Mirror, O Reflexo da Verdade escrita por Nynna Days


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Estamos de volta com Aliel e Jeremy.E agora tudo no POV Jeremy. Já estava com saudades de vocês. Aproveitem.



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Desde pequeno, minha mãe me ensinou a rezar.

Deveria ter uns sete anos quando ela me levou para a igreja pela primeira vez. Lembro-me de ter ficado maravilhado com as imagens e as histórias que elas contavam. Por mais que fossem trágicas, eram lindas. E enquanto o padre declamava suas palavras de oração, eu olhava em volta, vendo como cada pessoa recebia aquilo. Minha mãe me segurava pela mão e fechava os olhos murmurando palavras desconectadas. E no fim, sempre íamos até a sorveteria, onde ela tentava me explicar a importância de religiosidade na vida de uma pessoa.

Não importava qual. Tínhamos que acreditar em Deus.

Isso era uma das coisas que eu admirava em nela. Mesmo com o passar dos anos, sempre que tinha oportunidade de dar uma escapada do hospital e agradecer ao Senhor por tudo que lhe foi proporcionado.

Por isso me senti culpado quando, aos doze anos, parei de acompanhá-la até a igreja. Comecei a perceber o quanto meu pai era cético com a fé de mim e o questionamento surgiu. Se, de fato, Deus existia por que tanta tragédia de uma vez no mundo? Minha mãe não foi capaz de responder, o que me frustrou um pouco. Ela amar e respeitar algo que não existia concretamente me frustrava.

Tentei abrir os seus olhos, mas tudo o que ela fez foi passar a mão por meus cabelos – em uma tentativa falha de arrumá-los – e sorri. Se não tivesse mágoa em seus olhos, teria dito que ela nem tinha me escutado. Sentia por tê-la decepcionado, mas precisava seguir o meu próprio caminho e criar minha própria concepção de fé.

No entanto, isso foi deixado para segundo plano ao longo dos anos. Com a entrada da crise da pré-adolescência, meu foco se tornou apenas um: Ser notável e nunca esquecido. Seja por coisas boas, ou coisas ruins. Queria passar no corredor e todos saberem meu nome. Meu pai ficou orgulhoso quando tomei minha decisão – aos quinze anos – de entrar no time de futebol da escola. Minha mãe sempre ia aos jogos e nós nunca mais tocamos no assunto de religião e fé.

Quando a mudanças corpóreas surgiram, percebi que minha missão de ser notado estava se tornando muito fácil. Entediante, até. Colocar um piercing na língua foi uma decisão doida – e que meus pais desprezaram, argumentando sobre o que as faculdades achariam e tive que ficar afastado dos gramados por um tempo – mas não me arrependo.

Assim como tudo na vida, aquilo teve um efeito positivo e um negativo. O negativo era óbvio, como havia descrito acima. E o positivo me fez ver que aquilo realmente tinha valido a pena. A quantidade absurda de mulher que me olhavam sem pudor era alarmante. Aos dezessete anos, era praticamente o dono daquela escola. Todos sabiam quem era Jeremy Read. Fiz-me notável e inesquecível. Principalmente para as garotas.

Comecei por baixo, com nerds e garotas com baixa autoestima. Eram as mais fácil em meu tempo de corrida até o topo. E quando Laisa Fernandez demonstrou interesse por mim, vi que tinha atingido o auge de minha escalada. Ela era nerd na época, só que diferente das outras, via um potencial irreconhecível escondido por baixo dos óculos ridículos.

Então, aquele foi meu projeto de verão. Fazer Laisa Fernandez ser popular. E para isso, infelizmente teria que destruir o seu coração. Não que eu ligasse. O topo. O topo. Repetia para mim. Estava no primeiro ano e dificilmente alguma veterana me daria uma chance. Mesmo que seus olhos brilhassem em minha direção, o rombo entre nossas idades só as permitia de me convidar para festas. E as calouras eram tão infantis que me recusava a descer um degrau da minha escada para o sucesso.

Laisa era a minha opção. Nossas conversas eram maduras, inteligentes e ela entendia de coisas que a maioria das pessoas nunca se davam ao trabalho de comentar. Além disso, nossas mães eram amigas de igreja. Só que, semelhante a mim, Laisa não conseguia acreditar em uma coisa sem que existissem provas que existisse. Isso gerava algumas discussões na sua casa e eu me tornei seu ombro amigo.

