Todos Iguais escrita por Mi Freire


Capítulo 67
Rafael, Eduarda e Luiza.


Notas iniciais do capítulo

Dedico esse capítulo a todas vocês ♥



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É um novo ano e o novo começo para todos.

Chega de tanta moleza. Novas férias só daqui seis meses.

Acordei morto de preguiça, sem coragem nenhuma para levantar. Ainda mais porque estava caindo um temporal lá fora. O dia, o clima, não estavam favorecendo em nada. Só me dava ainda mais vontade de continuar grudado na minha cama, de baixo do meu cobertor, assistindo desenho e tomando um achocolatado bem quentinho.

Eu poderia simplesmente apertar o botãzinho de quem não está nem aí pra nada, como eu faço pra maioria das coisas. Mas de repente me lembrei que eu poderia começar esse ano de um novo jeito. Ser bonzinho pelo menos no comecinho, para que não tivessem uma ideia errada sobre mim. Não que eu me importasse com o que diriam ou o que pensariam.

Só que eu não estava muito a fim de parar na diretoria no meu primeiro dia de aula, em uma nova escola por conta de um atraso a toa ou uma falta não justificada. Não queria ter dores de cabeça logo no primeiro dia. Enquanto porque não me comportar como se eu fosse um aluno exemplar? Imagine só a cara do diretor ou diretora quando, mais pra frente, se derem conta de que me aceitar foi o pior erro que eles poderiam cometer?

Eu não perderia isso por nada.

Então lá fui eu, praticamente me arrastando até o banheiro. Tomei um banho rápido e bem quentinho, só pra aquecer. Depois vesti um dos meus jeans mais novo, coloquei uma camiseta cinza e joguei por cima um moletom preto com capuz que estava limpinho e cheiroso. Eu realmente queria causar uma boa impressão no meu primeiro dia.

Por fim, calcei meu Vans que deixou de ser preto há muito tempo e agora estava marrom.

Nem se quer me dei o trabalho de tirar o material do ano passado da mochila. Continuaria usando o mesmo caderno, que estava praticamente intacto. Apenas arrancaria as folhas usadas e ele ficaria como novo. E uma caneta preta e azul, um lápis e uma borracha são tudo que eu precisaria.

Antes de sair na chuva, que enfim tinha amenizado um pouco – mas o céu continuava cinza e com nuvens carregadas – conectei meus fones de ouvido ao celular e joguei o capuz da blusa na cabeça.

Começou a tocar Racionais Mc’s.

Foi fácil me matricular em um novo colégio. Que também era quase do lado da minha casa e o melhor de tudo é que não era em tempo integral. Isso me fez pensar em procurar um emprego, sabe? Só pra ocupar o tempo livre. Mas também meu novo colégio não era lá grande coisa, comparado ao outro onde a maioria dos alunos eram riquinhos.

Meu novo colégio é bem menor, o prédio é antigo e precisa de uma pintura nova há séculos, além de ter muros pichados e buracos no telhado do ginásio, o que impossibilita de terem aulas de Educação Física nos dias de chuva.

Coisa que já não me agradou muito.

Já que eu sou louco por futebol e esportes em geral. Faça chuva ou sol.

A maioria do pessoal da minha rua estuda lá também, então foi fácil me enturmar assim que cheguei. O pessoal também já me conhecia de festas. Então, nem deu tempo pra lamentar a falta dos meus amigos por perto.

Eu sei que é um pouco triste, pois iria fazer três anos que estudávamos juntos e éramos praticamente inseparáveis. Sei que esse ano deveria ser o melhor de todos, o ano que entraria pra história, já que seria nosso ultimo ano juntos no colégio antes que cada um seguisse com a sua vida. Mas todo mundo sabe que foi melhor assim e principalmente para a Gabi.

Nosso caso é complicado. Mas juro que estou tentando supera-lo.

Ainda é muito difícil tê-la por perto e de tê-la de volta ao grupo. Ainda mais graciosa que antes. A Gabi maluquinha que eu tanto aprendi a amar. E sim, continuamos nos pegando sempre que bate aquela vontade. Mas isso é tudo e assim sempre será e antes que ela saia machucada disso, eu resolvi me mandar e facilitar para nós dois.

