Noites de Verão escrita por Marina R


Capítulo 2
Capítulo 2: Voltando pro início




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– Posso já ir embora? - perguntou Victória, tentando esconder o celular.

– Filha, você acabou de chegar na festa - irritou-se a mãe, no outro lado da linha - Não é possível! São oito da noite, você saiu de casa tem dez minutos!

– Sim, então já estou tipo oito minutos aqui... Já chega, não?

– Victória, você vai ficar nessa festa até às dez! Pelo menos! Não quero nem saber! O Rogério foi muito generoso em te convidar, e poxa, vocês são amigos!

– Éramos amigos, mãe, éramos. E foi quando tínhamos cinco anos - bufou ela, cada vez se afastando mais do som alto. Decidiu ir para cima - Ele só me convidou para ser simpático, aposto que se eu não viesse não faria diferença.

– Aí que você se engana - falou a mãe, mesmo em dúvida - Filha, olha, pode chegar mais cedo em casa mas... Poxa, tenta só socializar um pouco.

A garota subia as escadas enquanto ouvia a voz falha de sua mãe, tentando não tropeçar nos próprios pés. Segurava o celular com uma mão, e o corrimão com outra. Sempre teve medo de escadas.

– Socializar com quem?! Só tem menina patricinha perfeitinha e garoto babaca mauricinho musculoso.

A mãe tentou disfarçar a risada.

– O quê você tem contra musculosos?

– Nada, mãe, só não gostaria de conversar com uma pessoa que prefere olhar pra seu braço do que pra mim.

A escada terminara. O andar de cima estava mal iluminado, e a primeira coisa que Victória viu foi uma menina loira de brincos imensos vomitar no carpete. Foi para o lado oposto e entrou na primeira porta que não estava trancada. Era um banheiro pequeno e que tinha bebidas derramadas no chão branco.

– Entendi - ponderou a mãe - Olha, estou gastando seu tempo demais! Vá conversar com alguém, não interessa se é uma pessoa idiota.

– Mas, mãe, eu...

– Vai! - gritou, desligando a ligação em seguida.

Victória agradeceu ironicamente em sua cabeça, e teria ficado naquele banheiro até o fim da festa - não queria socializar! - se um guri não tivesse batido na porta cinco vezes ordenando ela sair. Era um pouco rechonchudo e rude, e parecia sentir dor. Ela saiu de lá, pediu desculpas e ele a ignorou, entrando no banheiro o mais rápido que pôde. Victória viu ele desabotoando a calça enquanto tentava fechar a porta com as mãos trêmulas.

– Eca - gemeu ela, agora no corredor vazio.

Retratos de Rogério e sua família estavam pendurados na parede, e o vidro vibrava por causa do volume da música.

Victória não queria voltar para o andar de baixo, então foi até o fim do corredor e testou a última porta, pensando na possibilidade de ter um quarto só pra ela. Um rangido alto oficializou a entrada da garota no local. Portas velhas, sempre atrapalhando!

Deparou-se com um quarto bem pequeno e com uma névoa branca no ar. Ela começou a tossir com força, a ponto de seu rosto tomar uma tonalidade vermelha, e ouviu:

– Porra, fecha a porta!

– Desculpa, vou embora - disse ela, agora a imagem melhorando de pouco em pouco já que a fumaça se dissipava.

– Fecha a porta - disse Rogério, mas quando enxergou que era sua vizinha, assustou-se - Oh! Victória, hm, fica aqui!

Um grupo de seis meninos estavam sentados no chão, cama ou cadeiras, e todos tinham baseados nas mãos. Olhavam a menina com a mesma intensidade, menos um garoto que estava completamente vestido de preto. Esse a analisava.

Rogério tragou e levantou-se da poltrona marrom que estava inclinada na parede. Foi até o lado dela e abraçou a garota com uma risada nos lábios. Ele nunca estivera tão alto. Os olhos avermelhados piscaram cinco vezes antes dele conseguir proferir alguma palavra.

– Que bom que você veio - disse ele, sincero. Começou a apontar - Esses são os meus amigos: Jorge, Marcos, Vinícius e Otávio. E aquele emo ali é meu primo, Luís.

