O Herói do Mundo Ninja escrita por Dracule Mihawk


Capítulo 111
Dia dos mortos


Notas iniciais do capítulo

Boa tarde a todos! Como vocês vão? Eu espero que estejam todos muito bem!

Sexta-feira, Flamengo ganhou nessa quarta (em cima do Vasco), Fluminense tá fora da Libertadores, Jujutsu Kaisen voltou, Asta vai comer o demônio na porrada no próximo capítulo de Black Clover (e o Yuno foi jogado pra escanteio) e, de quebra, TEMOS CAPÍTULO NOVO AQUI. Que semana, senhores!

Boa leitura a todos e nos vemos nas notas finais o/



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Naquela manhã de sexta-feira, mal os primeiros raios de sol haviam despontado nas colinas à leste, Tsunade Senju deixara os muros da Vila da Folha para ir vê-lo. Trazia consigo uma garrafa de saquê e se sentava sobre a grama defronte para o pequeno memorial na floresta. Era bem simples: uma grande pedra com o kanji (“professor”) gravado nela, outras duas pedras menores em ambos os lados da pedra maior, e três kunai lincadas por um fio metálico cercando toda a estrutura. Aos pés do memorial, havia um livro — um exemplar de “O Conto de um Ninja Destemido” — mofado e com páginas enrugadas pelo orvalho e pelas chuvas.

Tsunade pegou o pequeno livro e o segurou firme, enquanto um suspiro pesado saía de seu peito. Era sempre assim, em todas as vezes que ia visitá-lo.

— Idiota — murmurou baixinho.

Yuugao Uzuki, sua leal guarda-costas, estava de pé, ao lado de Tsunade e assistia a tudo silenciosa, embora, por trás da máscara ANBU, sentisse também o lamento da Quinta Hokage.

Aliás, todo aquele dia seria assim. Uma vez concluída a reconstrução da Vila da Folha, haviam separado aquela sexta-feira, por ordem de Tsunade, para homenagear os mortos na invasão dos Yuurei. A Hokage optou por uma cerimônia tardia em função das obras de reparação na vila. Para Tsunade, era apropriado minimizar, pelo menos, o caos visual ao redor; ainda que não fosse possível removê-lo das memórias das pessoas.

E, sendo certo que haveriam de honrar aqueles que se foram, Tsunade não poderia deixar de, primeiramente, estar ali naquele lugar. Muito embora a morte dele nada tivesse a ver com o novo inimigo, Tsunade sentia-se na obrigação de vê-lo. Por mais inconveniente que Jiraiya tivesse sido, ela sentia a falta dele — mais do que gostaria de admitir.

— Vamos embora, Hokage-sama — sugeriu Yuugao, que desde o começo não via aquela visita com bons olhos. — É perigoso para a senhora ficar fora da vila por muito tempo.

Silenciosa, Tsunade serviu-se de uma dose de saquê e brindou enquanto olhava, serena, para o memorial. Bebeu em um gole.

“Ela tem razão”, pensou a Hokage. Antes de se levantar, porém, Tsunade viu duas figuras sinistras paradas a cerca de trinta metros de distância, observando-a. Yuugao, que as detectara primeiro, desembainhou a espada e se posicionou, em guarda, entre Tsunade e os vultos.

— Vocês aí! Nem mais um passo — ordenou Yuugao em tom ameaçador.

Eram duas pessoas altas, e logo Tsunade percebeu tratar-se de um casal. A figura de contornos femininos era esguia, de rosto comprido e roupas largas. O outro, um homem mais alto, trajando o que parecia ser uma armadura samurai. Trazia consigo duas espadas katana, uma presa às costas e outra embainhada na cintura.

— Deveria ouvir sua guarda-costas, Tsunade — disse o vulto feminino. — É perigoso a Hokage ficar aqui fora... tão sozinha.

Tsunade, ainda sentada, estreitou os olhos para a dupla que se ocultava entre as sombras das árvores. Não reconhecia a voz daquela mulher, tampouco a frequência de chakra. Porém, aquela sensação de repugnância era inconfundível.

— Yuugao — chamou Tsunade, mantendo os olhos fitos na dupla. —, deixe-nos a sós.

— Hokage-sama?! — indagou, incrédula, a capitã da ANBU, porém sem desviar, nem por um segundo, o olhar das figuras.

— Está tudo bem — garantiu a Hokage.

Por baixo da máscara de gato, a ANBU hesitou por alguns segundos. O pedido da Hokage não fazia qualquer sentido. Ademais, havia prometido ao Sexto Hokage que a protegeria com sua vida; fora a última ordem que Kakashi Hatake lhe dera, e o honraria até o fim.

— Yuugao... — Tsunade reiterou, com a voz mais firme. — Obedeça!

O conflito permeava os olhos da capitã. Yuugao amaldiçoou-se e, por fim, cedeu à ordem direta da Hokage, abaixando a espada.

— Como desejar, Hokage-sama. — E desapareceu numa pequena explosão de fumaça.

Tsunade, imediatamente, voltou os olhos para o memorial e, com um aceno de cabeça, permitiu que a dupla se aproximasse. Somente a mulher se adiantou.

De perto, a mulher era ainda mais alta e magra, com longos cabelos negros divididos em duas pequenas franjas ao lado do rosto alongado e uma longa trança que descia pelas costas. Trajava um quimono branco por sobre vestes azul-escuras, presas por um cinto fino de corda roxa. A pele era extremamente pálida, com marcas roxas contornando os olhos amarelos.

Parou em pé a um pouco mais de um metro de Tsunade, sorrindo.

— Ela ainda está aqui, por perto — comentou a mulher. — Está guardando o perímetro enquanto não tira os olhos de mim.

Tsunade fungou.

— Yuugao é a minha Kunoichi mais leal, e jurou me proteger — disse Tsunade. — Está no raio de alcance dela. Se mover um músculo, mesmo de longe, ela arranca a sua cabeça.

A mulher sorriu.

— Eu sei que sim. Desde cedo, Yuugao sempre se mostrou uma menina muito talentosa.

Tsunade a olhou, desconfiada.

— Você sumiu desde a guerra. Onde esteve todo esse tempo? E essa é sua aparência agora?

A mulher levou o dedo indicador aos lábios, pedindo silêncio.

— Vamos evitar alguns detalhes, Tsunade — disse a mulher, com um sorriso sinistro. — Nunca se sabe quem pode estar escutando.

A Hokage deu um riso de escárnio.

— Se está se escondendo dos Yuurei, então por que apareceu aqui? E logo agora?

A mulher voltou os olhos para o memorial na floresta.

— Não é óbvio? Jiraiya também era meu amigo... apesar de tudo. Além disso, precisávamos conversar.