Mas não fiz isso só por ela, por mim ou seja lá o que temos. Fiz isso porque precisava. Porque seria mais fácil pra mim. Porque de alguma forma, no fundo, eu sabia que eu não fazia parte daquele lugar só para bacanas e que eu se eu quisesse ser mais que um moleque, eu precisava ir à luta, procurar um trabalho e tirar um peso a mais das costas da minha querida mãe. Porque isso era o mínimo que eu poderia fazer por ela, que sempre fez tudo por mim.

O sinal bateu as sete e dez e fomos obrigadas a entrar em nossas respectivas salas. Aqui, nesse novo colégio, também não temos aulas extras e nem trocamos de sala conforme vai mudando as aulas. Aqui são todos da mesma turma, há três anos, tirando os novatos como eu, que vão se inserindo nos grupos aos poucos.

Minha primeira aula do dia era de Geografia. Entrou uma senhora muito caduca e corcunda na sala de aula. Por pouco eu não ri. E o pior de tudo é que ela tinha uma voz muito rouca, grossa e alta. Como se ela mesma não se escutasse.

Os minutos foram passando, passando... E por um momento eu cogitei me levantar e sair da aula. Como eu já estava acostumado a fazer quando algo não me agradava. Afinal, ninguém me impediria. Ou impediria? O máximo que eu poderia levar era uma advertência por indisciplina. Mas se a aula está chata, porque é que eu sou obrigada a ficar?

Não faz muito sentido pra mim.

Novamente eu pensei que seria melhor se eu me comportasse, pelo menos no começo. E causar uma boa impressão. Mas até quando eu conseguiria ser um aluno bonzinho?

Tentei me distrair com outras coisas. Fiquei olhando em volta e analisando o pessoal. Percebendo que assim como eu tinha também aqueles que estavam de saco cheio daquela aula e ela mal tinha começado. Percebi também que éramos em 15 garotos e 25 garotas.

Dei uma olhadinha em todas elas e as classifiquei mentalmente. Em uma escala de 0 a 10. Da mais feia a mais bonita, de acordo com as minhas preferência. E poucas de fato ganharam 10. A maioria ficou com nota 8.

Uma garota em especial me chamou muito a atenção. Ela sentava lá na frente e estava muito centrada nas explicações da professora que pelo visto estava fazendo hora extra na terra. Era uma garota pequena, magrinha, tinha os cabelos cheios e ondulados de um castanho claro e os olhos praticamente no mesmo tom. Ela usava óculos e parecia muito nerd.

Admito que nunca fui muito de me interessar em garotas boazinha, garotas centradas, inteligentes e intelectuais. Mas havia algo naquela garotinha que me cativou. Não sabia dizer bem o que era. Para mim, ela era um mistura de boazinha com selvagem. Claro, que nos momentos certos. Digamos que “supostamente” ela sabia agir de maneira certa para cada ocasião. Ou eu estivesse só delirando e julgando muito mal.

Não sei... Mas pode apostar que eu descobriria.

— Aquela ali é a Paloma. – murmurou um colega, que estava sentado ao meu lado. Eu ri ao perceber que ele me flagrou devorando a garotinha com os olhos. — Só um aviso: toma cuidado com ela.

Cuidado? Mas por quê?

Não entendi bem o que ele quis dizer com aquilo, mas pode apostar que eu pagaria pra ver. Eu descobriria e faria ela ficar caidinha por mim muito rapidamente. Ou eu não me chamo Rafael Cardoso.

***

Tive um péssimo primeiro dia de aula na faculdade.

De cara, percebi que ali, naquele imenso lugar, com pessoas de todas idades e de todos os tipos, existia pessoas muito piores e cruéis do que já fui um dia. Mas não de um jeito infantil e imaturo. Pessoas que fariam de tudo para arruinar seus sonhos, como se eles não valessem nada. E tudo isso, apenas com palavras. Que me soaram muito cruéis.

Mas antes de qualquer coisa, vou relatar como meu dia começou.

O Pedro, meu namorado lindo e maravilhoso, passou a tarde toda no colégio. Ele está no ultimo ano. E ainda estuda em período integral. Mas sai as quatro e ele foi direto para o meu apartamento, para me ver e passar um tempinho comigo.

Nós fizemos amor, o que já não era novidade. Pois sempre que nos víamos e tínhamos a oportunidade, acabávamos parando nos braços um do outro, como se fosse sempre nosso ultimo momento juntos. O que tornava tudo tão mais quente e excitante.

