Jogos Vorazes - Peeta Mellark escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 23
Parte 23




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Todos ficam em silencio. O cheiro do jantar preenche o ar. Minha barriga ronca. Estou faminto depois de tantas emoções.

— Vamos lá, vamos comer — diz Haymitch.

Todos vamos para a sala, mas minhas mãos estão derramando sangue. Portia sugere irmos até a ala de tratamento médico. Aceito imediatamente.

Quando chegamos lá, acho graça, pois até os médicos aqui, são coloridos. Suas roupas são brancas, mas o cabelo, e a pele, não. Eles limpam minhas mãos, depois passam um liquido gelado nelas. O sangue para de escorrer imediatamente. Enfaixam elas e me dispensam.

– Tive um trabalhão para explicar como isso aconteceu – Portia diz, quando saio da ala médica.

– Obrigado – Respondo. Não tenho vontade de dizer mais nada. Mas sorrio para ela que tem sido tão legal comigo, sem nem me conhecer direito.

Quando voltamos a sala de jantar, todos já terminaram de comer. Katniss me olha com muita culpa no olhar. Mas meu ressentimento está maior que minha compaixão. Me sirvo e como em silencio.

Quando termino de comer, vou para a sala de estar, onde estão todos me esperando para assistirmos a gravação das entrevistas. Quando chega a vez de Katniss, todos estão admirados. Não é para menos, ela está estonteante. Quando é minha vez de subir ao palco, todos ficam em silencio, como se estivessem absorvendo cada palavra que eu disse. A gravação termina. Mas o silencio continua. Não quero pensar que amanhã os jogos terão início. Apesar de oficialmente começarem depois das dez horas, para Katniss e eu, a preparação começara bem cedo.

Amanhã veremos apenas Portia e Cinna, pois Effie e Haymitch estarão muito ocupados correndo atrás de patrocinadores. As despedidas começam agora. Nunca gostei muito delas. Não é agora que vou gostar.

Effie toma nós dois pela mão e, com lágrimas nos olhos, nos deseja sorte. Agradece-nos por sermos os melhores tributos que ela já teve o privilégio de apadrinhar. E como se fosse para estragar tudo o que ela acabou de dizer, ela acrescenta:

— Eu não estaria nem um pouco surpresa se eu finalmente for promovida para um distrito decente no próximo ano!

Então ela nos beija nas bochechas e sai apressada.

Haymitch cruza os braços e olha para nós.

— Alguma palavra final como conselho? — pergunto, tentando disfarçar meu nervosismo.

— Quando o gongo soar, caiam fora de lá. Vocês nem serão vocês até o banho de sangue na Cornucópia. Só para deixar claro, ponham o máximo de distância possível entre vocês e os outros, e encontrem uma fonte de água. Entenderam?

— E depois disso? — Katniss pergunta.

— Fiquem vivos.

É a mesma coisa que ele disse no trem. Porém dessa vez, ele não está bêbado, nem rindo. Entendo agora, que esse sempre será o melhor conselho que ele já nos deu. Katniss e eu apenas assentimos. Não há nada mais para se dizer, e tenho certeza que não teremos uma despedida melosa com Haymitch.

Katniss sai da sala em direção a seu quarto. Quando estou indo atrás dela, Portia me barra, querendo saber se minhas mãos estão melhores. Tento não ser mal educado, já que tudo que ela quer, é saber se estou bem. Mas graças a isso, perdi talvez minha única oportunidade de despedir-me de Katniss.

Vou para o meu quarto, com a certeza de que não irei conseguir dormir. Ligo o chuveiro e fico ali, embaixo daquela agua, pensando.

Engraçado que eu sempre achei, mesmo antes dos jogos, que morrer não era uma opção. Mas agora eu tenho certeza que na situação em que me encontro, morrer não é mesmo uma opção. E sim, minha única alternativa.

Não me imagino matando alguém. Nunca matei nada, nem um inseto, ao menos. E agora, vou ser jogado numa arena, tendo que lutar não pela minha vida, mas pela de Katniss. Terei que matar alguém. Isso é um fato. Mas eu não quero isso, não quero ser um assassino. Esses pensamentos estão me sufocando. Saio do banho, visto um agasalho e vou correndo para o telhado.

A noite está tão linda. Quando você sabe que vai morrer em breve tudo adquire uma beleza especial. Gostaria de ter visto o mundo desse jeito desde sempre. Lá embaixo, nas ruas da capital, as pessoas estão em festa, pelo simples fato de que os jogos começarão amanhã. Música alta, pessoas rindo, conversando. É inacreditável que eles encarem mesmo isso como fonte de diversão.

Diversão. É uma palavra que não existe no vocabulário do Distrito 12. Nunca vai existir, isso é uma triste perspectiva. Não mais triste que a minha. Ser peça de jogos sangrentos, brutais. Ter minha própria identidade tirada, sendo forçado a escolher entre morrer ou matar. Isso é doentio.

