Diário do Silêncio escrita por Vaalas


Capítulo 4
A Crise do Papel Comestível.


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo era para ser dois, mas se fosse assim um deles teria só 400 palavras e né, muito pequeno.
Então, boa leitura.



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"O silêncio é a virtude dos loucos.” — Francis Bacon

Cassie pareceu pensativa, ou talvez apenas curiosa com a indagação. A ansiedade em saber se ela era só mais alguém ou alguém especial era grande, e por algum motivo eu realmente torci para que sua resposta fosse sublime.

Eu mesmo não poderia criticar quem não respondeu em meus quesitos, afinal, meu silêncio sem dúvidas é diferente do deles. Aliás, é confuso demais falar sobre isso, mas eu apenas não aceito que o silêncio seja a ausência de som, não pode ser tão simples, pode?

“Hum” Ela disse, bagunçando os cabelos já despenteados. “Isso vai depender de que resposta quer ouvir. ”

Peguei o caderno de suas mãos e me pus a escrever.

“Não posso ouvir nada, mas quero saber a sua resposta. O que é para você? ”

Estava com expectativa e isso não era algo bom. Eu sempre fiquei com expectativa em saber as respostas, mas Cassie de certa forma me deixava mais nervoso ainda. Ela passou a mão pelos cabelos e arrumou a manga da sua blusa verde comprida. Estava frio naquele horário, mas as roupas dela não eram diferentes de qualquer outro dia: ela sempre usava calça jeans não tão velha e blusas de manga, sempre. Olhando-a de primeira, parece um tanto destrambelhada e sem nenhuma noção de moda — e quem seria eu para falar algo? Visto o mesmo estilo de roupa desde a quarta série.

“Ei, você leu o que acabei de dizer? ” Ela me cutucou, bufando em seguida. “Parece que não, então vou repetir: posso responder isso outra hora? ”

Acenei positivamente, sentindo a expetativa do momento murchar como um balão de gás. Ela sorriu, erguendo o pescoço por cima da minha cabeça e olhando para o outro lado do campus.

“Tenho que ir, meu irmão chegou” Apanhando a bolsa, saltou da grama. “Até amanhã, Elliot. ”

Acenei com a mão e observei-a se afastar com seu caminhar estranho. Ela toda era estranha, na verdade. Fiquei ali sentado vendo o carro dela virar a esquina e sumir, tentando saber que tipo de pessoa ela era.

Minha mãe não demorou muito a chegar nesse dia. Minha casa não fica nada longe da escola, talvez uns quatro quarteirões, uma distância perfeita para ir e vir andando, porém, ela insiste em me buscar porque tem medo de eu não ouvir uma buzina, um grito ou um aviso e morrer queimado/eletrocutado/atropelado/esmagado/ trucidado e outros vários ados.

Quando enfim chegou, partirmos pelos quatro quarteirões até a casa. O caminho era curto, mas na minha concepção era tempo o suficiente para pensar nas coisas. A primeira da qual tive que refletir, foi sobre a borboleta grudada ao para-brisa do carro. Digo, aquela borboleta suicida estava lá há quase um ano, foi esmagada na nossa ida a um centro especializado em deficientes que fica no meio de uma estrada com eucaliptos. Jamais esquecerei dessa borboleta depressiva, nem mesmo quando minha mãe resolver enfim lavar o carro.

[..]

Não é necessária uma tão grande enrolação a respeito dos dias seguintes. A questão é que não vi Cassie uma semana após a pergunta — o que não sei se é um alivio poder faltar a escola, ou um desastre por eu não poder saber a resposta dela — os problemas se seguiram pela gripe.

Sim, uma gripe me impediu de descobrir mistérios da vida e me condenou a sumir do mapa por 5 dias.

Mas acredite no que eu digo, se tem algo pior do que ser condenado à gripe e febre tortuosa, é ter um filho fresco sendo condenado pela gripe e febre tortuosa.

Os dias em que adoeço são sempre os piores do ano para minha mãe. Sem vergonha alguma na cara, eu a faço de escrava até estar curado. E sinceramente não posso dizer que adoecer é tão ruim, assim como não posso reclamar do fato de ser filho único — ou quase filho único, comento isso futuramente.

Na terceira madrugada de gripe, acordei em uma crise de tosse e fiquei gritando pela mãe para que, em plenas 4 horas da manhã, ela me trouxesse um copo com leite e uma menta forte. Sim, sou um vadio preguiçoso e sem-vergonha, mas se minha mãe deixa, por que não usar o benefício?

