Todos Iguais escrita por Mi Freire


Capítulo 23
Felipe




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Eu estava no meu quarto ouvindo meus pais conversarem na sala assistindo ao Jornal Nacional, tentando terminar meu trabalho de Sociologia para próxima semana, quando a sensação da Gabriela beijando meus lábios com doçura e ao mesmo tempo certa agressividade fez meu corpo dar aquela estremecida só de pensar o quanto eu queria que aquilo se repetisse.

Eu ainda estava tentando entender o porquê de uma hora para outra ela avançou em cima de mim. Mas agora nada disso importava. Não foi um beijo de cinema. Sim, tivemos plateia. O que foi bem constrangedor. Mas foi bom o bastante para eu não acreditar se foi real ou um sonho. E também, depois que seus lábios estavam nos meus eu já não mais me importava com nada, eu só queria saborear aquele momento como se fosse único.

Só que às vezes a nossa cabeça precisa de algumas respostas para assimilar determinadas coisas. De qualquer forma eu não ia conseguir terminar aquele trabalho mesmo, já que por dentro a curiosidade me corroia. Sendo assim, deixei tudo de lado, calcei meu All Star e saí de casa.

Eu precisava falar com a Gabriela. Tipo, agora mesmo.

Internamente eu estava torcendo para que o Pedro abrisse a porta de sua casa pra mim. Ou até mesmo a própria Gabriela. Mas quem abriu a porta foi à mãe deles. No primeiro momento eu fiquei estado de choque, até ela arquear a sobrancelha escura pra mim, como quem se pergunta o que diabos eu estava fazendo ali àquela hora da noite.

— A Gabi está? – resolvi arriscar.

A mulher – que infelizmente eu tinha esquecido o nome – deu espaço para eu entrar na casa. Olhei em volta: nada do Pedro, nada da Gabriela. Mas lá estava o pai deles, estirado no sofá bem à vontade vendo tevê.

— Olha – ele virou-se para mim, quando percebeu a minha presença. Eu estava mesmo muito sem graça, mas não queria isso deixar transparecer tanto. — normalmente eu não deixaria que um garoto até então desconhecido entrasse no quarto da minha filha, mas ela chegou bem esquisita hoje e eu acho que ter um amigo nessas horas seria bom para ela.

Acho que entendi o recado.

Eu sorri agradecido e subi as escadas rumo ao andar superior.

Bati na porta do quarto da Gabriela - que eu bem conhecia - uma centena de vezes. Não me aguentei por muito tempo e resolvi entrar, mesmo sem saber ao certo o que encontraria do outro lado.

Ela não estava ouvindo musica nos fones de ouvidos, nem estudando ou lendo, muito menos pelada ou enrolada em uma toalha. Ela estava caída no chão, inconsciente. E minha primeira reação foi arregalar os olhos de surpresa com aquela cena e depois eu corri até ela, abaixando-me.

— Gabi? – tive medo de tocá-la, mas toquei mesmo assim. Sentindo sua pele bem gelada. Mas ela respirava, o que era um alívio e tanto. — Gabriela! Por favor, acorda.

Pensei por um momento: o que eu deveria fazer? Chamar uma ambulância? Gritar por seus pais? Ou resolver sozinho aquela situação? Coloquei-me no lugar da Gabi, só para tentar desvendar como mais ou menos ela preferira que eu agisse. Assim foi fácil achar um resposta.

Peguei-a nos braços com toda dificuldade do mundo e a coloquei cuidadosamente sobre a cama. Afastei os cabelos suados dela de seu rosto e a contemplei por alguns segundos. Enquanto analisava cada detalhe, por menor que fosse de seu rosto angelical, fiquei pensando porque ela havia desmaiado. Tive medo da resposta.

— Felipe? – ela enfim resolveu abrir os olhos, com certa dificuldade. Respirando normalmente. O peito subindo e descendo devagar. — O que você está fazendo aqui no meu quarto? – ela olhou em volta, meio perdida e passou a mão na testa, como quem sente dor.

— Você está bem? – aproximei-me mais um tanto, preocupado com o estado dela. — Gabriela, o que aconteceu?

— Sim, sim. Não se preocupe. – ela conseguiu se sentar sozinha, um pouco desorientada. Dei a ela alguns minutos, para que ela pudesse lembrar-se do que de fato aconteceu antes de tudo apagar. — Eu estou bem.

