Todos Iguais escrita por Mi Freire


Capítulo 33
Bianca e Pedro


Notas iniciais do capítulo

Meninas, obrigada pelos comentários no capítulo anterior *-*



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Depois daquele beijo que ele me deu não nos beijamos mais, apesar da minha vontade por ele só ter aumentado. Eu não queria forçar a barra e sabia que a minha espera acabava sempre valendo a pena. O Felipe tem um dom extraordinário de me surpreender. Mas ele também não tentou me beijar nenhuma outra vez. No começo pensei que ele tivesse se arrependido do nosso primeiro e único beijo, já que ele não tentou continuar com aquilo. Mas essas dúvidas acabaram quando ele continuou me mandando mensagens de texto como estávamos fazendo ultimamente e continuou me convidando para ser sua parceira nas horas vagas.

Eu ainda não sabia dizer o que era aquilo entre nós, mas sabia que existia alguma coisa. E isso me reconfortava. Ir devagar de repente me pareceu a melhor das opções. Nada no mundo poderia estragar aquilo. Eu só queria viver e aproveitar cada momento como se fosse o ultimo.

É uma noite de quinta-feira. Nossa segunda semana de férias. Felipe me convenceu a ir até uma lanchonete que tinha acabado de inaugurar na Lapa. E pela primeira vez na vida eu peguei o trem. Fiquei espantada com aquele alvoroço de pessoas, pois só tinha visto algo parecido na tevê. Felipe foi todo paciente comigo e um fofo ao segurar-me pela cintura, já que o trem estava razoavelmente cheio e eu não sabia que balançava tanto. Acabei me desequilibrando, mas ele me segurou a tempo.

Em outros tempos eu nunca teria aceitando aquilo, eu evitava ao máximo qualquer tipo de transporte público. Mas agora eu fazia de tudo para estar com ele e ao menos esperava que ele reconhecesse isso.

Apesar de a lanchonete estar um bairro bem humilde localizado na zona oeste de São Paulo, era um lugar reconfortante e muito bem decorado. As paredes pintadas de um verde bem clarinho, as mesinhas e as cadeiras vermelhas e os funcionários bem educados e sorridentes.

Sentamos bem ao meio do estabelecimento, já que estava praticamente lotado. Uma moça alta e ruiva se aproximou com seu bloquinho e anotou os pedidos cuidadosamente. Enquanto isso, Felipe e eu ficamos conversando dos tempos em que éramos crianças. E desde aquele dia em que ele me contou da morte de seu irmão, percebi que entre nós aquele assunto já fluía com mais facilidade, sem restrições.

Eu me sentia honrada por ele ter confiado a mim suas particularidades. E pouco a pouco acabávamos sabendo mais um do outro do que qualquer um. Isso me parecia ótimo. Um vínculo muito forte se formou em torno de nós e isso parecia nos fortalecer cada vez mais.

— Fê, eu não vou comer tudo isso. – disse eu, quando a garçonete depositou sobre a mesa uma porção grande de batatas fritas com muito ketchup, mostarda, maionese e queijo ralado. Além de dois milk-shake. Um de baunilha pra mim e outro de morango para ele.

— E nem deve, Bia. – ele riu, pegando uma batatinha com as mãos mesmo e devorando a seguir. — Eu estou aqui pra te ajudar com isso. – foi a minha vez de rir, sendo interrompida quando ele levou uma batatinha até a minha boca cheia de ketchup. — Não é maravilhoso?

Tive que concordar.

Como toda essa nossa aproximação e intimidade, percebi que o Felipe não tinha frescuras. Ele era muito pratico e espontâneo. E eu adorava isso ele, já que não conseguia ser assim. Com ele ao meu lado era como se eu se esquecesse de tudo, inclusive de que sou uma patricinha cheia de frescuras, como dizem por aí. Ao lado dele eu me sentia mais normal.

***

Eu quero ajudar a minha irmã mais que tudo. Por muito tempo estive ocupado com os meus problemas com a Natália e não vi que os da Gabriela eram piores do que eu poderia ter imaginado. Se não bastasse estar envolvida com drogas, agora ela também tem um coração partido. E pior: pelo meu melhor amigo, que todos sabem que é um imprestável.