Depois que ela voltou da cozinha com a cara amassada de sono interrompido, segurando um copo de leite e um pacote de mentas, pôs tudo em cima da cômoda e saiu.

O leite estava frio — aposto que ela pegou da geladeira e só jogou no copo —, o que automaticamente me fez querer cuspi-lo. Eu quase gritei por ela novamente, mas decidi ser um bom menino e jogar a bebida pela janela — que provavelmente caiu nas plantas do vizinho, mas eu estava doente demais para me preocupar com isso. Qualquer problema, a culpa foi da mãe. —, pus uma menta na boca e entrei nas cobertas, não demorei muito a dormir de novo, ainda com o gosto do leite frio na língua.

[...]

Na manhã seguinte decidi que era hora de voltar para a escola. Não, mentira, não fui eu quem decidiu. Minha mãe simplesmente assumiu que meu tempo de vadiagem havia se esgotado e que não trabalhava 12 horas por dia para ter um filho vadio. Então, naquela quarta-feira mais fria do mês — o céu mais parecia uma placa de chumbo com tons claros de cinza do que um céu —, fui despejado em frente ao prédio escolar com a mochila nas costas e uma caixa de lencinho nas mãos.

A primeira aula era de história europeia e eu não me envergonho de dizer que dormir a aula inteira. A culpa não era minha, culpe a velha mulher que me obrigou a sair de casa não curado em um dia de chuva, que tipo de mãe faz isso?

Não sei quantas aulas teve naquele dia, tudo mais parecia um flash de nada e vultos de pessoas falando coisas das quais eu não tinha disposição de entender. Mas veja, houve um momento em que eu não dormir, acredito que foi durante a aula de biologia com a professora novata que nunca sabe o que explicar.

Naquela aula eu observei a janela, me distraindo com as nada interessantes gotas de chuva que escorriam pelo vidro. Atrevo-me a dizer que elas eram mais divertidas do que qualquer coisa que ocorreu naquele dia.

Isso, até Cassie aparecer.

Ela estava arrumada naquela quarta-feira chuvosa, os cabelos pareciam menos bagunçados e a sua bolsa parecia nova, nem me pergunte como notei isso, provavelmente resultados do sono.

“Você está péssimo” Ela disse, sentando-se na cadeira de dupla ao meu lado.

Acenei positivamente, só tinha disposição para isso mesmo.

— Sono. Muito sono.

Ela pareceu entender e não disse mais nada enquanto eu cochilava em cima de seu fichário. Provavelmente estava babando ali, então foi bem legal da parte dela não ter me jogado da cadeira por babar em suas folhas enfeitadas com cheiro de amora.

Por que uma folha com cheiro de amora? Estão tentando criar folhas de caderno comestíveis agora? Isso sem dúvidas seria um problema ecológico grave e a pessoa que inventou isso provavelmente nasceu com algum problema. Para quê derrubar árvores para comer com sabor artificial? Não seria mais fácil botar sabor artificial em blocos de terra? Digo, terra é renovável, mas uma árvore é uma árvore, qual o motivo de derrubá-las para pôr sabor e comer?

Certamente não estava sendo produtivo naquele dia, então dormi por mais um tempo, até que, em meio a um sonho de uma árvore com formato de bolo correndo atrás de mim, Cassie me acordou.

“Ei, levanta” Disse, puxando meu cotovelo. “Vou te levar para a enfermaria. ”

Não sei bem como o resto se seguiu, mas sei que ela me tirou da sala em meio a aula e me arrastou pelos corredores da escola que mais pareciam infinitos. Minhas pernas pesavam e isso era péssimo porque me sentia mais deficiente do que já era.

Ok, ok, eu realmente precisava fazer exercícios — digamos que não sou nada másculo —, mas não acho que meu sedentarismo tenha chegado a tal nível.

Só sei que eu dormi mais um pouco na enfermaria até minha mãe me buscar. Não lembro o que aconteceu com Cassie nesse dia, mas sei de um fato inconsútil:

Minha mãe aprendeu a não me expulsar de casa doente.


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Notas finais do capítulo

Haha, gosto muito desse capítulo, porque Elliot doente define à mim doente skmdakmdkasmkdmas
Espero que tenham gostado, até mais!
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