Um mundo além do mundo escrita por Lobo Alado


Capítulo 48
Doce controle


Notas iniciais do capítulo

Olá! Eu escolhi esperar para postar este. Eu diria que agora estou muito feliz, e surpreendo-me que essa sensação não seja algo que eu sempre me acostume... me satisfaço sempre de forma surpresa quando venho postar um capítulo. É sempre tão... mágico!
E me sinto grato por isso. Este capítulo me proporcionou uma visão mais ampla das coisas, e me fez buscar por outras coisas interessantes, me revelando novos pontos que gostarei de trabalhar... Esperem por isso.
Espero que tenham uma boa leitura, até lá em baixo!



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Serje amparou o floco de neve que trespassou sua vista como quem segura uma moeda jogada às pessoas em uma taverna. Aquela manhã chegou forte e fantasiada de nevasca para quem dormira fora da pequena rachadura que era a caverna que os abrigava.

O horizonte era um sussurro violeta e extremamente discreto entre os brilhos brancos que eram as estrelas. As árvores ao redor da caverna que seriam antes apenas vultos negros à sua visão, agora eram nítidos seres vivos cravados na terra. Ele finalmente considerou adentrar a caverna e checar Yonärea e os Fäghros que mantinham-se escondidos em seus resguardos. Zoräes era dois olhos desiguais na escuridão, atentos e solenes, sempre lhe dizendo algo. O seu prateado de fios grossos era visível aos seus olhos muito sensíveis, principalmente quando se tratava do lobo. A sensibilidade...

Serje abaixou o capuz e voltou-se para a rachadura. Lady Yonärea mantinha lanternas coloridas dentro da caverna, que derramavam cor nas paredes irregulares, criando desenhos de sombras e luz. Destacadas viam-se as variedades de cores que eram os olhos desiguais dos Fäghros resguardados na caverna. Os pelos eram fios de luz que seguiam o espaço. O rapaz sorriu ao observar o ambiente de dentro da caverna, sentia a mesma sensação de contemplar uma pintura.

Três Fäghros, além de Zoräes, mantinham-se ali. Os diversos da espécie dormiam em cima das árvores ao redor da caverna. Serje sentia um mar de energia envolvendo aquela área. Eram aglomerados de sentimentos e profundezas que ele não sabia denominar e absorvia com cuidado.

Lulina parecia ter razão... Os Fäghros tinham a alma ao redor do corpo, e quando juntos, isso era muito perceptível. A presença dos sentimentos era líquida. “Fäghros costumam ser solitários, então se torna mais difícil perceber como suas almas são expostas.”  Lulina lhe dissera quando falou a respeito. “Quando juntos, criam uma cadeia de energia que causa uma distorção na atmosfera. Pode chegar a causar delírios e alucinações a quem está perto, se a alma dos lobos estiver muito carregada.” Sorrira. “Dávya descobriu tudo isso, rapaz... Ela acreditava que os Fäghros eram de outro lugar antes de virem até a Alagaësia, e que lá eles não eram vulneráveis como aqui, e nem separados. E explica que esta distorção no ambiente causada pela mistura de suas almas era um método de defesa ou caça em bando. Eu apelidei o fenômeno de ‘caça dos fantasmas.’ já que são almas unidas e envolvidas no ambiente, perturbando as mentes que se fazem suas vítimas. Dávya não gostou muito, mas acabou aderindo... Agora que os Fäghros têm uma chance de unir-se novamente através de você, podem tornar-se uma das coisas mais poderosas deste lugar.” Ela concluíra por pouco tempo, sempre encontrando algo a mais para falar a ele.

A velha bruxa saíra uma noite depois dos Fäghros chegarem. Serje não entendera muito bem. Ela disse “Nos vemos em breve, Líder da Alcateia.” E saiu com muita disposição em suas roupas pretas, com um caminhar paciente e uma silhueta assustadora pelo deserto de gelo. Serje não sabia se queria ou não vê-la novamente.

— Já faz dois dias que os Fäghros pararam de chegar, acha que devemos permanecer aqui? – Serje perguntou assim que Yonärea abriu os olhos de sua meditação.

— Não sei... – Ela relaxou os ombros. – São muito poucos, esperava que mais viessem. – Serje nunca vira a elfa tão reflexiva como naquele momento. Talvez ela começasse a abandonar sua postura misteriosa diante dele, ou talvez ele apenas a estivesse vendo com mais clareza.