Depois tomamos um rápido banho juntos. Aproveitei para me trocar. Coloquei um vestido preto, meia calça escura e sapatos de sapatilhas clara. E também não me emperiquitei muito. Só passei uma maquiagem básica, arrumei minhas coisas na minha bolsa amarela e deixei os cabelos soltos e com ondas.

Enquanto isso o Pedro preparou algo para comermos. Uma espécie da café da tarde. Sentamos a mesa e começamos a comer, enquanto conversávamos. Perguntei como tinha sido o dia dele no colégio. Ele disse que tinha corrido tudo muito bem, como sempre. Nada muito anormal. Fora a falta que ele sentiu do Rafael – que havia mudado de colégio – em alguns momentos que eles costumávamos ficar juntos. Eu entedia o lado dele, afinal, eles eram tão próximos.

Depois ele me perguntou o que eu tinha feito o dia todo, além de preocupar com o meu primeiro dia na faculdade. Foi aí que ri. Mas logo depois contei a ele que fui ao shopping com a Tati pela manhã, ajuda-la a comprar seu material escolar de ultima hora. Detalhe: faríamos faculdade juntas. Mas em cursos diferentes. Eu faria Administração e ela Ciências Contáveis. O que não era assim tão diferente e pelo menos ficaríamos no mesmo andar e no mesmo prédio, apesar da universidade ser quase só tamanho de um shopping.

Depois passei a tarde em casa, deitada, lendo algumas dicas para não ficar tão nervosa em meu primeiro dia. Dei uma ajeitadinha básica no meu quarto, colocando tudo em seu devido lugar. E tentei me distrair com um pouco de música. Fora isso, não fiz nada de útil durante todo o dia.

Pedro e eu ficamos dando alguns amassos no sofá depois de limparmos a bagunça na cozinha. Eu ainda tinha um tempinho com ele antes de partir. As seis e meia nós descemos. Ele foi andando pra casa e eu peguei um taxi. Fiquei de encontrar a Tati em um barzinho perto da faculdade.

Estava frio lá fora, por isso não me esqueci de colocar meu sobretudo antes de descer do carro. Mas pelo menos não estava chovendo. Quando cheguei até lá, Tatiana já estava me esperando, toda animada. Pelo visto já tinha bebido e também tinha conhecido um pessoal que ela fez questão de me apresentar.

Acho que nunca fiquei tão nervosa. O pessoal já parecia tão adulto e eu... Estava tão perdida e amedrontada. Por um momento desejei voltar correndo para o ensino médio para não ter que passar por aquilo.

Percebendo que eu estava tensa, Tatiana pediu para mim uma caipirinha de maracujá. Pensei em recusar, mas acabei aceitando. Bebi só um pouquinho, o resto foi ela quem virou. Pedi que pegasse leve e ela apenas riu, voltando sua atenção para o novo pessoal.

As sete e ponto atravessamos a rua e entramos na universidade, que estava lotadíssima. Nunca vi tanta gente junta e falando alto. Era mil vezes pior que os tempos do colégio. Um pessoal estava empurrando, para passarmos mais depressa nas catracas. Provavelmente apressadinhos com alguma coisa. Já eu continuava aterrorizada, por isso não saí do lado da minha melhor amiga, que continuava animada e agindo como se já tivesse passado por aquilo outras tantas vezes.

Subimos espremidas no elevador até o sexto andar do prédio, onde ficaria nossas salas. Como chegamos em cima da hora, não tivemos nem um tempinho de ficar enrolando no corredor. Despedimo-nos. Fui para minha sala, seguindo até o fundão sem olhar pra ninguém.

Não demorou muito para chegar uma professora esquisita, na casa de seus trinta e tanto anos. Gordinha e baixinha. Com um cabelo muito curto e muito preto. Ela já chegou com uma cara fechada. Depositou suas coisas em cima da mesa no canto, escreveu seu nome “GLÁUCIA” no quadro em letras absurdamente grandes e virou-se para nós, com o corpo apoiado em sua mesa e os braços cruzados.

Ainda sem sorrir.

— Boa noite, pessoal. Eu gostaria de começar dizendo o seguinte...

E foi aí que as coisas começaram a ficar pesadas pra valer. Antes de falar um pouco sobre ela, sobre sua vida profissional ou qual matéria ela nos daria pelo próximo semestre como eu imaginei que seria, ela simplesmente começou detonando tudo.

