Uma nova princesa para uma nova Illéa escrita por Snow Girl


Capítulo 2
A Seleção começou


Notas iniciais do capítulo

Eu sou afobada mesmo, colé.



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— Já não era sem tempo — resmungou meu pai, com os olhos baços, sentado no sofá. Mesmo a dois metros de distância eu podia sentir o cheiro de álcool do uísque vagabundo que ele estava sempre bebendo. — Quanto você tirou hoje, linda?

— Não me chame de linda. Aqui está o seu dinheiro.

Entreguei apenas parte do dinheiro, eu sabia perfeitamente para onde esse dinheiro iria: mais cachaça.

— Isso é pouco. Cadê o resto?

— É tudo. Só tivemos um show hoje.

Ele riu com desdém.

— Claro que só teve um show essa sua bandinha de mer-da — ele realmente separou a palavra em duas sílabas.

— Essa bandinha de merda é o que mantém o seu rabo sentado confortavelmente no sofá sem precisar trabalhar, seu porco — sibilei.

Sim, eu sabia que ele era meu pai e que eu devia respeito à ele. E eu o respeitava quando estava sóbrio, o que só acontecia quando ele estava dormindo.

— Olha aqui, sua piranha… você deveria ser grata por ainda ter uma casa. Não é todo mundo que aceita uma vaca sem um pingo de consideração embaixo do seu teto.

— Ah sim, porque você faz muito para manter o teto sobre sua cabeça. Se não fosse pelo meu trabalho com certeza você estaria dormindo na sarjeta em uma rua qualquer.

— Cuidado com o jeito que fala comigo. Eu ainda sou seu pai e exijo respeito.

— Eu te trato como você me trata. Me respeite e eu o respeito, não o faça...

Não consegui terminar a frase. Com um gesto rápido ele deslizou a mão pelo ar até acertar o meu rosto com tanta força que estalou.

— Seu desgraçado! Eu te odeio!

Ele ergueu a mão e, mais rápido do que eu poderia prever que um cara quase desmaiado de bêbado poderia ser, agarrou o meu cabelo.

— Cala a boca! -- sua língua enrolava um pouco.-- Eu faço tudo por você e é assim que você me trata?

— Me… solta... seu bastardo! — rosnei tentando agarrar a mão dele e chutá-lo ao mesmo tempo.

— Solta ela! — esganiçou uma vozinha no canto.

Essa não.

Lá estava Patrick, a boca lambuzada de cor-de-rosa, os olhos arregalados e ele agarrava a haste do pirulito com as duas mãos como se sua vida dependesse daquilo.

— Patrick, sai daqui. Vá para a casa do Jay— mandei quase delicadamente apesar de ainda estar tentando chutar o meu próprio pai.

— Ele vai te matar, Lexi — gemeu meu irmão.

Tentei persuadir.

— Não, não vai. Seja bonzinho. A mana vai resolver isso.

— Dá o fora daqui pirralho — o velho exigiu. — Onde você conseguiu esse doce?

Os olhinhos de Patrick correram para mim, ele estava chorando.

— Não é da sua conta — sua voz saiu em um sussurro quase inaudível.

— Foi você! Não tem dinheiro para ajudar o seu próprio pai mas tem para mimar o seu irmão, não é?

E mais rápido do que me agarrou ele me soltou para avançar em Patrick. E então virou o inferno.

Eu me interpus entre os dois.

— Você não vai tocar no meu irmão! — urrei. — Patrick, vá para a casa de Jay e não saia de lá até eu te buscar.

Dessa vez ele fez o que eu mandei, fungando alto mas nunca chorando. Patrick nunca chorava.

— Você um monstro. Como pode fazer isso com seu próprio filho? Ele é apenas uma criança.

— Ele é o monstro — meu pai falou, subitamente calmo, abraçado à garrafa de uísque. Esse momentos de calma me assustavam mais do que quando estávamos brigando.— Ele matou a sua mãe. Você não o odeia?

— Patrick não matou a minha mãe. Ela morreu no parto. Foi trágico, mas não é culpa do meu irmão. Ela teve sorte de não ver o quê você se tornou.

— Cale a boca, sua cadela! Você não sabe do que está falando!

— Sei, sim! Você acha que eu não sei? Todo mundo diz que você já era um bêbado antes dela morrer e só piorou depois! Acha que minha mãe gostava disso? Não sei o que foi que ela viu em você porque poderia ter casado com qualquer homem da cidade, um homem rico que a tratasse como a princesa que ela merecia, mas escolheu um traste imprestável como você.

Agora meus gritos estavam histéricos e furiosos, e eu tive a satisfação de ver ele cambalear para trás no sofá.

— Lexi. — De repente Jay estava ali, falando com suavidade. Só então eu percebi que estávamos gritando tão alto que provavelmente dava para ouvir até do outro lado da cidade. — Já chega.

Olhei irada para meu pai, que estava encolhido contra o sofá.

— Sim, eu já disse o que tinha pra dizer.

Meu pai me encarou com ódio então deu as costas e saiu. Nós o olhamos até sumir na esquina.