Sem pedir qualquer licença, a mulher se sentou ao lado de Tsunade.

 

 

 

 

— Entendo... — Tsunade abaixou os olhos, temerosa. — E quando acha que isso vai acontecer?

A mulher deu de ombros, indiferente.

— Hoje à tarde, possivelmente — respondeu. — Agora, é uma questão de tempo.

“Naruto...”, Tsunade suspirou. Conforme o combinado, ela havia feito seu movimento, e os Yuurei, respondido de acordo com o que previra Shikamaru. Agora, Tsunade só poderia confiar no plano e aguardar até que fosse a sua vez de jogar novamente. Mas aquela espera a corroía por dentro. Não que duvidasse de Naruto — Tsunade sempre apostaria todas suas fichas nele —, mas temia estar cometendo um erro que o pusesse em risco. Quanto mais cedo tivesse notícias de Naruto, melhor.

E erguendo os olhos para a pedra-memorial, Tsunade se deteve por mais alguns instantes em silêncio. No rosto da Sannin, a mulher que a acompanhava notou uma mescla de remorso e saudade.

— Você, finalmente, havia conseguido superar a perda do Dan, não é? E, depois de tanto tempo o rejeitando — a mulher falava enquanto tinha o olhar vago para o memorial de Jiraiya. —, estava pronta para aceitar os sentimentos que ele sempre nutriu por você. Mas acabou o deixando ir à Vila da Chuva, sem qualquer apoio. E agora, o discípulo dele, Naruto Uzumaki, o seu netinho de consideração, também partiu sozinho atrás do inimigo. E, você sabe... ele pode não voltar. Às vezes, o destino gosta de repetir histórias. Não é, Tsunade?

— Cale a boca — repreendeu Tsunade, fuzilando-a com o olhar.

A mulher ao lado de Tsunade não parecia intimidada. Todavia, respeitou os sentimentos da Hokage.

— Como está o Sasuke-kun? — perguntou ela, mudando de assunto. — Ele tem ganhado bastante notoriedade depois de matar três deles.

— Ele vai bem — Tsunade respondeu, rude. — Melhor agora, longe de você.

A mulher sorriu de forma cruel.

— Tenho um presente para ele. Eu soube que ele perdeu a lâmina Kusanagi no último encontro com os Yuurei.

E, com o aceno, ordenou que o homem de armadura se aproximasse. Tsunade, sabendo que Yuugao assistia a tudo aquilo, sinalizou-lhe sutilmente para que se mantivesse em posição e não atacasse.

O homem trajado de samurai tinha o cabelo azul-céu espetado, uma cicatriz no lado direito do rosto, olhos amarelos e pele pálida como a lua. Tirando um e outro detalhes, era idêntico à mulher.

— Quem é esse? — perguntou Tsunade. — É um outro você?

A mulher riu.

— Ele é meu filho — disse. — O primeiro protótipo que fabriquei. Ainda não dei um nome.

Tsunade olhou outra vez para o humano sintético. Aquela coisa não parecia um Zetsu Branco ou alguma espécie de fantoche. Embora Tsunade não soubesse dizer se aquilo teria ou não uma alma, não poderia deixar de negar que aquela criatura, fosse o que fosse, assemelhava-se muito a um ser humano.

Era algo assustadoramente bizarro, e lhe causava arrepios.

— Nem quero imaginar como você faz essas coisas.

A mulher, outra vez, limitou-se a sorrir. E, gesticulando, ordenou que seu acompanhante entregasse para Tsunade a espada que trazia na cintura. A Hokage imediatamente reconheceu a lâmina de Kusanagi, mas, ao contrário da antiga espada de Sasuke, esta última katana era de aço negro fosco, com detalhes semelhantes a escamas de cobra na empunhadura. Uma arma terrível, que suscitava medo; era diferente de tudo que Tsunade já vira. Ou quase tudo.

— Diga ao Sasuke-kun que a use bem — falou a mulher, enquanto se levantava. — É difícil fazer uma dessas sem o material adequado, mesmo para alguém como eu.

Após dizer essas palavras, a mulher se levantou e, inclinando-se brevemente ao memorial de Jiraiya, deu as costas para a Quinta Hokage.

— Espere... — Tsunade conteve o ímpeto de chamá-lo. Mas a mulher se virou mesmo assim. — Por que não luta conosco? Você seria bastante útil.

A risada da mulher parecia o silvar de uma serpente.

— Não é bom que eu me envolva — disse. — Pessoas como eu, para o bem de todos, é melhor que nunca sejam encontradas. Sabe o que quero dizer.

E antes que pudesse desaparecer em meio à floresta, virou-se uma última vez para a antiga companheira, e disse:

— Daqui a alguns anos, pretendo trazer um de meus filhos para a Folha — contou. — Se você ainda for a Hokage, peço que o aceite. Será uma forma de compensar por tudo.

Tsunade olhou primeiro para o homem de armadura e, depois, para seu progenitor.

— E por que eu faria isso?

A figura sorriu entre as sombras.

— Porque, diferente de mim, você, Tsunade, é uma boa pessoa. — E a dupla desapareceu no meio da floresta.

 

 

 

                                                                            ***

 

 

 

Dentro das muralhas da Vila Oculta da Folha, o movimento nas ruas crescia à medida que o tempo passava. A cerimônia de homenagem aos mortos ocorreria em duas etapas: primeiro em frente ao Edifício Hokage, de onde Tsunade proferiria algumas palavras; depois, a procissão iria até os campos de treino ao leste, para o Memorial de Pedra (também conhecido de Monumento dos Heróis), onde se daria o encerramento da cerimônia.

Por ocasião das muitas vidas perdidas no ataque dos Yuurei, não só de combatentes, mas também de civis, aquele evento fúnebre contaria com um aglomerado de gente — pessoas de dentro e também vindas dos arredores da Folha. A segurança estava mais reforçada do que nunca. Ninjas patrulhavam dos corredores ao redor das muralhas da vila, em constante vigilância, ao passo que, nos portões, cada visitante era submetido à uma criteriosa análise antes de ser autorizado a entrar na aldeia.

Por fim, ao redor de toda a extensão territorial da Folha, havia uma barreira sensorial invisível ao olho humano. Qualquer um que a atravessasse seria imediatamente identificado — conforme registro feito previamente — e rastreado pela Divisão Sensorial, responsável pela manutenção da barreira. E se o chakra do indivíduo fosse potencialmente perigoso, de modo a ser classificado como de um combatente, independentemente do Rank, a ANBU seria alertada.

Mas ela já conhecia todos aqueles protocolos, bem como as escalas e os horários das equipes da portaria.