Suspirei aliviado.

— Gabriela, não vai me dizer que novamente você se envolveu com drogas? – tentei soar duro, como um pai com a sua filha. — Você prometeu ao medico, prometeu aos seus pais e ao seu irmão que não voltaria a fazer isso.

Ela riu, voltando ao seu normal.

— E você realmente acreditou nisso? – era uma pergunta retórica. Como reprovação, apenas balancei a cabeça de um lado para o outro. — Olha, não foi nada de mais. Apenas um descuido. Eu precisava... ah, deixa pra lá.

Queria esgana-la. Mas ao mesmo tempo eu queria que ela fosse um pouco mais aberta comigo e me contasse pelo que ela estava passando que a fazia cometer esses tais descuidos. Todo mundo está careca de saber que drogas é coisa séria. Levando as pessoas a perdem a noção de tudo. E o tratamento para a cura é intenso. Mas antes você precisa reconhecer que está indo longe demais. E só assim as pessoas que mais te amam e que estão sempre ao seu lado serão capaz de ajudar.

— Eu estou preocupado com você. – sentei-me em sua cama, após colocar algumas coisas para o lado para me dar espaço. Eu olhava bem para ela, mas ela não olhava para mim.

Eu podia ver que ela estava com problemas, estava escondendo coisas, que estava passando por uma fase complica, mas sabia também que ela raramente sente vergonha do que faz e isso é um problemão.

— Não precisar ficar, sério. – enfim ela ergueu os olhos ora verdes ora azuis para mim e sorriu de leve. — Eu já estou bem. Só não conte isso a ninguém, por favor. Você me promete?

Eu não poderia negar um pedido assim a ela.

— Prometo.

— Obrigada.

Ela tocou a minha mão em um gesto intimo e novamente eu senti aquele tremor se espalhar por todo meu corpo. Foi então que eu me lembrei do meu verdadeiro motivo de estar ali aquela noite de sexta-feira.

— Você ainda não respondeu a minha pergunta. – ela quebra o silêncio, quase como quem lê meus pensamentos. — O que tá fazendo aqui?

Eu ainda não tinha certeza, mas me parecia que ela estava melhor do que nunca, então eu podia relaxar agora.

— Ah, não é nada.

— É pelo beijo, não é?

Antes que eu pudesse negar - mentindo bem do jeito que só eu sabia - o pai dela entrou no quarto após dar uma batidinha na porta.

— Acabei de pedir pizza. Vocês querem?

Uma coisa era certa: eu nunca me imaginei sentado em uma mesa com os pais da Gabriela, comendo pizza e tomando refrigerante em uma sexta-feira à noite quando na verdade eu tinha em mente tudo, menos aquilo. Por fim, até que acabei me saindo muito bem. Respondi a todas as perguntas de seu pai. Porque pelo visto ele estava bem curioso a meu respeito e tentei parecer o mais educado possível.

Por outro lado estranhei a Gabriela está tão calada ao meu lado, concentrada em seu pedaço de pizza, não olhando para ninguém em particular. Sua mãe por sua vez também parecia bem distante e vez em outra olhava para filha como quem pede desculpas silenciosamente por alguma coisa só delas.

Mas e o Pedro, onde estava?

Não em casa, como deu bem pra perceber.

As onze e meia voltei para casa.

Rafael resolveu me ligar no outro dia às nove da manhã, eu nem tinha acordado ainda e fui desperto pelo toque do meu celular. Ele foi o primeiro a me desejar felicidades e todas essas coisas que dizemos aos aniversariamente. Agradeci mesmo não estando nenhum pouco animado para esse grande dia, nem mesmo para a festa mais tarde.

Consegui me surpreender àquela manhã ao sentar-me a mesa para o café da manhã quando meus pais resmungaram um “feliz aniversário” que quase não deu para escutar. Ainda assim sorri e logo em seguida, como uma forma de me recompensar, eles me derem uma quantia de dinheiro razoável para gastar como se aquilo pudesse me compensar. Convenhamos que dinheiro não era exatamente o que eu queria naquele dia.

Aproveitei quando eles saíram – como se estivessem fugindo de mim ou simplesmente evitando ter que olhar para minha cara – e fiquei o resto da manhã deitado no sofá assistindo os desenhos do Cartoon Network.

