A Noite mais Longa da Minha Vida escrita por Mica SV


Capítulo 1
A noite mais longa da minha vida




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Eu então abri a negra porta dupla de madeira. A princípio, quando eu vi que Violeta estava viva e inteira, pensei ser só imaginação. Então olhei de novo e vi que tinha realmente funcionado. O agitado mini-pufe agora me olhava de forma assustada, com seus pequenos olhinhos azuis me encarando. Eu a peguei com cuidado e comecei a comemorar. Violeta então foi para meu ombro, onde saltava excitada, devido as minhas risadas.

Eu estava salvo. E ela parecia saber isso. Quando eu devolvesse a Anne seu pequeno pufoso roxo, ela não me mataria e isso me aliviava tremendamente. Anne ficara irritada no dia anterior quando peguei Violeta escondido, enquanto ela pulava no grande sofá preto de couro em frente à lareira. Anne estava estudando para os N.O.M.s e só se deu conta na hora de dormir.

Borgin já estava sob aviso. Escondi Violeta no bolso interno de minha capa e fui o mais rápido que pude para a sala precisa, acompanhado por Crabbe e Goyle. Aqueles idiotas não entendiam o porquê de minha agitação e insistiam em fazer perguntas para as quais eles sabiam que não teriam resposta.

Assim que passei pela pesada porta de carvalho, me deparei com a enorme sala escura, cheia de quinquilharias empoeiradas. Após passar todo o ano letivo visitando-a diariamente, já estava bem familiarizado com a sala. Vez ou outra, encontrava garrafas de rum ou xerez escondidas em um pequeno gabinete. Isso significava que alguém andava visitando aquela sala com alguma freqüência também, então eu teria que ser cauteloso. O grande armário preto de portas duplas, com ouro subindo em espiral por suas margens. encontrava-se ao final daquele corredor, onde haviam milhares de livros velhos. Quando finalmente me aproximei, abri suas portas e coloquei a pequena Violeta lá dentro. Ela me olhava de forma curiosa, talvez percebendo que algo errado estava acontecendo. Fechei as portas e cantei o feitiço que aquele grande livro velho mandava. Anne me mataria.

Lembro-me de quando ela me encontrou animada nesta  mesma sala, dizendo que havia traduzido o livro pra mim. Eu fui rude. Não queria a ajuda de ninguém. A glória seria minha e somente minha. Mas ela sabia que eu não estava conseguindo sozinho, então comprou o antigo livro pra mim. Passamos meses trancados nessa sala seguindo a risca tudo o que era dito. Ao final, embora tivéssemos conseguido consertar o armário, descobrimos que havia outro defeito. Naquele dia, vi que era o meu fim.

Mas ela não se deu por vencida. Tratou logo de descobrir o que teríamos que fazer a seguir e acabou me dando uma idéia, mesmo sem querer. Naquela noite, ela me contou que ouviu o professor Slughorn comentando com o professor Flitwick que daria de Natal uma garrafa de hidromel envelhecido para o diretor Dumbledore.

Naquela mesma noite, avisei Rosmerta para envenenar a melhor garrafa de hidromel que ela tivesse e em seguida oferecê-la para o professor Slughorn. Conforme ela, tudo correu conforme o planejado. Por ela ser uma boa amiga de Dumbledore, Slughorn rapidamente aceitou a sugestão. Mas aquele pobretão do Weasley, não sei o porquê, tomou o hidromel e quase morreu.

Depois disso, comecei a ficar desesperado. Minha mãe me mandava corujas constantes, dizendo estar sob ameaça. Outro que me pressionava era Severus, querendo saber o que eu estava planejando. Aquele idiota só queria roubar minha glória para ele. Quando tudo terminasse, eu seria o comensal mais importante. O braço direito do Lord das Trevas.

Mas agora, olhando satisfeito para a saltitante Violeta, me pergunto se realmente quero isso que eu tanto chamo de glória. O que me motiva agora é o medo e não a ambição. O único anseio que eu tenho agora é a de saber que minha família está protegida. Que ele não me matará.

