61ª Edição dos Jogos Vorazes escrita por Triz


Capítulo 5
Capítulo 5 - Cerejas da Madrugada


Notas iniciais do capítulo

Mais uma vez obrigada por lerem e por comentar! Esse é um capítulo que me dediquei muito para escrever, então espero que gostem!



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Voltei ao 5º andar mais tarde, Jass e Bree estavam no sofá conversando. Jass com sua cara de choro habitual e Bree com uma face raivosa que jamais havia visto, nem nos tempos em que ela estava lutando na arena. Pergunto-me o motivo disso, mas ao invés de falar diretamente com elas, sento na mesa, pegando uns pedaços de bolo para comer.

— Que bom que chegou, Geoffrey — diz Bree, cuidando do corte que Jass fizera mais cedo. Sua voz parece irônica, como se não fosse bom que eu estivesse ali. E de fato, para ela minha presença deve ser como uma pedrinha dentro do sapato. — Por que não treinou com Jass? Saiba que alguém desse distrito tem que sobreviver, então suas forças devem se unir.

— Não sou obrigado a treinar com ela — respondo. Bree me olha com uma expressão de ódio ainda pior, como se a qualquer hora fosse saltar em meu pescoço e me estrangular. — Me viro melhor sozinho.

Bree semicerra os olhos.

— Ah, mas fiquei sabendo da garota do Distrito 6, não é? Estão se dando bem. Vão se aliar?

— Eu já disse que me viro melhor sozinho. Não preciso de ninguém, nem de Astrid, nem de Roseline, nem de Jass. Pronto.

Jass começa a chorar, repetindo várias vezes a frase "sou uma inútil". Bree a olha com dó, mas quando se vira para mim, sua expressão volta ao ódio extremo. Se não fosse proibido, teria certeza de que à essa hora, Bree estaria cravando suas unhas em minha cara.

— Como ousa...

De saco cheio, reviro os olhos.

— Vou para o terraço. Diga à Dominique que saí.

Não mereço essa gente. Nunca fiz nada para Bree - talvez o fato de eu ter nascido a incomode, mas não há nada a fazer sobre isso além de morrer (ainda não é hora para isso). O que é que tenho de tão ruim? Tudo bem que descartei Jass como lixo, mas eu prefiro fazer isso do que me aliar à ela e arcar com as consequências depois.

Se bem que ela nunca poderia me matar, e isso é um ponto positivo, só que ela seria um peso morto.

Quase batendo os pés no chão de tanta fúria, pego o elevador para o terraço. Assim que ele chega, encontro aquela brisa suave e a mesma melodia de ontem.

— Olá, Astrid — digo, sentando-me ao seu lado.

— Olá, Geoffrey — responde ela, deixando o violão um pouco de lado. — Vejo que está frustrado. Quer falar sobre isso?

— Só preciso de um pouco de paz.

E então eu e ela cantamos até que o meu sono falou mais alto. Apenas retornei ao 5º andar, tomei um banho e deitei, tentando ao máximo evitar pensamentos sobre a minha equipe da Capital.

[...]

Quando amanheceu no próximo dia de treinamento, decidi que estava suficientemente bom com o arremesso de facas, então segui Astrid até as estações de livros. Era hora de adquirir algum conhecimento teórico, afinal, de que adiantaria lançar facas como um Carreirista e morrer por não saber distinguir frutas venenosas? Seria vergonhoso.

Astrid separa algumas coisas que estudaremos, como frutas e livros, e as deixa em cima da bancada à nossa frente.

— Hã, acho que está tudo bem com as facas — digo à ela, antes de começarmos a estudar Cerejas da Madrugada, frutinhas que fazem a pessoa cair em um sono profundo. — Então hoje é o dia certo para treinar a parte de sobrevivência, que não sei nada.

— Ok, então vamos começar.

Astrid esmaga algumas Cerejas da Madrugada num potinho, fazendo um líquido avermelhado sair delas. Depois, ela separa o suco e o guarda num vidrinho, e em seguida no bolso.

— Ué, por que vai colocar isso no bolso? — pergunto.

— Eu tenho um plano porque estou com ódio de uma certa pessoa. Não conte à ninguém.

— Você é má. Isso será perigoso?

Ela dá uma risadinha.