Quem nunca teve um coração partido? O problema é algumas pessoas sabem lidar melhor com isso do que outras. Eu por exemplo estou com o meu coração partido nesse exato momento. Eu amava a Nati e no que tudo isso resultou depois de tantos altos e baixos? Dar um tempo. De uns dias pra cá eu estive pensando... E nós estamos tão mais distantes agora... Será que não seria melhor terminar de uma vez e sei lá... Esquecer?

Como se isso fosse possível...

Tá. Mas isso não convém, pelo menos não por enquanto. Eu tenho, eu necessito, eu preciso cuidar da Gabriela. Eu não quero perde-la. Eu não quero que ela se perda por tão pouco. Ela é jovem. Somos todos tão jovens. Ninguém morre de amores. A não ser que queira se matar. Mas será que isso realmente vale a pena? Sendo que existem milhões de outras pessoas por aí assim como nós também querendo ser amadas e felizes.

Estava eu pensando sobre essas coisas lá fora, sentando em frente aos degraus que ficam antes da porta de entrada da minha casa, quando vi a mamãe atravessar o portão e vir na minha direção. O que ela estava fazendo ali? Acho que não nos víamos há uma semana. E em todo meus dezessete anos de vida, acho que nunca ficamos tanto tempo distantes.

Vê-la ali no momento em que eu estava muito precisando de alguém e não tinha com quem poder contar foi excepcionalmente bom. Eu me levantei no mesmo instante e corri para abraça-la bem apertado.

— Pedro, querido, o que aconteceu? – ela quis saber, passando os dedos carinhosamente por meus cabelos. Eu não conseguia soltá-la.

— Mãe, é a Gabi. – digo, quando enfim solto-a e passo a fita-la dentro dos olhos. — Estamos com um problemão.

Dizer isso foi o bastante para deixa-la preocupada. Nós entramos em casa. A casa estava vazia. A Gabriela não estava e o papai havia ido trabalhar, mas ele logo chegaria, pois o céu já estava escurecido e me comeria vivo ao se dar conta de que eu tinha deixado a Gabi escapar.

Mamãe e eu nos sentamos no sofá e eu tive que contar tudo a ela. Como já ela de se esperar, mamãe ficou apavorada, quase branca. Só não chorou por pouco, culpando-se por aquilo. Eu a abracei, tentando acalma-la, dizendo que a culpa não era dela. De certa forma todos nós eramos culpados.

Na maior parte do tempo eu parecia o mais forte e mais estável dessa família, quando na verdade por dentro eu também estava em ruínas. E não tinha mais um ombro amigo, como uma namorada ou o Rafael que não desgrudava mais da Duda, para encher com meus problemas.

— Mas mãe, e você, o que veio fazer aqui?

— Eu vim pegar umas ultimas coisas que eu deixei aqui, filho.

— Você quer que eu te ajude?

— Claro.

No quarto que costumava ser dela e do papai eu coloquei seus últimos pertences esquecidos ali, dentro de uma sacola que ela me entregou. Enquanto lá em baixo a mamãe procurava pelo resto de suas coisas.

— Pedro? – a mamãe gritou lá de baixo e eu corri até o alto da escada para saber se ela estava precisando de mim. — Filho, cadê o vaso que eu ganhei da sua bisavó? Seu pai fez o que com ele? Ele costumava ficar aqui, bem aqui. – ela apontou, para um canto, no rack da sala.

Eu não via aquele vaso há um bom tempo, mas sabia exatamente ao qual ela se referia. Para ser bem sincero eu tinha a leve impressão que as coisas viam sumindo constantemente aqui dentro de casa. Coisas bobas, mas que ainda assim desapareciam completamente.

Primeiro começou com umas moedas que eu deixava sobre os moveis, mas que tinha a plena consciência que as deixava ali para pegá-las quando precisasse. Depois sumiu uma peça do carro do papai que costumava ficar lá nos fundos, no quintal. Agora esse vaso da mamãe. O que mais sumiria? E quem estaria sumindo com tudo isso assim do nada?