Disse que a maioria de nós era desqualificado para estar ali, que a maioria de nós achava que a vida era só diversão, disse que éramos irresponsáveis, imaturos e que poucos de nós realmente chegaria longe e se tornaria uma grande profissional.

Tudo isso sem ao menos nos conhecer de fato.

Eu fiquei horrorizada. Não estava esperando por nada daquilo. Admito que eu concordava com algumas coisas que ela disse. Muitas poucas coisas. Mas achei um absurdo ela dizer tantas barbaridades sem ao menos saber nossos nomes ou a historia de nossas vidas. Como ela poderia saber se eu era ou não desqualificada profissionalmente?

Por um segundo eu fiquei muito brava e quase levantei meu braço para rebater. Mas bastou olhar para expressar dos meus colegas de classe para perceber que eles estavam tão assustados quanto eu. Então minha coragem se foi muito rapidamente, dando espaço a uma tristeza muito intensa.

Depois de dizer tudo que ela tinha direito ou não, ela se virou e começou a passar o planejamento de sua aula, fazendo pequenos comentários sobre cada um dos tópicos. Naquele momento eu já estava no piloto automático, apenas copiando sem conseguir processar nada.

Estava frustrada com tudo... Especialmente com esses profissionais que se acham no direito de sair dizendo tudo que acham. Não acho certo que um professor seja assim, por mais certo que ele esteja. Ele não está ali só pra isso, ele está ali especialmente para nos motivas, para nos incentivar, nos ensinar e aprender junto.

Mas pelo visto eu me enganei.

Aproveitei a primeira pausa, a hora do intervalo, e saí correndo para o banheiro mais próximo, feito uma garotinha. Sentei na tampa no vaso, me tranquei e me desabei em lágrimas.

Quando voltei pra sala, Tatiana estava me esperando lá, muito contente porque tudo tinha dado certo pra ele, diferentemente de mim. Mas eu apenas a ignorei, peguei minhas coisas e fui embora dali, sem nem querer ficar para o ultimo momento da aula.

Não ficaria ali nem mais um minuto, não com aquela professora mal amada.

Peguei um taxi e voltei pra casa, ainda muito desolada. E os olhos cheios de lágrimas. Em parte por ter me aterrorizado com tão pouco, quando muitas vezes eu fui pior com as pessoas... Pessoas que não mereciam aquilo. Parece que finalmente eu tinha provado do meu próprio veneno e estava amargamente arrependida por tudo.

Por outro lado, desanimada. Não queria voltar para aquele lugar. Não queria ter que passar por aquilo de novo. Eu só era uma garota tentando tomar um rumo na minha vida. Eu não estava preparada. Eu ainda era muito imatura para essa nova realidade. Aquela maldita professora tinha razão sobre tudo.

Saí correndo feito uma garotinha mimada e vim me esconder aqui, no meu quarto, com medo da minha própria realidade.

Pensei em ligar para o Pedro. Mas não queria preocupa-lo. Muito menos fazer com que ele largasse tudo e viesse correndo aqui só para me consolar. Porque eu sei que ele faria isso. Ele sempre faria qualquer coisa por mim.

Então, decidi ligar para o meu pai. Meu pai que era um grande homem, maravilhoso, experiente e compreensível. Ele me atendeu no segundo toque e foi paciente, ao ouvir meus desabafos misturados com o meu choro.

Por fim ele disse algo simples, que qualquer outro pai diria em situações assim para seus filhos, mas que naquele momento foi essencial para mim. Era exatamente o que eu precisava ouvir dele:

— Querida, eu acredito em você. Eu me orgulho de você. Não dê ouvidos a essa megera, ela foi cruel e nem você ou ninguém merecia ouvir coisas assim vindo de uma pessoa possivelmente amargurada com a própria vida. Não justifica, mas talvez ela não tenha tido um dia muito bom e tenha descontando tudo em vocês. Mas não se deixe levar por tão pouco. Porque você sabe que nada disso é verdade. Maria Eduarda, você é capaz. Você é forte, você é inteligente, você é incrível e já é uma mulher. Uma mulher linda, por sinal. E que tem um belo futuro pela frente. Ninguém nunca vai conseguir tirar isso de você, acredite. Agora, vá dormir e descanse. Esqueça tudo isso. Volte amanhã lá e mostre para que você veio. Papai, ama você.

***

Tivemos um sábado bem transtornado e cansativo.