Senti algo estremecer no meu bolso. Era a moeda com a qual eu me comunicava com Rosmerta. Ela estava me avisando que Dumbledore estava em Hogsmeade, mas seria breve. Senti meu corpo estremecer.

Corri até a sala comunal, procurando por Anne. Ela estava sentada com suas amigas estudando. Levei-a até o meu dormitório e enquanto arrumava minha mala, disse a ela para não deixar a sala comunal sob hipótese alguma.  Ela não me questionou. Sabia que eu não poderia contar.

Mostrei a ela que usava o amuleto que ela me deu. Depois saí. Passei pela sala comunal rapidamente, ignorando aqueles que chamavam meu nome. Em uma mesa, vi Violeta se emaranhar nos cabelos castanhos de uma menina.

Os minutos que eu levei para chegar ao sétimo andar foram os mais longos da minha vida. Depois do que eu faria naquela noite, nunca mais seria o mesmo garoto. Seria um homem – um assassino. Quanto mais eu me aproximava da lisa parede de pedra, mais o meu coração parecia querer saltar pela minha boca. Estava tão enjoado que quase considerei passar no banheiro antes. Mas eu não tinha tempo.

Passei pela imponente porta de carvalho e me dirigi ao fundo da sala, focado em meu objetivo. Abri as portas do armário e entrei. A passagem já estava ativada. Eu não precisaria mais de feitiços. Quando abri as portas novamente, me vi em um lugar mal iluminado, com várias peças estranhas a disposição. Conhecia bem aquele lugar... Estava na Borgin & Burkes. Atrás do balcão, perto do caixa, estava Borgin. Ao ouvir o som dos meus passos, ele me olhou assustado, com aquela carranca enrugada que me dava arrepios.

- Está na hora. – eu disse. Ele então arregalou os olhos e abafou com as mãos um grunhido.  Ergui minha manga esquerda e encostei minha varinha. Em poucos segundos, vultos negros se materializavam ao meu redor. Eles já haviam sido avisados previamente do meu plano.

- Está tudo pronto? – perguntou um vulto alto e corpulento.

- Vamos. – eu disse, dando as costas para eles. Entrei novamente no armário, voltando para a Sala Precisa. Um a um, eles penetravam o lugar mais protegido do mundo mágico.

Expliquei então a eles como agiríamos. Dumbledore havia saído, mas em breve estaria de volta. Passei talvez pela última vez por aquela porta de carvalho. Senti-me novamente nauseado.

- É o Malfoy! – eu ouvi uma voz feminina gritando. Era aquela Weasley pobretona.

- Pega! – gritou o outro Weasley.

Eu rapidamente tirei uma pedra preta de meu bolso e a joguei com força no chão, criando uma escuridão impenetrável. Peguei minha mão da glória e chamei os comensais que aguardavam dentro da Sala Precisa. Eu os guiei pelos corredores. Sentia o bafo quente de Greyback nas minhas costas. Não era para ele estar aqui. Maldito seja quem o chamou.

Assim que viramos em um corredor iluminado, me deparei com algo que não esperava. Havia adultos ali. Alguns eu conhecia bem, como o lobisomem que foi professor de DCAT no meu terceiro ano. Os outros, não tinha a mais parca idéia de quem eram.

Vi então os Comensais avançando contra aqueles estranhos. Professores também começaram a aparecer. Chequei meus bolsos, mas não tinha mais Pó Escurecedor Instantâneo do Peru. Corri o mais rápido que pude, com Gibson no meu encalço. Precisava chegar à Torre de Astronomia. Era a mais próxima de onde eu estava e certamente, de lá, Dumbledore veria a marca negra.

