquilo, sabia que Christopher, um dos sete pecados que vivia com Alphonse, era uma pessoa perigosa.

— O que ele esta fazendo aqui? — insistiu.

— Provavelmente Ana Belle o mandou para cuidar de minha saúde, se é que você me entende.

Mike gelou.

— Mas eu já sou bem vivida nesse ramo meu rapaz. O moleque não teve tempo nem de pensar em correr.

Era tudo tão confuso. E Muriel percebeu que ele não estava entendendo.

— Quando eu vi o conversível dele estacionado á metros de distancia do meu terreno eu conclui tudo imediatamente. A Avareza sempre foi muito cuidadosa com detalhes.

Ainda não fazia sentido.

— Peguei o caminho por trás da casa enquanto as senhoras chegavam pela frente — ela mordia o cigarro enquanto falava e trocava as cartas na mesa — O moleque não teve para onde fugir.

O engraçado daquilo tudo para ele era que pensara que a iniciativa de se fugir viria da parte dela, ser humano comum, e não de Christopher, ser dotado de poderes assustadores.

— Preciso saber como você conseguiu... amansá-lo?

Ela soltou uma baforada do cigarro.

— Lembre-se sempre disso Mike, sua avó possui conhecimentos para transformá-los em pecados, e eu para impedi-los.— todas concordaram em união — Esta vendo aquele livro aberto?

Outra coisa que Mike não vira de primeira. Logo á frente de Christopher estava um livro aberto no chão. Era enorme e ele não conseguia ver o que tinha escrito em suas paginas.

— O que ele faz? — perguntou.

— Ele segura o traseiro deles, até eu ficar satisfeita, é isso que ele faz! — falou ela, olhando rapidamente para o jovem sentado no tapete — Ainda não decidi o que vou fazer com ele.

A cabeça de Mike girava e girava.

— Mas é claro que eu sei que isso tudo foi proposital. — agora ela descera uma carta com energia.

— Como assim?

— Sua avó deveria saber que ele acabaria sendo capturado. Suas experiências passadas já lhe fizeram entender isso — explicou ela.

— E o mandou mesmo assim? — indagou confuso.

— Esse ai deve ser de confiança — apontou — Anna Bella deve ter outros planos em mente. Suspeito que esteja atrás do meu livro.

— E mesmo sabendo disso você o manteve aqui dentro?

Agora elas trocaram olhares. O assunto finalmente se tornara de interesse para elas?

— Precisamos dele vivo, por agora...

Ele procurou entender, mas não encontrava uma razão.

— Precisamos dele para fazer negociações — disse uma velha corcunda.

— Negociar com Ana Belle? — perguntou ele — Por resgate?

— Não com ela e sim comigo — disse de repente a voz do fundo da sala.

Aquilo o fez pular no mesmo lugar.

— Olá Mike — disse o garoto de sorriso maligno — Andou malhando muito?

Mike avançou em sua direção.

— QUIETO AI SEU MOLEQUE! — berrou Muriel em aviso. Ele parou imediatamente, enquanto Christopher ria bem alto.

— Negociar o que com ele? — perguntou abismado — Ele não esta em posição de negociar nada!

— Será que não? — indagou o Avareza.

Muriel bufou pela décima vez.

— Onde você conseguiu esse ferimento na testa?

— Isso realmente importa agora? — rebateu nervoso.

Ela jogou as suas cartas na mesa de modo impaciente.

— Sim, é exatamente por isso que precisamos dele aqui!

— Não entendo o que uma coisa tem haver com a outra? — Todos naquela sala pareciam entender menos ele, e isso o deixava irado.

— Tem tudo haver — dessa vez quem respondeu fora Christopher.

Mike suspirou bem fundo.

— Você vai me contar ou vou ter que perguntar a ele? —disparou o jovem.

 Muriel virou a cadeira e acendeu outro cigarro.

— Mike, você não acha estranho que várias coisas ruins tem acontecido com você ultimamente?

Não houve resposta, ele estava tentando acompanhar aquilo.

— Perseguições, momentos de quase morte, alguns de morte verdadeira... — Mike estranhamente pensou na recusa que recebera por emprego — Não são coisas que aconteceram por acaso.