— Você deveria dormir um pouco.

Meu coração dispara. É katniss. Mas o que ela está fazendo aqui? Não quero encara-la, apenas balanço a cabeça tentando não demonstrar o meu espanto.

— Não queria perder a festa. É por nós, depois de tudo.

Ela se aproxima de mim, fica bem ao meu lado, enquanto olha para baixo, para ver a algazarra que está acontecendo.

— Eles estão em fantasias?

— Quem poderia dizer? — respondo. — Como todas essas roupas malucas que eles usam aqui. Não pôde dormir, também?

— Não pude desligar a minha mente.

— Pensando na sua família? — pergunto.

— Não. Tudo o que eu posso fazer é pensar sobre amanhã. O que é sem sentido, é claro.

Eu estou confuso agora. Primeiro ela finge que eu não existo, depois é rude, depois me agride, e agora vem conversar comigo como se fossemos amigos? O que ela quer de mim, afinal?

— Eu realmente sinto muito quanto a suas mãos.

— Isso não importa, Katniss. Eu nunca fui um candidato nesses jogos, de qualquer forma – respondo, da maneira mais fria que consigo.

— Essa não é a melhor maneira de pensar.

— Por que não? É verdade. Minha melhor esperança é não dar vexame e.... — Eu hesito.

— E o quê? — Ela pergunta claramente curiosa.

Eu queria contar. Queria mesmo que ela soubesse que eu preciso que ela vença esses jogos. Que esse é meu único desejo. Mas não sei que reação ela pode ter. Decido que Katniss nunca irá saber a respeito disso. Melhor dizer, outra das muitas coisas que vem me preocupando.

— Eu não sei como dizer exatamente. Apenas... eu quero morrer como eu mesmo. Isso faz algum sentido? — pergunto.

Ela faz que não com a cabeça, claramente confusa.

— Eu não quero que eles me mudem. Tornem-me algum tipo de monstro que eu não sou.

Ela morde o lábio inferior.

— Você quer dizer que não matará ninguém? — ela pergunta.

— Não, quando a hora chegar, tenho certeza que matarei como todos. Eu não posso cair sem lutar. Só continuo desejando que eu pudesse pensar num modo de... mostrar a Capital que eles não são donos de mim. Que eu sou mais que uma peça em seus Jogos – confesso, e sinto um alivio imediato por ter alguém a quem dividir meus piores temores.

— Mas você não é. Nenhum de nós é. É como os Jogos funcionam.

Ela claramente ainda não entendeu nem como funciona, nem o sentido desses Jogos.

— Ok, mas dentro desse quadro, ainda há você, ainda há eu — ele insiste. — Você não vê?

— Um pouco. Apenas... sem ofensa, mas quem se importa, Peeta? — ela esbraveja.

— Eu me importo. Quero dizer, a que mais eu sou autorizado a me importar a esse ponto? — eu pergunto, já irritado.

Me viro, e fito-a bem nos olhos. Me responda Katniss, o que mais eu tenho para me importar? Penso, sabendo que são tantas respostas, a começar por ela.

Ela recua.

— Importe-se com o que Haymitch disse. Sobre ficar vivo.

Eu sorrio, mas não porque estou feliz. Estou de certa forma, por ter Katniss aqui, ao meu lado, mas estou triste também. E cansado, de pensar nesses dois jogos. O da capital e o de Katniss.

— Ok. Obrigado pelo toque, docinho.

— Olhe, se você quer passar as últimas horas da sua vida planejando alguma morte nobre na arena, é escolha sua. Eu quero passar as minhas no Distrito Doze – ela diz claramente ofendida.

— Não me surpreenderia se você conseguisse — digo. — Dê a minha mãe o meu melhor quando você voltar, ok?

— Conte com isso — ela diz, enquanto se vira e vai embora. Me deixando mais uma vez. Me deixando pela última vez.

Fico no telhado mais um pouco, revivendo esses últimos minutos em minha mente. Nossa última conversa tinha mesmo que terminar assim?

Volto para o meu quarto e tento dormir um pouco, já que na arena, não vou poder ter esse privilegio provavelmente.

Minha última noite de sono, se torna um show de horrores, onde tenho pesadelos com Katniss morrendo das piores formas possíveis na arena. Parecia tão real. Todas as vezes, eu não chegava a tempo de ajuda-la, só podia ver ela gritar meu nome, os olhos cinzas fixos em mim, antes de morrer. Acordo encharcado de suor, ainda com a imagem dos lábios de Katniss formando meu nome ... Sinto o sangue pulsar em minhas mãos por baixo das ataduras, enquanto me pego pensando, que gosto seus lábios devem ter? Pensar nisso dói, pois eu sei que essa é só mais uma das inúmeras perguntas que eu nunca serei capaz de descobrir a resposta.


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