P .O .V Kenai

– Koda , tem certeza de que é esse o caminho certo para as rochas espirituais ? – finalmente ouvi a voz doce da Yona depois de muito tempo em silêncio .

– O que? Claro que tenho. Conheço essa floresta como a palma da minha palma , vamos!

Estávamos caminhando desde manhã cedo por uma planície verde viva cheia de flores, e agora chegamos na grande floresta com árvores respirando a primavera, carregada de frutos suculentos que encheram nossas bocas de água.

E começamos a comer o nosso esquecido café da manhã, ou para falar a verdade,o nosso almoço.

Acho que sou um urso bobo – não, sou uma anta. É lógico que ela havia dito que eu era bonito só para tirar aquele espeto, e acho que quebrei as costelas dela quando por puro descuido eu abracei ela. Droga!

Tenho que me lembrar de ser mais cuidadoso com Yona.

Seus olhos encaram os meus e , enquanto ouvimos os cantos dos pássaros selvagens nas árvores , sua expressão está se tornando cada vez menos amedrontada com o mundo selvagem .

Ela não anda mais com os seus sapatos , seus pés pequenos sentem a grama entrar em contato com a sua pele fazendo sentir a liberdade em andar descalça, tem sorrido mais e demonstrado mais segurança em falar comigo.

Ouço a batida do meu coração. Estou encarando-a mais do que deveria, mas ela devolve o olhar , e sinto que nós dois estamos tentando sentir algo que o outro não consegue sentir ainda, embora eu esteja sentindo. Continuo encarando –a , e agora o meu coração bate ainda mais forte, e seus olhos de menina me engolem por inteiro.

Não deveria me distrair tão facilmente com ela.

Depois de satisfazermos a nossa fome inspirei o ar . Achei algo que não estava cheirando bem no ar.

Era um cheiro ...muito, mas muito diferente do cheiro selvagem da floresta, era cheiro de aldeia que eu reconheceria só de fechar os olhos.

Graças ao treinamento extensivo do meu irmãozinho sabia aonde estava localizado a origem daquele cheiro, estava escondido entre os galhos das árvores. Tinha que descobrir o que era aquilo , interceptar pelo bem de Yona.

Fazia um bom tempo que estávamos caminhando e aquele cheiro estava acompanhando a gente . Poderia ser uma criatura domada pelo pai dela. Só podia ser isso.

Olhei para o Koda e ele já sabia o que eu estava pensando. Tínhamos que esperar o momento certo para chamar a atenção daquilo que nos seguia e , assim , que houvesse qualquer sinal de movimento brusco da criatura pularia sobre ele e urraria para afugentá-lo para bem longe.

–Koda, Koda . Ele tá ali – Eu disse sussurrando e apontei para ele a arvore aonde estava pendurado um corvo muito suspeito de ser o nosso observador. –Nós temos que assustar ele e descobrir as suas intenções.

Meu irmãozinho acenou com a cabeça e mais que depressa começou a escalar na árvore em direção ao bicho. Vendo daqui de baixo, vi ele se apoiando no tronco forte e , cutucando sem parar um corvo que ficou muito incomodado com aquela atenção e pousou na grama.

E ali estava a minha oportunidade !

Me agachei o máximo para me misturar com a paisagem a volta dele e me arrastei tomando todo o cuidado na direção da minha presa, o corvo.

“Devagar, mais um pouco mais e...”

E assim que fiquei o mais próximo possível pulei diante dele rosnando como um urso feroz.

–Roooaaaar!

–Cráaauu!- berrou o corvo tarde mais.

Minha patas caíram sobre suas asas negras impedindo de escapar de mim.

–Me solte! Que destino cruel. Morrer assim tão jovem sem meu chuchuzinho que está me esperando no ninho . Minha vida como corvo desperdiçada. Meu fim está selado. O vazio me chama.

–Quem é você, seu corvo maluco ?Por quê está seguindo a gente?

– Dandy?! O que está fazendo aqui? – perguntou Yona sorrindo .

O corvo virou sua cabeça procurando Yona , e quando a viu um enorme sorriso brotou de seu rosto negro.

– Bellissima Yona. Oh cara mia, é tão bom ver você viva! - Então os olhos do corvo voltaram a olhar os meus . - Por favor, Sr . Urso me solte que irei explicar tudo .

Era muito difícil de explicar , mas o corvo levou mais de uma hora explicando a Yona a historia que o pai dela havia contado à aldeia , a decisão de Mai e a saudade que todos estavam sentindo, principalmente a do seu irmão.

A primeira coisa que ouvi de Yona foram os seus suspiros de tristeza e depois ela tomou coragem e contou a Dandy tudo o que aconteceu e acrescentou com um pedido :

–Por favor , Dandy . Peça ao Mai e ao xamã para procurarem informações da Grande Arvore , está bem?!

– Pode deixar , minha amiga. Foi muito bom revê-lá . Ainda bem que você tem um bom urso da guarda para cuidar de você . – Aquele elogio me pegou de surpresa . – Cuide bem dela, Grande Urso. Até breve ! – E saiu voando pelos ares . Algumas de suas penas pretas se soltaram enquanto voava.

Yona pegou uma delas e as lágrimas de saudade se desprenderam de seus olhos , ela ficou chorando e segurando a pena por um bom tempo

–Você sabe que meu lugar não é aqui, não sabe? – ela disse enquanto soluçava . – Meu lugar é com aqueles que estão esperando por mim. Logo, isso tudo vai terminar, e com o tempo você e o Koda vão se esquecer de mim, então agüente só mais um pouco, está bem?

Eu não entendi o que ela estava dizendo. Se eu tivesse me tocado que era....

Ela coçou o cabelo e desvia seu olhar de mim, como se estivesse magoada com o que disse.

Eu a encaro . Sinto a batida do meu coração por todo o corpo, até mesmo nos dedos das patas. Sinto vontade de falar algo ousado, mas poderia ser muito pior . Não sei qual das duas opções seriam à mais inteligente , ou a mais sensata.

Me ergo sobre as minhas duas patas traseiras e estendo a pata e seguro a mão dela. Seus dedos se entrelaçam com os nos da minha pata. Não consigo mais respirar.

Olho para ela , e ela para mim.

Ficamos assim por um bom tempo. Então , ela recolhe a mão e olha para o céu a procura do corvo – correio dela , Dandy . Talvez agora ele me considere um urso estranho ou um herói . Na verdade , pouco me importa . A única certeza que eu tinha era que valeu a pena ele ter achado Yona.