— Quando se está de frente com a morte, nada mais parece perigoso — Astrid dá uma olhada ao redor para checar se não há nenhum tributo por perto. Graham, aquele grandão do Distrito 9 que gosta de estudar está por aqui, porém parece concentrado em seu livro. Além dele, estão os irmãos do Distrito 7, só que o mais velho, Keith, está mais preocupado em ensinar a caçula de treze anos, Antonia, sobre plantas medicinais. — Enfim, vamos ao plano.

Astrid e eu ficamos de frente, sentados nas cadeiras da bancada cheia de vidrinhos com líquidos, que me lembra um laboratório. O tilintar das armas dos Carreiristas treinando é audível, assim como gritos e brigas muito barulhentas.

— Você sabe que eu odeio meu estilista, não é mesmo? — ela pergunta, e eu concordo balançando a cabeça. — E ele me odeia. Por um acaso descobri a salinha dos trajes no dia do desfile. É apenas uma porta no Centro de Transformação. Não cheguei a entrar, mas vi a movimentação dos estilistas por lá.

— Acho que já entendi. Vai fazer seu estilista dormir, entrar lá e pegar um vestido bonito para a entrevista, porque provavelmente o seu será uma porcaria. Ok, como vai fazer para entrar lá sem ser pega? E se seu estilista acordar?

— Eu sou pequena, portanto fácil de me esconder — como uma profissional, ela explica. Parece que o plano fora milimetricamente calculado em sua mente. — Não preciso me preocupar. E já tomei conta dos problemas com o veneno. Aumentei a concentração de Cerejas da Marugada em cinquenta por cento, o que não deve causar riscos à saúde, mas prolonga o sono. Vai dormir por umas duas horas, tempo suficiente para a entrevista.

— E se ele ficar bravo com você quando acordar e, sei lá... — faço uma pausa. — Te matar?

— Ele não poderá fazer nada contra mim — Astrid diz confiante. — Acho que são alguns dos benefícios de tributo.

— Não há benefícios em ser tributo — digo. — Talvez a vitória e fama, só que isso não é nada comparado aos seus traumas futuros.

Astrid dá de ombros.

— Bom, fui uma garota certinha a minha vida inteira. Está na hora de quebrar as regras. Se eu morrer, quero que seja com estilo. Bom, vamos voltar ao treino de sobrevivência. Amanhã serão as Avaliações Individuais, então quero me certificar de fazer tudo certo.

Grande plano. Astrid realmente tem uma mente que trabalha muito, e ela está disposta a correr riscos agora que sabe que não tem escapatória dos Jogos Vorazes. A única coisa que me deixa um pouco triste é que só agora que sua vida está pendurada por um fio que ela está aproveitando o que deveria ter feito a vida toda. Mas eu me sinto assim no fundo, também. Por mais que eu já tenha vivido a fuga do orfanato, sinto que minha vida deveria ter sido mais aproveitada.

Por que só damos valor à vida quando estamos de frente com a morte?

Saindo dos meus pensamentos melancólicos, volto a me concentrar em meus estudos.

Astrid volta a folhear seu livro, lendo um pouco sobre como criar nuvens de fumaça para disfarces e armadilhas. Enquanto isso, estudo algumas dicas de sobrevivência. Ficamos assim por muito tempo, e quando está na hora de ir embora, pergunto:

— Astrid, será que pode me emprestar um pouco de seu veneno?

— O que planeja fazer, Geoffrey? — pergunta ela, com um sorriso de canto de boca.

— Eu já te disse que odeio minha estilista?

Astrid ri.

— Nos encontramos no terraço, então. Eu levo o suco. Combinado?

— Combinado.

Depois de irmos de volta aos nossos andares para o jantar, nos encontramos no telhado e então Astrid me entrega uma parte do veneno. Guardo cautelosamente no bolso, não poderia perder aquilo de jeito nenhum, e Astrid não poderia fazer outro porque amanhã seriam as Avaliações e, bem, não haveria tempo.

E, como se já fosse rotina, Astrid e eu cantamos durante um tempo antes de nos despedirmos.

— Está parecendo que é um ritual nos encontrarmos aqui toda noite — diz ela.

— Acho que ritual é um nome muito cruel para isso que estamos fazendo — respondo, apertando o botão do elevador para voltarmos aos nossos andares. — Não é nenhum tipo de macumba, e sim uma cantoria feliz.