Acordei cedo pela manhã e fui direto para a casa da Nati, onde ajudei-a com os preparativos da festinha de aniversário do Lucas, seu irmãozinho, que hoje estava completando um aninho.

A festa começou às quatro da tarde. Estávamos exaustadas, mas ainda assim tivemos que receber os convidados com sorrisinhos e abraços. A casa logo ficou cheia. Alguns vizinhos foram convidados, alguns poucos familiares compareceram e claro, nossos amigos não ficaram de fora. Nem mesmo o Rafael, que andava sumido e distante.

Meus pais também deram uma aparecida, só para não fazer feio. Ficaram por algumas horas. Comeram docinhos e salgados. Mas foram embora antes mesmo do parabéns. Estava claro que eles ainda não aceitava eu e a Nati muito bem. Apesar de estarmos mais felizes do que nunca. Só que isso também não me importava mais. Eu tinha escolhido ela e ela sempre seria minha escolha.

Eles que aprendessem a lidar com isso.

Apesar de ter todo o tempo tocado apenas músicas infantis, a Bianca fez questão de arrastar eu e a prima, a Duda, para animar a criançada que ali estava presente. Como alguns móveis foram afastados, tivemos espaço de sobra para pular sem parar e fazer uma grande roda.

As crianças ficaram muito animadas e não saiam do nosso pé, insistindo que queriam brincar mais. A Bianca tinha paciência, até mesmo a Maria Eduarda me surpreendeu, mas eu não era muito boa com essas coisas e me cansava rápido. Por um momento eu só queria ficar num canto, sentada, descansado. E foi exatamente que fiz.

Fui até onde o Felipe estava, mais escondido, e sentei-me perto dele. Dei uma batidinha de leve em seu joelho, ele sorriu, mas logo volto os olhos para a Bianca, ainda pulando e rindo com as crianças no meio da sala.

É claro que ele morre de amores por ela. Vocês precisavam ver a carinha com que ele olhava pra ela. Com um sorriso bobo de lado e os olhinhos claros brilhando de orgulho e satisfação. Sinto uma dó só de pensar que isso vai acabar assim que ele for viajar. Quem é que vai olhar pra ela desse jeito bobo? Quem é vai cuidar dela melhor do que ele? De fato, é uma pena que coisas ruins aconteça com pessoas boas.

Mas pode ser que a distancia não os separe totalmente. Apenas fortaleça e intensifique o que eles sentem um pelo outro. Da mesma forma que aconteceu comigo e com a Nati quando ficamos separados, por birra. Não que eu esteja comparando. Só quero dizer que quando um sentimento é forte e verdadeiro ele dura, apesar das circunstâncias.

Às seis e meia, quando os docinhos e salgados já estavam acabando, a mãe da Nati, que não tinha saído da cozinha nem por um momento, servido a todos, parou o som e chamou a atenção do pessoal.

— Vem gente, vamos cantar o parabéns.

E lá fomos nós, todos para a cozinha, que nem era tão grande assim, mas coube todo mundo.

Rafael e Pedro deram um show, assim que as luzes foram apagadas, eles puxaram o coro e todos começaram a bater palmas e cantarolar. O irmãozinho da Nati ficou com medo no inicio. Mas bastou ela se juntar a ele, pegá-lo no colo, para seu medo desaparecer. Ele se alegrou e começou a sorrir sem parar, fazendo todos rirem. Dona Elisa e o Leandro não paravam de tirar fotos, de todos os ângulos possíveis.

Por volta das oito hora, a casa estava vazia. E tinha sobrado apenas a bagunça. Demos um jeito naquilo muito rapidamente, enquanto o Lucas dormia tranquilamente lá em cima, em seu quarto. Leandro e Dona Elisa limpara a cozinha e o quintal. Eu e a Nati ficamos com a sala e o banheiro.

Eles eram tão especiais pra mim. Minha nova família. A Natália era a melhor namorada de todas. O Leandro um bom amigo. E a Dona Elisa era como uma mãe. O Lucas um irmãozinho. Eu gostava muito de todos ali e queria que fosse sempre assim, pelo menos dos tempos.

Terminamos de limpar tudo rapidinho. Depois as luzes foram apagadas e todos nós subimos para o andar de cima, que por sorte, ficou intacto. Elisa e Leandro deram beijinhos de boa noite em nós e foram para seu quarto. Eu acompanhei a Nati até o dela. Aquela noite eu dormiria ali e olha que nem tinha pedido autorização aos meus pais.