Como eu estava sozinho em casa acabei preparando um macarrão a base de alho e óleo para o almoço. Meus amigos continuaram a ligar conforme as horas iam passando, só para não deixar passar em branco aquela data que todos consideram especial, exceto eu e meus pais. Eu sentia falta do meu irmão, o Guilherme, hoje mais do que nunca.

O segundo a ligar foi o Pedro e depois a Natália. E Gabriela deixou uma mensagem de texto bem esquisita, mas eu gostei. Luiza postou uma das nossa raras fotos no Facebook e escreveu um pequeno texto para mim. E a Bianca ainda não havia se manifestado. Isso me deixou triste, eu nem sei bem por quê. Esperava que ela – que confessou gostar de mim - me deixasse uma mensagem simples pelo menos no WhatsApp ou no Facebook.

A verdade é que a Bianca tem agido bem estranho, não só comigo, desde o dia ela me disse com todas as palavras: Eu gosto de você. E eu, idiota como sempre fui, acabei falando sobre os meus sentimentos pela Gabriela, quando na verdade se tratava dos sentimentos da Bianca.

Mesmo que eu não goste dela – não do jeito que ela gostaria – eu deveria ter sido mais sensível. Mas não. Eu agi feito um babaca e coloquei o que eu sinto por outra garota acima de tudo e acabei feriando-a. Eu percebi isso através do olhar de magoa dela sempre que olha pra mim.

Eu não esperava que uma garota como ela, que pode de tudo e todos aos seus pés, pudesse se interessar por um garoto sem graça feito eu. Nós não temos nada em comum, além dos amigos. Isso é tão novo e estranho para mim. Parece quase errado. E deve ter sido por isso, como se eu não acreditasse no que ela me disse, que eu tenha sido um imbecil com ela.

A gente tem se aproximado bastante desde que ficamos presos no colégio depois da aula. Uma intimida que eu nunca tive antes com ninguém e nem pensei que pudesse ter logo com ela. Isso é tão esquisito! Afinal, antes eu não ia nenhum pouco com a cara dela. Não que eu tivesse algo contra. Na verdade eu nem sabia o que exatamente eu não gostava dela, já que ela nunca fez nada contra mim. Eu simplesmente a subestimava e acabei me enganando completamente. Já que ela é uma garota surpreendente, mesmo com todos os defeitos do mundo.

Eu já não sei mais dizer o que sinto ou oque penso em relação a ela. O que eu sei é que desde que a flagrei no banheiro daquela festa colocando tudo que havia comido para fora, eu senti instantaneamente uma vontade grande de ajuda-la, sem nem saber bem qual é o seu problema. Pelo menos agora eu sei que ela tem um. Mas não sei por que ela ainda não procurou a ajuda de ninguém, nem mesma da Luiza, sua melhor amiga.

E agora, mais do que nunca, eu me sinto conectado a ela, quase como se eu devesse protegê-la ou auxilia-la no que fosse preciso. Como se de alguma forma eu devesse isso a ela, por ter partido seu coração por gostar de outra e não poder corresponder aos seus sentimentos, que me parecem tão puros e verdadeiros. Nunca antes alguém olhou no fundo dos meus olhos e através de um simples olhar e poucas palavras conseguiu me fazer sentir tão estranhamente bem por saber que ao menos existe alguém nesse mundo pode gostar de mim pelo que eu sou.

Como eu poderia ajuda-la se ela tem se afastado de mim cada vez mais? Ela ainda é a mesma, eu sei que no fundo ela ainda é aquela Bianca que eu conheci. Mas que por alguma razão tem agindo muito estranho e diferente nos últimos dias, quase como se quisesse ser outra pessoa. Ela até mudou de estilo. Usando coisas que não tem nada a ver com ela. Eu nunca pensei que pudesse dizer que sinto tanta falta do jeito de patricinha dela de antes, com muito cor-de-rosa, brilho e roupas caras.

Talvez isso tenha algo a ver com a volta do seu ex-namorado. Para ser bem sincero, o cara não parece ruim. Eles são até parecidos. Ambos bonitos, vaidosos e ricos. Mas eu não gostei nenhum pouco de vê-los juntos, quase como se ela estivesse me traindo, aparecendo com outro logo depois de dizer que gostava de mim. Talvez isso soe um tanto egoísta e rude, mas não é como se eu pudesse evitar me senti incomodado com a volta dele.

