Goodbye escrita por Karollin


Capítulo 1
One shot


Notas iniciais do capítulo

Obrigada a quem está interessado em ler. Isso é muito importante para mim, já que é a minha primeira fic dramática. Espero que gostem!



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Beatrice abriu seus olhos fitando o teto branco de seu quarto. Era seu aniversário de dezoito anos, mas nem a maioridade a animava. Sua cabeça doía, seu cérebro parecia martelar em sua cabeça como um alarme, seu estômago estava enjoado, seu fígado doía e suas mãos tremiam como se tivesse Parkinson. Era o efeito da alta dosagem de remédios que vinha tomando há cinco dias.

Ela estava ansiosa como nunca esteve antes em sua vida inteira e não se queixou uma única vez desde que começara a ingerir aqueles medicamentos. O que seria mais um pouco de incômodo em sua vida? Levantou-se da cama completamente desperta e caminhou para seu pequeno e colorido banheiro. Encarou seu reflexo no espelho, analisando suas feições cansadas. Seu cabelo curto, encaracolado e castanho estava embaraçado, seus olhos pretos estavam um pouco vermelhos de sono e olheiras visíveis estavam abaixo deles.

Ela era bonita e sabia disso. Apesar de ser baixinha – possuía apenas 1,65m –, seu quadril largo, coxas grossas e cintura fina fazia com que ela virasse a cabeça dos homens por onde passasse. Seu corpo era muito importante para ela antes daquilo acontecer. Fixou seu olhar em uma cicatriz visível em sua clavícula devido à regata branca que usava e se sentiu suja novamente.

Deu um sorriso para o espelho , mas a felicidade não atingiu seus olhos.

O teatro começava, mais uma vez. Era hora de colocar a máscara novamente. Penteou seu cabelo brilhante, prendendo-o em um rabo de cavalo alto, passou corretivos nas olheiras, um blush clarinho nas bochechas para disfarçar a palidez e suspirou. Estava pronta. Após mais um ensaio de sorriso, desceu as escadas rumando para a cozinha.

Não estava com fome, mas como sua mãe, Melissa, estava diante do fogão preparando o almoço sentiu-se obrigada a comer uma maçã. Ninguém poderia saber, pelo menos não agora. Ficou analisando a mulher que lhe deu a vida. Seus ombros estavam curvados sobre o peso das preocupações e dos seus cinquenta e dois anos, seu cabelo cheio e preto estava salpicado de fios brancos, que apareceram nos últimos meses, depois daquilo acontecer. Mesmo assim ela era bonita.

Pena que estava indo pelo mesmo caminho que a filha.

Todos sabiam que ela havia começado a tomar remédios para dormir e controlar a ansiedade por não ter conseguido salvar sua filha mais velha das mãos do estuprador. Como ela iria imaginar que seu próprio irmão faria aquilo com a sobrinha? As brigas com o marido, John, podiam ser ouvidas por todos, mas Beatrice e sua irmã, Lívia, que possuía sete anos fingiam que nada ouviam tarde da noite. O homem chegava sempre tarde e mal se aguentando em pé de bêbado. Ele a culpava pelo que acontecera a Bea, o que rendia gritos histéricos e choros sofridos de desespero sempre que se tocava no assunto separação.

Tudo isso por causa de Beatrice. Sua irmã não merecia ter uma família desestruturada por sua culpa, seus pais não deveriam acabar com o amor que sentiam um pelo outro por culpa dela, seus amigos não tinham que desperdiçar suas vidas tentando curar um caso perdido como ela. Tudo era sua culpa, só trazia tristeza a todos ao seu redor. Os olhos inchados pelo choro da mãe e ter Lívia às lágrimas em sua cama tarde da noite buscando conforto só a fazia ter certeza do que faria. Não podia prolongar o inevitável.

Abraçou a mãe, sentindo-a levar um susto. Os braços da mulher ficaram inertes ao lado do corpo, tinha medo de tocar em sua filha e ela se desmanchar em seus braços. Seus olhos se encheram de lágrimas que escorreram por suas bochechas caindo no topo da cabeça da adolescente. Ela poderia ter evitado aquilo, deveria ter percebido que seu irmão estava agindo de modo estranho e que sua pequena garotinha estava sempre buscando evita-lo. Era tudo culpa dela.