– Vai se fuder - disse o garoto de preto, e os outros gargalharam.

– Essa é a minha vizinha - contou Rogério, puxando a garota para a poltrona, e oferecendo o lugar para ela. Sentou-se no chão e apoiou sua cabeça ruiva na parede -, Victória.

A morena levantou a mão para acenar, envergonhada, e já quis ir embora. Então lembrou-se do longo discurso que sua mãe dera. Ela sempre se importou muito com como sua família era vista pelos outros, e Victória repugnava essa atitude, mas resolveu ajudar a mulher. Resolveu ficar.

– Você quer um baseado? - perguntou Marcos, quando a garota olhou para ele com curiosidade, principalmente para sua camisa de gola V exagerada - Tenho a melhor maconha aqui.

– Não - gritou sem querer, tão rapidamente que todos viraram-se para ela - Não, obrigada.

Luís leu os olhos negros dela e atirou:

– Você tem algum problema com isso?

Ela virou o rosto para ele, levemente assustada.

– Quer dizer - continuou -, você deve ter alguns amigos que fumam maconha. Não é a primeira vez que você vê isso. Certo?

– Claro que não é - intrometeu-se Rogério - A Victória tem 19. Impossível chegar nessa idade e nunca ter experimentado.

Os garotos esperavam, curiosos, que ela respondesse algo. A resposta foi gaga e demorada.

– E-Eu nunca experimentei e... Eu não tenho amigos que fumam então, é, é a primeira vez que eu vejo. Nada de mais, também, não estou achando nada absurdo... - apressou-se, para não tirarem conclusões erradas - Não tenho nada contra!

Rogério alargou os olhos e calou-se. Luís riu.

– Até parece. Metade dos seus amigos devem fumar um de vez em quando, só que você não sabe.

Ela ia negar, mas viu que era provavelmente verdade. Começou a descascar o esmalte vermelho das unhas, assim que os outros caras começaram a conversar sobre um esporte qualquer. Rogério foi ligar o estéreo do quarto e, em seguida, puxou papo com Jorge. Victória foi deixada de lado e ela fingiu não ligar. Pensou em modos de fugir do quarto num momento que não fosse incomodo para eles. Luís era o único que a dava uma ponta de atenção, encarando-a e alternando tragadas.

Quando Victória notou os olhos dele viciados nos dela, já se passaram alguns minutos, e ele sorriu sem mostrar os dentes. Criou-se um jogo de poder, e Victória desistiu de jogá-lo segundos depois, após perceber que não conseguiria encará-lo sem sentir suas bochechas queimarem, mesmo que fosse numa brincadeira.

O maxilar do garoto era quadrado e Luís forçava-o de modo que Victória achava atraente. Depois de algum bom tempo, a garota não aguentou os olhos dele sobre ela, e falou baixinho:

– Por que você está me olhando assim?

– Assim como? - brincou ele, lambendo os lábios.

– Não sei como - irritou-se -, só sei que não gosto! Pare.

O olhar de Luís foi desviado completamente, mas não sua vontade de entender a menina. Saiu da cadeira que estava, e ficou de pé ao lado dela, apoiado na parede.

– Então, você é tímida?

Uma pausa foi feita. A morena juntou as sobrancelhas.

– Eu só não quero alguém me encarando.

– Não estou falando disso. Estou perguntando, você é tímida?

Victória olhou-o com uma curiosidade estranha. O quê aquele garoto queria?

– Sou - respondeu ela, como se confessasse o pior dos pecados.

Luís balançou a cabeça; esperava por aquela resposta monossilábica.

– Qual sua estação do ano preferida? - perguntou ele.

– Hã? - e tossiu.

– Você ouviu.

– Pra que você quer saber isso?

– Quero te conhecer.

– Pra que?! - enlouqueceu-se.

Luís esperou uns segundos antes de responder, pensando na resposta correta.

– Porque já faz muito tempo que uma garota não me deixa intrigado assim como você me deixou, assim que entrou por aquela porta.

