Identidade Homicida escrita por ninoka


Capítulo 73
Tempo fechado


Notas iniciais do capítulo

oi meus xuxus, tudo booom?
tentando não ficar tanto tempo sem postar, mas tá difícil! de qualquer forma, já estamos quase na reta final

boa leitura !!



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[Íris] 

 

Sempre quando pensava no meu pai, não conseguia sequer lembrar qual era a cor dos olhos dele. Só lembrava daquela carranca distante. Ah, e os braços cruzados; ele sempre estava de braços cruzados. Sólido e impenetrável como uma rocha. Claro que… eu não poderia esperar que ele fosse o homem mais dócil do mundo tendo a vida que ele teve e tendo que gerenciar uma família de assassinos. Não, eu não poderia -- mas eu esperava. 

Eu ainda esperava. Pelo menos o mínimo; pelo menos que ele me olhasse como ele olhava pros meus irmãos, filhos dos outros casamentos. 

E, quando paro pra pensar, talvez tenha sido por isso que minha mãe pediu o divórcio -- ela tinha se cansado dele; daquele homem que só pensava em levar uma vida podre do submundo. Mas eu não. Eu ainda queria o amor dele. E esse seria o prêmio que seria me dado quando eu ganhasse o jogo. 

Afinal, teria prova maior de que eu era uma verdadeira assassina caso ganhasse um jogo daqueles?! Jamais. Nem em mil anos. Por isso eu abracei a oportunidade de Shermansky sem nem pensar duas vezes; por isso, eu não desistiria tão fácil de chegar até o final. 

Mas agora eu me via retornando à realidade: estávamos no laboratório de química. Tinha acabado de romper o nó que Nathaniel tinha feito nos meus pulsos com um estilete que tinha encontrado num armário da sala. Algo no pequeno diálogo que tive com aquele trio parecia ter remexido alguns dos meus pilares. “Acabar com o jogo da Shermansky”? “Conseguir a liberdade”? Três moleques inocentes. É. Era uma doce inocência que eu sentia falta. 

Jun ainda estava desacordado no chão depois do golpe que tinha recebido; e, de pé ao lado do seu corpo caído, eu não podia deixar de olhar para ele com tristeza e raiva de mim mesma por ter colocado ele naquele lugar e, em algum nível, usado da paixão que ele nutria por mim. 

Talvez eu não pudesse tirá-lo de lá, ou até reparar o estrago que possivelmente tinha  causado nele; mas eu ainda podia tentar protegê-lo, de alguma forma. Então não o acordei. Não o toquei. Não fiz nada. Apenas peguei o canivete e saí do laboratório, vendo, pela última vez, seu corpo deitado através da fresta da porta antes de fechá-la completamente. 

Nós nos despediríamos ali.

Num golpe com o pé quebrei a maçaneta, de forma que ninguém pudesse abrir a porta pelo lado de fora. Virei para o corredor, pronta pra decidir o novo rumo que iria tomar. Sim. Meu objetivo… meu objetivo… Qual era? Para onde eu deveria ir? Continuei parada em frente à porta do laboratório. Quantas horas ainda restavam? Quantos killers ainda estavam no jogo? Eu… queria continuar jogando-o? 

Era inevitável; a voz de Nathaniel ecoava na minha cabeça o tempo inteiro com aquele mantra insuportável: “Nós vamos destruir o esquema da Shermansky...” 

Meu pai. Eu quero o amor do meu pai. Eu tenho que ganhar o jogo. Tenho que provar que sou uma assassina digna. 

Eu estava tão distraída pensando em todas aquelas coisas que não percebi a sombra larga que se formou sobre mim, vinda por trás, fincando algo afiado e extremamente doloroso nas minhas costas. Soltei um grito alto. Foram um, dois, três, quatro… sete furos nas costas. 

Arde tanto. Dói tanto… Não vejo quem é. Não vejo mais nada.    




[Armin] 

Depois de corrermos pra fora do ginásio com a adrenalina serpenteando nosso sangue, voltamos pra dentro do prédio do colégio. 

Eu voava pelo corredor principal, tão desesperado que os sapatos arranhavam no piso como tênis de atletas na quadra. Até que de repente senti falta da presença de Elsie e imediatamente brequei o passo. 