Bea, percebendo que seu abraço não era retribuído, soltou sua mãe vendo as lágrimas sujarem o rosto dela. Com delicadeza limpou-as com seu polegar sem nunca tirar o sorriso do rosto. Realmente ela só trazia sofrimento para todos.

– Vai ficar tudo bem mamãe, eu prometo. Não chore, você fica mais bonita sorrindo e cantando pela casa como sempre fazia. – falou a garota – Eu te amo, não se esqueça disso jamais.

Melissa colocou as mãos sobre o rosto e iniciou um choro sofrido, seus soluços e lamúrias quebravam ainda mais o pobre coração da menina. Não podia se despedir de ninguém antes, isso só causaria mais sofrimento.

Saiu de casa após pegar toda sua economia que consistia em trezentos e vinte e três reais. Ela havia demorado anos para juntar toda essa quantia, mas não importava mais. A única parada que faz foi no McDonalds que ficava a poucas ruas de sua casa. Queria ver a felicidade das crianças ao escolheres seus brinquedos, a repreensão as mães ao vê-los brincando com os jogos em cima da mesa, os olhinhos dos pequenos brilhando de empolgação ao chegar ao local, nem se importando em esperar na fila. Queria ver a felicidade pela última vez.

Assim que se sentou na cadeira ficou encarando seu hambúrguer sabendo que não conseguiria comê-lo inteiro nem tomar todo seu refrigerante. Nem mesmo as batatas fritas que tanto amava ficariam em seu estômago por muito tempo. Mesmo assim, comeu um pouquinho de cada coisa, grata pelo maravilhoso sabor que tinham. Era sábado, então o local estava muito movimentado. Beatrice nem percebeu a hora passar enquanto olhava as pessoas ao seu redor rindo e conversando enquanto sua comida esfriava totalmente na sua frente. Quando olhou para o relógio já era seis da tarde. Havia ficado ali durante cinco horas. Deu um sorriso mínimo, soltando uma risada nasal.

Levantou-se e caminhou calmamente de volta ao lar sentindo o tempo começar a se esfriar. A brisa gélida bagunçava as pontas de seu cabelo enquanto ela olhava o céu tingir-se de um tom alaranjado. Entrou em casa e assim que o barulho da porta fechando soou na sala, sua irmã correu a seu encontro abraçando-a com lágrimas nos doces olhos castanhos.

– Papai e mamãe estão brigando de novo. Mesmo sendo seu aniversário eles continuam fazendo isso. – falou enterrando a cabeça no ombro da mais velha.

Beatrice queria carregar a pequena, mas sabia que não possuía força para tal. Ela mesma nem sabia como seu corpo ainda aguentava mantê-la em pé. Contentou-se em dar um sorriso automático e bagunçou o cabelo da menor incentivando-a a olhá-la.

– Venha, minha princesinha. – falou segurando a mão diminuta da irmã.

Levou-a até o quarto de Lívia e deixou-a sozinha por um instante enquanto pegava seu notbook e um fone de ouvido rosa.

– Ouça minhas músicas, elas permitirão que você viaje em um mundo só seu. Aproveite e o desenhe, amanhã de manhã irei vê-lo. – explicou.

– Você vai dormir maninha? Ainda está cedo. – protestou.

– Está tarde, minha princesa. Estou tão cansada, preciso descansar logo. Amanhã tudo vai ficar melhor, eu prometo. – disse acalmando a pequena e colocou o fone na menor, dando um beijo carinhoso em sua bochecha.

Lívia achou a seleção musical da irmã um pouco triste, mas a melodia era alta o suficiente para abafar o som da briga de seus pais. Sentou-se na mesinha e pôs-se a desenhar o seu mundinho. Porém, antes que a irmã saísse do quarto, a pequena se virou para a mais velha sorrindo de modo sincero.

– Obrigada, maninha. Eu te amo, feliz aniversário! –exclamou um pouco alto demais.

Bea lhe lançou um fraco sorriso contendo as lágrimas que teimavam em querer escorrer por seu rosto.

– Tudo vai ficar bem. – murmurou para si mesma ao fechar a porta de seu quarto.

Pegou as cartas que havia feito previamente para as pessoas e abriu uma por uma lendo trechos aleatórios. Suas mãos tremiam, tando de medo quanto por causa dos remédios.