Trajando vestes de luto, um chapéu que lhe ocultava parte do rosto e com um pequeno buquê de rosas vermelhas nas mãos, ela aguardou sua vez de ser interrogada por um dos guardas da Folha nos portões. Quando foi finalmente chamada, informou um nome, removeu o chapéu para inspeção e contou ser uma moradora de um dos vilarejos ao redor da vila.

A equipe de Chunnin não encontrou nenhuma irregularidade em seu registro. Afinal, como eles poderiam? Ela tomara as devidas precauções para que não fosse identificada. Ademais, aquela não era a primeira vez que visitava a Vila da Folha. Por isso, não temeu atravessar a barreira sensorial que sentira poucos metros à frente. Havia ocultado seu chakra, tornando-o quase nulo. Portanto, jamais seria tomada como uma combatente.

E, tecnicamente, não era. Ao menos, não fora ali para isso.

— Pode passar, senhora Guren — disse-lhe o jovem Chunnin, em tom cortês.

— Obrigada. — Recolocou rapidamente o chapéu e, após atravessar os gigantescos portões, juntou-se à multidão.

 

 

 

Ao passar pelo restaurante do Ichiraku Ramen, deteve-se por alguns instantes. A plaquinha ao lado informava que o estabelecimento estava fechado e que só abriria às 13h, excepcionalmente naquele dia. Não que fosse muito chegada a Ramen, mas aprendera a apreciá-lo, graças à pessoa mais importante que conhecera. Sorriu vagamente ao recordar de ter sido apresentada, quando criança, à uma tigela de macarrão com caldo de carne de porco.

Em silêncio sepulcral, seguiu em frente. As pessoas já se ajuntavam na praça perto do Edifício Hokage. Alguns rostos já lhe eram conhecidos, como os das irmãs da Família Principal dos Hyuuga. Logo identificou Hinata Hyuuga, “a namorada do Naruto, ou ex-namorada... não sei.”; e se perguntou por que a filha mais velha de Hiashi necessitava do acompanhamento constante da irmã caçula. Ignorou o fato de Hinata estar sendo conduzida por Hanabi; talvez fosse apenas um capricho da atual líder do clã mais rico e prestigiado da Vila Oculta da Folha — e Hinata Hyuuga, uma princesinha mimada.

Junto da comitiva do clã Hyuuga, viu três jovens ninjas caminhando ao lado das filhas de Hiashi. “Gennins, talvez? Embora eu me lembre do garoto de cabelo preto... é um amigo do Naruto; e já é Chunnin, se não me engano”, pensou ela ao reconhecer Konohamaru Sarutobi ao lado de Hanabi Hyuuga.

Mais adiante, avistou Kiba Inuzuka. Ele estava acompanhando por seu companheiro de time, o rapaz do clã Aburame, e por uma bela moça de longos cabelos castanhos e ar gentil, a qual nunca vira antes. Cinco cães enormes flanqueavam o trio, sendo Akamaru o mais próximo do líder dos Inuzuka. Ela reparou no semblante abatido que Kiba — um homem cuja energia se assemelhava um pouco a de Naruto — tinha no rosto; e lembrou-se de que o rapaz havia perdido a irmã mais velha e a mãe, Hana e Tsume Inuzuka, no mesmo dia, durante a invasão Yuurei.

Pelo fato de a matilha de cães ninjas ao redor do líder Inuzuka estar relativamente próxima, ela parou de caminhar atrás do grupo e deixou-se envolver pela multidão. Cerca de quinze minutos depois, Tsunade apareceu no alto do Edifício Hokage.

 

 

                                                                            ***

 

 

Karin não havia ido ao centro da vila para a abertura da cerimônia. Todos, cedo ou tarde, viriam até onde ela estava de qualquer jeito; julgou a caminhada inútil. Assim, ela já estava lá, em frente ao Memorial de Pedra.

Sozinha, como vinha sendo.

Não era uma mulher de derramar muitas lágrimas. Tantas angústias ao longo de sua vida a fizeram alguém que não externava suas dores, especialmente diante do luto. Já estava acostumava a perder pessoas ao seu redor. Mesmo assim, lá no fundo, para ela, aquilo tudo era uma droga. Pior do que a tristeza era o vazio que sempre vinha assombrá-la depois — como naquela hora, diante do monumento de pedra.

Karin não reclamava de haver perdido Sasuke Uchiha para o Time Sete e, especialmente, para Sakura Haruno. Sabia do passado dele e que, antes de ser o líder do Time Taka — ao lado dela, Suigetsu e Juugo —, Sasuke era um integrante da mesma equipe do primo dela, Naruto, e de Sakura. Os laços que uniam os três eram totalmente outros, bem mais profundos que a mera ocasionalidade da qual surgiu o Time Taka.

Ainda assim, com as mortes de Juugo e, agora, de Suigetsu, ela era a última restante da equipe que Sasuke havia deixado para trás. Detestava se sentir dessa forma; era como se o destino a quisesse como uma eterna remanescente, a mulher que sobrava para, solitariamente, relembrar momentos com quem se foi. Uma herdeira dos poucos Uzumaki que haviam sobrevivido ao massacre e fugido, uma das cobaias que Orochimaru deixara com vida, a parenta que o heroico Naruto Uzumaki deixou na Folha, e, por fim, a componente do Time Taka que ainda estava viva.

Sempre uma droga. Já se habituara.

Em silêncio, os olhos focavam no nome que ali mais importava para ela. Queria xingá-lo de todos os nomes feios que conhecia, amaldiçoá-lo, zombar do quão ele parecia patético às vezes, ou simplesmente discutir assuntos banais. Ao invés disso, só tinha o nome dele gravado na rocha. Não houve sepultamento; o corpo de Suigetsu Hozuki fora totalmente destruído pela Yuurei chamada Suki.

Quando se deu por si, estava tremendo e sentindo frio, apesar do dia ensolarado. Instintivamente, abraçou-se. De novo, o vazio viera para atormentá-la. Karin não disse nada, não chorou, não murmurou; apenas manteve-se ali, com os braços em torno do peito, segurando a própria solidão.

 

 

                                                                            ***

 

 

As palavras da Hokage foram breves, porém oportunas. Tsunade havia falado a todos sobre o Caminho Shinobi, que envolvia sacrifício e abnegação em prol de algo maior do que a vida; e que apesar dos muitos heróis que se foram, e dos muitos invernos enfrentados, a primavera sempre chegaria e, com ela, novas folhas, novas esperanças. Aquele não haveria de ser o fim. “Despedimo-nos dos que nos deixam hoje, orgulhosos, abraçando o amanhã que eles confiaram a nós”, dissera a Quinta Hokage. Dentre os muitos espectadores ali reunidos, ela era a única que olhava para Tsunade, lá no alto, com ar de reprovação.