Gabriela, foi o nome que me veio a mente. E de repente eu liguei os pontos: dinheiro, drogas, dividas... Era só o que me faltava. Minha irmã estava roubando a si mesma para manter seu vício.

Essa. Não.

— Célia, o que você está fazendo aqui? – me virei em direção à porta, onde meu pai tinha acabado de chegar do trabalho.

— Pai – interrompi aquele momento constrangedor entre eles, como se eles fossem dois desconhecidos que não estiveram casados por quase vinte anos. Os dois voltaram os olhos para mim, ainda no alto da escada. — nós precisamos conversar.

E dessa vez era decisivo: precisávamos dar um jeito na minha irmã.

***

Não tinha como não perceber que o Felipe estava me dando um empurrãozinho, por mais que ele tentasse disfarçar e soar natural, eu sabia que ele queria me incentivar a comer mais. E como perto dele eu me sentia muito normal, eu até conseguir comer mais do que achava ser capaz e por fim não sentia quase nada de culpa.

Mas as coisas mudavam quando eu ficava sozinha no meu quarto, relembrando dos nossos momentos e de quantas calorias eu havia ingerido aquele dia. Uma conta matemática se fazia automaticamente na minha cabeça e eu sabia que tinha extrapolado. E aí me vinha à vontade de vomitar, para me esvaziar. Só que nessas férias em especial eu passava muito pouco tempo sozinha, o Felipe parecia não querer me deixar em paz e eu confesso que estava gostando muito disso.

Era como se ele temesse que eu fizesse alguma besteira. Na certa, sem ele por perto, sem ninguém por perto, eu faria mesmo.

— Que bom que hoje está fazendo calor. – ele observou, enquanto andávamos pelo parque. — Eu estava mesmo querendo tomar sorvete.

— Felipe! – protestei, assim que ele me arrastou até um vendedor ambulante para comprarmos o tal sorvete de palito. Para mim ele escolheu um de morango e para ele um de limão. — Desse jeito eu vou ficar gorda!

— Não, não vai. – ele sorriu lindamente, jogando na primeira lata de lixo a embalagem de seu sorvete. — Você é perfeita assim, Bianca.

Ele disse isso olhando fixamente para mim com os olhos cor de avelã refletidos pela luz do sol. Estávamos tendo uma tarde de sábado perfeitamente normal em um parque cheio de gente que não me interessava. Não se eu tinha o Felipe ao meu lado.

Felipe estava usando um jeans escuro, uma camiseta azul-marinho gola V e seu velho All Star preto.

Eu já disse o quanto eu adoro aquela pintinha perto do olho dele?

Ficamos assim, apenas nos entreolhando com sorrisinhos, sem se importar se o sorvete estava ou não derretendo em nossas mãos. Foi como dar pausa em um filme. De repente Felipe deu um passo a frente, ficando perto o bastante de mim para eu poder sentir sua respiração de encontro ao meu rosto e por fim ele deu um selinho rápido em meus lábios.

Eu mal pude acreditar naquilo.

Era mesmo real?

— Então – ele quebrou o momento, voltando a falar. Agora com as bochechas vermelhas. Eu também corei um pouco. Não estava esperando por aquele beijinho tão... Delicado. — e se para compensar isso fôssemos dar uma volta de bicicleta depois?

***

— Pedro, o que você está fazendo aqui?

Mamãe, papai e eu tivemos uma longa conversa ontem.

Papai ficou desolado ao saber que a Gabi estava nos roubando para algo tão... Pequeno que praticamente se tornou uma bola de neve incontrolável. A mamãe chorou, ainda se culpando por tudo e eu fiquei no meio do fogo cruzado sem saber ao certo o que fazer para ajudar, mesmo certo de que tínhamos que fazer algo. Qualquer coisa. Mas o que?

— Nós temos que interna-la. Não dá mais pra ficarmos assim, de braços cruzados, esperando por um milagre. Ela precisa de ajuda! – foi o papai que disse isso de um jeito bem severo como se tivesse acabado de tomar a decisão mais importante de toda sua vida.