Para as amigas, Luna e Carol:

‘‘Agradeço minhas grandes amigas que aguentaram tamanho fardo, vocês me guiaram, porém eu não soube retribuir e assim me despeço de vocês tão lindas e verdadeiras. Desculpe por ser defeituosa. Vocês merecem mais do que um estorvo em suas vidas. Peço perdão por fazerem você não irem àquela viagem de final de ano por causa do que aconteceu comigo. Espero que continuem a iluminar a vida das pessoas com suas energias positivas e suas felicidades contagiantes. Acreditem, por um tempo, ela até me contagiou.’’

Para os pais:

‘‘Mamãe, você não tem a mínima culpa do que aconteceu. Não se martirize por isso e muito menos se culpe. Papai, peço que apoie minha mãe,ela realmente está enfrentando um momento difícil. Não briguem, não por mim. Vocês se amam e Lívia vai precisar de vocês, não quero vê-la chorando por causa de suas brigas. Amo vocês, não se esqueçam disso.’’

E por fim, para Lívia:

‘‘Minha pequena irmã, minha princesinha, eu não queria te deixar, mas merece irmã melhor. Você é o orgulho dessa família. Seja você como sempre foi e como eu te ensinei. Eu te amo. E vou te guiar de onde estiver. Se papai e mamãe começarem a brigar, você já sabe o que fazer. Quando eu virar um anjinho, irei ver seu desenho – que aposto que deve estar incrível! Não perca esse sorriso maravilhoso que você tem. Eu te amo tanto minha pequena, merece coisa melhor do que uma família desestruturada por minha causa. Te visitarei nos seus sonhos, prometo, e irei prender direitinho o Bicho Papão para que ele não te atormente nunca mais! Dentro do envelope tem uma quantia para você comprar o que quiser, construa seu mundo dos sonhos, minha pequena!’’

Estava satisfeita. Pegou as cartelas dos remédios e depositou as correspondências em cima da cômoda e caminhou em direção ao banheiro decidida. Encarou seu reflexo no espelho e lavou o rosto, tirando tida a maquiagem, sua máscara. Levantou a cabeça e viu suas feições pálidas.

Havia pensado muito sobre sua decisão. Sabia que havia muitas pessoas que estavam lutando pela vida enquanto ela se desfazia da sua, e só se culpava ainda mais. Seus planejamentos passaram inicialmente por cortar os pulsos, mas isso faria muita sujeira e não queria que seus pais limpassem seu sangue da pia ou do chuveiro. Também não queria se enforcar, ver o corpo de Beatrice pendurado em uma corda perturbaria ainda mais os pais. O método que mais a atraiu foi a overdose de remédios, ela iria morrer dormindo, em paz.

A garrafa d’água já estava preparada. Ela separou trinta e seis comprimidos, metade de paracetamol e metade de dorflex. Eles serviam para acabar com a dor e era exatamente o que fariam por ela. Seu organismo já estava fraco devido às doses anteriores e seus pais só a encontrariam no outro dia de manhã ao acordá-la. Era perfeito.

Engoliu quatro remédios de uma vez com um grande gole de água. Esses são para livrar minha mãe da culpa. Mais quatro desceram por sua garganta. Esses são para livrar meu pai da culpa. Oura vez. Esses são para livrar minha irmã de um casal separado. Novamente. Esses são para que meus pais busquem apoio um no outro e esqueçam essa ideia ridícula de separação. O processo se repete mais quatro vezes. A visão dela já estava perdendo o foco e suas pernas começaram a dobrar não aguentando seu peso. Os últimos quatro ela engoliu sem água. Esses eram para que ela fosse feliz.

Andou a passos trôpegos até sua cama e deitou-se sentindo a cabeça rodar. Cobriu-se como se estivesse dormindo e fechou os olhos pela última vez, sendo levada pela inconsciência. Milésimos de segundos antes de sua morte, viu todos que amavam diante dela, sorrindo em sua direção. Todos estavam felizes, era o que importava.

O corpo de Beatrice esfriava à medida que as horas passavam e seu primeiro sorriso de genuína felicidade não abandonou seus lábios sem vida.

Agora, ele seria eterno.


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Notas finais do capítulo

Quem chegou até aqui poderia deixar um comentário? Quero saber o que acharam, se sentiram-se comovidos. Eu mesma chorei enquanto escrevia, mas vai ver tenha ficado uma droga e eu seja somente uma boba manteiga derretida.