Acompanhando a marcha lenta da procissão, ela chegou aos campos da zona lesta da Folha. Logo identificou o Memorial de Pedra, no qual os nomes dos mais bravos heróis da vila estavam inscritos — um símbolo eterno de sacrifício e bravura para confrontar, educar e inspirar as futuras gerações de Shinobi.

Ela olhou de longe para a grande pedra escura. “Incontáveis nomes de gente morta”, avaliou com frieza.

Perto do memorial, reconheceu de imediato a bela Karin Uzumaki e, ao vê-la, um incômodo pesou-lhe no coração. A moça estava a sós, com o rosto reclinado para o monumento. Continuou a observá-la e, contraintuitivamente, aproximou-se; apesar do enorme risco que estava correndo de ser reconhecida. Ignorou todos os alertas que sua mente lhe dava, pois algo dentro de si — um sentimento mútuo de perda — parecia direcioná-la até a jovem Uzumaki.

Parou de caminhar no exato momento em que duas pessoas se aproximaram de Karin: Sasuke Uchiha e Sakura Haruno. Observou-os do meio da multidão. Viu a discípula da Hokage abraçando a jovem Uzumaki e chorando com ela, ao passo que Sasuke Uchiha punha a mão esquerda — e notou que um chakra diferente emanava daquele braço enfaixado — sobre o ombro de Karin, em um tímido gesto de consolo.

Resoluta, afastou-se.

Mais à esquerda, escutou um estapafúrdico grito de choro: “Gai-sensei!”. Olhou adiante e viu um jovem casal que, supôs, também pareciam ser parceiros de time. Reconheceu o melhor usuário do estilo Gouken de Taijutsu, a Besta Verde da Vila da Folha; e abraçada ao lado dele, a Kunoichi mestra de armas, Tenten. Os dois lamentavam juntos — o que ela julgava ser — a morte de Gai Maito. Embora o pranto da moça fosse discreto, Lee, por sua vez, estava aos berros.

Em outras circunstâncias, teria achado aquela visão engraçada. Mas não ali, não diante da perspectiva do luto. Para alguém como ela, não havia nada de engraçado na morte.

 

 

                                                                            ***

 

 

— Obrigada pelo apoio, Sakura... e por tudo — disse Karin, em tom cordial. Em seguida, virou-se para o antigo companheiro de time. — Obrigada por também estar aqui, Sasuke-kun. Significa muito para mim.

Sasuke Uchiha, como Karin havia previsto, não disse nada; limitou-se a um tímido aceno com a cabeça, assentindo. Apesar de há muito não estar apaixonada por ele, Karin via certo charme no jeito reservado de Sasuke; e pelo fato de ele estar ali, lembrando-se da antiga equipe, ainda que não dissesse nada, ela agradecia. Era o modo dele de mostrar que se importava.

Sakura Haruno, carinhosamente, tomou a mão de Karin Uzumaki com as suas, olhando-a com ternura.

— Se precisar de alguma coisa, qualquer coisa, estamos aqui — falou Sakura. — Somos amigas, se lembra?

Karin olhou para as mãos de Sakura, segurando-a com uma brandura e, em um gesto de reciprocidade, pôs a mão livre sobre as dela. Apesar de assustadoramente forte, Sakura Haruno tinha um lado gentil e fraternal do qual Karin gostava. Era uma boa amiga, afinal.

— Sim — respondeu a Uzumaki. — Obrigada de novo, Sakura. Agora, com licença.

Vendo a prima de Naruto se afastando, Sakura suspirou com pesar.

— Ele deveria estar aqui, Sasuke-kun — comentou com o namorado. — Não só pela Karin, mas também por nós. Somos o time dele, droga!

Sasuke fitou o rosto dela. Sakura apertava os olhos marejados e mordia o lábio a fim de conter a vontade de chorar. Ele a entendia bem: Naruto e Sakura partilhavam um profundo laço fraterno, o qual se estreitou principalmente quando Sasuke os deixou para seguir o caminho da vingança. Ele se afastou, mas Naruto sempre esteve lá por ela; e apesar de Sakura continuar a amá-lo, Sasuke sabia bem, Naruto Uzumaki tinha um lugar especial naquele coração.

E quando Naruto decidiu ir atrás dos Yuurei, completamente sozinho, Sakura foi uma das pessoas que mais sentiu a dor de vê-lo partir. Não bastasse isso, aquela deveria ser a despedida do Time Sete ao seu velho professor, Kakashi Hatake, bem como do Capitão Yamato — ambos mortos por Iori Kuroshini, o líder dos Yuurei —, e Naruto não estava lá.

Sasuke Uchiha a envolveu em um terno abraço. Junto a ele, Sakura encontrou conforto e permitiu, finalmente, que as lágrimas escorressem. Percebendo que ela tremia, Sasuke, cuidadosamente, apertou-a mais contra o peito.

— Ele tinha que estar aqui... — Sakura fungou. — A gente... a gente vai dar adeus ao Kakashi-sensei...

— Eu sei, Sakura — Sasuke se limitou a dizer. — Eu sei.

 

 

                                                                            ***

 

 

Ela percebeu um distinto grupo de ninjas adiantar-se ante o memorial. Com suas típicas máscaras brancas e fardas cinzentas, os seis Caçadores da combalida ANBU da Folha faziam uma pequena formação, postando-se lado a lado, todos na posição de sentido, separados pela exata mesma distância dos companheiros à direita e à esquerda.

Liderando o esquadrão, estava uma mulher alta, de porte firme e longos cabelos roxos. Era a única que estava com o rosto descoberto. Também trajava o uniforme da ANBU e tinha uma katana afivelada às costas. A fita vermelha em seu braço esquerdo revelava sua patente de capitã. Na mão direita, segurava um archote.

Ela olhou com mais atenção para aquela cena. A capitã da ANBU foi a primeira a prestar reverência ao memorial, nos quais estavam gravados os nomes de todos os colegas ANBU que perderam suas vidas durante a invasão Yuurei — todos os que foram massacrados no confronto com Mira Uzumaki, bem como os capitães da Segunda, Terceira e Quarta divisões, mortos por Iori Kuroshini.

A capitã Yuugao Uzuki, depois de prestar sua homenagem aos falecidos companheiros, pousou o archote por sobre a pira diante do Memorial de Pedra. A chama amarelada, aos poucos, ganhava força.

— A Vontade do Fogo continuará ardendo em nossos corações; e até nos encontrarmos outra vez, lutaremos pelo futuro que confiaram a nós — sussurrou Yuugao ao monumento. — Adeus, meus irmãos. Logo nos veremos de novo.