O segundo passo foi bem mais fácil. Como tinha dito, Laisa era inteligente. Conquistar sua confiança havia demorado mais que o esperado. Só que depois de fazê-lo, reivindicar seu coração foi uma tarefa quase que maçante. Fui tudo o que ela esperava. Engraçado, encantador, romântico. Uma fachada. E tinha horas em que via seus olhos confusos, talvez se perguntando o motivo de minha mudança brusca. Mas quando nos beijamos – e demos o segundo passo – essa dúvida foi apagada de sua mente.

Laisa me encantou, sim. Não sou totalmente frio. Só que tinha um objetivo e não seria uma transa com uma adolescente de quinze anos que me faria desistir. Mas refletindo sobre isso, vi o quanto fui insensível quando alguns dias antes das aulas recomeçarem disse que se Laisa não mudasse aquele estilo largado de se vestir, não poderíamos mais ser vistos juntos. Ela ficou magoada e eu só dei de ombros. A vida era dura e os espertos sobreviviam.

Ok, eu tinha sido um belo filho da puta quando fiquei com a Melissa quando Laisa sumiu por duas semanas. Pensei que ela havia pedido transferência ou qualquer coisa do tipo. Engoli minha língua quando a vi passando no corredor, tão bonita quanto possível em suas novas roupas de marca, lentes de contato – substituindo aqueles óculos horrendos – e os cabelos loiros.

Não tinha culpa se ela tinha feito isso por mim e se tinha demorado. Eu era homem e minha carne era fraca. Melissa estava praticamente se jogando no meu colo e não pude resistir. Na verdade, a ideia de resistir nem soou por minha mente. E quando Laisa viu aquilo tive a certeza que havia criado um monstro sem coração. Seu tapa ainda soava em minha memória, ela não se deixou chorar. Não na frente da escola inteira.

“Meu foco a partir daqui será fazer sua vida um inferno.”, ela sussurrou a centímetros do meu rosto. Um meio sorriso canalha apareceu em meus lábios, fazendo-a ficar ainda mais raivosa. “Lembre-se de minhas palavras, Jeremy Read.”

Menos uma dor de cabeça para enfrentar, isso sim. Laisa teve uma transformação de cento e oitenta graus. Suas notas eram medianas, suas roupas eram da última coleção... E ela havia começado a namorar meu melhor amigo, Jason Hastein. Claro que ele veio falar comigo antes, perguntar se estava tudo ok em ficar com a minha ex. Laisa era popular, os garotos a queriam em sua cama, as garotas queriam ser como ela.

“Vai fundo, cara.”, dei dois tapas em seu ombro em sinal de camaradagem.

Então o novo casal estrela da escola St. Loise era Jason Hastein – o quaterback do time – e Laisa Fernandez – a capitã das líderes de torcida. Estava fazendo um bem para o mundo e quem quer que controle o mundo tinha que me agradecer por isso. Minha fama também tinha chegado ao ápice. Era um solteiro invicto e mesmo com meu romance com Melissa, todos sabiam que era apenas diversão. E o propósito da massa feminina de St. Loise era me domar.

Eu não era cego. Gostava de atenção e que todas me quisessem. Meu ego era meu pior inimigo. Por isso que a queda teve um impacto tão estrondoso quando me vi fascinado pela garota nova. Ela era tudo o que eu tinha que repelir. Insociável, – apesar de andar com Sarah Burke, o que não contava – séria e santa. O tipo de garota que faria você casar primeiro, para depois ter na cama.

Aliel Sky não deveria mexer comigo daquele jeito e isso me irritava. Ainda mais depois de ver que todos estavam percebendo o efeito dela em mim. E notei que tinha causado alguma coisa nela, só que ela fugia de mim como o diabo fugia da cruz. Inúmeras vezes me peguei encarando o teto e bolando um bando de teorias estúpidas para ela não cair no meu charme. Ter namorado era a opção número um. E a que mais me frustrava.

Fui canalha, fui sedutor, fui até romântico e cuidadoso com ela. Ajudei-a com coisas que nem deveria ter me metido – como o relacionamento de meu melhor amigo e Sarah Burke que hipoteticamente eu destruí – e nada a fazia cair nos meus braços. Até que caí na pilha de Austin Parker e acabei fazendo a pior merda de toda a minha vida. Me droguei, bebi e a magoei.