— Podemos procurar por mais áreas... Lulina disse que talvez um pouco menos que a metade dos últimos Fäghros que vivem estão aqui. E são apenas cinquenta e três até agora, você mesma disse. – Disse observando o menor lobo de asas que veio até seu encontro, o de pelos cinzentos. Seus olhos eram um violeta e um azul claro como neve. Ele sabia que o seu olho violeta significava que ele pouco gostava de se transformar, e por isso mantinha suas asas o tempo todo. ­– Existem também aqueles que são muito novos, e ainda não possuem asas... Devem haver alguns por aí. – Disse ele pensando em como cuidaria de filhotes da maneira correta.

— Por mais improvável que seja, você está certo. – Respondeu ela esticando as pernas pelo chão rochoso que ela mesma limpara com sua magia. ­– Filhotes são muito raros... Fäghros raramente acasalam. Zoräes foi gerado apenas com a ajuda de Dávya. Ela juntou o casal de lobos que o gerou, e não foi fácil. A maioria dessas criaturas que aqui estão, Serje, possuem centenas ou talvez milhares de anos.

Serje franziu os cenhos diante da informação.

— Dávya manipulou o acasalamento dos pais de Zoräes? – Sua voz soou mais estranha que planejava.

Yonärea pareceu endurecer o rosto, mas ele não tinha certeza. De qualquer forma ele retesou-se, desejando fazer algo para moldar um pouco de simpatia naquele belo rosto.

— Ela precisava saber como acontecia, e o nascimento também. Observar a vida de um Fäghro desde o princípio também era preciso.

Serje era invadido por um sentimento estranho. Zoräes era produto das experiências de Dávya... por mais que ele compreendesse, era... estranho.

— Então partimos? – Ele perguntou, guardando seus outros questionamentos.

— Esperemos a manhã clarear mais. – Os olhos azuis destacados pela iluminação piscaram. E seu rosto anguloso era invadido por lampejos das luzes coloridas. Em alguns momentos aquele rosto forte e suave em dosagens iguais prendia Serje... E ele sentia que alguma coisa no olhar da elfa mudara depois que ele se transformou, parecia ser mais demorado e mais cravado, como que recheado de uma discreta curiosidade, mas não só isso... Era uma curiosidade muito distinta.  

...Mas talvez estivesse errado.

*

A sua barba pôs-se a abrigar flocos de neve que derretiam e espalhavam-se por seu queixo, e todo aquele frio o deixava eufórico. A manhã já era bastante clara, com seu céu branco borrado de cinza em seu mais distante horizonte. Era a neve que caia mais distante. Yonärea deixava a caverna para juntar-se a ele.

A elfa respirou o ar da manhã enquanto observava as discretas criaturas deixarem suas árvores para ir de encontro a Serje. Pelos pretos, marrons, cinzas, brancos, amarelados, vinho,  e ainda mais variações nas cores dos olhos. Os lobos de asas aproximavam-se de Serje com passos manhosos, como se reconhecessem a alma dele, e o considerassem um deles. Eles deitavam em sua volta, sentavam-se ou simplesmente mantinham-se por perto, como se ele fosse um pai.

Yonärea olhou-o por algum tempo, sua boca rosa muito clara e visualmente macia semiaberta diante das criaturas, com olhos vivos de atenção e mãos fechadas, como que parasse para entender o ambiente ao redor. Ele devolveu o olhar, sentindo a fundo a respiração dela, que parecia puxar um pouco do mundo para dentro dos pulmões. Ela sorriu.

— Isto é a coisa mais incrível que eu já vi. – Disse e aproximou-se de uma das criaturas para acaricia-la.

Serje também riu-se.

— Nesses meses, eu já perdi a conta de quantas vezes vi a coisa mais incrível de minha vida.

— Então aproveite, Serje das montanhas. – Ela coçava a orelha de um Fäghro dourado.

Quando resolveram partir, asseguraram-se de contar quantos Fäghros haviam. Todos os cinquenta e três estavam presentes. De qualquer forma, Serje sentiria se algum resolvesse ir embora.

O rapaz montou Zoräes com rapidez e estendeu a mão para Lady Yonärea quando algo lhe passou pela mente... Ele cerrou os olhos fitando a elfa.

— Não quer tentar voar sozinha? – Ele apontou para os Fäghros com um meio sorriso.

Ela olhou-os pensativa, por um momento. Virou-se com exclamação nos olhos. A momentânea indecisão apoderou-se de suas feições, fazendo Serje lembrar-se da primeira vez que a viu, sentada no trono de folhas, e em como era diferente agora. Era incrível descobrir como as informações transformavam o que se via.

— Estão todos ligados a você, Serje. – Respondeu com convicção.