Mas tem também a Gabriela e todos os sentimentos profundos e intensos que eu continuo a nutrir por ela, mesmo sabendo que ela não gosta de mim igualmente. Assim é fácil me colocar no lugar da Bianca e saber como ela se sente sendo rejeitada pela pessoa que gosta. Que é o meu caso quando se trata da Gabriela que é uma confusão de garota. Pensando melhor, eu não sei bem porque, mas me parece que as garotas mais complicadas sempre acabam no meu caminho.

Às seis da tarde desligo meu computador após dar uma olhada rápida nas minhas redes sociais e vou direto para o banho. Lá fora está um clima agradável, nem frio nem calor. Sendo assim, visto um jeans marrom escuro e uma camiseta verde musgo sem estampa. Coloco meu All Star preto e dou uma ajeitada básica no meu topete.

Como nós combinamos na sexta-feira, fariam uma festinha intima para mim no quintal da casa da Natália. Mas chegando lá não foi uma coisa simples que encontrei não. Apesar de poucas pessoas, o lugar amplo estava decorado com bexigas coloridas. De um lado tinha uma mesa pequena com uma toalha clara cheia dos meus doces e salgados preferidos. Do outro lado um balde grande cheio de gelo e bebida. Algumas cadeiras ali, outras acolá. E por fim vi o Rafael fuçando em um aparelho de som lá atrás e o Pedro na churrasqueira com a Nati ao lado ajudando-o a acender o fogo.

Todos pararam para me cumprimentar com sorrisos e abraços calorosos. Pedro me oferece uma cerveja, eu aceitei. Aquilo só estava mesmo acontecendo porque todos contribuíram com dinheiro e a boa disposição. Eu não poderia estar mais satisfeito.

Vi a Bianca em um canto, a única que não havia me cumprimentado até então. Eu logo vi por que: ela estava acompanhada naquele começo de noite. Tentei não ficar olhando muito para os dois.

Pelo que a Nati disse sua mãe havia ido passar uma noite na casa de umas amigas e levado seu irmãozinho. Isso queria dizer que poderíamos fazer bagunça a noite inteira. Rafael ligou o som, colocando uma música que se não me engano é daquela cantora brasileira chamada Anitta-não-sei-das-quantas.

Rafael também havia convidado para nossa festinha a tal prima da Bianca, Maria Eduarda. Eu praticamente mal falei com ela desde que ela chegou. O que sinto por ela vai nada além de indiferença. E ela chamou a tal Tatiana, lá do colégio, também do terceiro ano. As duas andam justas para cima e para baixo por toda parte. São quase cúmplices.

Luiza está sentada em uma das cadeiras espalhadas pelo quintal com a namorada, Aline, ao lado. As duas conversavam animadoramente como se o fundo exterior não existisse. Tive a oportunidade de conhecer a Aline alguns dias atrás e até que achei ela legal, bem simpática e extrovertida.

Giro o corpo em direção à porta dos fundos da casa quando vejo a Gabriela saindo de lá e passando a mão nos cabelos volumosos. Sorrio no mesmo instante, apreciando sua beleza exótica. Para a minha surpresa ela se aproxima, dá um beijinho no canto da minha boca e sorri afetada.

Eu não faço ideia do porque ela esta agindo assim comigo, quando na verdade dias atrás ela parecia me ignorar na maior parte do tempo.

Talvez seja porque agora temos um segredinho.

— Vem, vamos dançar. – ela me puxa pelo braço, praticamente derramando a minha cerveja no chão. Vejo de relance a Bianca do outro lado do quintal olhando para nós. — Vamos mostrar para aqueles três como é que se dança de verdade.

Gabi se refere ao Rafael, a Duda e a Tati. Nesse momento as duas garotas estão dançando em volta do Rafael como se tivessem passado as ultimas horas de suas vidas ensaiando a tal coreografia e aquilo fosse à coisa mais importante de suas vidas. Ele, claro, nunca deve ter se sentido tão privilegiado por ter a atenção total de duas garotas ao mesmo tempo.

— Não! Nem pensar, Gabi. – eu rio, tentando manter meu corpo firme no chão. — Eu não sei se você sabe, mas eu não curto essas coisas.