Nunca corri atrás de nenhuma mulher, mas foi a primeira coisa que desempenhei ao chegar à escola no dia seguinte. Queria saber o motivo de tanto me afastar, mas a mantendo perto de mim. Melissa era uma memória longínqua para mim, assim como o status que tanto batalhei para obter. Só o que importava era o seu perdão. O resto era simplesmente isso: o resto.

Então volto ao começo. Minha mãe sempre me ensinou a rezar e ela acreditava que existiam coisas além de nossa compreensão. Por isso foi uma surpresa um tanto apavorante descobrir que a razão por trás daquele comportamento evasivo de Aliel era o simples fato de ela ser um Anjo.

Não vou dizer que os sinais eram óbvios e que estavam bem na minha frente. Mesmo que realmente estivessem, não seria capaz de decifrá-los. A limitação de conhecimento religioso somado com o ceticismo me cegou. Além disso, em pleno século vinte e um, era esperar demais que um adolescente com seus dezoito anos suspeitasse que sua colega de classe fosse um Anjo. Por mais que se sentisse sujo toda vez que a imaginasse de maneira pervertida. Era uma teoria bizarra.

Mas verdadeira.

“Está pensativo”

Fechei os olhos ao escutar aquela voz suavemente doce e macia soando. Um sorriso involuntário surgiu em meu rosto, mas tentei manter a pose indiferente. Estalei minhas costas, erguendo os meus braços antes de rodar na cadeira giratória e encarar a dona de todos os meus sonhos mais proibidos.

Aliel estava deitada de bruços na minha cama com uma revista de esportes aberta abaixo dela. Seus cotovelos magros erguiam seu tronco, enquanto descansava seu queixo arredondado nas mãos pequenas e delicadas com unhas longas. Seus grandes olhos escuros me fitavam com curiosidade, esperando por minha resposta á sua afirmação. Seus lábios cheios pressionados em minha reta enquanto estudava minha expressão, tentando detectar qualquer pista da fonte dos meus pensamentos.

As minhas cortinas estavam abertas, fazendo com que a luz da lua se refletisse em sua pele achocolatada e praticamente fizesse brilhar. Seu pequeno nariz se remexeu deixando seu desconforto explícito por conta do meu olhar especulativo e intenso na sua direção. Os longos cabelos escuros e cacheados estavam espalhados por minha cama e tive que fechar as mãos em punhos para reprimir a vontade de tocá-los de forma mais intima.

“Estava tentando decidir o que escrever nesse estúpido currículo para a faculdade.”, respondi relaxando na cadeira. Movi as mãos pelos cabelos, puxando para trás e expondo meu rosto para a luz do luar. “Parece que em anos de estudo e esforço para passar só me renderam uma qualidade: Jogador de futebol.”

Ela riu e foi um som único. Parece se infiltrar em minha alma, enchendo-a de cores e música em um mar de êxtase. Lindo e que fazia o retorno do sorriso quase que óbvio. Ela inclinou sua cabeça para a direita, fazendo com que alguns fios escuros escapassem e ocultasse seus brilhantes olhos negros. Hábil, pôs a mecha rebelde atrás da orelha.

“Não se rebaixe tanto, Jeremy.”, ela me censurou afetuosamente. Pegou a revista e a fechou, pondo em uma pilha organizada – por ela mesma. “Você tem inúmeras qualidades que as faculdades admirariam. A circunstância de ser um jogador de futebol competente é apenas uma consequência.”, deu de ombros.

Minha boca estava aberta em um círculo perfeito. Era tão fácil esquecer que Aliel tinha uma idade muito mais avançada do que a minha e o vocabulário abrangia mais palavras do que a maioria da população mundial utilizava. Impressionado, levantei-me e gesticulei para a cadeira em que estava sentado anteriormente. Fiz uma leve mesura estendendo minha mão na sua direção.

“Nem ouse me pedir isso.”, ela disse afastando minha mão com um leve empurrão. Mas tinha a sombra de humor em seus olhos falsamente raivosos. “Estou imune aos seus olhos de cachorro pidão, Jeremy. Não adianta usá-los comigo.”

Suspirei derrotado e voltei a me sentar. Botei meu tornozelo por cima de minha perna e comecei a balançá-lo, impaciente. Meu pai estava em cima de mim por causa da faculdade á quase duas semanas, desde que minha irmã mais nova – Jane – nasceu. Aliel se sentou, cruzando as pernas como uma borboleta e me deu um olhar solidário.