Ditas essas últimas palavras, Yuugao bateu o punho direito cerrado contra o peito, à altura do coração; gesto que foi sincronicamente acompanhado por todos os demais ANBU ali com ela. A pose da capitã da Primeira Divisão era rígida, assim como a expressão em seus olhos. O rosto endurecido de Yuugao Uzuki estampava as marcas de quem, desde a infância, fora submetida ao mais árduo treinamento e experimentada no fogo do combate. Como costume dentre os que serviam na ANBU, a morte era uma companheira de longa data; e perder irmãos de farda fazia parte do trabalho.

Tão breve o destacamento ANBU se dispersou, ela se aproximou do Monumento dos Heróis. Sabia que estava se expondo a um risco desnecessário, todavia já se pusera em perigo no instante que atravessou os portões da Vila da Folha. Ainda assim, ela escolhera aquilo; e confiava que seus instintos — como em todas as outras vezes anteriores — a livrariam de qualquer imprevisto que, porventura, viesse a ocorrer.

Avançou até ficar bem diante do Memorial de Pedra.

O primeiro nome que procurou foi o mesmo de sempre — aquele que a motivava a visitar, secretamente, a Vila Oculta da Folha. Como em todas as ocasiões, seus olhos iam ao encontro do nome de Kushina Uzumaki, gravado na rocha escura.

Era um hábito: sempre que ia visitar Kushina, Mira Uzumaki trazia rosas vermelhas do País do Redemoinho para ela, depositando-as aos pés do memorial. Mas diferentemente das outras vezes, não poderia passar tanto tempo ali quanto gostaria, uma vez que corria sério risco de ser descoberta. “Sinto muito, Kushina; não posso me demorar hoje”, Mira sussurrou para a pedra.

Já estava quase se despedindo quando seus olhos encontraram outro nome familiar inscrito na rocha: Risa Tetsuki. Mira não se esquecera da heroica tenente da Segunda Divisão ANBU, que havia se sacrificado para que a informação de que havia uma Uzumaki entre os Yuurei chegasse até o conhecimento da Inteligência da Folha. Graças à Risa, a identidade da vice-líder dos Yuurei — e da especialista em Fuuinjutsu responsável por anular os poderes Bijuu de Naruto — havia sido exposta.

Também foi Risa a única pessoa que, durante toda a invasão dos Yuurei, chegara perto de matar Mira Uzumaki. Apesar de sua enorme displicência, Mira não deixara de reconhecer os méritos da ninja da Folha. E quando a poeira baixou e Risa havia tombado em combate, Mira fez questão de honrá-la por seu sacrifício.

“Você foi uma lutadora e tanto, Risa Tetsuki”, relembrou a Yuurei. “Eu só posso te agradecer.”

— Risa-san, quero que saiba que estou cuidando da sua família. — Mira Uzumaki congelou na hora. “Não notei alguém se aproximando?! Como pude me distrair desse jeito?”, engoliu em seco. — Seu marido e seus filhos estão bem, e estão sob meus cuidados. É o mínimo que eu poderia fazer. Obrigada pelo que fez por nós.

Mira olhou de esguelha para o lado. Bem à sua direita, a menos de um metro dela, havia um jovem casal ninja. A moça que falava, uma bela mulher de cabelos loiros e olhos azuis, parecia ser alguém importante. Pelas vestimentas, tratava-se, possivelmente, de uma chefe de clã. Ao espiar novamente, tratou de reconhecer Ino Yamanaka — outra amiga de Naruto.

Mas o maior problema era o rapaz ao lado de Ino. Vestido no traje ANBU — porém, agora, sem a máscara —, ele era inconfundível. Mira conhecia muito bem aquele rosto pálido. Além de integrar o Time Sete, ele também esteve presente na batalha de Mira contra a ANBU da Folha; e foi o único sobrevivente daquele confronto. O homem ao lado era, exatamente, o mesmo que escapara de suas mãos, após o ataque suicida de Risa, levando a informação até a Inteligência.

Sai bateu o punho cerrado contra o peito, em gesto solene.

— Seu sacrifício não foi em vão, Risa-san — disse o tenente da Primeira Divisão ANBU. — A missão foi concluída. Já sabemos que aquela Yuurei era a vice-líder e se chama Mira Uzumaki.

Escutar aquilo de um inimigo a poucos centímetros de seu ouvido fez Mira, instintivamente, ajeitar o chapéu para encobrir mais o lado direito do rosto. Era urgente que saísse dali; havia abusado muito da sorte. Sem se despedir de Kushina, Mira deu as costas, às pressas, para o memorial e apertou o passo.

— Você, espere! — Mira estremeceu ao sentir a mão de Sai repousada em seu ombro esquerdo. Iria atacá-lo no instante que fosse reconhecida. No entanto, mesmo para ela, lutar sozinha contra todos os ninjas mais poderosos da Folha ali reunidos seria uma enorme desvantagem; e por haver saído em segredo, não poderia esperar qualquer apoio de Iori ou dos demais Yuurei. — Desculpe-me, mas acho que deixou isso cair.

Mantendo a cabeça sob a sombra do chapéu e o rosto abaixado, virou-se rapidamente. Sai tinha nas mãos uma pequena flauta de bambu — a flauta de bambu dela! Em um gesto rápido, Mira tomou o instrumento das mãos de Sai, atando-o de volta ao cinto.

— Obrigada. — Quase inaudível, a voz de Mira mal saiu da garganta.

— Peço perdão por isso — falou o rapaz, desconcertado. — Acho que a assustei e... hã?

Quando Sai ergueu os olhos, Mira já havia sumido de sua frente, misturando-se à multidão. Por alguns segundos, Sai ficou ali parado, olhando exatamente para nada, enquanto seu cérebro processava aquele encontro inusitado. Por alguma razão, a mulher que estivera há pouco tempo diante dele era-lhe estranhamente familiar. “Ela parecia um pouco com a...”

Um assombro repentino o tomou, fazendo com que Sai erguesse o olhar urgente para a multidão. Quando se adiantou para ir procurá-la, sentiu o gentil toque de Ino em sua mão, detendo-o.

— Ei, o que há com você? — ela riu da expressão pasma nos olhos do namorado. — Parece que viu um fantasma.

Mas Sai não tirava os olhos do aglomerado de pessoas ali no campo. O senso de urgência ainda tilintava em seus ouvidos.

— Sai! — Ino pegou-lhe pelo queixo, virando o rosto dele para si. — Você está bem?

“Como ela entrou sem ser detectada?”, a mente de Sai ainda se agitava. “Não pode ser. Não poderia ter sido ela...”

— SAI!