Eu tropecei em algo mole caído no chão, um corpo. Não consegui reconhecer quem era. Greyback tinha sido impiedoso com o rosto do homem. Quando olhei a minha volta, vi vários jatos sendo disparados. Precisava me esconder. Vi então Gibbon voltando.  Pela janela, podia ver a marca negra, formada pelo que pareciam ser estrelas de esmeralda, iluminando a escuridão daquela noite sem estrelas e lua.  Em meu bolso, a moeda voltou a vibrar. Era Rosmerta me avisando de que Dumbledore estava voltando.

Levantei-me rapidamente e comecei a correr, tomando cuidado para não cair novamente. A escada que levava à torre estava próxima. Eu só precisava chegar lá e tudo estaria bem. Subi cautelosamente os degraus, tentando me manter invisível sob os olhos daqueles que lutavam. Quando cheguei ao último degrau, ouvi um barulho vindo do observatório. Abri a porta rapidamente e vi Dumbledore. Por Merlin, ele estava patético!

- Expelliarmus! – eu gritei, fazendo a varinha dele voar longe. Foi mais fácil do que eu imaginava. Ele estava parado ali, pálido, contra os baluartes. Próximo ao velho, havia duas vassouras.

- Boa noite, Draco. – ele teve a audácia de dizer. Eu estava ali com uma varinha apontada para ele. Velho idiota!

Eu então me aproximei dele, olhando em volta para me certificar de que estávamos sozinhos. Ao lado de Dumbledore, haviam duas vassouras caídas no chão.

- Quem mais está aí? – eu perguntei, mantendo minha varinha apontada para ele. Estava fácil demais, não era possível.

- Sou eu quem deveria te perguntar isso. Ou você está agindo sozinho? – o velho perguntou. Sua voz calma estava me irritando.

- Não. – eu respondi aborrecido. Nem sei por que ainda me importava em responder àquele velho imbecil. Precisava agir logo. – Eu trouxe reforço. Tem Comensais da Morte hoje à noite na sua escola.

- Bom, bom. – Dumbledore respondeu. Me assustei com aquela reação. – De fato, muito bom. Você encontrou um modo de deixá-los entrar, não foi?

- Sim. – eu respondi. Estava começando a ficar nervoso com aquela situação. Meu coração tentava sair pela minha garganta. – Bem debaixo do seu nariz e você nem sequer percebeu.

- Engenhoso! – ele disse. O nervosismo começava a crescer dentro de mim. Pra quem estava prestes a ser morto, o diretor estava calmo demais. – Mas... perdoe-me... onde eles estão agora? Você parece sozinho.

- Eles se depararam com parte da sua guarda. Estão lutando lá em baixo. Não demorarão... Eu vim na frente. – eu então estremeci. A hora tinha chegado. – Eu... eu tenho um trabalho a fazer.

- Bem, então você deve seguir em frente e fazê-lo, meu caro garoto. – ele continuava com aquela voz calma, suave. Eu não conseguiria seguir em frente. Eu não podia. Mas tinha os meus pais. Minha vida dependia daquilo.

Aqueles olhos azuis, tão serenos, me assombravam. Tinha certeza de que, depois de feito, eles me acompanhariam por noites sem fim. Eu estava prestes a matar um homem que nunca me fizera mal algum. O único homem que o Lord das Trevas temia. Talvez, se ele sobrevivesse, poderia destruir Você-Sabe-Quem. Eu não me importava mais. Mas, se ele demorasse, seria tarde de mais para todos nós.

- Draco, Draco, você não é um assassino. – ele disse tranquilamente.

- Como você sabe? – eu perguntei de forma meio imbecil. É claro que eu não era um assassino. Bom, não por opção. – Você não sabe do que eu sou capaz.  – minha voz agora soou mais alto, talvez pelo esforço que eu estava fazendo para que ela saísse. – Você não sabe o que eu fiz.

- Oh sim, eu sei. – ele disse gentilmente. – Você quase matou Katie Bell e Ronald Weasley. Você tem tentado de forma desesperada me matar durante todo o ano. – agora eu me sentia mal, como se todo o meu sangue estivesse se esvaindo de minhas veias e artérias. – Perdoe-me, Draco, mas foram tentativas patéticas... tão patéticas, para ser sincero, que eu me pergunto o quanto você realmente se empenhou nisso...

