Já não quero dicionários

consultados em vão.

Quero só a palavra

que nunca estará neles

nem se pode inventar.

Que resumiria o mundo

e o substituiria.

Mais sol do que o sol,

dentro da qual vivêssemos

todos em comunhão,

mudos,

saboreando-a.

Carlos Drummond de Andrade.

Acordei com a luz do sol no meu rosto, me dei conta que havia esquecido de fechar as cortinas na noite passada, passando as mãos no rosto e apalpando a cama, lembrei que tinha dormido na casa dos Marra, em um flash, com uma pitada de dor, lembrei de tudo que acontecera.

Passei alguns minutos deitado, sem a menor vontade de levantar e encarar o que estava por vir, mas meu MarraPhone não pensava o mesmo, o alarme começou a tocar e eu tive que levantar para desliga-lo, que estava na pequena estante ao lado de alguns livros misteriantes.

Resolvi tomar um banho, para esclarecer as idéias, ainda tinha tempo visando que iria com Jonas pra Marra, mas e toda essa história de doença? Será que é verdade? Bem isso eu não sei, mas a notícia já viralizou total, está como o assunto mais comentado em todas as redes sociais.

Depois do banho, sai lentamente pelo corredor, em direção ao quarto de Megan, mas fui surpreendido por Pamela que havia acabado de levantar, sorrindo ela veio até mim.

– Good morning Davi, como foi a noite?

– Bom dia, foi... foi incrível, o quarto é incrível

– Está com fome? Megan costuma acordar um pouco mais tarde, mas você pode se juntar a mim na mesa do breakfast

– Claro, eu vou sim

Passando pela porta do quarto da Megan, em direção as escadas, não escutei nenhum ruído, com o tanto de cerveja que ela bebeu na festa, não deve acordar tão cedo. Mesmo com toda a repercussão na mídia, nenhuma palavra sobre a doença foi dita na mesa, onde apenas eu, Pamela e Dorothy comiam, Jonas estava trancafiado em algum lugar com Brian, fazendo reprogramações.

A comida estava uma delícia, tudo feito da melhor forma possível, mas eu não conseguia parar de pensar na Megan, em como ela está ou se já lembra de tudo, não mudei minha opinião, ainda acho que a atitude dela foi infantil, mas concordo que dei ouvidos de mais para as palavras da Manu.

Jonas e Brian se juntaram a nós, mas apenas Brian se sentou a mesa, Pamela se retirou e foi juntamente com Jonas para o corredor, aposto que foram falar com a Megan, mas minha visão não alcançava mais que a sala, o que será que eles vão dizer pra ela?

Tão concentrado em ver aonde Pamela e Jonas foram, que acabei sendo indiscreto, inclinando a cabeça demais, Dorothy chamou minha atenção oferecendo algo que ela chamou de "cookies", aceitei envergonhado.

Mas não consegui comer nem se quer o primeiro, a cada minuto que passava eu ficava mais nervoso, algo me dizia que Megan não estava bem, queria poder falar com ela, mas em quanto Pamela e Jonas não voltam é praticamente impossível.

Talvez todo esse nervosismo seja, em parte, arrependimento, preciso contar á ela sobre isso, e torcer para que ela me entenda, porque, querendo ou não, eu já entendi completamente o lado dela nessa situação, Manu está muito próxima para alguém que queria apenas me usar á alguns meses atrás, mas acho que ela possa estar realmente arrependida, só que no momento, o que é importante mesmo pra mim, é Megan.

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Com simples palavras da língua portuguesa, eles tentavam amenizar algo terrível, apresentavam possibilidades como se fosse algo discutível, falavam com a maior calma do mundo, será que eles não se dão conta?! Do que está acontecendo?!

– Megan eu posso viver durante anos, posso nem morrer disso, vai que eu invento uma tecnologia que pode vencer a morte? Vamos trabalhar com todas as possibilidades?

– Menos as negativas! - mom nos lembrou

– Essa possibilidade toda não adiantou nada no caso de grandpa! - me levantei jogando o cobertor - será que vocês não se dão conta?! Dad você está morrendo!

– Eu não estou morrendo Megan, a sua mãe pode morrer antes de mim

– What?!

– Dad... como você quer que eu fique calma sabendo que você...