— De que importa? – Ele questionou dando de ombros.

Ela abaixou a cabeça por um instante. Então segurou sua mão e encontrou-se no dorso de Zoräes.

— Quem sabe outra hora.

*

O céu de ventos densos prometia poucas direções. Atrás de si e à frente vinham os lobos de asas, compartilhando aqui e ali lembranças suas para ele, que as lia com atenção, tentando descobrir onde seria mais provável encontrar outros Fäghros.

— O que você vê? – Perguntou Lady Yonärea de suas costas. Serje permitira que ela tocasse sua mente para absorver as visões dos Fäghros, então a pergunta lhe estranhou.

— Você não pode sentir?

— Sua mente está... muito resguardada. – Ela respondeu singularmente. – Você não está lembrando dos exercícios que lhe ensinei. – Parecia muito desapontada.

Serje estalou a língua, com raiva.

— Desculpe-me, não me distrairei novamente. – Ele fechou os olhos momentaneamente e tentou alcançar a elfa com a mente. Ele expeliu-se desajeitadamente, mas por fim, com algum esforço, alcançou-a. Lhe mostrou tudo o que podia, e antes de retirar-se, reparou mais uma vez na densidade puxante que era a mente da elfa. – Eu não tenho tantas esperanças de encontra-los através das lembranças deles... Eles não vivem em bandos, sabemos disso!

— Não. – Repetiu ela melodiosamente. – Mas são sábios, e não devemos ignorar o que nos dizem, tenho certeza.

Serje franziu os cenhos tentando desvendar a diversidade de sentimentos que recebia das criaturas. Não daquele momento, mas já dos dias passados, ele sentia-se cada vez mais alterado pelos sentimentos que os Fäghros lhe proporcionavam. A forma como via o mundo estava mudando, a sua própria profundidade parecia mais carregada e extensa, como se houvesse um grande poço infinito dentro dele, muito antigo e esquecido de conhecimentos. Ele tentava ignorá-lo, mas era uma parte de si que crescia a cada dia. Às vezes era uma parte escura, outras vezes colorida, e no começo... estava matando-o e o enriquecendo de vida violentamente ao mesmo tempo.

Beiravam as paredes montanhosas ofuscadas pela neve do ar, voando entre céu e pedra cuidadosamente, quando, por fim, depararam-se com o branco do horizonte limpo. Haviam deixado as montanhas para trás, e só restava a neve até o mar. O horizonte era uma linha sem contraste e pacífica, desprovida de calor e vida. Apenas a pura e densa paz, alertada pelo denso uivar do vento.

Zoräes e os outros Fäghros declinaram com o consentimento natural que emanava de Serje. Passou por seus planos dar a volta, mas... Algo lhe puxava para adiante. E quanto mais seguia, mais era claro que não queria voltar.

— Vamos pousar na costa um momento... – Ele disse para a elfa, esperando por questionamentos. Mas ela apenas apertou mais forte seu ombro quando declinaram mais.

O branco os cegou até que chegassem definitivamente ao chão e ao barulho das ondas. Ali, a neve confundia-se com o mar, e o pousar dos Fäghros foi inesperado para ele, que observava as criaturas mergulharem as asas na água sobre a neve e arrancarem gelo do chão com seus focinhos, para logo depois chacoalharem.

Serje acomodou-se melhor em sua capa e saltou do dorso do lobo branco, que tinha agora patas. Seus olhos cerraram-se e procuraram algo pelo ambiente... Ele sabia que tinha algo para procurar, sentia isso. Seu nariz respirou cheiros escondidos quando levantou a cabeça. Serje mantinha as mãos abertas e as sobrancelhas franzidas, ele não pensava, apenas seguia seus instintos.

— O que houve, Serje? – Yonärea perguntou de olhos cerrados, tentando respirar o mesmo cheiro que ele.

— Há alguma coisa aqui... – Disse ele franzindo o nariz. – Observe-os enquanto não volto. – Ele pediu assim que se pôs a correr.

Mas os lobos vieram consigo, tão velozes quanto ele, e Yonärea não escolheu ficar para trás. Assim, foram atrás do que Serje sentia, e os Fäghros também, evidentemente.

Os passos velozes do rapaz voltaram a sentir o chão novamente quando ele discerniu outra cor que não fosse branco às margens do mar. Serje parou de repente, com medo do que encontraria.

Avançou lentamente, observando a silhueta ganhar forma, deitada e quieta. Seus olhos fitavam um igual, de pelos eriçados e manchados pelo sangue. Era um Fäghro que morria na beira do mar.