— E está dizendo que isso é culpa dele? — riu Mike, ele sabia que era isso que Muriel estava tentando explicar, mas era absurdo.

— É culpa dele — afirmou Muriel — A mando de Ana Belle, é claro.

Não conseguia aceitar aquilo, mesmo sabendo que a situação atual já era estranha demais para poder destacar um absurdo daqueles.

— Mas como? — indagou.

— “Mas como?” — remendou ela — Será que vocês crianças nunca aceitam a palavra de uma velha sabia? Sempre tem que vir com o “Mais como?”, isso me dá nos nervos.

Ela se voltou ao rapaz sentado no lado escuro da sala.

— Deixe-o ver de uma vez! — ordenou zangada.

A curiosidade parecia somar com a situação esquisita de Muriel pedir aquilo para Christopher.

— Tudo bem, vou adorar ver a cara dele! — Christopher balançando os ombros.

Muriel cutucou Mike nervosamente.

— Vá até a janela e olhe o maldito jardim! — mandou.

Com cautela ele obedeceu. Estava meio escura lá fora e só era possível enxergar graças ao novo jardim de gelo que refletia a luz da lua. Mas o que Mike deveria estar vendo exatamente?

Antes de fazer a pergunta, resolveu prestar mais atenção. Foi então que ele viu. Vultos. Negros e disformes zanzavam de um canto para o outro, muito semelhante aos que havia visto na tenda da cartomante. Dessa vez Mike podia enxergar melhor. Pareciam sombras ambulantes, vivas, do tamanho de cachorros. Mas aquilo estava longe de ser um cachorro.

Podia ver vários deles, correndo em volta do terreno. Lembravam uma tinta preta constante que pingava sem parar, mas sem nunca acabar. Tinham olhos afiados e vermelhos vivos.

— Mas que... — disse baixinho aterrorizado.

As criaturas também possuíam uma longa e extensa cauda em forma de seta. Não existia uma definição certa de sua forma, pois eram feitas de um negrume que as deixavam mais assustadores ainda. Era difícil acompanhar seus passos, pois da mesma forma que desapareciam poderiam aparecer em qualquer lugar que fosse. Pareciam figiar alguma coisa.

— Mas que diabos é isso? — perguntou assombrado, enquanto Christopher ria em seu canto escuro.

— “Demônios do azar” — disse uma velha corcunda.

Mike não despregava os olhos das criaturas. O medo era enorme.

— Você sabe que pecados como a Ira, Luxúria e outros podem fazer subordinados não é? Eles os chamam de filhos — explicou Muriel.

— Sim — respondeu ele, ainda de costas.

— Pois bem, a Avareza não produz filhos. E curiosamente nem a Inveja — Muriel esmagava o cigarro fedido contra o cinzeiro na velha mesinha na parede — Mas juntos eles podem gerar esses demônios infernais.

Mike não conseguia tirar os olhos das criaturas.

— São crias da Inveja e Avareza. Separados não causam muitos problemas, mas em tamanha quantidade como você pode ver...

Muriel não foi conclusiva, mas foi o bastante para que ele engolisse o amargo em sua garganta.

— Então essas coisas andam me seguindo por todo esse tempo?

Muriel foi rápida.

— Sim. Menos na minha propriedade, é claro, pois ela é santa.

A velha mais escura que antes só bebia e fumava resolveu falar:

— Nunca vimos essa quantidade de demônios do azar antes — disse com sua voz rouca — Eu nunca vi alguém sobreviver tanto tempo... com esse número era pra você ter perdido um braço ou uma perna ao menos.

Então o que aquilo significava? Mike fitava mais uma vez as criaturas.

— Isso é um dos mistérios que tem tirado o meu maldito sono! — falou Muriel — Se essas pragas não te mataram ainda, é porque Anna Belle tem alguma coisa em mente... não sei o que é.

Agora ele olhava com fúria para o garoto sentado e tranqüilo. Christopher não se intimidava nem um pouquinho com o jovem á sua frente.

— É tudo culpa sua? —perguntou ele cerrando os dentes — O que foi que eu fiz pra você?

