O Espírito da Minha Ex escrita por Mrs Days


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

*História curta, mas gostei :)* Só um diálogo que pode deixar inúmeras portas abertas e pontos de interrogações na cabeça de vocês, kkkkk



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Eu tinha a total certeza de que estava a um passo do hospício. E não era por causa da quantidade assustadora de contas que estavam espalhadas em cima da minha mesa. Muito menos por ter feito uma promessa estúpida á minha afilhada de que pagaria sua tão sonhada festa de quinze anos.

Não. Era pior.

Dei um pulo do sofá e cocei os olhos, repensando sobre a oferta de oftalmologista grátis que minha prima tinha feito na semana passada. Ela cruzou as pernas, jogando os cabelos ruivos por cima dos ombros e dando um sorriso sapeca que faziam seus olhos escuros brilharem.

“O que houve, Keith?”, perguntou brincalhona. “Parece que viu um fantasma.”

Fechei os olhos, me recusando a acreditar no que acontecia. Massageei as têmporas, culpando o álcool da noite passada. Tudo isso era alucinação, tinha que ser. Ou talvez eu estivesse mesmo ficando louco. Sua gargalhada ressoou em meus ouvidos, fazendo-me encolher os ombros.

“Ops.”, ela disse pondo a mão na boca e arregalando levemente seus olhos. “Acho que estou certa. Você viu um fantasma.”, colocou um dedo no queixo, se inclinando para frente. Sua voz se abaixou até se tornar um sussurro misterioso. “Ou você está louco, Keith?”

Comecei a andar de um lado para o outro na sala, um pouco orgulhoso por não ter gritado ainda. Cheryl cruzou as pernas, tornando a sorrir ao constatar meu desespero. Parei atônito e apontei acusadoramente na sua direção.

“Eu tinha uma ordem de afastamento contra você.”

Ela levantou uma sobrancelha.

“Acho que ela perde a validade depois da morte, querido.”, se ergueu e caminhou até onde eu estava. Não tentou me tocar, e eu agradecia por isso. Já conseguia ver pontos pretos, então faltava pouco até que desmaiasse. “Além disso, essa ordem de restrição foi bastante deselegante, Keith.”, ela fez um bico.

Cocei a cabeça, pensando que assim poderia acordar daquele pesadelo.

“Era você quem estava me seguindo e fazendo aqueles barulhos estranhos, não era, Cheryl?”, questionei já sabendo a resposta. Ela continuou me olhando com a sobrancelha levantada – teoricamente aparentando superioridade. “Eu sabia que era você. Sua maluca.”

Seus olhos escuros se estreitaram.

“Você achava realmente que iria me trocar por aquela vadia?”, deu outro passo parando a poucos centímetros do meu rosto. Sua pele – antes com um tom de perolado – parecia translúcida e frágil. Lembrava-me papel manteiga. “Eu tinha certeza que vocês tinham um caso!”

Quase arranquei um tufo de cabelo, com a força com que puxava os fios.

“Eu nunca tive um caso com a Rebecca, Cheryl!”, gritei nervoso. “Você que era uma maluca neurótica e via coisas onde não existiam. Caramba, você quase me atropelou porque fui almoçar com minha prima.”

Bufou.

“Sua prima te olhava estranho.”

“Ela tem treze anos!”, berrei.

Parei para recuperar o fôlego. Meu irmão mais velho tinha me alertado desde o início que Cheryl era doida. Só que geralmente quando homens dizem que mulheres são doidas, nem sempre é literal.

Só que dessa vez era.

“Nunca deveria ter ido a aquela festa da empresa do meu irmão.”, balancei a cabeça lamentando minhas escolhas que me levaram até aquela situação. “Tanto me avisaram sobre você, Cheryl. E o quanto eu não escutei. Você foi a atriz perfeita, se fazendo de doce e preocupada quando no fundo era só uma pirada.”

Ela revirou os olhos, entediada.

“Se continuar gritando desse jeito, os vizinhos vão ligar para a polícia.”, reclamou se jogando no sofá. Fez uma careta. “Nunca gostei dessa coisa velha.”, passou a mão pelo estofado. “Foi a pior merda que você fez na sua vida.”

Me irritei novamente.

“Não, Cheryl.”, meu dedo estava a centímetros de seu rosto – que mantinha uma expressão neutra “A pior merda que eu fiz na minha vida foi ter me envolvido com você.”

Ela fez um bico, fingindo estar chateada.

“Nosso relacionamento não foi de todo o mal.”, deu de ombros.

A encarei, perplexo com as suas palavras.