– Megan - mom me abraçou - eu sei exactly o que você está sentindo, confiança, ok? Nessas horas agente descobre forças que não conhecíamos antes

Mom estava certa, a situação é séria mas precisamos de calma para lhe dar com tudo, justamente o que eu não tenho, mas apenas em pensar na idéia de perder dad me causa calafrios, já perdi Grandpa e a... Lírio, não posso perde-lo também, não posso.

– Dad... - me sentei ao seu lado, as lágrimas foram inevitáveis - eu não posso te perder dad, não posso

– E não vai

Delicadamente dad retirou algo do bolço, um colar com as letras "M" e "G" gravadas, Marra Girl, decifrei, rapidamente ele colocou no meu pescoço, mom, sentada atrás de mim, o ajudou a abotoar, beijando minha cabeça ao terminar.

– Em quanto você usar isso, eu vou estar com você - dad enxugou minhas lágrimas - é como o da sua mãe, e prometo a você que enquanto eu estiver aqui... vou fazer de tudo pra ninguém me esquecer

– Isso está parecendo uma despedida! Dad eu não quero que você morra! Você tem que me prometer que não vai me deixar, não é um pedido, é uma ordem! Promete dad!

Segurando minha mão, dad abaixou o olhar e não me respondeu, acabei me dei conta do óbvio, nunca prometa aquilo que a existência nunca permitiria que se profetizasse, palavras de Brian Benson.

– Você não pode prometer... o que não pode cumprir, não é mesmo?

Com um abraço, dad me deu uma resposta muda, mas que tem mais significado que todas as palavras do mundo, com aquele abraço pude perceber que ele ainda estava comigo, e eu preciso aproveitar isso ao máximo, mom veio se juntar a nós, completando tudo, mas em relação as lágrimas, estas eu não consegui evitar.

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Terminei o café da manhã e fui convidado por Dorothy á esperar Jonas na sala, sentei cautelosamente no sofá e comecei a contar os minutos, meus olhos já estavam tontos de tanto acompanhar os ponteiros do relógio fixado na parede.

Quase meia hora depois, Pamela, Jonas e Megan finalmente apareceram, todos já prontos para ir a Marra, se retiraram em direção ao carro, deixando eu e Megan a sós na sala.

– Você tá bem? Acordou melhor?

Sem responder minha pergunta, e sem exigir nenhuma explicação, Megan veio até mim e me beijou, um beijo tão triste quanto ela mesma parecia, repousou o queixo sobre o meu ombro, ainda me abraçando, tão entregue que quase me fez chorar.

– O que aconteceu? Isso é por ontem? Olha aquilo foi culpa minha...

– Não é por ontem - ela me interrompeu - preciso conversar com você, mas... mas aqui não, na Marra, ok?

– Se você acha melhor, tudo bem

Megan e eu fomos até o carro em silêncio, durante todo o trajeto foi assim, ela estava muito estranha, triste para dizer a verdade, mas eu não sabia como ajudar, não sabia nem sequer o que havia acontecido, todos estavam muito sérios e calados.

A Marra estava cheia de fotógrafos, tantos que eu não conseguia enxergar a entrada da mesma, a notícia, liberada em um horário misterioso, agora era a mais comentada em todo o mundo.

Finalmente conseguimos entrar, com ajuda dos seguranças passamos pelos sedentos de notícia, Jonas foi para o escritório se preparar para o seu depoimento sobre tudo, Megan me puxou para o "Jardim das Idéias", um pequeno jardim criado por Jonas e construído em todas as sedes da Marra, o oxigênio ajuda na tranquilidade e idéias.

Megan e eu sentamos em um dos bancos, colocando o cabelo atrás da orelha ela me olhou profundamente, dei um sorriso de lado para que ela se sentisse confiante em falar, mas a verdade é que eu estava apreensivo em relação as suas palavras.

– Davi... eu quero te pedir desculpa pela noite passada, eu... eu quebrei minha promessa, agi por impulso, desculpa

– A culpa também foi minha, eu não podia ter falado com você daquele jeito, e a promessa... você teve motivos para quebra-la

Consegui fazer com que ela sorrisse, um sorriso lindo apesar de toda aquela tristeza que a atingia, retribui o mesmo e ela me beijou, ainda bem que eu não estraguei tudo, pensei que Megan nunca mais olharia na minha cara, mas não, ela admitiu o próprio erro, coisa que as pessoas comentadas por Manuela nunca fariam.