Mamãe concordou e eu fiquei meio assustado com a ideia de internar a minha irmã. Imagina-la trancada em um lugar assim era assustador.

— Rafael, eu preciso da sua ajuda.

Depois que eu e minha família conversamos sobre os próximos passos para salvar o futuro da Gabriela, eu me tranquei no meu quarto e fiquei pensando a respeito. Enquanto olhava para o céu escuro através da janela aberta, eu me lembrei da forma intensa, com os olhos cheios de lagrimas e ao mesmo tempo cheios de fúria, a minha irmã disse que era louca pelo meu melhor amigo.

Em outros tempos eu nunca teria aceitado tal ideia. O Rafael é meu amigo, mas poxa, ele é um galinha. E mesmo sendo um cara essencial na minha vida, não é como se ele fosse digno de uma garota. De qualquer garota, ainda mais se ela for a minha irmã, que mesmo transtornada, ainda é minha irmãzinha, a quem deve proteger e cuidar de caras assim.

Por outro lado, o que ela sente por ele - ainda mais ser por recíproco - poderá ajudar em muito em seu tratamento. Afinal, o que nós não somos capazes de fazer por nosso grande amor? Foi pensando nisso que eu resolvi vir aqui nesse domingo de manhã, a procura do meu melhor amigo.

— O que foi dessa vez? – sua cara de espanto logo foi substituída por um risinho. Ele sentou-se em sua cama e ficou me olhando, esperando por uma resposta. — Problemas com a namorada?

Nossa, pelo visto ele está bem atrasado. Belo amigo você, Rafael. Nem namorada mais eu tenho. Mas isso não vem ao caso agora.

— Você gosta da Gabi? Digo, gosta pra valer dela? – pergunto, assim, na lata. Retribuindo seu olhar.

Ele novamente ficou chocado com minha atitude, mas isso durou pouco tempo, até ele começar a gargalhar e eu desejei socar seu nariz.

— O que você bebeu em, Pedro? Cara, ainda são onze da manhã! – ele continuou rindo feito um tapado. E eu o odiei ainda mais. Como eu ainda posso ser amigo de uma criatura assim? — Eu ainda to com a Duda, lembra?

E como eu poderia esquecer? Essa garota mexe comigo! A sorte é que desde que entramos de férias eu só a vi duas vezes. E as duas vezes ela estava com o Rafael, o que me fazia lembrar que eles estavam juntos e que eu não tinha nada porque ficando pensando nela de um jeito bem safado.

— É sério, Rafael. Eu preciso muito da sua ajuda, amigo. A Gabriela se meteu em um problemão. E você seria o único capaz de ajuda-la.

— Eu? Porque eu? – ele arregalou os olhos. — Cara, sua irmã é doida. Ela está sempre metida em problemas. Esquece isso. Ela sabe se virar.

Suspirei fundo... Tentando não partir pra cima dele.

Como explicar a um idiota feito o Rafael um sentimento tão puro e tão intenso capaz de qualquer coisa como o amor? Como amar? Seja ele entre um casal, entre irmãos, entre a família, entre amigos, ou entre você e seu cãozinho. Meu amigo aqui nunca saberá o que é amar de verdade.

Ele não se permite a isso.

***

Passar o meu tempo com o Felipe era muito bom. Mas estávamos ligados de um jeito que eu não saberia suportar caso tudo desse errado. Não que eu quisesse isso ou esperasse por isso. Mas eu precisava admitir que o mundo não girasse apenas em torno de nós. Eu ainda tinha amigos e queria também aproveitar meu tempo livre ao lado deles. E especialmente, tentar não sufocar o garoto que eu gosto com o meu amor exagerado.

Pensando nisso, eu resolvi reunir as minhas amigas aqui em casa hoje nesse domingo à noite para uma espécie de festinha do pijama.

Luiza foi à primeira chegar. Eu sentia tanta falta dela e dos nossos velhos tempos como irmãos inseparáveis que eu não me contive e a abracei apertado. Depois foi a vez da Natália chegar, eu a cumprimentei com beijinhos. Por fim, foi a vez da Gabriela, sempre tão bem humorada.

