Logo que abri o diário da minha mãe, percebi que era desorganizado: Não havia data nem ao menos o mês. Ele apenas começava com “Querido Diário” e continuava com textos curtos, parecia que ela o usava mais como um bloco de notas contando o mais relevante em sua vida. As primeiras folhas estavam manchadas e não pude ler, fui passando as folhas rapidamente e fui desanimando, todas as folhas que eu passava estavam borradas até que quando eu estava chegando ao meio do diário apareceu uma sequencia de folhas com letras legíveis. Entusiasmei-me e logo comecei a ler:

“Querido Diário

Estou tão feliz! Adivinhe a boa noticia? Vou me casar! Espero que o noivo que papai arranjou seja bom. Desde pequena sonhei em casar-me e ter uma família grande.

Pelo que entendi, irei conhecê-lo hoje”

“Querido Diário

Meu casamento foi incrível! Teve dança, musica... Foi tudo muito lindo! Foi melhor do que eu imaginei. Ainda não acredito que papai escolheu como noivo meu melhor amigo, isso foi tão... WOOOW!

Fico tão feliz que não é alguém totalmente desconhecido!
Até mais!!”

“Querido Diário

Foi tão incrível te encontrar novamente. Li minhas bobagens anteriores e, meu Deus como eu era boba! Espero que ninguém leia isso, ficaria morrendo de vergonha! Estou escrevendo porque, como a minha memoria não é das melhores, tenho medo de esquecer. Tive um sonho no qual eu tinha filhos! Estou louca para ter filhos! Porque Joel não me engravida logo? Vou ficar muito brava com ele!!”

Comecei a rir das besteiras que minha mãe falava. Ela era meio boba acho que sei por que ela não queria que ninguém lesse. Continuei lendo para ver onde aquela história ia dar.

“Querido Diário

Ultimamente tenho vomitado muito e fui ao medico. E adivinha?

Estou gravida!! GRAVIDA!!

Menino ou menina? Quero os dois! Quero ter trinta filhos!”

“Querido Diário

Já se passaram 7 meses desde a ultima vez que eu escrevi certo?

Lembra quando eu falei que estava querendo ter uma menina e um menino?
Então... Estou grávida....

De GÊMEOS!”

Parei de ler em seguida.

Gêmeos?! Como assim gêmeos? Eu sempre fui filha única, desde que eu me lembre. Não era possível... Quero dizer... Meu irmão ou irmã morreu em seguida certo?!

Minha cabeça estava doendo. Por que nunca me contaram que eu tinha um irmão?

“Diário...

Hoje eu tive meus bebes... Mas, um deles... Ele morreu... Era um garotinho e a outra é uma garotinha.

Meu pobre menininho morreu. Joel está muito triste. Ele queria tanto um garoto, nem consegue olhar direito para ela.

O cordão umbilical dela estava no pescoço dele quando ele morreu. Foi terrível... Havia sangue na minha bolça. Tanto sangue que eu acreditei ter perdido os dois.

Pobre menininha... Tenho dó dela... Olhando assim, parece que ela matou seu próprio irmão...

Como ela foi à única que nasceu, sei que fará coisas maravilhosas em dobro. Por ela e pelo seu irmãozinho. Seu nome será Rebecca que quer dizer a escolhida...”

Parei de ler novamente. Fiquei observando aquele conjunto de letrinhas vazias que brincavam com a minha mente. Como eu podia ter um irmão? E, além disso, eu tinha o matado ainda no útero?! Aquilo estava confuso demais para mim. Eu não conseguia acreditar em nada que eu lia. Pensei em parar imediatamente, mas parecia que eu tinha me viciado naquelas palavras tremulas e continuei.

“Diário

Rebecca é tão linda e sua voz é tão doce, Joel está louco por ela. Ele brinca com ela direto e superou rápido a perca do menininho que ele tanto queria. Só que tem algo que me perturba. Seu cabelo é vermelho como sangue e isso é um pouco assustador. Os vizinhos não vêm em casa. Eles têm medo dela... Mas eu ainda amo aquela pequenina menina, sei que ela é uma boa garota.”

“Diário

Rebecca está ficando cada vez maior e... Ela anda falando sozinha ultimamente. Tenho medo... Ela conversa olhando para as paredes e hoje tomei coragem e perguntei-a com quem ela estava falando e ela me respondeu: Estou falando com meu amigo mamãe. Você quer brincar conosco?

Meu coração congelou naquele exato momento. Não havia criança nenhuma ali... Eu... Eu não posso acreditar no que está acontecendo...”

“Diário

Eu não aguento mais mudar de vila em vila parecendo cigano. Os vizinhos tem medo de nossa filha. Eles querem queima-la. Não posso deixar que isso aconteça!”

A letra da minha mãe se tornava cada vez mais ilegível a medida que eu passava de um dia para o outro era como se ela estivesse cada vez mais insana, louca, não sei bem o que dizer.

“Eu quase matei Rebecca hoje...

Ela estava falando sozinha hoje de novo e eu pedi para que ela parasse. Pedi para que ela fosse uma criança normal e ela olhou para mim e me disse:

Mamãe, Nathan mandou você parar de chorar as noites... Ele me disse que naquela noite que ele morreu não foi culpa de ninguém. Ele disse que está tudo bem. E que mesmo que você tenha tentado matar a gente ele diz que não guarda rancor nenhum!

Eu me desesperei, como Rebecca podia saber o nome que eu colocaria no bebe caso ele fosse menino? Como ela sabia que eu tentei abortar quando eu estava deprimida, logo nos primeiros meses? Como aquela garota sabe dessas coisas? Eu nunca contei para ninguém. Eu não aguentei fui para cima de Rebecca, Joel me segurou com força enquanto eu tentava matar minha própria filha...”

“Tenho medo do escuro...

Tem alguém me observando”

O ultimo texto estava escrito algo que era quase ilegível mas, com um pouco de sorte consegui ler:

“Não olho mais para Rebecca, mantenho-me longe dela. Tenho que acabar logo com isso”

Em seguida apenas um seguimento de folhas em branco. Fiquei um bom tempo olhando para o diário. Como minha mãe havia chegado a esse ponto? Eu fiquei sentada no chão por quase duas horas. Não conseguia me mexer. Era muita informação. Minha mãe tinha ido de uma pessoa tão alegre e boa para uma pessoa assustada e ruim em apenas uma gravidez? E logo a minha gravidez? O que diabos tem de errado comigo?

Continuei sentada no chão por mais um longo tempo, apenas escutando o tique-taque do relógio e o vento uivar lá fora.