- Eu me empenhei. – como ele ousava dizer aquilo? Eu passei o ano inteiro sendo atormentado por isso. Passava noites em claro para poder consertar aquela porcaria de armário. Abdiquei de meus estudos e refeições. – Eu vim trabalhando nisso o ano inteiro e hoje à noite...

Eu então ouvi um grito abafado. Pareciam estar se aproximando da torre. Olhei em direção a escada, mas não havia ninguém. Eu precisava agir rápido.

- Alguém parece estar dando trabalho. – Dumbledore disse tranquilamente, como se estivesse se referindo a uma infestação de fadas mordentes. – Mas você estava dizendo... sim, você deu um jeito de colocar Comensais da Morte dentro da minha escola o que, eu admito, pensava ser impossível... como você conseguiu?

Os barulhos lá em baixo ficavam cada vez mais alto. A náusea estava voltando e me impedia de pensar direito. Precisava fazê-lo, mas não sabia como. Claro que eu sabia como, o que faltava era coragem. Ele me mataria por eu ser um covarde.

- Talvez você deva continuar com o seu trabalho sozinho. – Dumbledore sugeriu, chamando a minha atenção para ele. – E se o seu reforço tiver sido impedido pela minha guarda? Como você deve ter percebido, há membros da Ordem da Fênix aqui também. Além do que, você não precisa mesmo de ajuda... eu não tenho posse da minha varinha... eu não posso me defender.

Eu simplesmente não consegui me mexer. Olhava novamente praqueles olhos azuis... tão profundos.

- Eu entendo. – Dumbledore disse suavemente. – Você está com medo de agir até que eles venham.

- Eu não estou com medo. – eu vociferei. Era óbvio que eu estava com medo. Eu mal podia me mexer. Mas aquele velho estúpido era realmente muito idiota. Eu estava com uma varinha apontada para ele. Eu podia fazer o que eu quisesse. – É você quem deveria ter medo!

- Mas por quê? – ele perguntou, fazendo eu me sentir idiota. Eu estava prestes a matá-lo e mesmo assim ele não tinha medo de mim? – Eu não acho que você me matará, Draco. Matar não é tão simples como os inocentes acreditam... então me diga, enquanto esperamos por seus amigos... como você os  trouxe para o castelo? Parece que você levou um bom tempo para descobrir como fazê-lo.

Segurar a ânsia de vômito estava se tornando mais difícil do que eu conseguia imaginar. Eu tinha que ter passado naquela droga de banheiro. Eu respirei fundo, tentando me acalmar. Qualquer movimento em falso e seria eu quem teria uma varinha apontada para o peito.

- Eu tive que consertar aquele Armário Sumidouro quebrado que ninguém usava há anos. Aquele em que o Montague se perdeu no ano passado.

- Aaaah. – Dumbledore disse. Eu então reparei que ele parecia cada vez mais curvado, como se não conseguisse se manter em pé. Ele estava tão patético. E isso me fazia sentir raiva dele. Ele ia deixar que eu o matasse. – Isso foi inteligente... existe um par, eu acredito?

- O outro está na Borgin & Burkes e eles formam uma passagem entre eles. Montague me disse que quando ficou preso no de Hogwarts, ele ficou em uma espécie de limbo, mas às vezes podia ouvir o que estava acontecendo na escola e, às vezes, o que acontecia na loja, como se o armário estivesse viajando entre os dois lugares. Mas ele não conseguia fazer com que alguém o ouvisse. No fim, ele conseguiu aparatar para fora, mesmo não tento passado no teste. Ele quase morreu na tentativa. Todos acharam que era uma boa história, mas eu fui o único que entendeu o que isso significava – até mesmo Borgin não entendeu – eu fui o único que percebi que havia um jeito de entrar em Hogwarts pelos armários se eu consertasse o que estava quebrado.  