Ela revira os olhos, depois me mostra a língua e sai trotando até o fundo do quintal, onde os outros três estão dançando e faz seu próprio showzinho particular para chamar a atenção de todos.

Ela sempre consegue.

Aproveito que o Pedro e Nati não estão se agarrando e me aproximo deles, perto da churrasqueira, para conversar enquanto tomo uma cerveja atrás da outra. Não demora muito para a Gabi começar a discutir com o Rafael, pedindo que ele mude de musica. Por incrível que pareça a Bianca está do lado da Gabi nesse momento, concordando com tudo que ela diz em forma de protesto e ignorando a cara feia da prima.

Rafael parece irredutível, recebendo o apoio de suas convidadas.

Gabriela por sua vez puxa a Bianca pelo braço e vão até o aparelho de som, mudando elas mesmas para musicas mais agradáveis até mesmo para os meus ouvidos. As duas começaram a dançar juntas, como se estivessem em uma festa que está bombando. Nunca estive estão espantado.

Quando foi que elas se tornaram tão próximas?

Volto meus olhos para o tal Danilo um pouco mais afastado do grupo que ainda discuti por causa do som. Ele não tira os olhos da Bianca, parece quase fascinado. E ela dança como nunca, sorrindo muito e olhando sem parar na direção dele, como quem está dançando para ele.

Ver essa cena faz meu estomago embrulhar.

Eu não sei o que é isso que estou sentindo, mas deve ser algo muito parecido com ciúmes. Ciúmes de uma garota que até pouco tempo eu desprezava sem nem mesmo conhecê-la o bastante, sem nem mesmo ter um justifica coerente. Talvez fosse porque ela se achava superior demais para tudo e para todos. Ou porque ficava me olhando todo o tempo, como se estivesse debochando de mim. E agora, olha só para ela. Bianca está completamente mudada. Ou melhor, em parte sim, ela está. Porque de uma coisa eu sei: ela sempre vai ter aquele brilho próprio.

Como se não bastasse me sentir praticamente traído por ela estar dedicado sua atenção total ao Danilo, eu também fiquei furioso e incomodado quando ela o convidou para dançar e começou a esfregar seu corpo no dele freneticamente. O imbecil sorria sem parar, adorando aquela situação. Que garoto não iria gostar? Eles pareciam bem íntimos, bem próximos e entrosados e isso estava me dando nos nervos.

Afinal, ela gosta de mim, não gosta? Ou pelo menos gostava.

Passo nervosamente as mãos pelos cabelos, bagunçado os fios.

Vou até a mesa de petiscos, tentando não olhar muito para a “pista de dança” improvisada onde estão todos dançando uma musica pop qualquer e pego dois brigadeiros e não muito longe dali, mais uma cerveja.

O tempo passa.

A noite que tinha tudo para ser inesquecível acabou se tornando bem estranha conforme as horas foram passando. Eu perdi completamente a noção das coisas. Bebi mais do que o normal e me incomodei com coisas ridiculamente estúpidas. Comi tudo que tinha direito e até tentei conversar com quem estava por perto, mas não conseguia parar de olhar para Bianca agora no colo do Danilo e a Gabriela abaixando o nível, tentando disputar espaço com a tal Maria Eduarda e a Tatiana.

De repente estavam todos fora de si.

— Eu vou lá dentro. Já volto. – disse ao me levantar para a Luiza e para a Aline, a quem eu tive a oportunidade de conhecer melhor agora.

Eu precisava muito usar o banheiro. E pelo caminho acabei dando de cara com a Bianca voltando do mesmo. Eu nem tinha percebido que ela enfim tinha largado o namoradinho novo. Mas aquilo pareceu não importar tanto, não quando ela estava bem na minha frente. Perguntei-me mentalmente se ela estava vomitando no banheiro.

— Ah, antes que seja tarde demais: Feliz Aniversário! – ela disse sorrindo, antes que eu pudesse dizer qualquer coisa ela me abraçou, deixando-me paralisado com a sua atitude repentina.

Eu já estava meio tonto por conta da bebida e processava muito lentamente por isso não tive nem tempo de agradecer quando ela foi mais rápida e me puxou pelo braço, levando-me até a sala de estar.

