Coraticum escrita por Lena Saunders


Capítulo 1
Keep Running




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Faz seis dias que eles vieram. Seis dias desde que derrubaram a porta da minha casa. Seis dias que levaram meus pais. Seis dias que eu corro ao lado de Alec e Lissa.

As perninhas dela são muito pequenas para acompanhar a caminhada e eu preciso levantá-la sobre minhas costas. Ela faz o possível para se segurar embora esteja fraca e sangrando.

Não temos mantimentos. Não temos um destino. Não temos um plano. Não temos nada além de nós mesmos. Temos tudo.

– Kay... Eu... Eu não consigo mais.

Meu irmão Alec para, o corpo se dobrando ao meio, exausto pela corrida, pela fome e as noites interrompidas. Suor cobre o seu rosto e eu preciso me lembrar de que ele tem uma bala no braço. Se a exaustão não o matar, eles irão.

Caminhamos até o beco mais seguro e escuro que consigo encontrar e coloco minha irmã no chão, tentando ignorar o sangue seco que cobre sua perna esquerda.

– Quinze minutos. Vou tentar conseguir comida. Você fica com Lissa e se virem alguém, corram. Se não puderem correr, atire. Para matar.

Indo contra todos os meus princípios, entrego à Alec nossa única arma. Estou pedindo para um garoto de doze anos se tornar um assassino. Engulo minha relutância junto com o medo e me afasto deles. Eles estarão mais seguros ali do que se expondo comigo.

Preciso encontrar uma árvore. Uma tarefa quase impossível de se realizar sem ser notada. A primeira que encontro é um limoeiro. Não serve. Cinco minutos mais tarde, uma macieira. É tão perfeita que quero chorar.

Toco a árvore com as mãos espalmadas, inspirando e expirando profundamente. Eu deveria guardar energia, mas já faz doze horas que não os vemos e tento me convencer de que elesdesistiram. Que estamos seguros. Precisamos de comida.

Uma a uma, maçãs surgem na árvore, brotando lentamente, indo de verdes à vermelhas. Drenando minha energia. Sete maçãs. É tudo o que consigo e tudo o que tivemos por um bom tempo.

O alívio me preenche quando os encontro novamente. Eles estão bem. Pelo menos tão bem quanto poderiam estar. Lissa me dá seu adorável sorriso banguela quando lhes entrego as maçãs. Eu senti falta desse sorriso.

Continuamos andando, passo por passo, sempre em frente. Nos escondendo na escuridão da noite, tentando passar sob o radar. Lissa dita o caminho, como minha mãe disse que faria.

"Proteja-os. Salve-os. Fujam."Foram ordens claras que eu seguira à risca desde que saíramos de casa. Mas às vezes precisava me lembrar que aqueles homens não eram o único inimigo.

– Chega. Crianças, acho que podemos descansar um pouco. Vamos para a estação de trem.

Chegando na estação, Lissa apontou qual trem deveríamos tomar. Para Chicago. Precisei perguntar três vezes se era aquele mesmo, e, como ela continuou apontando, decidi que sim.

Nosso dinheiro escasso era nosso principal meio de sobrevivência. Eu me arrependia toda vez que precisava fazer aquilo. Ainda que eu precisasse, era errado. De tempos em tempos eu me perguntava como meus irmãos ficariam se sobrevivêssemos a tudo isso. Se eles perderiam seus valores e senso ético. Roubar era errado, mas aquilo não era sobre ter ou não dinheiro. Era sobre viver ou morrer.

Escondi meus irmãos no banheiro e dei as mesmas instruções para Alec. Atire para matar. Lavei meu rosto rapidamente e os deixei limpando todo aquele sangue. Cobri meu próprio sangue o melhor que pude com o casaco e fiquei parcialmente satisfeita com o resultado. Eu ainda parecia uma moradora de rua.

Procurei o alvo mais distraído possível. Um garoto. Ombros largos e cabelos ruivos bagunçados. O rosto salpicado de sardas relativamente charmosas. Passo 1: trombar. Passo 2: pedir desculpas. Passo 3: continuar andando com a carteira dele em meu bolso. Passo 4: verificar o dinheiro quando já estiver suficientemente longe. Woah.

Era muito mais do que eu já tinha sonhado em conseguir. Quatrocentos e cinqüenta dólares. Eu não sabia porque alguém carregaria tanto dinheiro sendo que poderia apenas ter um cartão de crédito. Dei uma olhada rápida nos documentos e fiquei ainda mais satisfeita quando encontrei uma passagem de adulto classe A para Chicago. Ele tinha uma cabine inteira para ele.

Mas eu conhecia minhas limitações e ser menos de idade era uma delas. Não foi difícil encontrar um mendigo. A caixa de papelão onde ele dormia estava encostadas em um dos pilares da estação. Cem dólares. Foi o que ofereci para ele por comprar uma passagem de criança e outra de adulto. Ele não pensou duas vezes.

Voltei para o banheiro e encontrei meus irmãos relativamente limpos, escondidos no box de deficientes físicos. O corte na perna de Lissa inflamaria se eu não lidasse com ele logo. Por sorte, agora teríamos horas para nos arrumarmos.

Quando entramos no trem, permanecemos de cabeça abaixada. Encontrar nossa cabine não foi difícil e me permiti gastar vinte dólares em batatas fritas e garrafinhas de água. Nunca fiquei tão feliz por roubar alguém. A cabine tinha um banheiro aclopado e uma espécie de cama improvisada.

Deixei-os comendo enquanto fui até o vagão comercial. Uma calça nova para Lissa, um casaco para Alec, absorventes para mim. Gaze, esparadrapo, anti-séptico, um pequeno kit de costura, um sabonete, creme dental, desodorante, detergente, um Shampoo barato, um cobertor leve, pacotes de comida industrializada e uma mochila para carregarmos nossas coisas. Cento e sessenta dólares. Mas eles dormiriam limpos e alimentados, e isso bastava.

No caminho de volta para a cabine, organizei mentalmente tudo o que eu faria durante meu turno de vigia. Lavar as roupas com o detergente, tomar um banho, comer alguma coisa e organizar nossos suprimentos recém adquiridos. Mas antes eu precisaria limpar e dar pontos na perna de Lissa e deixar ela e Alec tomarem banho. Precisávamos aproveitar a tranqüilidade de estar no trem.

Abri a porta da cabine e congelei. Meus irmãos estavam em cima da cama, encostados um no outro, lágrimas escorriam pelo rosto de Alec. Lissa parecia perfeitamente calma. Uma menina alta, com uma mecha de cabelo de cada cor, apontava uma arma para eles.


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