A solidão das primoses

Nas margens do lago se erguiam tímidas primoses. Na suavidade reluzente da pétala a curva do último sorriso que ela me deu, a blusa de cauda de pato. Prim que foi minha irmãzinha mas também foi queimada como bruxa herege nos concretos de Capitol. A honra da resistência não queimou junto dela, mas eu queimei — até as cinzas. Prim presença silenciosa, seu gato, sua cabra e suas mãos que curavam. Um suspiro me tranca e sufoca a garganta desde o dia que eu me fiz morta. Não solto. O suspiro é bom, o suspiro é Prim. O suspiro me pertence e pertencimento nesses tempos é um luxo brutal.

Sinto a presença de Johanna antes de ouvir seus passos suaves contra os galhos quebrados. Sinto vontade de perguntar se ela se lembra de quando estivemos frente a um lago como esse, a água salgada manchada amarga de sangue. Não pergunto. Na Arena não havia primoses, afinal; agora há. Mas não é Johanna que diz que o mundo do lado de fora nada mais é que uma extensão não oficial da Arena? Nos pesadelos de Peeta os gritos de Johanna estão sempre presentes. Me lembro, num átimo de instante, da expressão de Johanna enquanto a água tocava seu corpo no distrito 13 e subitamente o lago perde todo o brilho. Água e primoses tingidos de sangue.

Quando olho para Johanna noto que ela tem uma expressão estranhamente compenetrada no rosto. Nos lábios só resta a sepultura do sorriso provocador de uma outra noite, de um outro elevador. Mas Johanna não fala nada e eu tampouco. Observam o lago em um silêncio pálido.

No escuro as mãos encostam com a relutância ferida que só uma guerra deixa. Toque macio com a ponta dos dedos.

Na margem as pétalas das primoses reluzem, amarelas e silenciosas, as únicas testemunhas. O lago tingido de sangue (é agora ou foi ontem?) não importa mais. Não agora. Não no silêncio e solidão de dedos e lábios.