Olhei pra trás com o coração na boca de pavor imaginando que ela tivesse ficado pra trás, mas logo percebi ela há poucos metros, parada no meio do corredor. Nós não podíamos nos dar àquele luxo de ficarmos expostos; a escola era um campo de batalha e Elsie sabia disso. Por isso eu tive certeza que havia um motivo sério pra que ela se recusasse a andar; então me apressei até ela:

— O que foi? — perguntei enquanto me aproximava. 

Ela tentava esconder o rosto olhando pra baixo enquanto tentava vestir a blusa que ainda estava com o tecido caído pra baixo expondo seu sutiã:

— Só tô sem fôlego. Não consigo mais correr — disse, com a voz bem baixa e pequena. 

Estranhei sua atitude até perceber suas pernas tremendo. De repente, ouvi ela fungando com o nariz; tava chorando. Fiquei desesperado. Olhei para todos os lados pra ter certeza de que não tinha ninguém nos seguindo e virei pra ela estendendo a mão:

— Vem, vem…!     

Mesmo que ainda tentasse evitar que eu visse seu rosto, ela segurou minha mão; dali, avistei a porta mais próxima de nós e puxei ela comigo. Era a do banheiro masculino. Um daqueles “comunitários”, com mictórios, divisórias, espelhos. Inspecionei cada ala e canto -- novamente -- pra ter certeza de que estávamos a sós e, de alguma forma, seguros. Não tinha o que apoiar a porta principal pra barrar a entrada; fechei ela e apoiei as costas usando o peso do próprio corpo pra impedir que alguém abrisse a porta (como se isso fosse resolver alguma coisa...) enquanto torcia a todo instante pra que ninguém tivesse a ideia de tentar abrir, de todos os cômodos, justamente o que nós estávamos.

Elsie foi até a pia lavar o rosto; se recompor e tal. Percebi como ela estava pálida (coisa mais que esperada pela rotina daqueles últimos dias); jogava a água no rosto e depois se olhava no espelho com uma expressão melancólica, fraca como se fosse despedaçar. De repente, se apoiou na pia de mármore e começou a chorar convulsivamente. Fiquei perdido, desesperado. Larguei a porta e fui até ela, segurando seu ombro:

— Ele chegou a te  machucar? Fala pra mim. 

— Já tá tudo bem, tudo bem — engoliu o choro enquanto abanava uma mão no ar e tentava cobrir o rosto com a outra — A gente teve sorte que eles eram um bando de burros.   

Elsie era muito boa em tentar se fazer de impenetrável quando dava na telha; mas era simplesmente impossível não perceber quão fragilizada e desgastada ela se sentia com tudo aquilo. Naturalmente, àquela altura já não tinha psicológico que pudesse se sustentar. Foi como a gota d’água. Eu me sentia agradecido por nada pior ter acontecido à ela; mas também senti como se ali houvesse uma parte de culpa minha. Me senti fraco por não ter conseguido ajudá-la. Aquela pulsão, aquela coisa bruta que fervia dentro de mim sempre que eu me lembrava da sequência desesperadora de cenas de Dake segurando Elsie e tentando violentá-la… Ah, isso fazia a minha garganta dar um nó. 

— Preciso de um banho — disse Elsie, inclinando o peso do corpo sobre os braços apoiados sobre o mármore enquanto olhava fixamente para o próprio reflexo no espelho; o tom de voz cinza e inexpressivo. Aproximou o rosto do espelho e cutucou um pequeno corte seco que tinha feito no topo da testa, avaliando-o.   

Cruzei os braços e suspirei fundo -- entrava nesse modo quando me sentia desconfortável por não saber muito bem o que fazer. Fiquei observando Elsie, lateralmente, na sua tarefa de inspecionar o próprio machucado. Conforme ela fazia o movimento de alisar a própria testa, acabei percebendo o cronômetro posto envolta seu pulso magricelo e, mais que isso, a contagem que mostrava inserida nele: 60 horas. 