Sacudi a cabeça e sem uma palavra Jay e eu fomos até a casa dele.

Meu irmão estava sentado no chão da sala e se levantou rapidamente quando me viu.

Patrick me abraçou, enterrando o rostinho no meu ombro.

— Eu te amo, Lexi.

— Também amo você, pequeno. Não vou deixar nada te fazer mal. Nunca.

Ele me abraçou mais forte e eu o levei de volta para casa.

Eu estava completamente exausta do show e da discussão, então planejei me encolher em posição fetal e dormir até meio dia, mas é claro que não foi o que aconteceu. Fui acordada às sete da manhã com alguém batendo à porta.

Amarrei o cabelo em um nó no topo da cabeça e fui ver o que era, resmungando sobre as pessoas que não deixavam os outros dormirem.

Na porta estava um homem em roupas simples que eu conhecia bem. Era o pai de Jay, carregando um homem inconsciente.

Arregalei os olhos.

— Sr. Steelway.

— Bom dia, Alexia. O seu pai estava dormindo na porta da igreja, nós o trouxemos para cá. Acho que ele está mal.

Sacudi a cabeça. Isso era óbvio.

— Certo, obrigada. O senhor poderia me ajudar a levá-lo até o banheiro?

— Claro, Alexia. Não se preocupe, eu posso dar banho no seu pai — ele não falou, mas eu bem que podia imaginar as palavras na mente dele “Eu sou um Seis e é isso que fazemos. Ajudamos os outros independentemente do que seja”. — Por quê você não prepara um café bem forte para curar a ressaca?

— Para curar a ressaca desse aí nem todo o café do mundo seria suficiente.

Mas dei de ombros e fiz o que foi pedido só porque o Sr. Steelway era sempre gentil comigo e com meu pai, mesmo que ele não merecesse.

Depois de uns quinze minutos o Sr. Steelway voltou com meu pai de banho tomado e cheirando a sabonete.

Servi o café em uma caneca e coloquei diante dele.

Ofereci ao pai de Jay, mas ele recusou com um gesto de cabeça e saiu da casa.

— Alexia… me perdoe.

— Pelo quê? Por ter me batido? Por ser um bêbado? Por ter assustado a nível do pânico um garotinho de cinco anos de idade?

Minha voz não era nada generosa, mas ele falou de uma maneira que eu não via há anos, desde que mamãe morreu. Era um tom suave de súplica.

— Por tudo. Eu… você sabe que eu amo você o seu irmão, não sabe? Eu juro que vou parar de beber, que vou ser o pai que vocês merecem... Eu tento mesmo e então tudo desanda. Por favor, me perdoe e lembre que eu amo vocês, sim? Tenha fé.

— Pai, se eu não tivesse fé eu já tinha levado Patrick para longe de você há tempos. Mas eu realmente tenho esperança que as coisas vão dar certo para nós. Porque eu te amo e confio que você fará o certo.

— Obrigado, Alexia.

Assenti, com os olhos fixos em um ponto atrás dele. Nunca fui muito boa com momentos emotivos.

— Vou tomar banho.

E voei para o meu quarto para pegar algumas roupas limpas.

Depois daquele momento familiar que renovou minhas esperanças, o dia foi um tanto mais calmo. Jay e eu deixamos meu pai — sóbrio — tomando conta de Patrick e fomos até a casa de Kim.

Ela morava longe, então Jay me levou na moto dele que foi construída literalmente do nada com peças de várias outras motos e de alguns carros. E eu esperava sinceramente que ele não percebesse que eu me agarrava a ele de um modo um pouco exagerado, as mãos espalmadas em seu abdome definido.

O ensaio durou até que começou o Jornal Oficial porque Kim largou tudo no meio de uma música para assistir.

— Desde quando você gosta do jornal, Kim? — brinquei.

— Desde sempre, oras.

A irmã mais nova dela, Natalie, riu para mim. Só tinha três anos e era a coisa mais fofa do mundo.

— Desde que hoje as Selecionadas vão ser escolhidas. — Ela fez uma expressão pensativa. — E o príncipe Caleb vai estar lá.

Todos rimos, até mesmo Kim, que deu um tapa no ombro da irmã.

As primeiras notícias foram normais: guerra, infra-estrutura, mais guerra e a atual posição de Illéa no ranking da educação.

Ninguém se importava muito com aquilo, todos queriam saber da Seleção. As 35 garotas que seriam sequestradas de seus lugares calmos e tranquilos e seriam transportadas para o Fantástico Mundo da Realeza.

— Agora o momento que todas estavam esperando: o momento no qual saberemos quem serão as 35 lindas jovens que estarão aqui conosco para conquistar a vaga no coração do príncipe Caleb.

— Ai meu Deus — guinchou Kim. — Imaginem se eu fosse escolhida.

— Kim, e eu? — Ethan perguntou de brincadeira.

— Ora, eles vão pelas fichas de inscrição, não é? Eu não vou ser escolhida, então não se preocupe.