Victória não teve uma reação exata além de uma vermelhidão quase impossível de enxergar. Engoliu saliva e disse:

– Outono.

Luís demorou um pouco para assimilar o comentário e quando conseguiu, sorriu, triunfante.

– Animal favorito?

– Beija-flor.

– Cor?

– Assim não tem graça - disse ela, penteando o cabelo cacheado com os dedos.

– Por quê?

– Eu também quero fazer perguntas.

– Tudo bem - interessou-se - Comece.

– Você já teve quantas namoradas?

– Uau - respondeu ele, e ficou com a boca aberta.

– O quê? - sorriu.

– Essa é a sua primeira pergunta? Certamente não tem rodeios.

Victória gargalhou, não sabia por que mas fora a primeira coisa que passou pela sua cabeça.

– Mal nos conhecemos e você já se sente intimidada pelas minhas ex namoradas?!

–Cala a boca - mandou rindo - Não é isso. Responda logo!

– Três. Minha vez. Livro favorito?

Seguiu-se uma longa conversa, que durou até às dez e pouco. Os outros meninos conversaram entre si e foram embora, de pouco em pouco. Até porque a maconha não era muita então acabou sem demora. Logo, eles preferiram descer e dançar, pegar garotas e encher a cara.

Quando a mãe dela ligou, só sobrara Luís e Rogério - e este dançava sozinho, como um louco, uma música eletrônica que tocava no som do seu quarto.

– Alô - disse a menina, depois de rir de uma piada que Luís contou - Oi, mãe.

– Filha, cadê você?! - gaguejou a mãe, preocupada - Você não ia voltar às dez? São quase onze!

– Ué, eu até ia voltar pra casa nesse horário, mas fiz o que você disse. Socializei.

A linha ficou silenciosa por alguns segundos, até que a mulher berrou:

– Está falando sério? Que ótimo, filha! - Victória afastou o celular do ouvido, de tão alto que o volume estava - Então, que horas você volta?

– Não sei.

– OK, fique aí o tempo que quiser. Eu e seu pai vamos dormir. Boa festa!

Despediram-se com um animado tchau, e Victória sorriu. Ela e Luís estavam sentados lado a lado e acabaram de notar que Rogério fora embora.

– Então - falou ele - Vamos conversar sobre o quê, agora?

– Deixa eu pensar... Já sei sua opinião sobre quase tudo no mundo... Já sei que time você torce, qual sua banda favorita, sua melhor viagem... Ah, sei!, você mora aqui por perto? É nesse bairro mesmo?

– Eu não sou daqui - respondeu ele, olhando para as pulseiras que estavam no braço dela. Começou a brincar com os acessórios - Eu sou de São Paulo. Só vim passar as férias, e hoje é meu último dia. Amanhã de manhã eu volto pra lá.

– Ah - lamentou - Que pena. Então melhor a gente aproveitar essa noite ao máximo! Você vai ter a melhor de sua vida - e sorriram.

– Ideias para torná-la tão incrível assim?

A menina parou para pensar e ele achou isso a deixa que ele precisava para beijá-la. Não quis refletir, quis ser espontâneo, e por isso foi com muita pressa ao encontro dos lábios dela. Sua boca rachada tinha gosto de cereja, ela notou, logo depois do susto que levou quando ele fez o movimento. Victória o interrompeu com um empurrão.

Luís, ofegante, pediu desculpas e virou-se para frente, com medo de olhá-la novamente. Não era rejeitado com facilidade. As garotas normalmente não resistiam ao seu jeito. Os dois sentiram suas bochechas queimarem, mas o que adquiriu um rosa mais forte foi o rosto do garoto.

– Desculpa - repetiu ele, sentindo-se estúpido.

– Não... Olha, é porque eu tenho namorado.

Fora a primeira mentira bem dita que a garota falou. Luís normalmente duvidaria mas sentiu confiança na voz dela.

– Ah - gemeu ele, entristecendo-se mais - Que pena. Eu também devia ter te perguntado, né, não ir pro ataque logo.

– Tudo bem.

