Identidade Homicida escrita por ninoka


Capítulo 82
A Identidade Homicida


Notas iniciais do capítulo

Quem tá vivo sempre aparece nér??? Como vcs estão? Queridas e queridos minha rotina tá uma loucurona, mas essa história tem que finalizar um dia né kkkkkkkkkkkk Então mais uma vez estamos aqui. Tô usando o pc no meu namorado pq meu notebook foi de arrasta mas é sobre isso!

LEMBRANDO:

vai aparecer um tal colar da agatha nesse cap que RECAPITULANDO: esse colar que a elsie usa era da agatha, que ela recebeu de jack na adolescencia. o colar tem um relicário em formato de coraçao com a foto deles jovens. quando senhora murple a entrega, elsie decide começar a usá-lo como uma lembrança da tia agatha.


dito tudo isso
BOA LEITURA



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/508366/chapter/82

[Elsie]

Só podia ser um delírio. 

Sim, só podia ser. Não tinha outra explicação. Era resultado das noites mal dormidas, da dor da fome, do cansaço…  

Tentei me convencer de que estava alucinando, mas não -- o fantasma que tinha me perseguido tanto tempo desde então, a figura de Jade, parada a alguns poucos metros de distância bem ao centro do terraço, me parecia bem real. 

Kentin, Burniel e eu -- nós três ficamos petrificados no mesmo lugar, os três pensando o que fazer. Qualquer um que visse aquela cena poderia pensar: “Espere, mas vocês estavam em três! Jade era apenas um!”. Exato. Jade era apenas um. Mas o meu sentimento naquele momento era muito simples de entender: Jade havia se tornado um mal invisível. 

Desde que eu e Armin soubemos que Jade estava vivo mesmo depois de termos “o matado”, ele virou uma espécie de fantasma, fazendo vingança contra nós. Primeiro a senhora Murple e depois Jay… Eu sabia que aquelas mortes não eram impensadas. E agora eu estava ali, confrontando a minha maldição, o monstro que eu parecia ter criado.    

— Você não sabe quanto tempo eu esperei por esse momento — ele sorria. 

Era um meio de tarde. Estava uma garoa fraca. O terraço estava coberto de poças de água da chuva forte da noite anterior onde o céu espelhava com nitidez, nublado, cinza, cheio de nuvens. Que dia era? Terça? Quinta-feira? Eu já tinha perdido a noção de tempo.

Queria que Armin estivesse comigo naquele momento. Eu me sentiria mais segura de fazer o que estava prestes a fazer.

Não podíamos ficar a vida toda parados, esperando quem iria se movimentar primeiro. 

Então empunhei a katana nas mãos -- como se eu realmente soubesse empunhar uma -- e corri cegamente na direção de Jade.

Atacar por impulso naquela situação obviamente não me fez agir com segurança; logo que percebi que Jade estava prestes a retirar duas facas dos bolsos, vacilei. Foi um erro grotesco e amador. 

Ele imediatamente veio na minha direção e conseguiu desferir um corte no meu ombro e um arranhão sobre o meu pescoço. Soltei um grito e cobri o pescoço com a mão, sentindo o ponto arder e apavorada com a ideia de que tivesse atingido alguma artéria. 

Corri para o canto oposto de Jade enquanto ofegava. De repente todo o impulso da adrenalina parecia ter sumido e eu estava fraca e com medo, como um cachorrinho indefeso e patético jogado a um lobo faminto. 

— O que foi, Cotton? — disse Jade, vindo atrás, andando como se caminhasse num passeio, com uma calma fria e um sorriso de triunfo — Onde está toda aquela sua vontade de sangue? Parece até que se esqueceu como se luta. 

— Solta as facas…! — gritou Kentin, do outro lado do terraço, apontando a espingarda na direção de Jade. Uma expressão de fúria contaminava seu rosto — Ou eu atiro! 

Jade ergueu as mãos para o alto em redenção e largou as duas facas, que se estatelaram no chão. O sorriso e o ar de confiança, no entanto, jamais saíam de sua face.  

Nós três já estávamos letárgicos àquela altura. Estávamos desprevenidos e exaustos depois de tantos dias sobrevivendo dentro daquela rotina. Jade não. Jade tinha se mantido durante todo aquele tempo à sombra de Peggy e Shermansky. Ele estava a pleno vigor e sedento por vingança. Nós sabíamos que, com ele, não haveria chance de qualquer negociação.     

Então Kentin apertou o gatilho.  

Entre eu e Armin, sua mira sempre foi a melhor -- mais precisa e técnica. Mas àquela distância, com a atmosfera turva que o chuvisco (que tinha aumentado) criava no ar e, provavelmente, por conta do ferimento no seu olho, o tiro passou longe e o estouro da arma foi mais como um tiro de largada: no exato instante do disparo, Jade correu na minha direção como um guepardo em plena caça. E eu, que mais parecia uma lebre, tremendo e sem conseguir segurar a katana com o corte ardendo no pescoço, o vi se aproximar numa velocidade incalculável. 