– Você é a única coisa boa que me aconteceu com a vinda da minha família pro Brasil

– Por que diz isso? Não está feliz?

– Do seu lado é quase impossível não estar, mas é que... eu não...

Megan não conseguia falar, passando a mão no rosto ela respirou fundo, alguma coisa muito séria estava acontecendo, ela tava muito trancada, parecia estar com medo, procurei as palavras certas, para que ela confiasse em mim e me contasse.

– Tá acontecendo alguma coisa, você não é assim, você nunca fica triste, não sem motivo... - segurei sua mão - é a Manuela? É por causa dela que você tá assim?

– No! Nada perto disso, nunca ficaria assim por alguém como ela, é... é complicado

– Se você me contar, posso ajudar

Os olhos de Megan se encheram de lágrimas, mas ela não permitiu que nenhuma caminhasse por seu rosto, ela passou a mão no meu queixo, com um sorriso tão machucado, tão fraco que fazia meu coração gemer de dor, queria tirar aquele sofrimento dela, mas como? Se nem ao menos eu sei o que está acontecendo?

– My dad... ele... ele, as notícias que saíram sobre ele... - Megan segurou minha mão e me olhou profundamente - é tudo verdade, Davi, dad... está doente

Megan me abraçou fortemente, retribui mas não tinha idéia do que dizer a ela, tantas coisas aconteceram em tão pouco tempo, primeiro foi o avô que faleceu, e agora Jonas fica doente? Como podem permitir que ela sofra tanto?

O pequeno choro que se formava escondido no meu casaco, era como se eu levasse um tiro e não pudesse me defender, eu não posso fazer nada por ela, não há nada que eu possa dizer, a única coisa que me resta é continuar com esse abraço ardente.

– Megan... eu não sei nem o que dizer

– Não diz nada - ela desfez o abraço - não precisa, só... só não me deixa, tá? Fica comigo, eu não posso te perder, não agora... não deixe que estraguem o nosso sentimento

– Se é só isso, você não precisa se preocupar, nunca mais vou duvidar de você, é uma promessa

– Você é um fofo - ela beijou meu rosto - Oh my God! Samuel! Eu fiquei de levar ele...

– Samuel está bem - a interrompi - sorte sua que a tia Rita tava lá, quando ela percebeu que você tava trocando os pés, levou ele pro orfanato - ela riu

Ali sentados, abraçados e sem mais lágrimas, nós esperamos o pronunciamento de Jonas, respirando o ar puro das árvores e escutando o canto dos pássaros, mesmo que estes sejam artificiais e transmitidos por pequenas caixas de som.

Aquela conversa foi uma espécie de renovação, pude descobrir a confiança que Megan tem em mim, ela nunca contaria isso para outra pessoa, mas confiou em mim, pude perceber que eu também confiava nela, como nunca confiei em outra pessoa.

A vida da Megan sempre foi um conto de fadas, ela sempre teve tudo o que quis, na hora que quis, sempre conseguiu tudo com uma simples ordem, mas o mais triste de toda essa história, e que uma simples ordem, de nada vai ajudar seu pai.

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Todos já estavam no auditório, se acomodando em seus lugares, Pamela, Megan, Davi e Brian se sentaram na primeira fileira, as outras foram ocupadas por funcionários e repórteres pré-selecionados, entre eles, Verônica Monteiro.

Na sala que antecede o palco, Jonas se preparava para o seu depoimento, abriu uma garrafa de água para diminuir a tensão, mas de nada adiantou, também como poderia?

Jonas Marra, nome idolatrado por todo o mundo, todos conhecem a Marra International, Jonas sempre foi o mais poderoso, o melhor em tudo, o ego de qualquer um aumenta com essas circunstâncias, mas como será que isso está sendo pra ele?

As luzes diminuíram, o palco se acendeu e Murphy chamou seu boss, estava na hora, firmando as unhas na palma da mão, respirando fundo e esfregando os olhos, Jonas subiu o primeiro degrau, a partir daquele momento ele iria dar seu depoimento, o poderoso Jonas Marra, vai anunciar... a própria morte.