— Por Deus... – Ele deu os últimos passos até estar junto da criatura. – Precisamos curá-lo, Lady. – Disse ao agachar-se e sentir o odor do sangue e da carne.

O Fäghro tinha o pelo marrom. Sua respiração era um puxar violento de boca aberta, sugando o que podia do ar. Os olhos desiguais, verde e laranja, já não lutavam para permanecerem-se abertos por inteiro. Suas asas destroçadas banhadas da agua salgada tremulavam de momento em momento. A perna era um sulco aberto e violentamente profundo.

Yonärea aproximou-se com passos retesados e tensão nos ombros.

— Não sei se conseguiríamos fazer algo além de causar sofrimento a ele, Serje. – Ela disse com uma boca desdenhosa e olhos tristes cravados na criatura. – Sua morte não tarda... – Ela disse, estendendo a mão para tocá-lo, e o fez...

Assim que a palma longa e branca de sua mão alcançou os pelos, a garganta rompeu em um grito carregado. Yonärea afastou-se cambaleante, levantando-se em choque do leito de morte do animal.

— Yonärea?! – Serje foi até ela e hesitou a poucos passos, quando ela ergueu a mão. – Você está bem?

Ela respirou fundo.

— Eu... eu estou bem. A mente dele está... muito exposta. Eu fui invadida, recebi um fluxo muito grande de energias.

Serje franziu o cenho olhando para o lobo.

— O que você viu? – Ele agachou-se diante do Fäghro e estendeu a mão.

— Cuidado... – Ela alertou-o, aproximando-se. – Não sabemos com o que estamos lidando, a mente dessas criaturas é um poço profundo.

— Nós sabemos sim. – Disse e fechou os olhos, deitando a mão nos pelos eriçados.

Serje expandiu a mente, sentindo a densidade da energia no ar, carregada de agudas sensações agonizantes e gritantes entre saberes esquecidos e sombrios. Algumas pinceladas de uma vida toda também eram sentidas. Sentia-se sugado por toda aquela informação, como se a grandeza o dissesse que era fraco demais para existir, mas ao mesmo tempo o exaltava. Por um momento Serje perdeu-se, até que tudo explodiu em sua mente, até que se tornasse imperceptível.

Ele abriu os olhos.

— Está morto. – Concluiu com a voz fraca, de boca aberta diante de tudo o que absorvera naquele curto tempo. – Sua alma se foi... – Era estranho dizer aquilo, principalmente depois de sentir com a própria mende a vida o deixando com aquela tamanha intensidade.

Levantou-se sentindo o vento o envolver. Seu olhar bateu no horizonte e os pés caminharam em vão. O que o matou? Ele perguntou-se, e as lembranças da alma do Fäghro começaram a chicoteá-lo.

— Serje... Você está bem? – A voz soou, e as lembranças continuavam a chicoteá-lo. – Serje!

As mãos o seguraram com delicadeza e rapidez. Seu olhar não as via, e não queria, naquele momento.

— O que houve! – A voz lhe invadiu entre as lembranças.

Serje virou o rosto devagar para fitar a preocupação no rosto corado de uma elfa. Ele grunhiu incomodado e mostrou as presas, invadido pelo aborrecimento. Afastou a mão que o segurava e levou seus dentes, com um rugido, violentamente ao rosto que se esquivou. Sua garganta vibrava ameaçadoramente enquanto via a elfa puxar sua espada com um rosto estupefato. 

— Serje, por favor! O que houve? – Ela perguntou mais uma vez. Ele não lhe deu atenção, tinha de sair dali.

Serje virou-se e correu.

*

Não seguia uma direção determinada. Qualquer lugar que houvesse o cheiro do branco lhe agradava... por hora. Suas patas afundavam a neve com violência, e era tudo o que queria fazer.

Não havia mais nenhuma montanha ali. Tudo era neve e até o mar ficara para trás... Ele sabia que tinha de encontrar seus irmãos, mas não podia fazer isso agora, não perturbado como estava. Então corria.

Sua corrida fez do céu mais escuro, com a proximidade da noite, e o branco do chão também se transformava, aos poucos. Depois de um momento, já não sabia o porquê de estar correndo. Ergueu a cabeça e uivou, andando em círculos. Mudou sua direção e voltou a correr, talvez estivesse procurando uma montanha para aquele horizonte.

E dali vagou por sabe-se lá quanto tempo, e sabe-se lá por onde, passeando nos sonhos e nos toques da vida naquela terra estranha.