Parecia até grande coisa, mas equivalia nada mais que dois dias e meio. Dois dias e meio… O que são dois dias pra aniquilar uma vida contra a sua vontade? O que são dois dias e meio dentro de uma guerra?! Era bizarro pensar no pouco tempo que estávamos lá e o tanto de coisas que tinham acontecido naquele minúsculo período. As brigas, os conflitos e o sangue. Nem todos aqueles meses em Sweet Amoris seguindo as regras normais tinha nos exposto a tanta brutalidade num ritmo tão frenético. Era, sem dúvidas, um veneno pra alma. 

Naturalmente, pensar no buraco que tínhamos nos enfiado acabava me lembrando de Kentin; e, naturalmente, isso fazia eu me sentir um merda. Não era difícil eu me jogar num ciclo de pensamentos autodepreciativos, e eu já tava prestes a me afundar nisso, quando Elsie me arrancou de dentro da minha própria cabeça com uma única frase: 

— Tá chovendo — falou, com a voz miúda, com uma inocência de criança, enquanto olhava pra janelinha no topo do banheiro. 

De fato, dava pra ouvir o chiado da chuva vindo lá de fora. O cheiro de terra molhada entrou pelo cômodo com uma brisinha fria; veio a sensação de desamparo. Fiquei observando Elsie, calada, hipnotizada pela chuva além da janela. De repente, ela se desviou -- nossos olhares se cruzaram. Elsie franziu a extremidade do lábio num sorriso triste e doloroso -- tanto eu, quanto ela sabíamos: o tempo era curto. 

Não tínhamos mais armas, nem comida; só um ao outro. E, talvez, essa fosse a única coisa que nos impedisse de enlouquecer dentro daquele lugar. 




 

[Nathaniel] 

Alguns minutos depois de darmos um jeito em Jun e Íris, estávamos definitivamente prontos pra botar nosso plano “Sinal de Fumaça” em prática. Subíamos em fila, correndo freneticamente pela escadaria de emergência da escola. Nosso objetivo? Chegar ao terraço.

Kentin ia na frente, carregando a mochila com todos os materiais para a reação química; ele tinha preparo físico e força bruta e, por isso, embora todos os obstáculos que tínhamos passado e o seu olho extremamente afetado, seguia firme e forte. Burniel tinha a agilidade quase de capoeirista (que eu tinha descoberto muito recentemente) e subia os degraus pulando de dois em dois enquanto segurava a espingarda nas suas mãos (que, diga-se de passagem, pareciam muito imaturas e delicadas pr’aquele tipo de armamento). Eu, claro, seguia atrás; exausto, sem fôlego, mas conseguindo acompanhá-los somente por conta da loucura da adrenalina; levava a katana que pertencia a Jun empunhada na mão. 

O fato de não termos mais que nos preocupar com o tempo dos tais “cronômetros” era um alívio, mas isso não tornava o nosso tempo menos escasso. O quanto antes parássemos aquilo, maiores as chances de salvar mais pessoas -- esse era o único pensamento que me mantinha seguindo em frente sem nem pensar no quanto meu corpo se deteriorava com aquela rotina dos infernos. 

Tudo estava nos conformes; tudo seguia bem. Estávamos já no começo da escadaria do terceiro andar. Em poucos segundos estaríamos diante da porta do terraço (que provavelmente estaria trancada, mas nós já tínhamos nos precavido quanto a isso). A questão foi que, assim que viramos uma etapa da escadaria (afinal, ela era uma espiral) e encaramos a porta de ferro massivo que levava ao nosso objetivo alguns degraus acima de nós, ouvimos um estrondo violento vindo lá de fora. Congelamos onde estávamos e viramos uns pros outros até compreender o que tinha sido aquele barulho.

— Foi… um trovão? — perguntou Burniel. 

Atentamos nossos ouvidos para o lado exterior ao das paredes que nos cercavam -- ruído de chuva. Isso implicava somente uma coisa, que Kentin logo fez questão de dizer, do topo da escada enquanto se virava pra nós dois:        

— Plano “Sinal de Fumaça”. Cancelado.

 


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Notas finais do capítulo

a morte da íris terá um papel decisivo lá pro final............................... beijinhos..................*desaparece numa cortina de fumaça*



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