- Muito bom. – Dumbledore murmurou. – Então os Comensais da Morte puderam entrar em Hogwarts pela Borgin & Burkes para te ajudar… um plano inteligente, muito inteligente… e, como você disse, bem debaixo do meu nariz...

- Isso mesmo. – eu respondi. Me senti encorajado pelo diretor, o grandioso Dumbledore, achar o meu plano inteligente. – Muito inteligente.

- Mas houve vezes, não foi, em que você não tinha certeza de que conseguiria consertar o armário. Então você recorreu a meios crus e mal-pensados, como me mandar um colar amaldiçoado que acabou parando em mãos erradas... Envenenar um hidromel que havia uma chance mínima de ser bebido por mim. – Dumbledore disse.

- É, mas mesmo assim você não percebeu quem estava por trás disso tudo, percebeu?

- Na verdade, eu percebi. – ele disse. Eu gelei com aquilo. – Eu tinha certeza de que era você.

- Por que não me impediu então? – eu perguntei. Estava irritado demais agora. Se ele tivesse percebido e me expulsado da escola, talvez eu não tivesse que fazer isso. Talvez eu fosse preso e estaria seguro em Azkaban. Era engraçado pensar em Azkaban como um lugar agradável, mas meu medo me motivava aquilo.

- Eu tentei, Draco. O professor Snape tem te vigiado sob minhas ordens.

- Ele não estava sob suas ordens. Ele prometeu à minha mãe. – Dumbledore era mesmo um velho estúpido por acreditar em Snape. Snape era o mais bem cotado comensal.

- É claro que foi isso que ele te disse, Draco, mas... – Dumbledore começou a dizer.

- Ele é um agente-duplo, seu velho idiota. Ele não está trabalhando para você. Você só pensa que ele está. – eu não ia agüentar mais ouvir tantas idiotices.

- Nós devemos discordar quanto a isso, Draco. Acontece que eu confio no professor Snape.

- Você está perdendo o bom senso então. – eu disse irritado. – Ele tem me oferecido bastante ajuda, querendo toda a glória pra ele. Querendo um pouco de ação. “O que você está fazendo? Você mandou o cordão? Aquilo foi estúpido, poderia ter estragado tudo.” – eu disse, repetindo as palavras que Snape me disse no Natal. – Mas eu não contei para ele o que eu estava fazendo na Sala Precisa. Ele vai acordar amanhã e tudo estará acabado. E ele não será mais o favorito do Lord das Trevas, ele não será nada comparado a mim, nada! – eu estava quase gritando, como se estivesse querendo acreditar em minhas próprias palavras. Eu não queria mais porcaria de glória alguma, eu só queria viver.

- Muito gratificante. – ele disse tranquilamente. Era claro que estava zombando de mim. – Todos nós gostamos de ser reconhecidos por nosso trabalho duro, é claro... Mas você deve ter tido um cúmplice...  alguém em Hogsmeade, alguém que pudesse entregar o colar a... é claro.... Rosmerta. Há quanto tempo Rosmerta tem estado sob a Maldição Imperius?

- Finalmente você percebeu. – eu disse. Então eu escutei outro grito vindo do andar de baixo. Olhei novamente para a escada, mas não havia ninguém.

- Então a pobre Rosmerta foi obrigada a se esconder em seu próprio banheiro e entregar o colar a qualquer estudante de Hogwarts desacompanhada? E a bebida envenenada... bom, naturalmente, Rosmerta podia envenená-la para você antes de enviá-la para Slughorn, acreditando que isso seria meu presente de Natal... sim, bem pensado... bem pensado... O pobre Filch certamente não checaria uma garrafa de Rosmerta. Agora me diga, como tem se comunicado com Rosmerta? Pensei que tivéssemos todos os meios de comunicação dentro e fora da escola monitorados.

- Moedas encantadas. – eu respondi. Estava prestes a desistir. Todo aquele interrogatório estava me cansando. Estava me fazendo ver que eu me esforcei demais, mas não me preparei para o momento mais importante.

