Desvenda-me escrita por Mariii


Capítulo 6
Capítulo 6




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– Vamos, Sherlock! São só algumas ruas, não seja mais chato do que você já é. Por favor! Você vai acabar ficando enraizado nesse apartamento, não diga que não avisei.

A parte difícil de lidar com alguém que está cego é que você perde todo o apelo físico. Não adianta fazer cara de cachorro sem dono, fingir que vai chorar, fazer caretas... Nada. Restam só as palavras e muita paciência. Quando digo "muita paciência", eu quero dizer "uma paciência infinitamente gigante", porque é assim que funciona com Sherlock.

Eu estava - há quatro dias - tentando convencê-lo a irmos até o parque mais próximo à Baker Street. Nós treinamos tudo que podíamos dentro do apartamento, mas agora era necessário mostrar a ele que era possível andar pelas ruas. Já estava cansada de ficar limitado ao pequeno espaço que tínhamos e tenho certeza que Sherlock também, mas nunca assumiria. Ele nunca parava em casa antes, devia estar sendo o inferno para ele ficar tanto tempo sem fazer nada. Sei que ele lutava a cada minuto contra o tédio que o dominava e que isso estava deixando-o cada vez mais triste com a situação. Não podia deixá-lo afundar ainda mais nisso.

Nós também fomos a um especialista nesses últimos dias. Achei que seria uma chance dele andar pela cidade, mas Sherlock entrou no táxi e saiu da forma mais rápida que pode. A consulta não foi muito promissora. Ele teria que fazer uma bateria de exames e usar alguns colírios, mas as chances ainda eram muito pequenas, quase risíveis e isso não o deixou com o humor mais fácil. Porque nada podia ser fácil, é claro.

– Não vou sair assim, Molly. Eu já falei. - A voz dele é entediada, porque já tinha dito a mesma coisa várias vezes.

– Sherlock, você não é a primeira pessoa cega a pisar em Londres.

– As pessoas vão me ver assim e eu sairei nos jornais. - Não sei desde quando Sherlock se importava com o que diziam dele, mas estava fazendo isso agora.

– Olha... Você não vai ver, de qualquer forma.

Ele olha para minha direção e está ficando bom nisso, chega a parecer que ele está me encarando de verdade e eu acredito que queira me matar nesse momento.

– Não seja insuportável, Molly.

– Claro. Você já está sendo por nós dois, não é?

Mais uma vez nós caímos no silêncio emburrado. É nossa forma de demonstrar o quanto estamos insatisfeitos um com o outro, nosso sinal de que as coisas não estão bem. Como não há olhares, expressões ou caras feias, só nos restou o silêncio como forma de protesto.

– Molly... - Depois do que parece horas que estamos assim e eu já tinha me distraído com um livro, escuto ele me chamar. - Podemos ir depois que escurecer?
Ergo a sobrancelha, esquecendo-me que ele não me vê. Não estava esperando uma vitória tão imediata, achei que Sherlock prolongaria a situação por dias. Depois que perdeu a visão, falar se tornou uma necessidade para ele, diferente do que era antes.

– Sim. Podemos... - Eu sei que ele quer ir a noite para não ser reconhecido com facilidade, mas não digo nada. Já é uma quebra de paradigma ele aceitar sair, com o tempo conseguiria que ele parasse de se importar com todas as outras coisas que o estavam preocupando.

Com a ajuda de Mycroft e John, tínhamos conseguido alguns acessórios adaptados para Sherlock. Relógio, por exemplo. E descobri também que ele sabia um pouco de braile por conta de um caso em que tinha trabalhado. Tudo isso nos ajudou muito e Sherlock já estava quase totalmente independente. As coisas iam se ajeitando com o passar do tempo, não havia outra forma.

Quando a noite enfim cai, eu observo com um certo medo Sherlock descer as escadas. Ainda não tenho segurança quando ele faz isso, mas nenhum acidente acontece. É a primeira vez que ele anda de verdade pelas ruas e há complicações. Apesar de serem bem elaboradas para deficientes, ainda há problemas que só percebo agora - quando existe essa necessidade - coisas que nunca reparei enquanto andava distraidamente pela cidade.

Há buracos e degraus em demasia, além das coisas fora de lugar, como lixeiras. Preocupo-me mais do que achei que faria com Sherlock, mas tento não demonstrar e passar segurança para ele. Para ajudar ainda mais, como tivemos essa brilhante ideia de vir à noite nem eu estou enxergando tão bem assim.

– Se você for por aí vai morrer atropelado. Que tal se concentrar? Você não tinha problemas em desenhar um verdadeiro mapa dentro dessa sua cabeça antes. - O delicadamente pelo braço, colocando-o na direção correta.

– Você é tão gentil, Molly... - O sarcasmo é palpável na voz dele.

– Eu sei. - Digo com o mesmo sentimento que ele.

Ao chegar ao parque sinto-me aliviada, ao menos metade do caminho já foi e nós estamos vivos, sem nenhum arranhão. Faço com que ele se sente em um banco comigo e decido que é hora de falar sobre algo que tem rondando meus pensamentos desde que John o visitou.

– Por que você não quer ir ao casamento do Anderson?

A resposta demora tanto a vir que por um momento penso se Sherlock pode mesmo ter ficado surdo também. Nunca se sabe.

– Molly, isso é ridículo! E eu odeio festas. Ainda mais... - Eu espero, mas ele não completa a frase.

– Ainda mais o que, Sherlock?

– Não se faça de boba, não combina com você. Desse jeito. Como vou em uma festa desse jeito? Provavelmente roubarei a atenção da festa toda. O detetive que agora está cego. Todos só irão falar disso.

– Não seja ridículo, Sherlock. Ok, talvez você chame um pouquinho de atenção... Mas você precisa mostrar a eles! Mostrar que está dando a volta por cima, que você vai voltar a ser o mesmo.

– Eu mal consigo cortar meus alimentos, Molly. Nunca vou ser o mesmo. - Droga, sinto o nó se fechando em minha garganta. Não faça isso comigo de novo, Sherlock.

– Comeremos massa, então. - Tento usar de bom humor para quebrar o clima que se formou. Não, não voltaremos ao fundo do poço.

– Eu não vou, Molly.

– Preciso de um acompanhante...

Minha frase fica no ar e de novo o silêncio entre nós se forma. Talvez seja meio errado eu me aproveitar um pouco da gratidão que ele sente por mim, mas não me importo no momento. Fico calada, novamente em uma greve de conversa e sabemos que só estou esperando o aceite. Escuto ele murmurar um palavrão e já abro um sorriso.

– Pare de rir, Molly.

– Às vezes acho que você está fingindo que não enxerga. Como pode saber que estou rindo? - Agora eu começo a rir de verdade e ele me dá um sorriso torto, como se estivesse escondendo um segredo.

– Estou fingindo todo esse tempo só para ver se você fica sem roupas na minha frente.

– Não tinha pensado sobre isso... A partir de agora andarei nua pelo apartamento.

– Isso já é tortura, Molly.

Nós rimos abertamente e eu chego a perder o fôlego.

– Então... Você vai comigo? - Pergunto após me recuperar um pouco.

– Só se você me prometer andar nua apenas quando eu puder enxergar pelo menos as sombras.

– Prometido!

– Você venceu, Molly. - Ele suspira como se estivesse dizendo algo muito difícil, mas sei que se diverte tanto quanto a mim e temos consciência que na nossa guerra silenciosa, eu sempre sairei vencedora.


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Notas finais do capítulo

;)



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