Todos rimos dela. Kim se virou para mim quando o mestre de cerimônias começava a citar uma lista de nomes e províncias enquanto a foto da garota que ele chamava aparecia na tela.

— E você? — minha amiga se virou para mim enquanto Beatrice Storekeeper de Illinois era anunciada.

— Eu o quê?

— Acha que tem chance?

Olhei para Jay, ele estava olhando para a janela.

— Não. De toda forma, nem sei porque eu fiz aquilo.

—Lexi, nós estamos falando da Seleção. Não de uma tatuagem vagabunda que você fez no Breandon.

Olhei-a.

— Eu sei do que estamos falando. Pense: se eu for Selecionada, contra todas as probabilidades, terão outras 34 garotas muito mais bonitas e encantadoras do que eu lá. E o príncipe não é besta, ele vai escolher um rostinho bonito que fique bem ao lado dele.

— Essa é a coisa, Lexi. Ele pode se apaixonar pela menos bonita ou encantadora. E você não conhece Caleb. Ele pode gostar de uma garota que tenha cérebro.

— E se realmente tiver alguma garota mais bonita que você, ela só pode ser um anjo. Porque você é a mais linda que eu conheço. — Jay me olhou como que para provar que estava sério. Eu já disse o quanto odiava quando ele dizia esse tipo de coisa?

Revirei os olhos.

— Você é meu melhor amigo. Tem a obrigação de me achar linda.

— Eu tenho a obrigação de ser sincero — replicou Jay com firmeza.

— E metade daquelas garotas devem ser intragáveis. Deus… essa aqui parece uma vadia. — Kim estava apontando para Kayla Newsfit, da Carolina.

Revirei os olhos.

— Não, ela é bonita.

— E tem cara de biscate — completou Ethan rapidamente a sentença, apoiando Kim.

Parecia que era todos contra Alexia.

— Ok, já chega desse papo de Seleção. Vamos para casa.

Levantei brava sem nem querer saber o resto dos nomes, afinal, aquilo não iria influenciar porcaria nenhuma na minha vida de cantora. Puxei o braço de Jay.

— Ei, espera, Lexi. Vamos saber o final. Só faltam mais quinze garotas.

Revirei os olhos e fui para a porta.

— Mande um beijo para o seu irmão fofo — gritou Kim rindo para mim.

— Alexia Piper, Breadwant.

Isso só podia ser uma piada.

Todos olhamos para a TV onde havia uma foto minha com meu cabelo preto sem graça caindo pelos ombros, um sorriso tímido nos lábios vermelhos e o olhar orgulhoso. Eu me lembrava daquele sorriso: Kim estava comigo na hora e contou ao fotógrafo, que era bonitinho, que eu cozinhava bem.

Agora Kim olhava para mim. Ela estava em choque.

— Alexia? Você foi Selecionada.

Jura, Kim?

Ethan, Jay e eu só ficamos olhando para ela enquanto Natalie pulava pela casa gritando meu nome.

— James, me leve para casa. Agora.

Jay assentiu, o rosto mais branco que osso.

***

Assim que cheguei em casa havia uma multidão lá. Meu pai, Patrick, alguns vizinhos e seus filhos. Só de ver tanta gente fiquei nervosa.

Todos estavam me dando os parabéns, me felicitando e dizendo o quanto eu estava bonita na foto como se fosse a melhor coisa que aconteceu no mundo. Será que ninguém via que eu estava despedaçando? Que eu não queria aquilo? Eu queria ficar sozinha com as pessoas que eu amava, só isso.

Pedi delicadamente que me deixassem a sós com minha família e também pedi a Jay para ficar.

Todos protestaram. Queriam ficar ali comigo, a Selecionada.

Eu tentei ao máximo fingir que estava animada, quero dizer… a maioria das meninas que eu conhecia estavam loucas porque queriam aquilo. Eu que tinha a vida completamente boa e que ria mentalmente toda vez que alguém suspirava de amor platônico pelo príncipe esnobe teria que conviver com ele!

Depois de tirar fotos e dar autógrafos para todos finalmente consegui o que queria.

— Você vai deixar a gente? — Patrick chorou no instante em que os outros tinham saído.

Olhei para ele. Meu irmão não era muito chorão, na verdade a última vez que o vi chorar ele tinha dois anos de idade e foi mordido por um cachorro. Assim como eu Patrick tinha aprendido cedo a ser forte.

— Eu vou para o palácio, sim. Mas vou voltar logo.

— Claro que ela vai voltar logo — Sua língua enrolava. Meu pai estava bêbado de novo. Para variar. — Você viu as outras meninas? Lindas. Essa aí não tem a menor chance.

Lancei um olhar gelado a ele.

— De toda forma não vou agora. Temos tempo.

— Você jura?

Fiz que sim e ele pareceu um tantinho mais feliz ao voltar para o quarto, ainda secando as lágrimas.

Jay passou um braço na minha cintura.

— Vou te levar para o quarto, você parece prestes a desmaiar.

Concordei com a cabeça e ele ficou comigo até eu pegar no sono, juntos na minha pequena cama.

Aquele foi o último momento normal que eu tive em um bom tempo.


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