Uma arma nas mãos de alguém que não consegue manuseá-la é tão mortal quanto entregá-la nas mãos do seu próprio adversário. Por isso me desesperei: joguei a katana longe e tentei conter o corpo de Jade quando ele se chocou contra mim, me segurando pelo pescoço com as duas mãos e me repelindo para trás. 

O chão molhado do terraço escorregava feito sabão e senti meu corpo inteiro indo para trás. Meu único instinto foi agarrá-lo pelos cabelos longos da nuca e tentar levá-lo pro chão junto comigo. Cai por baixo e bati a cabeça no concreto duro e molhado. Doía como o diabo. Doída e ardia. Mas consegui fazer com que suas mãos soltassem meu pescoço. Ele era consideravelmente mais alto que eu e sua força também era colossal diante do estado que eu me encontrava. Estava desesperada e inutilmente tentava conter seus socos até que finalmente consegui prender minhas pernas no seu dorso.   

Buniel e Kentin corriam na nossa direção enquanto gritavam furiosamente. 

Giramos no chão numa confusão de socos até que finalmente consegui me livrar das suas mãos e levantar. Tentei correr para longe, mas Jade imediatamente também se levantou e tentou me segurar pela parte de trás do colar de tia Agatha que eu usava, puxando-o com força.    

O colar rompeu num impulso só. 

Vi o relicário em formato de coração subir para os ares e ser arremessado pela gravidade em câmera lenta, flutuando no ar e caindo, deslizando pelo chão numa velocidade de água corrente até precipitar pela borda do terraço e desaparecer. 

Jade aproveitou minha distração e desferiu um último golpe no meu rosto.

Nesse mesmo instante, surgiu no pensamento algo que me era igualmente doloroso: a lembrança de tia Agatha.

Lembrei da sua foto mais jovem guardada ali naquele relicário, que agora sumia da minha vista para sempre. 

Lembrei do seu cheiro. Lembrei dos tempos que vivíamos naquele apartamento apertado no canto da cidade, de aparente felicidade e estabilidade. Lembrei de quando eu a acompanhava nos hospitais para brincar com as crianças acamadas. Dos Natais e dos aniversários ao seu lado. Só eu e ela. Só nós duas. 

Senti medo. 

Senti um profundo medo me contaminando por dentro. 

Senti raiva. 

Uma fúria sem explicação queria explodir dentro de mim naquele momento. Meu coração doía. 

De repente, tudo ficou branco.

Não havia mais Jade. Nem o terraço. Nem os brados de Kentin e Burniel vindo na nossa direção.  

Não havia som, nem mais nenhuma memória. Também não havia mais dor. 

O mundo tinha se tornado como uma tela de pintura vazia. 

Apenas o mais puro nada.   

Mas eu ainda existia. Não havia nada de racional que eu pudesse usar para provar isso, mas eu sabia que existia.

Demorou algum tempo, mas, era como se de repente a vida tivesse sido inventada.

Senti as vibrações do meu peito e senti aos poucos que tinha um corpo físico. Olhei para baixo e observei que estava completamente nua. Verifiquei as palmas das minhas mãos, mexendo os dedos pra tentar assimilar a sua veracidade e se eu ainda tinha controle deles. 

Observei ao meu redor: tudo o mais puro branco, a mais pura ausência de tudo e de todos. A única coisa que ocupava aquele lugar era o meu corpo e o corpo dela

O corpo dela era igual ao meu. Tudo no seu aspecto físico nu era igual ao meu. A semelhança era tanta que, naquela composição que estávamos, de frente para a outra, separadas apenas por alguns metros de distância, era como olhar para um espelho. Mas era possível notar uma minúscula diferença, algo que fazia aquele reflexo me causar uma ligeira ansiedade, um incômodo, como se fosse uma cópia barata, alguma coisa que era eu e ao mesmo tempo não era eu.    

Ela abriu um sorriso:  

— Você finalmente veio.

Demorei para reagir; ainda sentia a letargia tomando conta sobre mim e de todos os meus músculos. Minhas cordas vocais pareciam paralisadas até eu conseguir verbalizar o que saiu de mim com uma agonia desesperada de medo:

Quem é você?! — sentia minha voz vibrar e reverberar, como um eco que sai de dentro de um poço.

Ela balançou os ombros: 

— Não é óbvio? — ergueu o braço e apontou para mim com o dedo indicador — Eu sou você. 

Neguei com a cabeça: 

— Você não pode ser eu. Você é aquela coisa! Foi. Foi você. Você quem matou a minha tia! 

Disparei pelo espaço vazio como se ali houvesse um caminho invisível porém concreto. Corri até aquela coisa, aquela coisa ruim, pulei no seu corpo e caímos juntas no chão enquanto eu espremia a sua garganta entre as minhas mãos.  