“Se te serve de conselho, irei te seguir para onde for.”, desviou os olhos do meu rosto, encolhendo os ombros em um sinal claro de vergonha. Sempre achei fofo algumas garotas que enrubesciam, mas depois que conheci Aliel percebi que os atos poderiam exemplificar os sentimentos melhor do que a pele em si. “Por ser o meu trabalho.”, ela acrescentou.

Desde que Aliel e eu resolvemos cair de cabeça nesse relacionamento arriscado, algumas coisas haviam mudado. Por exemplo, ela tinha sido promovida à minha Anja da Guarda. Ou, como o pessoal lá de cima chamava: Guardiã. Ela sempre repetia que era um jeito de a punirem, deixando minha vida em suas mãos. Se quisesse minha opinião, diria que eles têm um senso de humor bastante bizarro. Isso só havia nos aproximado cada vez mais.

Mesmo que nenhum de nós dois ousassem em falar a palavra com A. Cheguei perto algumas vezes. Meus sentimentos por Aliel estavam totalmente exposto e explícito em minhas ações. Não nos beijávamos e mal nos tocávamos além de abraços e poucos sinais de afeto. Eu queria poder tratá-la como uma verdadeira namorada, mas tínhamos limites óbvios.

Os amigos de Aliel tinham pensamentos um pouco opostos dos nossos. Caliel abriu mão de suas asas assim que reencontrou o grande amor de sua vida, que coincidentemente era irmão de sua missão. E meu professor de história. Nicolas Brown era um cara legal e bem humorado, além de ter boa índole e prezar o bem estar de sua irmã mais nova, Mellany. Esse foi um dos motivos por eu ter ajudado ele, três meses atrás na festa de Austin. O outro motivo foi por odiar Austin e ter sentido prazer ao socar sua cara.

Claro que isso me render uma seção de sermão de Aliel sobre violência. Mas ao ver que isso tinha ajudado sua amiga, relevou. No dia seguinte, Caliel Crista não era mais uma Sub Arcanjo. E semana que vem seria o seu casamento com Nicolas. Aliel seria a madrinha, o que me obrigou a comprar um smoking antes da hora. Mas, eu ficava um gato de smoking.

“Estou ansioso por nossa viagem.”, admiti pegando em sua mão levemente. Isso fez com ela voltasse a me olhar com um tímido sorriso nos lábios. “Se não fosse pelo casamento de Caliel, estaria fazendo as malas nesse exato segundo. Não paro de contar os minutos para estar longe dessa confusão angelical com você.”

Isso a fez entrelaçar seus dedos no meu e meu sorriso se ampliar. Puxei seu braço ternamente e beijei o interior de seu pulso, me deleitando com o seu suspiro. Se ela soubesse o quanto que tinha que me controlar para não beijá-la, não faria isso. Seus dedos roçaram nos fios bagunçados de meu cabelo escuro e os afastaram de meu rosto. Sabia que ela adorava olhar em meus olhos azuis. Institivamente passei a língua pelos lábios expondo meu piercing e vi seus olhos seguirem meus movimentos quase que automaticamente.

“Jeremy”, ela me repreendeu.

Arregalei meus olhos, inocente.

“O quê?”, ergui a mão livre em sinal de passividade. “Meus lábios estavam secos, Anjinha. Não tenho culpa se os hormônios dessa sua casca estão descontrolados.”, caçoei, fazendo estreitar os olhos levemente. “Aguentou-me assim durante seis meses.”, dei de ombros, mas meus olhos brilhavam em expectativa quando o sarcasmo mesclou-se com a autenticidade. “Espero que me aguente por muito mais tempo.”

Estava quase implorando para que ela não me abandonasse e deveria me sentir dependente por isso. Mas quando a ideia de viver em um mundo sem vê-la novamente, me incapacitava de dar voz ao meu ego. Ao sentir a veracidade em minhas palavras, sua expressão ficou carinhosa e a palma de sua mão roçou em meu queixo, sentindo a barba por fazer.

“Vou aguentar até o fim de sua vida, Jeremy.”, sussurrou harmoniosa.

Deu um sorriso dócil e, contrariada, tirou sua mão de meu rosto. Mas antes senti seu polegar acariciando minha bochecha. Pousou as mãos nas pernas e entrelaçou-as, como isso a impedisse de me tocar. Quase sorri com aquele esforço.