Sim, eu também a convidei. Porque depois de um tempo percebi que eu sou capaz de suportar dez Gabriela, mas nenhuma Maria Eduarda.

Falando na praga, ela está trancada em seu quarto com sua única amiguinha, a Tatiana. Deve estar morrendo de inveja de mim, como sempre. Isso já não é novidade para ninguém. Essa festinha não é só para reunir as minhas amigas, mas também para mostrar para ela que eu sempre serei melhor que ela em tudo. Então ela já pode parar de tentar me sabotar.

Nós subimos para o meu quarto, onde eu já havia deixado tudo preparado: espalhei os colchões e almofadas pelo chão, encomendei quitutes, deixei o ambiente climatizado, como se estivéssemos em um cinema particular, selecionei os melhores filmes e pesquisei alguns tipos de brincadeiras.

Essa noite seria incrível.

Estranhei a Luiza e Natália estarem de conversinha fiada. Algo quase que secreto que elas não queriam compartilhar em voz alta. Uma Gabi bastante ranzinza jogou-se na minha cama e suspirou frustrada. Ela parecia muito cansada e sem paciência.

Será que estava tão ruim assim? Eu preparei tudo com tanto cuidado.

— Meninas, fiquem a vontade. – digo, fechando a porta do meu quarto para a coisinha ali do lado não resolver invadir o meu espaço.

Enquanto observei a Luiza e a Natália atacarem os docinhos, eu me sentei na minha cama, ao lado da Gabriela e resolvi quebrar o clima tenso entre nós com uma piadinha.

— Nossa, você parece tão empolgada pra hoje a noite. – disse eu, irônica e sorridente. Ela deveria se sentir uma garota de sorte por eu não mais odiá-la tanto quanto eu odiava minha prima ou costumava odiá-la quando ela implicava comigo. Só que faz tempo que isso mudou. — Então, porque se deu o trabalho de vir?

— Sabe, eu realmente não queria estar aqui. – ela disse sem me olhar, fitando o meu teto cor-de-rosa cheio de estrelinhas brilhantes. — Foi mal. A festa tá incrível, mas eu estou cansada e só queria a minha cama. Mas meu pai insistiu assim que soube. Ele tá bem estranho comigo ultimamente e eu to com medo do que ele é capaz de fazer comigo.

— E desde quando você, Gabriela Noronha, sente medo?

— Você não entende. – ela revisou os olhos ao olhar pra mim por um curto momento. — Eu bem que queria fugir. Mas para onde eu iria? E também não duvido nada que ele esteja lá em baixo dentro do carro só esperando pelo momento que eu vou sair correndo daqui pelo portão.

Eu tive que rir.

Eu desconhecia aquele lado da Gabriela. Mas pelo visto ela continuava bem inteligente. Eu particularmente não teria pensando por esse lado, eu simplesmente teria fugido assim que pudesse se não tivesse gostando de onde estava.

— Já que você não tem muitas escolhas, pelo menos aproveita.

Assistíamos a uns dois filmes, comemos pipoca, tiramos algumas fotos para postar no Instagram e demos algumas risadas. Eu acendi as luzes e liguei o som baixinho ao escolher uma playlist qualquer. Quando me voltei para as meninas me surpreendi com duas coisas: Luiza estava limpando o canto da boca suja de chocolate da Nati com muito cuidado e intimidade. Gabriela por sua vez estava dormindo, toda escolhida na minha cama. Ela parecia tão frágil que eu não tive coragem de despertá-la e simplesmente resolvi deixa-la assim para ela descansar.

Chamei as outras duas, interrompendo o momento delas, e me sentei no colchão no chão ao sugerir que jogássemos alguma coisa para passar o tempo. Elas se sentaram próximas a mim, também em cima do colchão.

— Como faz um tempão que a gente não conversa... Que tal se compartilhássemos entre nós coisas que as outras não sabem?

— Como assim? – perguntou a Nati, meio confusa. — Uma troca de segredos?