“Cheryl, você morreu.”, destaquei cada palavra com cuidado. Já que ela não podia mais me agredir fisicamente, eu poderia ferir seus sentimentos, certo? “Estava tão dependente de mim que não conseguiu aceitar o nosso fim. Nós dois...”, gesticulei para mim e para ela. “Nunca daríamos certo.”

Dessa vez foi ela quem ficou irritada. Não, furiosa.

“Poderíamos ter feito dar certo, Keith. Se você não tivesse sido covarde e soubesse lidar com os seus sentimentos, admitindo que gosta de mim, isso terminaria de um jeito diferente.”, ela pôs as mãos no peito e olhou além de mim, fantasiosa. “Eu poderia ser a atual Senhora Howard, e não a falecida Cheryl Watson.”

Deus, o senhor está de férias e resolveu que eu deveria pagar todos os meus pecados de uma vez?

“Não fale como se a culpa da sua morte fosse minha.”

Ela bateu o pé, exasperada.

“Porém foi culpa sua, Keith.”, se exaltou, me acusando. “Se não tivesse se afastado de mim, atendido meus telefones, respondidos minhas mensagens...”, jogou os braços para o ar. “Qualquer merda servia, Keith. E o que você fez? Criou uma maldita ordem de restrição contra mim.”

Cruzei os braços, sendo atingido pelas suas palavras.

“Toda a ação tem uma reação, Cheryl.”, retruquei, mesmo que sem convicção em minhas palavras. “Você arrombou minha porta e quebrou meu apartamento antigo. Foi até o meu trabalho com um vestido de noiva e carregando alianças, dizendo que tínhamos que ficar juntos. O que você queria que eu fizesse depois?”

Seus ombros tremeram e por um momento pensei que ela iria chorar – se ela ainda pudesse fazer isso. Tentei evitar o remorso que lentamente se espalhava por meu peito. Ela desviou o olhar e respirou fundo.

“Só queria conversar, Keith.”, ela murmurou, ainda sem me encarar. Torceu uma mecha de cabelo por entre os dedos, nervosa. “Eu te amava e você só me via como a louca que persegue os ex-namorados. Você nem se deu ao trabalho de me conhecer melhor. No primeiro sinal de descontrole, você pulou fora. Aquilo era para te reconquistar. Sempre fui muito intensa em meus relacionamentos. Ou estava totalmente dentro ou nem começava.”

Fechei os olhos com força.

“Se você tivesse me escutado uma vez, poderíamos ter evitado isso.”, repetiu e soltou o ar. Vi mágoa no fundo de seus olhos. “E eu não teria te seguido feito louca naquela noite...”

A lembrança me tomou de súbito.

“Tem um carro nos seguindo.”, Rebecca disse olhando por cima dos ombros. “Está atrás da gente desde que saímos do restaurante.”

Resmunguei ao reconhecer o carro de Cheryl.

“Ah, merda.”, acelerei, aproveitando que a pista estava vazia. Percebi o carro fazendo o mesmo. “É a Cheryl.”

Os olhos azuis de Becca se arregalaram.

“Aquela do vestido de noiva?”

Assenti, me distraindo com a fuga para não ficar envergonhado. O carro estava quase grudado na nossa traseira e fiz uma volta perto do desfiladeiro. Fui obrigado a desacelerar, caso contrário, iríamos cair. Só que Cheryl não desacelerou e perdeu o controle.

A última coisa que lembrava era do barulho das sirenes e os policiais me interrogando. Rebecca contava a história com os mínimos detalhes, sempre gesticulando e mostrando onde tudo havia acontecido. Eu estava em choque, só conseguindo responder sim ou não.

“O que você quer?”, perguntei querendo acabar com aquilo. “Quer vingança? Quer a sua vida de volta? Desculpe, Cheryl, mas não posso lhe dar isso.”

O meio sorriso maldoso retornou aos seus lábios.

“O que eu quero?”, repetiu a perguntando dando passos calculados na minha direção e mantendo os olhos frios. “Quero te ver sofrer todos os dias. Quero torturar sua mentes com essas lembranças. Quero que perca o direito de ter uma vida normal. Que seja chamado de maluco, exatamente como fizeram comigo. Até o dia em que irá ceder a dor.”

Recuei, assustado com suas palavras. Ela estava na ponta do pé, fazendo com que sua respiração – que não deveria existir – batesse contra o meu rosto.

“E quando você ceder, Keith...”, ela pausou, passando a língua pelos lábios, como se saboreasse o momento “... eu estarei esperando. E, infelizmente para você, no inferno não existe tribunal.”


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