Criança Domesticada escrita por AneenaSevla


Capítulo 6
Cheiro de Perigo


Notas iniciais do capítulo

"Não devemos avisar as pessoas do perigo que correm, salvo depois de ele ter passado."
Voltaire



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Naquele final de semana, depois daquele susto na empregada, os dois tiveram que pedir desculpas para ela, por que a pobre e aterrorizada Fabienne se recusara a sair do quarto. As outras empregadas – num total de seis, incluindo a governanta – olhavam para o novo bichinho da menina com estranheza, mas elas desviavam o olhar toda vez que o monstrinho as encarava de volta. Thomas a acompanhava aonde quer que ela fosse, exceto para ir ao banheiro, por que ela não deixava. E de alguma forma, ninguém entendia quando ele “falava”, só Alicia, e algumas diziam aos sussurros de que ela estava ficando perturbada pela solidão, coitada.

Agora fora da jaula, Thomas observava todas as coisas mais de perto, com uma curiosidade espantosa, e perguntava a Alicia o que era cada objeto e pra que servia, e a menina sempre o explicava, isto é, desde que soubesse. Contudo, quando ela mostrou a tablet e seu jogo favorito a ele, ele não entendeu, até que depois de um tempo ela percebeu que ele não conseguia ver através de telas de computador e televisão, pelo menos não com detalhes.

E de quebra, quando ele perguntava sobre um objeto, ela dizia em voz alta, para ele compreender o que ela falava. Ele aprendia rápido, embora não falasse ainda.

Ao final da tarde, Alicia mandou que a jaula fosse removida, já que não iria precisar mais dela, e ela pegou os dois travesseiros e o edredom de volta, colocando-os num dos sofás roxos do seu quarto.

Essa é sua cama, Thomas. Ela disse pra ele, que se sentou, testando a maciez. E pulou um pouco ao perceber que tinha molas, o rosto demonstrando um sorriso na face invisível. Ela riu, depois ficou observando-o: ainda usava aquela camisa social e a calça jeans, e os pés dele estavam descalços.

Ele não parecia se incomodar tanto com isso, mas o mais estranho é que todos os dedos do pé dele eram iguais – não tinha diferença de formato entre o dedão e os outros – e assim como as mãos, todos os dedos tinham unhas grandes e naturalmente pontudas, como garras, mas eram bem parecidas com as de um humano.

Alicia ouviu um barulho na porta. Era Matilde, outra das empregadas. Diferente de Fabienne, que era morena de cabelos lisos, Matilde tinha um ar mais maduro e era loura, as madeixas presas num coque.

– Oi Srta. Matilde, alguma coisa? – ela perguntou. Thomas já havia se virado e estava a encarando. A empregada, embora avisada da presença do monstrinho, teve de pigarrear para voltar à concentração:

– A pequena Clarice está aqui para te visitar, Senhorita…

– Clarice?! – ela exclamou, Thomas olhou para ela na hora, ela olhou pra ele – que legal, vou poder mostrar Thomas! Obrigada, Matilde, mande entrar!

E a empregada foi-se. Thomas ainda encarando a menina, virou a cabeça com dúvida. Alicia explicou para ele quem era a garota, e o monstrinho encolheu os ombros, sentando-se mais relaxado no sofá.

Então também é amiga? De repente ele se endireita no sofá, ficando tenso. As narinas dele apareceram, farejando alguma coisa. E ele tremulou, se levantando rapidamente e procurando alguma coisa.

O que foi Thomas? O que deu em você? Ela o observava andando de um lado para outro na sala, parecendo aflito. Os pensamentos dele estavam em tanta atividade que davam dor de cabeça na menina, e a irritando por consequência. Aii, diga logo o que é

– Licia? – uma voz de outra menina vindo da porta chamou a atenção de Alicia, e quando ela voltou-se para Thomas, ele havia sumido. Clarice olhou desconfiada – algo errado?

– Ah, não, eu… só… - ela procurando pela casa, até que ela ouve Thomas dizendo na cabeça dela.

Não deixa ela me ver… ela é perigosa…

Alicia estranhou.

Perigosa? Não, ela é minha amiga, não é perigosa…

– O que está fazendo? – Clarice se aproxima ao ver Alicia procurando algo. Alicia olhou para a menina e sorriu amarelo:

– Ah, é só… meu lápis… deixei cair em algum lugar…

– Ah ta – Clarice se senta e nota os travesseiros e o edredom – estava dormindo no sofá?

– Não, eu apenas quis colocar aqui… - mentiu Alicia – deu vontade.

– Entendi… - Clarice então sorri – Sim, eu tenho uma novidade!

– Novidade? – a outra se sentou, cruzando as pernas em cima do sofá.

– Sim, eu não disse que minha mãe tinha chegado? Ela me contou que na Floresta Negra da Alemanha tinha encontrado algumas histórias de criaturas misteriosas… – ela começou a contar as histórias. Todas sobre um monstro enorme com tentáculos e garras afiadas. Alicia ouvia interessada; e muitas coisas que ela ouvia de algum modo a faziam lembrar certo monstrinho que tinha se escondido em algum lugar do quarto, exceto pelos tentáculos.

– Nossa, que legal! – disse Alicia por fim.

– Não é? Mamãe disse que tinham tentado caçar esse bicho por vários anos e ela nunca aparece, os cidadãos dizem que é real, mas ninguém conseguiu comprovar essa lenda… - ela sorriu – quando eu crescer, eu quero me tornar investigadora paranormal como minha mãe!