O grito, seguido do tapa no rosto, fê-lo despertar do devaneio. Recobrando a ordem de seus pensamentos, Sai encontrou os olhos inquisidores da namorada postos sobre ele. A expressão mal-encarada de Ino Yamanaka falava por si só.

— Para o seu bem, é melhor que não estivesse pensando naquela ruiva.

— Não, amor, é que... — E quando o olhar de Ino se agravou contra ele, Sai balançou a cabeça e suspirou, derrotado. — Acho que eu só estava vendo coisas.

 

 

                                                                            ***

 

 

Já era tardezinha do outro lado do mar. Ao contrário do sol azul e céu limpo da Vila da Folha, as nuvens pesadas no País do Redemoinho anunciavam que o tempo estava mudando. O sol poente já se escondia entre as nuvens cinzentas; e Mira sentia cheiro de tempestade vindo do oceano.

Estava segura; de volta ao único lugar que, um dia, pudera chamar de casa. Dentro dela, no entanto, a consciência lhe repreendia de todas as formas. Tinha ido longe demais ao entrar na Folha sob aquelas circunstâncias — ainda que, à primeira vista, convenientes; pois ela também fora visitar alguém querido que perdera.

Entretanto, tudo se provara ter sido um grande erro. Quando o mundo ninja ainda desconhecia os Yuurei, não havia qualquer problema em visitar Kushina. Mas uma vez que Iori decidiu sair das sombras — e Mira sido identificada —, toda ida à Folha tornara-se altamente perigosa para ela, que sempre ia a sós.

“Desta vez, foi por pouco”, admitiu Mira. “Por muito pouco.”

Seus pés a arrastaram ao mesmo lugar de todas as vezes: o pequeno barranco defronte as ruínas do vilarejo. Deixou-se sentar sobre a grama enquanto o olhar ia ao encontro da paisagem desgraçada do povoado. Bastou fechar os olhos para relembrar de tudo: vozes assustadoras berrando, gritos silenciados, crianças chorando e soluçando, pessoas sendo enfileiradas e mortas — não importando para o inimigo se fossem homens, mulheres, crianças ou idosos —, o cheiro sufocante de fumaça; e, por fim, o calor do fogo em seu rosto.

Estava tudo ali, tão recente em sua memória e, ao mesmo tempo, era como se tudo tivesse ocorrido há milhares de anos; ou ainda, que não passasse de um sonho ruim.

E, ao final, sempre ouvia a voz dela. “Ei! Por que você tem o meu rosto?”, dissera-lhe Kushina na ocasião em que se conheceram. Fora ali mesmo, naquele velho barranco. “Eu não tenho o seu rosto! Esse rosto é meu”, respondera-lhe.

Tateou a cintura e achou a flauta talhada em bambu. Fora o primeiro instrumento que aprendera a tocar — o único que realmente gostava; todos os outros, aprendera por imposição. Como filha única do governador do País do Redemoinho, sua educação tinha sido esmerada em todos os aspectos. Havia sido criada para, no futuro, liderar um país.

Levou a flauta aos lábios e soprou, enquanto dedilhava cuidadosamente os buraquinhos na parte superior do instrumento. Deixou-se levar pela música, ignorando a noite que chegava sobre ela, e a chuva que caía vagarosa. Estava em seu momento de solitude, e nada além importava.

“É bonito te ver tocando, Mira. Te ouvir é legal, mas ver você aí, toda concentrada é... hã, diferente. Acho que é porque temos a mesma cara, por isso é óbvio que eu iria achar bonito”, falara-lhe Kushina noutra vez.

A chuva estava mais forte e fria. Não demorou para que Mira estivesse encharcada, apesar do calor que sentia nos olhos. Eles doíam. A cada nova nota, mais seu rosto ardia. Se vistas de longe, as lágrimas que escorriam misturavam-se às gotas de chuva em sua pele.

Em suas memórias, estava de volta à janela do quarto, olhando para o portão do vilarejo, de onde Kushina, triste, olhava-a de volta. Por requisição do Terceiro Hokage, Hiruzen Sarutobi, uma jovem do clã Uzumaki que tivesse o chakra poderoso, capaz de dominar o Kongou Fuusa no Jutsu (Técnica das Correntes de Selamento Adamantinas), deveria ser enviada para a Folha, com o intuito de substituir Mito Uzumaki, a já envelhecida esposa do Primeiro Hokage, como Jinchuuriki da Kyuubi, a terrível Besta de Nove Caudas.

Embora Kushina não soubesse o porquê, Mira ouvira o governador comentando a respeito da ordem do Hokage. Queria contar, queria se rebelar, mas fora severamente castigada por sua petulância. Era uma filha da elite, dissera-lhe o pai, mas ainda só uma criança; estava proibida de se envolver em assuntos diplomáticos. “Além disso, antes ela do que você”, falara-lhe, ainda, o governador. “Ela é só uma menina pobre e você a futura governadora do Redemoinho.”

E foi dali, de longe, naquela janela, que viu Kushina pela última vez.

Sentindo a fúria e a dor crescendo em seu peito, Mira parou com a música e gritou. Com toda a força, com tudo que havia dentro dela, Mira bradou aos prantos para a chuva gelada da noite. A voz aguda e desesperada, cheia de lamento e solidão. Ninguém se importaria, afinal não restava mais ninguém ali com ela. E, em seu isolamento, não precisava se preocupar com performances ou em dar exemplos. Dentro das fronteiras de seu país, ela não era a inabalável Mira Uzumaki, vice-líder dos Yuurei; era só Mira, uma órfã do extinto clã Uzumaki.

— Por quê? Por que eles tinham que nos separar? Eles tiraram você de mim... eles... eles... — Soluçava e tremia. — Nós íamos ficar juntas, você e eu. O mesmo rosto... para duas pessoas. Você lembra?

A única resposta foi um trovão rimbombando ao longe.

— Eu queria ter ido com você naquele dia. Não queria ficar sozinha aqui — disse Mira à tempestade. — Você, eu... juntas. Tudo seria diferente. Queria que tivéssemos tido mais tempo, Kushina; queria que soubesse a verdade. Eu... eu sinto sua falta.

Mira coçou os olhos, obrigando-se a se recompor.

— Mas eu prometo: vou consertar tudo. Com o chakra da Árvore Shinjuu e o Meiton combinados, teremos o poder de destruir tudo... de acabar com esse mundo amaldiçoado e, então, reescrever a história — jurou. — Vamos ficar todos juntos de novo; e nenhuma de nós precisará ir embora dessa vez.

Devagar, ela se pôs de pé.