Eu já não era mais a garotinha boba de tempos atrás, que obedecia tudo que eles me ordenavam. Não que agora eu fosse uma filha rebelde e que desrespeitava os pais. Eu nunca fui santa, sempre fugia quando dava um jeitinho. E também, eu só não concordava com tudo que vinha deles, assim como ele não concordavam comigo e as minhas escolhas.

A Nati foi tomar um banho. Aproveitei para me trocar e colocar meu pijama. Preparei a cama e me cobri com o lençol. Continuava friozinho lá fora e me parecia uma boa noite para dormir abraçada com a pessoa que eu mais amava no mundo.

Ela logo voltou, apagou as luzes, acendeu o abajur ao lado da cama e se juntou a mim, dando um beijinho de leve na minha testa.

— Nossa, seus pés são sempre tão gelados. – ela brincou, mas tinha total razão. Foi por isso que ela os esquentou com os seus, que estavam cobertos por uma meia muito fofa e macia.

— E aí, você está feliz? – perguntei, olhando fixamente para ela. Ela esquentava meus pés e eu passei a esquentar suas mãos, esfregando-as devagar com as minhas.

— Enquanto estivermos juntas, enquanto eu tiver minha família e meus amigos, eu sempre estarei feliz. – ela comentou, sendo sempre tão meiga. Trocamos um rápido selinho.

— Você já pensou no futuro? Tipo, se você vai continuar morando com a sua mãe pelo resto da vida, o que você quer ser profissionalmente, essas coisas, sabe? Acho que a gente nunca parou muito pra falar sobre isso.

— É, você tem razão. Mas eu sei sim, sei exatamente o que quero pra mim agora, amanhã ou pelo resto da vida. – ela se aproximou um pouco mais, diminuindo qualquer distancia entre nós. Se hálito tinha cheiro de pasta de dente de menta. — Eu quero você, Luiza.

— Eu sei, eu sei. – brinquei, soltando um risinho. — Isso eu já sei. Não seja tão boba. O que estou querendo dizer é que...

— Eu sei exatamente o que você quis dizer. – ela me interrompeu, com um sorriso. — Olha, eu andei pensando sobre isso... E não, não quero morar sempre aqui, apesar de amar muito minha mãe, meu padrasto e meu irmão. Sabe, mas eu também quero algo só meu, nem que seja pequeno e simples. Quanto a minha profissão, ainda estou em duvida entre pediatria ou pedagogia. O que você acha?

— Eu acho que você seria maravilhosa em qualquer profissão que exercer. Eu acho também que você é inteligente o bastante para conseguir se especializar em qualquer uma das duas. Ou até mesmo nas duas ao mesmo tempo. Porque você é incrível e sabe disso.

— Como você é boba. – ela riu. — Não vale. Você não pode ficar dizendo essas coisas sempre. Eu fico com vergonha! Sinto-me mais do que eu sou.

— Porque você é. – continuo. — E acostume-se, porque se você quer mesmo me ter pelo resto da sua vida, vai ter que me aturar dizendo essas coisas muitas vezes por dia. Porque eu nunca me canso.

Rimos juntas dessa vez.

— Mas e você? – ela quis saber. — Você já pensou em tudo isso?

— Sim, já. Claro! Muitas vezes. E sabe em que conclusão eu cheguei? – não era bem uma pergunta, por isso ela não respondeu. — Eu não quero fazer faculdade. Não que eu não seja inteligente ou capaz. Porque além de ainda não saber o que eu quero pra mim, além de você, eu também não acho que isso seja uma obrigação de todos, sabe?

— Claro que sei. – ela bocejou, visivelmente cansada. — E eu entendo e concordo com você. Luiza, você é um máximo. Muitas pessoas são um máximo e nem todas elas precisam necessariamente de uma faculdade para ser alguma coisa. Você pode ser qualquer coisa! E nem sempre o estudo é tudo. Eu sempre ficarei orgulhosa de você, independe da escolha que você fizer.

Então ela fechou os olhinhos bem devagar.

— Eu amo você. – beijei sua bochecha suavemente. Também fechei os olhos, apesar de não estar com tanto sono quanto ela. — Durma bem, meu amor.


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Notas finais do capítulo

Não se preocupem, meninas. Eu vou sim fazer a continuação da história da Bianca e do Felipe. Só preciso preparar essa ideia melhor. Mas e aí, gostaram do capítulo novo? Comentem!



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