— Não preciso de um motivo — Christopher deu de ombros fazendo beicinho — Só estava obedecendo ordens, não tenho nenhum interesse em particular na sua pessoa.

— Ele não quer negociar agora, vamos dar um tempo— aconselhou Muriel voltando ao jogo — Mas não muito, minha paciência é curta.

— Tudo de ruim que acontece com as pessoas... — Mike começou a pensar, os olhos perdidos no detalhe do piso da velha casa.

— Nem sempre a culpa é dos pecados, lembre-se bem disso. As pessoas se deixam influenciar por vontade própria — Muriel cortava o baralho e distribuía as cartas — Demônios não agem diretamente. O que fazem é influenciar, lançar uma ideia no ar. Emanam uma aura tão negativa que, as vezes, coisas ruins simplesmente acontecem.

Mike queria tomar um banho bem gelado e esfriar a cabeça.

— E Cherry? — perguntou.

— Está segura — afirmou Muriel — Sua avó insiste em protegê-la.

Mike não tinha certeza se aquilo deveria preocupa-lo, mas a idéia de que sua irmã estava livre daqueles seres o deixava um pouco mais aliviado.

— Preciso refrescar minha cabeça, é muita coisa pra aceitar... — Christopher acompanhava o jovem com os olhos, como se quisesse dizer “E você não sabe nem da metade”, enquanto Mike subia a escada para seu quarto.

Passaram algumas horas, e Mike não saiu de seu quarto. Sentia o frescor bater em seu corpo de banho tomado. Seus pensamentos o deixavam desconfortável. Muriel ordenou que Christopher ocultasse novamente os demônios do azar, mas ele demorou certo tempo para fazê-lo.

Mesmo quando Mike já não podia ver nenhum deles, tinha a sensação que estavam ali. Rondando a casa á sua espera. Ficou pensando em como seria bom se fossem embora e lhe deixassem em paz. Voltaria a ter uma vida um pouco normal. Mas não conseguia ver esse futuro para si. As senhoras finalmente foram embora e Muriel foi dar sua costumeira cochilada, que às vezes durava até o dia seguinte. Então Mike resolveu descer um pouco.

A sala estava escura quase por completo. Somente a luz da varanda entrava com leveza se estendendo até a mesa de jogar pôquer. Ele desceu com cautela, ainda estava meio apreensivo sobre tudo aquilo. Desejava que fosse apenas um pesadelos, mas Christopher ainda sentado no tapete em silencio indicava que era bem real.

O jovem pecado parecia meditar tranquilo.

— Não conseguiu dormir?— disse a voz sinistra do fundo da sala — Sonhos ruins?

Mike não tinha motivação para sentir raiva nem nada, só estava anestesiado.

— O que você quer? — perguntou sem demoras. Se aproximou sem ter medo dessa vez, perto o bastante para ver o rapaz sentando.

Christopher parecia o filho rico de alguém importante. Tinha cabelos cinzentos e uma expressão dura. Mesmo que os dois tivessem quase a mesma idade, o rapaz aparentava ser muito mais velho, apenas por seus modos, até seu olhar indicava isso.

— Direto ao ponto. Gostei — riu.

— Imagino que sua liberdade não seria o bastante? — perguntou Mike — Uma liberdade por outra?

— Me matar não tiraria meus bichinhos da sua cola, então essa opção é descartável.

Para Mike não.

— Você quer o livro não é? — ele apontou para o objeto aberto no chão — Isso deve ser importante pra vocês. Pode esquecer, prefiro morrer azarado do que ver minha avó vencer!

Outra vez a risada irritante da avareza.

— Escute — disse ele encarando Mike — Sim, foi pra isso que a velha me mandou. O livro é de seu interesse, mas eu não dou a mínima para a guerrinha das duas. Isso não é da minha conta.

Agora Mike estava confuso mais uma vez.

— Não é?

— Não — afirmou sorridente — Eu tinha outros planos em mente. Não estou jogando o joguinho de ninguém e sim o meu próprio.

— Então a pergunta valendo todos os pontos é: O que você quer?

Christopher riu uma ultima vez antes de voltar à seriedade normal.

— Sua irmã — disse com malicia — É ela que eu quero.


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