— Comprei isso para você. Espero que goste. – ela sorriu timidamente ao me entregar um embrulho muito parecido com um... Livro?

Surpreso e ansioso rasguei o embrulho com os dentes e ela riu.

Ela foi a ultima a me desejar os parabéns e a única a me presentear.

Quanto ao presente ela acertou em cheio: dando-me uma revista exclusiva da Marvel. Eu passei os dois últimos meses atrás dessa revista e não encontrei em nenhuma parte. E agora ela estava bem ali, em minhas mãos enfim. Eu mal podia conter a alegria. Como um garotinho que acaba de ganhar sua primeira bicicleta na vida.

O que ninguém sabe é que aquilo era muito importante para mim, pois eu e meu irmão costumávamos colecionar juntos esses quadrinhos dos nossos heróis favoritos e agora ele não está mais presente em minha vida e eu decidi que continuaria nossa coleção até que não houvesse mais espaço para mais nada em nosso quarto, só para continuar mantendo-o vivo em mim.

Para todo o sempre.

— Nossa! Obrigado. Eu nem sei o que dizer.

— Nem precisa. Ela é toda sua.

— Obrigado, mesmo. Mas como você sabia?

— Eu imaginei.

— E como você conseguiu comprar?

— Ah, eu tenho meus contatos.

Eu sorri e ela riu por longos segundos quando eu me vi vidrado no rosto angelical dela, no nariz afilado dela, nos olhos verdes dela, na boca pequena dela cheia de batom e agora nas roupas pretas dela e maquiagem escura.

E então eu me lembrei de que nada daquilo tinha a ver com ela.

— Você deveria voltar a se vestir como antes

Surpresa com o meu comentário ela parou de rir.

— O quê? Desculpa, Fê. Mas não entendi o que você disse.

Era a primeira vez que ela me chamava assim, tão intimamente e eu adorei ouvir meu único apelido - por mais bobo que seja - vindo da boca dela, com a voz dela. Parecia tão diferente, tão melhor.

O que diabos está acontecendo comigo?

— Eu disse que você deveria voltar a usar suas antigas roupas. Aqueles seus vestidinhos, os casacos, as tiaras e sapatilhas. E não essas aí rasgadas, ou muito escura e grandes demais para você. Porque nada disso se parece com você. Se é que você me entende.

— Mas eu pensei que você gostasse assim. – ela franziu o cenho, evidentemente confusa. — Então... Você não prefere assim?

O que eu preferia ou não tinha a ver com tudo isso?

De repente tudo fez sentido na minha cabeça. Ai meu Deus, como eu sou lerdo! Bianca mudou radicalmente de visual depois daquela nossa conversa um tanto confusa lá no colégio, após termos tentado falar sobre seus problemas alimentares e sobre os sentimentos dela por mim. E então eu fui bem babaca e mais uma vez acabei falando do meu amor pela Gabriela e estraguei tudo. No outro dia ela apareceu assim no colégio, com essas roupas que são a cara da...Gabriela! É isso: ela fez tudo isso por mim. Para chamar a minha atenção. Para fazer com que eu gostasse dela do mesmo jeito ou ainda mais do que eu gosto da Gabriela. Mas o que ela não sabe - e nem mesmo eu sabia até então - é que ela não precisa se esforçar tanto para despertar em mim sentimentos inexplicáveis. Pois só agora me dei conta de que eu gosto dela do jeitinho que ela é e sempre foi.

Deixei meu presente de lado, sobre o braço do sofá, e cuidadosamente dei um passo à frente, diminuindo a distancia entre nós. Ela arregalou os olhos, surpresa com a minha atitude. Eu também estava bem surpreso e nervoso. Meu coração batia acelerado dentro do peito. Então como se eu não tivesse controle sobre meu próprio corpo minhas mãos foram parar em seu rosto, onde com a ponta do dedão eu acariciei sua bochecha macia.

— O que eu prefiro é que você seja você.

Por um momento eu achei que teria coragem suficiente para beija-la ali, no meio daquela sala vazia, enquanto todo o resto estava lá fora curtindo a minha festa de aniversário e dentro de mim estava uma confusão de sentimentos. Mas aí, para estragar tudo, o Danilo apareceu e eu me afastei rapidamente, antes que ele visse coisas que não existiam.

Ou não costumavam existir.