O quarto estava esfriando por causa do vento que vinha da janela. Victória não queria continuar lá, muito menos com aquele silêncio vergonhoso, então falou:

– Quer descer? Vamos dançar!

Por mais que ela odiasse dançar, achou uma boa pedida. Então foram.

O andar de baixo estava mais lotado do que antes, e era uma multidão que se apertava; não porque não tinha espaço, e sim porque todos estavam bêbados e muito tarados. Victória tentou contar o número de pessoas que se beijavam naquele momento, mas desistiu depois que passou do número treze.

Luís ignorou o momento de rejeição que teve a pouco, e levou a menina para a cozinha. Lá, várias pessoas reabasteciam seus copos azuis com vodca ou cerveja.

– Você bebe? - perguntou ele - Ou também isso é uma das coisas que você, senhorita perfeita, não faz?

– Realmente eu não bebo - respondeu ela, séria.

– Mas já bebeu - concluiu ele.

– Sim, uma vez. E parei no hospital. Descobri que tenho alergia a algumas substâncias do álcool. É uma coisa bem rara.

– Putz, que merda. Sinto muito.

– Por quê? É a melhor coisa que pode acontecer a alguém. Eu estou me livrando de tanta dor de cabeça futura! Beber é uma merda.

– É mesmo... E eu amo essa merda - riu ele - Infelizmente.

Eles foram até o centro da sala e tentaram se misturar com a multidão. Luís, solto por causa da bebida, dançava desinibido e com animação. Já Victória se encontrava num estado de timidez tão avançado que não conseguia fazer nada além de se balançar. Ele notou isso e começou a rir.

– Relaxa! Parece um robô dançando.

– Poxa... Sou pelo menos um robô maneiro?

Ele deu a risada mais calorosa que ela já tinha ouvido, e aproximou-se, parando de dançar.

– Minha irmã mais velha é a pessoa mais envergonhada que eu conheço, e ela dança super bem, super solta, em festas. E não é por causa de bebida! Ela disse que ela fecha os olhos e finge que está em seu quarto, completamente só. E começa a dançar, ignorando o fato que tem gente por perto. Porque a verdade é que ninguém está aí se você é o melhor ou pior dançarino no mundo: é só você não mostrar que está totalmente desconfortável com a situação. É péssimo ver uma pessoa travada.

– Verdade - concordou - Mas então é só eu fechar os olhos?

– Sim. E não ligue se você esbarrar com alguém, continue dançando!

– Tá - gargalhou - Vou tentar.

– Ótimo. Vou só pegar mais cerveja pra mim.

Luís virou as costas e então a menina resolveu dar uma chance. Fechou os olhos com vontade de rir alto, e forçou-se a dançar. Percebeu que caso dançasse mal, poderia dizer aos outros que estava terrivelmente bêbada. É isso que todos faziam!

Outra música entrou no ambiente, e dessa vez era uma eletrônica completamente viciante. O ritmo parecia entrar em suas veias, e ela percebeu estar dançando, ainda com os olhos fechados. Era libertador.

Um homem bonito de um metro e noventa observava a garota do outro lado da sala. O álcool já tinha mudado seu estado são para um estado imbecil. Ele chegou por trás dela e segurou-a pelo quadril, apertando contra seu corpo. Victória assustou-se, ainda mais pelo fato de estar com os olhos fechados, e ele sussurrou:

– Calma, gatinha, relaxa. Eu cheguei.

A mão direita segurava o pulso da Victória com uma força incrível, que fez-a gemer e espremer os olhos. A outra passava pela barriga da garota, e subia descaradamente em direção aos seios. Para impedir isso, Victória berrou um Ei! e deu um chute no meio das pernas do homem. Luís chegou e empurrou-a para trás dele, em função de protegê-la quando o homem se levantou e disse:

– Sai daí, baixinho. A conversa é entre eu e a moça.

– Você não tem mais nada pra conversar com ela. Ela não quer nada contigo. Se toca, babaca.

– Você virou porta-voz agora? - berrou o cara, embolado. A música parou, Rogério apareceu.

– Ei, galera, vamos parar. Sem violência na minha festa.