“E você está completamente errado sobre a viagem.”, ela franziu o cenho levemente me corrigindo. Fiz uma careta com a possível destruição das promessas de paz. “Los Angeles é a capital dos anjos nos Estados Unidos. Aqui, em Nova Jersey tem uma média de três anjos por pessoa. Em Los Angeles devem ser cinco ou sete.”, remexeu-se, desconfortável. “Adriel que sabia disso.”

Adriel Crista era outro amigo de Aliel que havia desistido das asas. E, por nada mais, nada menos que Mellany Brown, a irmã de Nicolas. Depois de Caliel abriu mão de sua imortalidade, escalaram Adriel para cuidar dela. E, covenhamos, Mellany Brown era osso duro. Ela e sua amiga, Harper Moore, era encrenca garantida. Vingança deveria ser seu sobrenome. Ela quebrou o carro de seu ex-namorado – Austin Parker – depois do mesmo ter tentado estuprá-la. Esse tinha sido motivo por eu ter socado ele. E não tinha um pingo de remorso.

Mellany e Adriel foi um pouco insano. Eles viviam querendo matar um ao outro – o que para Mellany não era um jeito figurativo de falar – e em menos de duas semanas Adriel tinha caído e estava namorando a Brown. Esse era um assunto delicado para Aliel, por isso tentava evitar ao máximo. Meses atrás havia prometido á ela que nunca a deixaria cair. E cumpria isso todos os dias, veemente.

“O que importa é que estaremos juntos.”, ressaltei. Ela assentiu, concordando comigo, mas seu olhar ainda estava distante. Talvez estivesse tendo os mesmos pensamentos que eu. Inclinei-me em sua direção, pegando uma de suas mãos novamente e acariciando as juntas e a vi sorrindo. “Não se preocupe, Anjo. Enquanto estiver com você, essas asas não vão desaparecer e nem mudar de cor.”

Imitando meu movimento anterior, ela beijou meu pulso.

“Obrigada.”, murmurou contra minha pele.

Estava recomeçando a ter pensamentos sobre como seria beijá-la quando alguém bateu em minha porta. Antes que tivesse a chance de responder, minha mãe abriu a porta com um enorme sorriso no rosto. Se não a conhecesse por toda a minha vida, nunca perceberia que era forçado e nervoso. A possibilidade de me pegar fazendo coisas inapropriadas com Aliel a assustava.

Seus cabelos loiros estavam presos em um rabo de cavalo frouxo, deixando alguns fios caídos em seu rosto redondo e emoldurando-o. Seus olhos azuis – que eu felizmente tinha herdado – vagavam pelo quarto até nos encontrar. Não a culparia. A não ser pela luz que entrava através da janela, meu quarto estava em uma escuridão absoluta. Seus braços estavam em uma posição engraçada, enquanto ela segurava minha irmã com zelo.

“Olá, Aliel”, cumprimentou minha namorada.

Aliel tinha um encanto natural com as pessoas, o que tornava o ato de destratá-la algo quase impossível. Ênfase no quase, pois houve o incidente com Laisa. Depois que minha mãe descobriu o quanto eu havia melhorado perto de Aliel – e que ela frequentava a igreja tanto quanto ela – seu coração foi conquistado.

“Boa noite, Senhora Read.”, respondeu educadamente.

O sorriso de minha mãe se tornou sincero.

“Por favor, me chame de Janine.”, pediu docemente. Isso me fez levantar uma sobrancelha. Geralmente minha mãe gostava de títulos. Doutora, Senhora, Mãe. Qualquer que fosse ela aceitava. Seus olhos escorregaram até eu estava. “Querido, pode olhar sua irmã por uns minutos? Meus seios estão cheios de leites e preciso...”

“Ok.”, a cortei não querendo que minha mente ficasse inundada de imagem dos seus seios. Levantei e estendi os braços, desajeitado. Janine me deu um olhar terno. “Alguns minutos? E se ela acordar?”

“Não se preocupe, ela não irá.”, minha mãe me assegurou, dando um beijo na testa de Jane e na minha. Senti meu rosto tingindo-se de vermelho pelo embaraço, mas foquei em não deixar minha irmã cair no chão. “Está indo bem. Já volto.”, e saiu.

Peguei Jane, tencionando o meu corpo para não sair da posição atual, por mais que fosse desconfortável. Isso se aliviou um pouco quando fixei os olhos em minha irmã. Lembrei-me da primeira vez em que a vi. Foi um susto enorme ver que ela tinha nascido ruiva.