Pelo visto ele não viu nada mesmo, apenas uma conversa simples entre dois amigos. E ele a abraçou por trás, beijando o pescoço dela e a fazendo rir timidamente. E só depois ele se deu conta de que eu estava bem ali ou ele fez tudo aquilo diante de mim só para ver a minha reação.

Não esbocei nenhuma, se você quer saber.

— Ah, olá aniversariante. – praticamente depois de três horas desde que cheguei ele resolve me cumprimentar. — Tá gostando da festa?

Respondi-o educadamente ao virar-me de costas para guardar o meu presente no rack da sala da Nati. Depois voltei lá para fora, deixando os bombinhos mais a vontade lá dentro e peguei outra cerveja.

Sentei-me em uma cadeira mais afastada dando logo em seguida um gole bem grande na minha cerveja e dei uma boa olhada em volta.

Pedro e Natália ainda cuidavam da churrasqueira. Agora abraçados, conversando baixinho um no ouvido do outro enquanto sorriam. Luiza e Aline tomaram a “pista de dança” ao som de Demi Lovato. Maria Eduarda, Rafael, Tatiana e Gabriela estavam jogando Uno como quem está competindo em uma partida importante de futebol na Copa do Mundo. E Bianca e Danilo saíram lá de dentro e foram sentar onde estavam antes.

Eu estava bem confuso, agindo muito mais estranho que o normal e me sentindo bastante solitário. Como se estivesse sobrando. E aí a minha mente se encheu com uma enxurrada de pensamentos negativos. Alguns sobre o envolvimento da Gabriela com as drogas e tudo que eu sentia por ela, outros sobre a minha aproximação com a Bianca e tudo que ela me diz sempre que nos encontramos tendo um forte impacto em mim e por fim, a falta que eu sinto do meu irmão e no quanto eu gostaria que ele estivesse ali me ajudando a entender o que era aquela bagunça de sentimentos.

Eu já deveria ter aprendido que não se pode esquecer os problemas criando outros. Um bom exemplo para isso é a Gabriela está metida com drogas seja lá quais foram às dificuldades - dificuldades que ela não compartilha com ninguém - que ela vem sofrendo. Outro exemplo também era o da Bianca que parecia ser a garota mais perfeito do mundo, mas que no fundo escondia problemas alimentares só porque ela se vê na obrigação de estar sempre bela para tudo e para todos.

As duas garotas que vem sondado meus pensamentos praticamente vinte quatro horas por dia no ultimo mês. Não dá pra dizer com quem eu me preocupo mais, qual das duas eu gostaria de poder ajudar mais ou de quem eu gosto mais. O que dá pra dizer é que ambas mechem seriamente comigo de formas bem diferentes e que quero, de verdade, poder ajudar as duas e mostrar que existem caminhos melhores para elas superarem o que quer que seja que esteja atormentando seus pensamentos.

Do jeito mesmo que eu fiz para superar a perda do meu irmão.

Claro que nem sempre é fácil, pois alguns dias são bem mais duros que outros. Mas é sim possível seguir em frente, sermos melhores do que somos e enfrentar as dificuldades sem precisar nos machucar tanto, trazendo drásticas consequências para o futuro.

Tudo se é possível quando acreditamos.

Isso é clichê? Claro que é! Mas é a mais pura verdade.

São tantos problemas. Os meus, os delas, o de todo mundo. São tantas coisas para pensar, para se fazer, para refletir. São tantas dificuldades, momentos, sentimentos, palavras. São tantos desejos, alegrias, tristezas, lembranças. Tudo isso é tão duro para se lidar sozinho, que às vezes parece impossível, mas não é. Nunca é.

Só não quero ter que ficar pensando em tudo isso agora. Não na noite em comemoração ao meu aniversário.

O céu já está escuro há tanto tempo e eu nem me dei conta de que há tantas estrelas no céu nesse momento. A lua está cheia e amarelada. É perfeita! Vou até o balde de bebidas e pego outra cerveja, levantando-a em direção ao céu, pensando no meu irmão e imaginando que ele também está fazendo parte daquela festa e digo alto, fazendo todos olharem para mim:

— Eu gostaria de fazer um brinde a essa noite.


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Notas finais do capítulo

O que vocês acham: Felipe deveria ficar com a Bianca ou com a Gabriela?