— Pare de ser estranho, Geoffrey — ela ri enquanto entramos no elevador. Aperto os botões de nosso andar. — Enfim, boa noite.

— Boa noite, Astrid.

Ela vai embora, e enquanto isso, a olho de costas indo para longe. O violão é grande demais para sua estatura pequena, o que acho engraçado.

Amanhã é o último dia de treinamento, junto com as Avaliações Individuais. Logo em seguida vêm as entrevistas, e depois, os Jogos. O tempo passa voando, o que eu não queria que acontecesse de jeito nenhum, porque obviamente quero viver o máximo possível. Só que mesmo assim, eu estaria sob muita pressão, e não conseguiria viver esse máximo possível. Isso me deixa muito irritado, e meu humor fica muitíssimo para baixo.

E por dentro, talvez eu estivesse um pouco triste pelo fato de que minhas cantorias com Astrid iriam acabar rápido.

[...]

Acordo cedo, prontíssimo para as Avaliações Individuais. Como o café da manhã muito rápido devido à ansiedade, tanto que Dominique me alerta:

— Vá devagar. Sei que está nervoso, mas se tiver uma dor de barriga será ainda pior.

— Eu poderia comer essa mesa inteira — respondo com uma fatia enorme de bolo de cenoura enfiado na boca. — Mas você tem razão.

— Boa sorte, Geoff.

— Obrigado.

Logo, Jass e eu descemos para o andar do Centro de Treinamento, onde treinamos até a hora das Avaliações, no final da tarde. Assim, somos redirecionados para uma outra salinha, onde esperaremos até que nossas apresentações individuais cheguem. Passamos por uns corredores esquisitos e com a iluminação baixa, até chegar no lugar certo.

Todos os tributos estão sentados cada um em um banquinho na sala ao lado do local onde serão as Avaliações. Os Carreiristas, sentados em um grupinho e conversando alegremente, me deixam um pouco irritados. Sua extrema egocentria me incomoda.

Sento-me onde está designado o lugar do tributo masculino do Distrito 5. Ao meu lado esquerdo está Jass, estranhamente quieta (e ela não está chorando!), e ao direito, está Astrid, com aquele seu olhar que pode ser traduzido como "estou pensando em algum plano, não me incomode".

Uma voz do além chama um nome para o início das Avaliações Individuais:

— Flora, Distrito 1.

Então Flora, com seu cabelo cor de caramelo esvoaçante em belas ondas, levanta-se. A blusa do treinamento fica justa em seu corpo, marcando as curvas fantásticas que tem. Seus olhos verdíssimos, brilhantes e concentrados, dirigem o olhar à porta, e ela vai rebolando os quadris até lá.

— Boa sorte, Flora — diz Trina, sacudindo a trança de seu cabelo azul.

— Obrigadinha, Trina — responde ela numa voz esquisita, meio masculinizada. Ok, todos têm seus defeitos.

E então depois de uns dez minutos ela volta, um pouco cansada.

— Foi bem, Flora? — pergunta Roy.

— Ah, foi in-crí-vel — diz ela, dando uns pulinhos de alegria, como uma criança de dez anos que acabara de ganhar uma bala. — Acho que garanto uma nota 9!

Saltitando, ela vai embora. A voz do além anuncia mais um nome.

— Leonard, Distrito 1.

E assim por diante, os tributos vão indo para a Avaliação, e o meu nervosismo aumenta a cada nome chamado. O que farei? Não faço ideia. Talvez atirar umas facas, mas somente isso é pouco. Viro-me para Astrid, falando baixo:

— Se você soubesse atirar facas e diferenciar frutinhas venenosas, o que faria em uma Avaliação que pode definir o seu futuro?

Ela sai de sua cara de concentração e diz, também em tom baixo:

— Eu faria essas habilidades parecerem incríveis.

— E então é nisso que está pensando para sua apresentação? Em como deixar um conhecimento muito acima da média e a habilidade com zarabatanas em algo incrível?

— Sim. E um aviso, não fique nervoso — noto que minhas mãos estão fechadas com tanta força que minhas juntas estão brancas. Além disso, estou tremendo de um jeito muito esquisito. — Isso só ajuda a piorar a mente para as ideias.

A volta de Leonard e voz nos interrompem:

— Trina, Distrito 2.

— Boa sorte, Trina — diz Roy. — Toca aqui.