Os olhos de cada pessoa naquele espaço estavam voltados para a cena.

– Pode deixar, primo - concordou Luís - Eu não quero mais nem olhar pra esse filho da puta. Vamos, Victória.

Pegou a mão dela e levou-a para o jardim da casa. Não houve tempo para perguntar como a menina estava, já que o homem foi atrás deles e empurrou Luís forte. O garoto, que não esperava, caiu no chão e rasgou a calça, ralando o joelho. O sangue molhou o pano.

– Você quer resolver isso aqui fora? - gritou Luís, após se levantar, extremamente irritado - Então vamos! Vem!

E o homem veio. Tentou dar um soco no olho do garoto de preto, o qual desviou com uma agilidade que ninguém achava que tinha. Assim que voltou a posição inicial, Luís acertou o nariz do homem, o qual desequilibrou pra trás e choramingou. Bêbados são estranhos.

Rogério agora se infiltrou no ambiente, e ordenou o cara, que pelo jeito chamava-se Heitor, ir embora imediatamente da festa. Um amigo do bêbado, pequeno e chateado, falou que ia com ele. Pediu desculpas em nome do Heitor, que ficou quieto.

– Nada pra ver aqui, galera! - gritou Marcos - Pra dentro!

Ligaram a música e todos esqueceram o incidente.

Os dois envolvidos que restaram foram até o banheiro da suíte dos pais do Rogério. Era o maior da casa e tinha tudo que precisava para limpar os machucados do Luís. Victória sempre foi atrapalhada, então cuidar dos machucados era algo decorado. Naquele caso, o melhor era água, sabão, e gaze para cobrir.

– Tira a calça - ordenou ela, enquanto procurava curativos nos armários.

– Como disse? - perguntou ele, jurando ter ouvido errado.

– Tira a calça. Eu vou lavar seu machucado e não dá com a calça atrapalhando.

– Hã, eu acho que eu consigo lavar sozinho, mamãe.

– Não consegue - disse, firme - A gente sempre fica com dó de nós mesmos. Vai doer, mas é pro seu bem. Então, vai, tira a calça.

Ele sabia que ela estava certa, logo tirou a peça de roupa, meio envergonhado por causa da sua magreza. Luís sempre teve dificuldade para engordar, e isso o deixava muito chateado. Mas tentou ver pelo lado positivo: pelo menos estava com uma boxer preta, e não uma daquelas cuecas ridículas que ainda tinha. Victória lavou a ferida forçando-se a concentrar apenas e inteiramente no machucado... Mas, oh!, a posição do garoto, junto com aquele maxilar e aquele rosto enlouquecedor, dificultavam a situação dela.

No começo, Luís gemia por tudo, até que ela virou para ele e falou, risonha:

– Você não tem medo de dar um soco num cara o dobro do seu tamanho, mas tem medo de sabão? Vamos lá!

Ele ficou quieto até o resto da limpeza, mandando em si para não fazer nem uma simples feição de dor.

Ao terminar tudo, até de lavar as juntas dos dedos, as quais estavam feridas por causa do soco, Luís agradeceu o cuidado. Vestiu a calça enquanto ela lavava as mãos. Victória foi carinhosa na hora de passar sabão no seu próprio pulso, o qual estava bem dolorido. Foi aí que ele notou.

– O que é isso no seu braço? - gritou ele, a boca formando um O.

– O babaca apertou bem forte, né. Ele me queria mesmo - brincou, e forçou uma risada.

– Isso não é querer. Isso é falta de porrada. Caralho, que vontade de ir atrás dele - e começou a andar de um lado pro outro do banheiro.

Victória segurou-o pelo rosto e balançou a cabeça, como negação. A respiração dele estabilizou-se. Ela sorriu e abraçou-o.

– Obrigada por me defender daquela maneira - disse ela, arrumando o cabelo cacheado que caia por cima dos olhos. Ele entortou a boca.