Assenti. Era mais ou menos isso. Eu estava mesmo querendo ter respostas para algumas suspeitas minhas, mas nunca teria coragem de perguntar na lata. Eu não era tão cara de pau assim. E queria que as minhas amigas se sentissem a vontade o suficiente para contar coisas para mim que eu não precisava perguntar diretamente.

— Começa você, então. – pediu a Luiza, sorrindo de um jeito bem insinuante. Eu ri, mas não vi problema algum em começar.

— O.K. – pensei um pouco. O que eu poderia dividir com elas?

Eu não tinha muito o que compartilhar. Minha vida era praticamente um livro aberto. Eu tinha pelo menos dois segredos. Um deles era a minha doença, algo que de jeito nenhum eu admitiria a elas. E a outro era sobre a minha paixão pelo Felipe, que parecia o melhor a se confessar, já que não era algo ruim. Mas e a coragem, onde estava?

— O Felipe me beijou. Pronto. – eu ri. — Falei. Agora é a vez de quem?

Elas se entreolharam surpresas e depois caíram na risada.

— Ah não, queremos detalhes. – interviu a Luiza. — Como foi? Quando aconteceu? Você gosta dele?

— Não, não é isso. – eu menti, na maior cara dura. — Foi um beijo só, ué. Nada de mais. Eu acho que aconteceu semana passada. Mas foi só isso.

Não foi só isso, eu sabia muito bem. Mas eu ainda não tinha coragem para falar dos meus sentimentos por ele assim tão abertamente. E também nem sabia se ele queria que os outros soubessem de algo que era só nosso.

Por isso menti e poupei os mínimos detalhes.

— Tá... Então é a minha vez. – Luiza estufou o peito, reunindo coragem e evitando olhar pra gente. — Eu estou gostando de outra garota.

— O quê? – praticamente gritei, surpresa. — Mas e a Aline?

— Nós terminamos faz um tempinho. – ela admitiu agora me olhando nos olhos. — Desculpa por... Não ter te contado antes. É que já faz um tempo que eu to gostando de outra e de qualquer forma não daria certo mesmo entre nós duas.

— Tá. – em parte eu estava triste e ofendida por termos nos tornado tão distantes a ponto de pararmos de compartilharmos esse tipo de coisa, por outro lado eu estava feliz por ela. Tem algo melhor do que esta apaixonada? — E quem é ela?

Luiza corou no mesmo instante, passando a mão pela testa em sinal de seu nervosismo por ter simplesmente tocado no assunto. Para minha total surpresa a Natália riu. E ela bem que tentou se segurar, mas acabou não conseguindo. A reação da Luiza a tudo isso foi olhar para a ruiva com uma careta repreendedora, como se pedisse secretamente que ela não fizesse aquilo. No mesmo instante a Nati se conteve e pela forma peculiar que elas se entreolharam eu entendi tudo, porque não sou cega.

— Meu Deus! Como eu não percebi antes. – levei as duas mãos até a boca, alternado o olhar entre elas. — Agora tudo faz sentido: primeiro a Nati e o Pedro dão um tempo. Parece nunca se entenderem, apesar de se esforçarem ao máximo para isso. Depois a Luiza começa a namorar a Aline, mas isso só dura um pouco mais de um mês. Tudo isso por que... Vocês se gostam. Não é isso? Vocês estão juntas! Ai. Meu. Deus. Porque não me disseram isso antes?

Eu poderia ter muito bem ter agredido as duas por terem escondido isso de mim. Era inadmissível. Mas a minha reação foi pular sobre as duas, puxando-as para um abraço quase sufocante. Eu estava tão feliz por elas!


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Notas finais do capítulo

Quando eu reli esse capítulo encontrei muitos erros, portanto se alguma de vocês encontrarem outros erros me avisem, por favor. Para eu poder corrigir. E não esqueçam de comentar. Por exemplo, o que vocês acharam da reação da Bianca ao descobrir sobre o namoro quase secreto entre a Luiza e a Nati? E sobre a internação da Gabriela, vocês apoiam ou não?