– Investigadora… Para-anormal? – Alicia virou a cabeça para o lado, exatamente como Thomas.

– Paranormal – corrigiu a amiga – é sobre coisas lendárias, como dragões ou fadas…

– Ah… eu achei interessante… - eis que Alicia sente um cheiro esquisito e pergunta o que ė. Clarice sorri.

– É alcool gel. Mamãe me deu para lavar as mãos sem precisar de água. Tem um perfuminho de framboesa também ó.

– É... diferente - na verdade, se aquilo era framboesa, maçã tinha gosto de uva - cadê o tio Jaime?

– Tá com a mamãe, papai disse que queria conversar "conversas de adulto". - ela encolheu os ombros e siu da cadeira - bem, estamos paradas aqui porquê mesmo? - E foi para a mesa, olhando para os livros da estante e observando a parte de baixo, com alguns jogos de tabuleiro, pegando um de "mímica ou desenho" - vamos jogar? A gente passa o tempo e se diverte!

– Vamos, né - e Alicia vai jogar com Clarice.

Passa o tempo e as meninas jogam, e por um momento a filha do sr. Oakley esqueceu do seu monstrinho de estimação, que tinha se escondido em algum lugar. Clarice notara que havia algo de estranho, mas relevou ao ver a menina jogar com mais animação depois de alguns acertos.

Quando elas terminaram de jogar, o sol já havia se pôsto faz tempo, e ouviu batidas na porta. Uma mulher sorria para a filha, e Clarice sorriu lindamente, correndo para ela e recebendo um abraço. Neste momento, por um segundo, o coração de Alicia se apertou.

– Vamos, pequena cientista? - a voz dela era suave, contrastando com seu rosto de aparência severa. Clarice assentiu e se despediu de sua amiga, e recebeu um aceno tímido de volta.

Quando elas finalmente foram, Alicia ouviu alguma coisa se arrastar por baixo da cama.

Pensei que ela nunca fosse embora. Disse Thomas, saindo de baixo e se levantando.

Mas por que você se escondeu dela? Alicia estava confusa. Ela tem medo até de matar moscas...

Não gosto do cheiro dela. Ele sacodiu a cabeça.

Ela fede?

Não, mas ela cheira a perigo.

Perigo? Como é o cheiro de perigo?

Não sei, mas é perigo.

Ela o viu sacodir a poeira e percebeu que ele estava todo sujo, a camisa inclusive estava cheia de manchas. E se lembrou da promessa que fez ao pai de cuidar bem dele, e também pensou em não mostrá-lo para ninguém, afinal, não são todos que não se assustam com monstros, como ela.

O que foi? Perguntou ele, encarando a menina. Ela despertou dos pensamentos internos e disse:

Você tá todo cheio de poeira. Não é bom ficar sujo. Vamos, vou chamar as empegadas para te dar um banho.

Ela toca nas costas dele, intencionando conduzí-lo, mas ele estremece e e afasta. Ela sente um arrepio vindo dele e ela ri.

Você é bem assustado, né? Thomas "acizentou", visivelmente constrangido. Não precisa ser assim, está com uma amiga, e amigos não fazem mal uns aos outros.

Ele mostrou um sorriso em sua cara em branco, acinzentada pelo constrangimento, mas logo a acompanhou até o banheiro, e Alicia chamou uma empregada para ajudar.

...

Eles já foram embora, disse o monstro vestido de terno, suas narinas aparecendo na cara branca e seus oito tentáculos negros ondulando. Nenhum sinal deles foram mesmo.

Ainda bem, eles não podem nos descobrir aqui. Outro monstro, visivelmente com formas e roupas femininas apareceu do nada ao lado dele, seus tentáculos eram cinzentos e era ligeiramente mais baixa que o outro.

Algum sinal dele? O monstro se voltou para a fêmea, a encarando. Ela negou com a cabeça, os tentáculos dele se abaixaram numa aura de tristeza.

Nenhum sinal em nenhuma parte da floresta, nem sinto mais a presença dele nos arredores... ela abaixou a cabeça.

Então ė inútil, ele ondulou os membros no formato de cobras de couro negras, a raiva tomando conta dele. Desista Hellen, ele não vai voltar mais, ele se foi.

O pensamento dele misturava confusão, tristeza e de repente um pouco de orgulho, como se ele tivesse seguido seu caminho, mas foi interrompido pelos pensamentos de Hellen:

Ele é apenas uma criança, Sean! Ela deu um tapa no ombro dele com um dos tentáculos cinzentos. Ele nem aprendeu a falar ainda! Não, ele está por aí, eu sei disso...

Já fazem duas semanas, eu disse que é inútil. Ele se virou, andando para casa. A aura dela se enche de raiva.

NÃO, ela segurou o braço dele, rosnando. Eu não vou desistir! Eu vou procurar por ele! Eu posso!

É perigoso lá fora, disse ele, não podemos sair, seríamos facilmente descobertos por aquelas pestes...

Eu posso ir, eu tenho como... E Hellen desapareceu, deixando um pensamento para trás: fique aqui cuidando do território caso ele volte...

O monstro ficou parado por um tempo, encarando o nada, os tentáculos ondulando devagar, pensativo. Espero que esteja vivo… mein kleiner...

E ele desaparece na floresta escura.


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Notas finais do capítulo

Esta é uma nota final de capítulo.
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Esta foi uma nota final de capítulo.
#trollei
Tchau! XD



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