O banheiro tinha o chão revestido por ladrilhos azulados e brancos, que combinavam bem com todo o resto. Tudo naquele espaço tinha a mesma cor, e isso deu uma sensação ruim em Victória. As únicas coisas que ela não achava totalmente bregas naquele cômodo eram os armários inferiores perto da banheira. Eram simples, e por isso a garota se afeiçoou a eles. Comentou sua opinião com Luís sobre aquilo, o que o fez questionar:

– O quê será que tem dentro deles?

– Não sei - respondeu ela - Mas acho que a gente não devia conferir. Já me achei uma enxerida por procurar pelos curativos!

– Ah, fala sério. Você não está curiosa? É dos meus tios, acho que isso me dá uma licença para ser enxerido em paz.

Eles compartilharam um sorriso malvado e Luís se agachou. Abriram a portinha e viram muita coisa: cortador de unha, papel higiênico de reserva, esmaltes pela metade, vidrinhos de shampoo grátis, e muita revista pornográfica. O menino foi o primeiro a avistar, mas quem disse algo sobre isso foi Victória, com um grito misturado de riso. Ela pegou as revistas e fechou o armário.

Eram umas sete, e todas as capas foram analisadas pelos dois. Uma com uma morena colocando o dedo na boca, outra com uma loira fingindo surpresa, outra com uma ruiva suja de chantilly. Os dois riam à beça e gozavam daquilo, como duas crianças, mas Victória sentiu-se triste depois de um tempo.

– Isso é péssimo.

– Concordo, eles fazem umas capas muito falsas. Meu sonho é uma pornô cuja capa não tenha nada. Eles já expõem a mulher toda, pra que então comprar a revista?

– Não estou falando das capas mais - disse ela, fechando a cara definitivamente - Vamos sair daqui, está abafado.

Luís não perguntou nada na hora: colocou as revistas no seu lugar certo e foi atrás da Victória. Ela se direcionou para o quarto do Rogério.

Lá, Vinícius estava sentado sozinho. Victória deu olá, e ele entregou um copo azul cheio de cerveja para ela, como forma de despedida, já que em seguida saiu do quarto. Estranho. Ela deu o copo para Luís e olhou para o garoto, preocupado, antes de sair pela janela. Chamou ele, convidando-o para ficar no telhado com ela.
Quando ele conseguiu acomodar-se ao lado dela, falou:

– Quer me explicar porque ficou tão chateada?

– Não - respondeu ela, com má vontade.

– Vamos lá - insistiu, dando um gole na cerveja - Pode desabafar.

Ela bufou antes de falar:

– É só porque eu acho ridículo essas revistas. Além delas tratarem a mulher como um objeto terrível de consumo, as pornôs aumentam ainda mais essa obsessão da mulher com o corpo. Não só as mulheres que posam, também as mulheres que não tem o corpo que a mídia quer e que veem essas revistas em todas as bancas de jornais! É péssimo, assim que você diz que bom que eu estou bem comigo mesma, você vê um poster da Playboy com uma mulher com o corpo perfeito modificado por cirurgias plásticas, silicone, anabolizantes, photoshop e quilos de maquiagem! Eu me acho feia e culpo a mídia.

– Você se acha feia? - perguntou ele, surpreso.

– Sinceramente, sim. Minhas coxas são grandes, minha cintura não é fina, meu cabelo não é um loiro esticado, é a porra de um cacheado imenso e preto. Não sou nem uma menina pequena e fofa, nem uma alta e esbelta, como uma modelo. Sou um nada. Alta mas gorda. Do que adianta?

Luís a olhou e quis falar as mil coisas que passavam na cabeça dele. Porque as meninas mais lindas são cegas quando se trata delas mesmas?! A mídia realmente fodeu com a cabeça delas. Victória era só mais uma vítima dessa massa de tristeza.

Ele queria segurar o rosto dela e falar quão linda ela era. Queria beijar cada centímetro daquele corpo, e sentir o cheiro de sua pele morena. Queria fazer um discurso sobre como ela não pode deixar a porcaria do mundo mudar ela. Em vez disso, falou, como quem não sabe o que dizer mais:

– Que besteira. Só porque você é alta, tem o cabelo cacheado e não é um palito humano não significa que você é feia. Pelo contrário.


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