Mas Aliel tinha tido a paciência em me explicar, por conta dos meus pais serem muito brancos carregam o gene do ruivo. Não entendi muito bem, mas aceitei. O segundo susto veio quando ela abriu os pequenos olhos pela primeira vez. Novamente, Aliel veio ao meu socorro explicando biologicamente a falha genética que tinha feito Jane nascer com um olho azul – de minha mãe – e outro dourado – de meu pai. Heterocromia.

“Ela vai ser linda quando crescer.”, murmurei vendo sua pele marfim que se contrastava com as bochechas rosadas. Os lábios entreabertos e em formato de bico. As pequenas mãos gordinhas relaxadas na barriga. Fiz uma careta. “Já sei que terei incontáveis dores de cabeça.”, reclamei. Senti a presença de Aliel atrás de mim segundos antes de sua mão descansar em meu ombro. “Se você não fosse tão contra violência, me preveniria contra pervertidos.”

Aliel passou a ponta do indicador na bochecha de minha irmã e fechou os olhos por um segundo. Não sabia o que ela estava fazendo, mas gostava de ficar observando-a. Sem controlar os fluxos dos meus pensamentos, me peguei imaginando como seria meu filho com Aliel.

Gostaria que tivesse seus cabelos cacheados e longos que ameaçavam tocar sua cintura com o cumprimento. Ou seus olhos escuros e que iluminavam minha alma. Ou sua pele imaculada e cor de chocolate. Na verdade não importava como fosse a criança. Portanto que fosse nosso e que tivesse metade de sua beleza e bondade. E não fizesse as mesmas merdas que o pai.

Impedi que a tristeza me tomasse. Sabia que a possibilidade que tivéssemos um filho era quase nula, mas sonhar não me mataria. Aliel abriu os olhos lentamente e suspirou. Seu sorriso se tornou especulativo segundos antes de seu rosto se iluminar. Toda a melancolia que me envolvia foi afastada, deixando-me eufórico por algo que eu nem sabia o que era.

“Sua irmã fez um belo anjo.”, Aliel declarou, fazendo-me arregalar os olhos e encarar Jane. Era fácil esquecer que os anjos nasciam no primeiro riso de uma criança, sendo a coisa mais pura e inocente do mundo. Jane tinha dado o seu riso semana passada quando meu pai estava fazendo caretas para ela. “Chama-se Hael. Talvez eu os apresente um dia.”, ela ofereceu.

Assenti ainda em estado de torpor. Minha irmã – tão pequena e frágil – já tinha dado existência á mais um anjo. Hael parecia nome feminino, mas uma vez Aliel me disse que eles eram o que precisassem ser. Alto, magro, baixo, gordo, homem. Isso fez uma questão vir a minha mente, e Aliel viu isso em meus olhos. Gesticulou em silêncio, instigando-me a perguntar.

“Já arranjaram um Guardião para Jane?”, percebi minha voz temerosa e engoli a seco.

Voltei a olhar para minha irmã. Ela não poderia se defender sozinha. E quando eu não estivesse por perto? Os dedos de Aliel que ainda estavam em meus ombros, apertaram levemente minha pele. Deu um sorriso dócil, tentando me acalmar. Só de tê-la por perto, sensações distintas me dominavam. Meu interior se agitava e se apaziguava.

“Não se preocupe. Eu fui verificar pessoalmente esse fim de semana, lembra?”, ela me perguntou. Assenti vendo seus dentes expostos pela ampliação de seu sorriso. “Então, encarregaram Nathaniel para Jane. Ele é da jurisdição de Uriel, assim como Daniel. Mas, se quiser posso apresentá-los quando sua mãe vier buscar Jane.”, ofereceu fazendo com que meu coração se aliviasse.

Porque eu sabia que com ela por perto tudo daria certo. Afinal, no fim do túnel existe uma luz. Essa luz eram os seus olhos. Havia palavras confortadoras, mas o que me fortalecida e consolava era o singelo som de sua voz. Muitos almejavam tocar as nuvens, visando estar á poucos passos do paraíso. Só de tocar sua pele me sentia satisfeito e como se o paraíso estivesse aos meus pés. Depois de tantos anos querendo chegar ao topo, a humildade de sua presença me preencheu e se tornou suficiente.


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Notas finais do capítulo

E o que acharam? A irmãzinha de Jeremy nasceu *--* Jane. Comentem, flores. E vejo vocês na quinta. Beijos.