Os dois batem as mãos e depois Trina vai confiante até a sala da Avaliação.

— Enfim, concentre-se, Geoff — continua Astrid. — Você tem mais um tempo pra decidir, e eu não posso me distrair mais.

— Ok.

Com absolutamente nada na minha cabeça, tento pensar em como deixar minha apresentação fantástica. Seria muito engraçado se eu pudesse fazer fogos de artifício do nada explodirem e eu surgir no meio das explosões, e então eu faria um show de facas. Aí eu garantiria uma boa nota por criatividade em apresentação individual. Mas não acho que dê para explodir fogos de artifício em um ambiente fechado, então desisto.

O tempo passa mais rápido enquanto penso em algo, e quando me dou conta, Jass volta com os olhos marejados da sala das Avaliações. Furioso por não ter pensado em nada, dou um soco de raiva em minha própria coxa.

— Geoffrey, Distrito 5.

Astrid se desvia novamente dos pensamentos para me desejar boa sorte. Com as mãos ainda em sua estranha tremedeira, vou até a tal sala.

É surpreendente a quantidade de armas que estão dispostas naquele lugar. É uma variedade até maior que a do Centro de Treinamento, o que já tinha me surpreendido antes. Há, no canto, um espaço para os Idealizadores dos Jogos, cujo objetivo é encontrar um jeito mais criativo para me matar enquanto estiver na arena. Eles têm um banquete enorme e bebidas, e estão mais concentrados nisso do que em mim. O chefe desse ano é um cara magricela chamado Marcel Fitzpatrick, que usa um terno fúcsia e possui o cabelo ruivo cacheado. Marcel vira-se para mim e diz:

— Diga nome completo, idade e distrito, garota.

Um pouco bravo, corrijo:

Garoto. Geoffrey Stanley Monroe, 18 anos, Distrito 5.

— Desculpe, esse seu cabelão e olhos grandes são o que poderíamos chamar de trap. Pode começar, Geoffrey.

Por fora, estou como no dia da Colheita, sem demonstrar emoções. Por dentro, minha alma está pegando fogo.

Então, concentrado em minha apresentação e longe de minha ideia de fogos de artifício, dou uma olhada na área. Um espaço grande, e o limite é o teto coberto por luminárias. Espere...

Luminárias! É isso!

Uma vez, no orfanato, sofri uma detenção por estourar uma lâmpada. A única coisa de que me lembro perfeitamente é de ela ter explodido em muitas fagulhas, causando um efeito muito legal.

Então a ideia vem como uma explosão. Pego alguns bonecos e distribuo-os por aí, aleatoriamente. Isso parece chamar a atenção de Marcel e seus Idealizadores. Depois, corro e pego um arco, lembrando-me do que Astrid dissera sobre a minha mira, que era boa. Guardo algumas facas no cinto, uma para cada boneco que irei atirar. Mesmo eu nunca tendo atirado com um arco, pego algumas flechas e as miro nas luminárias.

Em pouco tempo, estouro várias lâmpadas, produzindo um intenso show de fagulhas. A ideia dos fogos de artifício que tive mais cedo realmente serviu para alguma coisa. As fagulhas são brilhantes e parecem mesmo explosões!

Assim, no meio das fagulhas que caem ao meu redor, largo o arco, pego as facas do cinto e miro nos bonecos, acertando-os bem perto dos alvos, sendo dois deles perfeitamente. Impressionados com a performance, os Idealizadores me aplaudem.

— Geoffrey, está liberado! — diz Marcel. — Agradecemos pela apresentação.

— Não há de quê.

Saio da sala desviando dos cacos de lâmpadas destruídas que caíram no chão e volto para o lugar onde os tributos esperam para fazer as Avaliações. Astrid, a próxima, já está tremendo por culpa do nervosismo.

— Foi bem, Geoff? — pergunta ela.

— Presumo que sim — digo, abrindo um sorriso.

Ela sorri também.

— Ainda bem.

A voz do além anuncia o próximo nome:

— Astrid, Distrito 6.

— Agora é minha vez — diz, se levantando. — Até logo, Geoff.

— Dê o melhor de si, Astrid.

E então ela vai para a sua Avaliação, as mãos coladas ao lado do corpo enquanto anda. Calmamente, volto ao 5º andar, pensando no que terá para o jantar.


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Notas finais do capítulo

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