— Você matou a minha tia! Foi você! — eu rugia, olhando para aquela face que era a minha face e não era a minha face, e que continuava a sorrir intacta, como se meu golpe não surtisse qualquer efeito — Por quê?! P-por que você matou a minha tia…?! Ela era tudo o que eu tinha! Tudo! — comecei a soluçar enquanto lançava murros ao rosto daquela coisa, e a explosão de fúria agora vinha acompanhada de lágrimas que desciam compulsivamente, sem qualquer controle, turvando a visão. — A minha tia… a minha… a minha titia. Titia Tatá… Por que…?   

Senti a tensão da expressão se desfazer, agora entregue a um choro alto e histérico, quase infantil:

— Tia Tatá… Titia Tatá… Minha tia… Por que… Eu amava tanto a titia Agatha. Por que você fez aquilo? Por que…? Por quê?! 

Num piscar de olhos, o corpo dela não estava mais sob o meu. 

Havia uma porta à minha frente. Era a porta do velho apartamento nos arredores da cidade. O apartamento que eu e tia Agatha morávamos. As lágrimas do meu rosto pareciam ter se secado completamente. Encarei a maçaneta fria de ferro -- meu reflexo nela era uma distorção sem sentido -- e a abri.   

Atrás da porta existia um cômodo que mais parecia uma mistura de lembranças de todos os quartos que eu já havia entrado na minha vida. Havia uma garota chorando no centro do cômodo. Seus cabelos castanhos cobriam o seu rosto e seu choro me despertava um sentimento estranho, como se eu quisesse protegê-la. 

Sob passos cautelosos, me aproximei da pequena, me inclinando para baixo à sua altura e repousando ternamente a mão no seu ombro frágil:

— Por que você tá chorando? 

A menina me encarou com os olhos tristes e assustados. A menininha. A pequena Elsie me encarou.  

— Eu acho que fiz algo ruim — disse e soluçou. 

Balancei a cabeça e sorri:

— Tá tudo bem. Não tem como você ter feito algo tão ruim… — ri e coloquei uma mecha do seu cabelo para trás da sua orelha — Você é só uma criança.

A pequena Elsie ergueu suas mãos próximas ao meu rosto e disse:

— Então você me perdoa? 

Olhei para as suas mãos brancas, que de repente estavam cobertas de sangue. O sangue respingava como uma fonte sem fim. Apertei a pequena Elsie nos braços:

— Eu te perdoo — abraçava-a como se isso fosse cessar aquela fonte hemorrágica e o seu choro angustiante  — Eu te perdoo, Elsie. Lógico que perdoo. Tá tudo bem. 

A pequena Elsie desapareceu. O cômodo também. 

Tudo voltava a ser branco e vazio. Ela também voltava a aparecer frente-a-frente, como o reflexo de um espelho:    

— No dia em que Agatha foi morta eu quem guardei o cartão dela no nosso bolso, pra que quando você voltasse ao controle o achasse e iniciasse a sua busca sobre o assassino. Foi tudo pensando em te deixar uma pista da minha existência. Eu queria que você me descobrisse, Elsie. Eu queria que você me amasse. 

— Como eu amaria alguém como você? Uma assassina. Um monstro. 

— Você não entende. Você não percebe que tudo o que eu fiz foi pra te proteger. 

Senti minha cabeça fisgar de dor. Ela continuou: 

— Tudo que eu fiz foi pra nos proteger, Elsie! Você não percebe? 

— Você não precisava ter matado a tia Agatha. Você não percebe que matou alguém que nós amávamos?!

— Não, Elsie. Você amava Agatha. Por isso você quis esquecer todo mal que ela nos fazia e se fragmentou em duas partes. E assim manteve intacto o amor que sentia por ela… O ódio que você não conseguia assimilar se incrustou em mim, e eu só deixei que os meus desejos tomassem conta de mim na hora que a matei. Não me arrependo nem um pouco do que fiz. É naturalmente impossível para mim sentir qualquer sentimento por aquela mulher que não fosse ódio; porque eu surgi disso. E agora que você se lembrou de todos aqueles momentos de violência e tortura, você consegue entender porque eu existo. 

Ela continuou:

— Mas as suas memórias felizes também foram reais, Elsie. Não se preocupe. Elas existiram porque aquela mulher realmente nos amou em algum grau, à maneira dela. Mas, como Murple nos disse uma vez, Agatha sempre fugiu de si mesma. A inabilidade dela de confrontar o próprio passado e seu próprio interior foi o que impediu que ela construísse um futuro estável. E, agora que nós sabemos o verdadeiro passado dela, nós conseguimos entender um pouco melhor isso, não? 

— Eu queria que as coisas tivessem sido diferentes — suspirei. 

Irene sorriu carinhosamente:  

— Elas podem ser, agora. 

Demorei algum tempo, mas consegui abrir um sorriso tímido: 

— Tem razão. 

Ergui a mão na sua direção. Irene se aproximou de mim como se flutuasse no ar. Ela chegou tão próximo que eu pude sentir como se nos tocássemos, quase como se nos beijássemos. 

Seguramos nossas mãos.   





Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Identidade Homicida" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.