Lembrava-se de voltar aos seus irmãos, e lutar por um pedaço de carne. Lembrava-se também de rever a familiar montanha, adentrar numa caverna e, por fim, do rosto preocupado o fitar, com os olhos azuis tão familiares.

E seu cheiro também, aquele viajante cheiro lhe era reconhecível. Ela lhe disse coisas que ele escolheu não ouvir, e arriscou-se aproximar-se o suficiente. Ele mostrou-lhe os dentes e foi até o canto da caverna.

Em sua confusão, perdeu-se, e já nada fazia sentido.

*

Sua boca abriu-se involuntariamente, e com um susto ele despertou. Seus olhos fitavam confusamente os sulcos no teto da caverna. Seus cachos estavam assanhados e lhe grudavam no rosto de suor. Sua cabeça doía.

Serje grunhiu e olhou para o lado. Yonärea estava ali do seu lado, hesitante. Quando ele fez menção de levantar-se, de cenhos franzidos, ela afastou-se devagar, segurando o cabo de sua espada. Seu olhar assustado e atento lhe doeu no coração.

Percebeu que suas roupas estavam rasgadas, e elas lhe pareciam quase partes de seu corpo ao toque, era uma sensação muito peculiar e engraçada.  

— Yonärea... – Ele pôs a mão na cabeça. – Eu tive... sonhos estranhos. – Balançou a cabeça, como se fosse resolver as dores. – O Fäghro... ele morreu. O que faremos com o corpo?

O rosto dela pareceu ainda mais assustado, e ela aproximou-se, cautelosa. Algo estava errado! Ela não deveria agir assim, não era natural.

— Serje... – Ela tocou sua testa. – Você está com febre... Não lembra o que aconteceu ontem? – A pergunta veio numa entonação que lhe dizia: Algo está errado!

Ele olhou-a por algum tempo, e abaixou a cabeça, sem dizer nada. Fechou os olhos e os sonhos vieram a sua cabeça. A violenta luta com um lobo por um pedaço de caça. Sua caminhada pelas planícies de neve, o retorno à caverna... O rosto preocupado de Yonärea.

Ele franziu os cenhos e fitou o rosto dela... A preocupação que carregava era a mesma do sonho, por mais que menos intensa. Então ele atentou-se para os rasgões em sua roupa. Ele olhou para os braços, com a respiração ofegante. Vários arranhões os cobriam, e seu ombro doía.

— O que aconteceu, elfa? – Ele perguntou, sentindo a febre subir à sua cabeça. – Diga-me! – Ele pediu, finalmente assustando-se.

Ela segurou sua mão.

— Você não sabe?... Serje? – Fechou os olhos, e ele pode sentir a sua energia bater à porta da mente.

Ele permitiu que ela viesse, e absorveu as lembranças: Ela estava à beira da rachadura, esperando. Quando veio a ela a criatura, seus pelos cinzas e eriçados. E os olhos... Eram um vermelho e um dourado, como os de Zoräes, mas aquele era menor, parecia mais um lobo comum que um Fäghro. A criatura mostrou-lhe os dentes e foi deitar-se, rodeando a si mesmo antes de encostar-se na parede.

Serje abriu os olhos. Arregalou-os, na verdade.

— Era eu? – Ele perguntou estupidamente, sentindo um medo sombrio invadir seu coração para habitá-lo. – Eu... eu transformei-me naquilo?!

Yonärea parecia mais calma agora que ele entendia.

— Eu estava certa quanto às cores de seus olhos. – Ela apertou forte sua mão quando ele pôs-se a ofegar freneticamente. – Acalme-se, descanse, você ainda tem febre... – Ela segurou seus ombros e deitou-o. – Não se preocupe, ter duas formas se tornará mais aceitável com o passar do tempo. – Seu olhar ocupou uma simpatia acolhedora.

Serje suspirou e segurou o braço da Lady.

— Prometa-me. – Ele mordeu o maxilar. – Quando sairmos daqui, você não contará isso para ninguém.

Ela retesou-se, mas então assentiu com bastante seriedade, voltando a apertar sua mão, sabendo que ele precisava de forças naquele momento.

— Eu lhe dou minha palavra, Serje das montanhas. 

  


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Notas finais do capítulo

Bem, é uma nova perspectiva, e, por mais que já esperada por mim, absolutamente surpreendente... A forma como se deu este capítulo foi um grande mistério para mim até que o escrevi. Atendi minhas expectativas, e o melhor, ganhei novas expectativas... e animadoras!
Isto me fortalece.
Bem, esperem pelo próximo, pois ele com toda certeza virá! E as férias estão chegando!!!!
Até mais, amigos.
12/11/16



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