“Não deveria ser ele”, refletiu em silêncio. “O Naruto, o seu filho, o..., não deveria ser assim. Mas fizeram do Naruto o receptáculo das Bijuus e preciso daquele poder para corrigir as coisas. Sei que não vai me perdoar, Kushina, mas é o único jeito. Ter que sujar minhas mãos com o sangue do nosso sangue... eu odeio que as coisas tenham que ser dessa maneira. Então, me perdoe também, Naruto.”

Com um único gesto, Mira Uzumaki rasgou o ar e atravessou a escuridão que se abriu.

 

 

 

 

De volta ao quarto, no esconderijo dos Yuurei, Mira tomou um longo banho e trocou de roupa. Com o manto negro por sobre os ombros, era, outra vez, a vice-líder dos Yuurei.

Sentou-se à mesa da escrivaninha. Diante dela, uma bola de cristal sobre uma almofada escarlate. Mira sabia muito bem que Naruto, de algum modo, havia conseguido evitar que ela o detectasse. Contudo, já não importava mais. Não precisava, necessariamente, empreender esforços para rastreá-lo. Outra pessoa faria isso por ela.

Mira Uzumaki estava pronta.

— Ninpou: Toumegane no Jutsu (Arte Ninja: Técnica do Telescópio). — Após executar os selos, Mira aproximou as duas mãos por sobre a bola de cristal, concentrando-se em um padrão de chakra particular: o de Taka Kazekiri, o Yuurei com a missão de capturar Naruto Uzumaki.

Quando a imagem ficou nítida, Mira viu o subordinado voando em alta velocidade. A julgar pela expressão feroz no rosto de Taka, Mira não teve qualquer dúvida: o Alvo Primário havia sido, enfim, encontrado.

Por um breve momento, ela cogitou abatê-lo. Bastaria um único selo com a mão, dali mesmo de seu quarto, e Taka Kazekiri cairia morto. No entanto, se fizesse isso, apenas municiaria Suki de argumentos para conseguir derrubá-la; e jamais daria esse prazer à Assassina de Kages.

Em tese, deveria torcer por uma vitória de Taka, pois caso o Yuurei saísse vencedor, mais rápido Iori teria acesso ao chakra imensurável dentro de Naruto, e o Banbutsu Souzou no Jutsu (Técnica da Criação de Todas as Coisas) seria realizado. Mas Mira não queria assim. Não suportaria que ninguém a privasse de vê-lo outra vez. Precisava estar frente a frente com Naruto ela mesma; por Kushina e pelo clã.

Pela primeira vez naquele dia inteiro, Mira riu consigo mesma. Era irônica a situação em que se encontrava.

— Conto com você para derrotá-lo — disse Mira, com os olhos fitos na bola de cristal. — Não me decepcione, Naruto.

 

 

                                                                            ***

 

 

País da Grama.

Estavam seguindo viagem pela região costeira, com o lago Neko bem ali à sua esquerda. O lago banhava toda a fronteira da Grama com o País da Chuva, e terminava em uma baía bem na entrada da vila ninja, na capital do país vizinho. Atravessá-lo diretamente a pé seria, tecnicamente, o caminho mais rápido para entrar na Vila da Chuva. No entanto, Naruto estava ciente de que, caso moldasse seu chakra para isso, revelaria sua posição antes de cruzar a fronteira.

 Dessa forma, optara por contornar a costa do gigantesco lago e atravessar a divisa entre o País da Grama e o País da Chuva a pé, por terra. Em tese, deveriam ter chegado antes; mas, a pedido de Shikamaru, detiveram-se na estalagem do pai de Saori, no País da Grama, por mais três dias.

— Falta pouco, um quilômetro e meio, eu diria — Fukasaku coaxou satisfeito, protegendo-se do sol debaixo do capuz do jovem Sannin. — E pensar que eu ficaria feliz em voltar à Vila da Chuva.

Fukasaku, no entanto, percebera que Naruto estava bastante quieto. Desde a última vez que contataram Shikamaru Nara e souberam dos ataques dos Yuurei aos Cinco Kages — e da morte do Terceiro Tsuchikage —, Naruto Uzumaki andava calado, mais sério do que jamais estivera. Fukasaku não sabia dizer ao certo o porquê da frieza de Naruto: se por estar sentindo a morte de Oonoki, se por querer fazer algo e estar limitado em suas ações, se pelos detalhes que Shikamaru compartilhara de sua estratégia; ou ainda uma mistura de tudo.

“Ele não está agindo por impulso; o Naruto-chan está concentrado”, concluiu o sapo.

— Ei, Naruto — chamou Fukasaku. — Está pronto para isso?

— Se eu não estiver, Vovô Sábio, não faz sentido seguir viagem; e eu não poderei encontrá-la. — A voz de Naruto era firme e convicta, Fukasaku observara.

Caminharam mais alguns metros. Ao longe, já era possível ver as distintas nuvens escuras sobre os céus do País da Chuva. Do lado da Grama, o sol alaranjado já se reclinava sobre as montanhas a oeste.

— Naruto.

— Eu sei, Vovô Sábio.

Em um movimento rápido, Naruto sacou uma kunai do estojo e, girando o corpo, arremessou-a para o alto, atingindo o alvo na garganta. A ave que os seguia — um falcão negro de olhos amarelos — caiu morta aos pés de Naruto.

— Parece que seu amigo Shikamaru estava certo — comentou Fukasaku. — Quanto tempo até ele chegar aqui?

Naruto olhou frio para o cadáver.

— Cinco minutos. Talvez menos.

— Entendo. Nesse caso... — Fukasaku saltou da cabeça de Naruto, esticando as patas e estalando os ossos do pescoço. — É melhor nos prepararmos para o inimigo.

— Vovô Sábio...

— Sim, Naruto?

Naruto desatou a bolsa e o pergaminho de invocação que levava nas costas, entregando ambos aos cuidados de Fukasaku que, por sua vez, estranhou tudo aquilo.

— Não me diga que... — O sábio começou a protestar.

— Fique fora disso, Vovô Sábio — pediu Naruto, sério. — Leve as coisas e se esconda na mata. Use o pergaminho só para o caso de eu sair do Modo Sennin e esse cara ainda estiver de pé. Do contrário, peço que não interfira na luta.

Atônito, Fukasaku viu Naruto se afastar a distância de alguns metros e tomar posição. De costas para a fronteira do País da Chuva, o jovem Sannin sentou-se à beira da estrada; as pernas cruzadas e unindo os punhos fechados — a típica pose para acumular chakra da natureza.

— Vai enfrentar o inimigo sozinho? Sabe que não precisa fazer isso, não é, Naruto? — Fukasaku pegou os objetos pessoais, embora ainda fosse relutante àquela ideia.

— Preciso. Isso é entre mim e ele. É pessoal — respondeu Naruto antes de fechar os olhos. — Agora vá, Vovô.

Enquanto acumulava energia natural para si, totalmente imóvel, Naruto Uzumaki esperava a chegada do Yuurei; que não demoraria a aparecer.

 

 

                                                                            ***

 

 

Achou-o parado à beira do caminho, cerca de um quilômetro da fronteira entre os países da Grama e da Chuva; e por ele estar na pose meditativa, Taka Kazekiri entendeu que Naruto Uzumaki o estava esperando. Satisfeito, o Yuurei planou no ar, abrindo as asas monstruosas ao máximo para a aterrissagem. A sombra que elas produziam encobria totalmente o corpo de Naruto.

— O Shinobi mais poderoso que a história já viu, o aclamado Herói do Mundo Ninja, o campeão da Vila Oculta da Folha, Naruto Uzumaki em pessoa — Taka declarou entre um sorriso pomposo. — Você andou sumido, hein?

Naruto permanecia parado.

— Ah, eu sei que você está me ouvindo. Diz aí: como vai aquela sua Hyuuga gostosa? Ela ainda pensa em mim? — provocou Taka. — Qual era o nome dela mesmo? Hinata... acertei?

Mas não houve qualquer reação do ninja da Folha. Nem mesmo o diafragma de Naruto parecia estar trabalhando, tão imóvel ele estava. Taka não esperava algo assim; Naruto Uzumaki era conhecido pela impulsividade e o temperamento explosivo.

— Ora, seu... — Fez um selo manual, e as penas das asas converteram-se em aço. — Olhe para mim enquanto eu falo com você!

Taka disparou cinco penas contra Naruto que, em um movimento rápido com a mão direita, aparou todos os projéteis de uma só vez. Então, amassou o aço entre seus dedos como se fosse papel, arremessando as penas retorcidas para longe.

E, com calma, Naruto se colocou de pé; os olhos amarelos, fixos no Yuurei à sua frente.

— Não se atreva a falar da Hinata na minha frente. — Apesar da irritação, Naruto não havia elevado o tom de voz; falava baixo, como se advertisse o Yuurei do perigo.

Taka Kazekiri abriu um sorriso de orelha a orelha.

— Então, esse é o famoso Modo Sennin dos Sapos, hein? Não parece tão intimidador. Deixe-me te mostrar o que é poder de verdade. — Taka fez um selo com a mão direita. — Yami no Fuuin (Selo da Escuridão): liberar.

De longe, Fukasaku estremeceu com o que estava vendo. A coluna de chakra negro subia até as nuvens. A pressão era enorme, fazendo até mesmo o ar em torno do Yuurei tremeluzir. Recoberta pela escuridão, a aparência de Taka Kazekiri era grotesca; e as asas — maiores ainda —, rasgavam a atmosfera ao redor. “Que chakra monstruoso! É como um Jinchuuriki enfurecido”, era a primeira vez que o Sábio do Monte Myoboku contemplava a liberação de Meiton.

E, com assombro, Fukasaku viu Naruto ali de pé, como se ignorasse todo aquele poder emanando do inimigo.

— Quer saber, Naruto? — bradou Taka Kazekiri, enquanto ganhava altura. — Eu não estou nem aí para o que rola entre você e a Mira-sama. Tenho ordens para acabar com a sua raça e te levar para o Líder-sama. Eu vou pra cima com tudo o que eu tenho!

— Eu iria te pedir exatamente isso. — Naruto apertou o nó do protetor de testa. — Venha, Yuurei, e não se segure.


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Notas finais do capítulo

Breves considerações:

1. No meu futuro ideal, Tsunade corresponderia aos sentimentos do Jiraiya, não fosse a ida dele à Chuva e à luta contra o Pain. Sim, aqui nós apoiamos JiraTsu e, sejamos honestos, quem liga para o casal Tsunade x Dan? Ele, basicamente, foi criado para ser o namorado da Tsunade que queria ser Hokage, mas morreu. Jiraiya é muito melhor e, ainda de forma trágica, sinto saudade de escrever romance.

2. E aquela visita que a Tsunade recebeu, hein? E a espada? xD

3. Um detalhe canônico que eu desconhecia até então: Kiba tem uma namorada! Chama-se Tamaki (era a garota que foi vista com ele e o Shino). Embora ela não tenha sido devidamente introduzida nesta história (no sentido de haver todo um desenvolvimento do casal), podem considerar a personagem existindo aqui também. E sim, eu aprovo o Kiba namorar uma personagem nova, ainda que figurante (desculpem-me para quem shippa este casal, mas Kiba e Hinata não faz sentido).

Obs.: eu realmente gostei de ter escrito a cena da Yuugao se despedindo dos seus colegas ANBU; e para todos aqueles que trabalham na Segurança Pública ou já serviram nas Forças Armadas, tomem como uma singela homenagem.

***

Eu queria abordar mais coisas na cerimônia fúnebre, mas infelizmente não consegui encaixar tão bem com o resto do capítulo. Do que sentiu falta? O que poderia ter sido diferente? Me contem aí suas considerações :3

E QUASE, MUITO QUASE, Mira não foi descoberta (ou será que foi? Comentem) dentro da Folha... e o que acharam da cena dela no País do Redemoinho? Gostaram? Ou exagerei? A Kushina parece ser bem especial para ela, né?

***

E FINALMENTE, depois de MAIS DE TRINTA CAPÍTULOS (que quando Taka Kazekiri foi, devidamente introduzido -- e odiado por vocês), teremos a tão aguardada (ou não; já foi um dia, não sei se ainda é) luta definitiva entre Naruto e Taka. Fizemos a introdução logo nesse capítulo; no próximo, porradaria franca entre dois homens que se odeiam!

Os dois próximos capítulos já estão prontos, mas ainda quero saber de vocês. O que acham que virá?

a) Uma luta equilibrada, com chances pros dois lados, a ser decidida nos detalhes;
b) Uma luta apertada, mas que um dos lutadores vai tomar a vantagem e administrá-la até o final;
c) Uma virada emocionante;
d) Um dos dois faz parecer fácil;
e) Por qualquer motivo, a luta será interrompida.


***

Próximo capítulo: Naruto Uzumaki vs. Taka Kazekiri (o nome não poderia ser outro, né?)

Data provável da próxima postagem: 01/04/2022.


Eu vou ficando por aqui. Muito obrigado a todos vocês, meus queridos leitores. Quem puder, deixe um comentário pra dar aquela força!

Obs: Eu tenho hábito de revisar várias vezes um capítulo antes de publicá-lo, mas caso ainda encontrem algum erro de digitação (ou de formatação de parágrafo; porque o Nyah tem dessas), por favor me avisem, ok?

Até o próximo capítulo o/



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