- Não era esse o meio secreto de comunicação que o grupo que se auto-intitulou Armada de Dumbledore usou no ano passado? – ele continuava com o irritante tom casual.

- É, eu roubei a idéia deles. – eu dei um sorriso de escárnio. – Eu consegui a idéia de envenenar a bebida com a sangue-ruim da Granger também. Eu ouvi ela falando na biblioteca que o Filch não reconhecia poções.

- Por favor, não use essa palavra ofensiva na minha frente.

Eu não consegui controlar o riso. Dumbledore era mesmo um idiota. Defender uma sangue-ruim só aumentava minha vontade de acabar logo com isso. Mas algo me impedia.

- Você ainda se importa de me ouvir dizer “sangue-ruim” quando estou prestes a matá-lo?

- Sim, eu me importo. – Dumbledore então fez uma pausa. Parecia que ele ia desabar a qualquer instante. – Mas quanto a você estar prestes a me matar, Draco, você já teve longos minutos até agora. Nós estamos a sós. Eu estou mais indefeso do que você jamais poderia imaginar e você ainda não fez nada... – eu não podia acreditar no que ele estava dizendo. Ele também estava me pressionando? Mas ele não parecia ter terminado seu discurso. – Agora, quanto a hoje à noite, eu estou um pouco intrigado quanto a como isso aconteceu... Você sabia que eu tinha deixado a escola?- ele fez uma breve pausa. -  Mas é claro, Rosmerta me viu saindo, então te avisou usando essas engenhosas moedas, é claro...

- Isso mesmo, mas ela disse que você tinha saído apenas para uma bebida, que você estaria de volta...

- Bem, certamente eu saí para beber… e eu voltei... de certo modo. Então você decidiu armar uma armadilha para mim?

- Nós decidimos colocar a Marca Negra sobre a torre para você se apressar, para ver quem havia sido morto. – eu segurei uma nova risada, satisfeito comigo mesmo. – E funcionou.

- Bom, sim e não. Mas posso acreditar que ninguém foi morto, então?

- Alguém morreu. – dessa vez minha voz saiu mais fina. Eu fazia o que podia no momento para conseguir falar. Sentia meu estômago se revirar.  Sacudi então a cabeça tentando me livrar desses pensamentos. -Um dos seus... eu não sei quem, estava escuro. Eu pisei em alguém. Era pra eu estar aqui esperando você voltar, só que esse seu pessoal da Ordem entrou no caminho...

- É, eles fazem isso. – Dumbledore disse numa constatação que soou idiota.

Eu ouvi um barulho e gritos vindos de baixo, cada vez mais altos. Pareciam estar lutando na escada em espiral logo atrás de mim.

- Temos pouco tempo. – Dumbledore falou. – Então vamos discutir suas opções, Draco.

- Minhas opções? – eu quase gritei. Eu não tinha opções. – Eu estou aqui com uma varinha. Estou prestes a matá-lo.

- Meu caro garoto, não vamos mais ter pretensões quanto a isso. Se você fosse me matar, teria o feito assim que me desarmou. Você não teria parado para essa agradável conversa sobre meios e fins.

- Eu não tenho nenhuma opção. – eu quase gritei novamente, mas estava tão apavorado que isso parecia difícil. – Eu preciso fazer isso. Ele me matará. Matará toda a minha família.

- Eu reconheço sua difícil posição. Por que mais você acha que não te confrontei antes? – percebi que era uma pergunta retórica. – Porque eu sabia que você seria morto por Lord Voldemort se eu suspeitasse de você.

Ouvir aquele nome fez o meu estômago revirar mais uma vez. Aquilo me trouxe de volta à realidade. O pânico e o medo tomaram conta de mim novamente. Acho que eu pularia da torre se ao menos conseguisse me mexer.

- Eu não ousaria falar com você sobre a missão  que eu sabia que tinha sido confiada a você, no caso dele usar legilimência contra você. Mas agora, finalmente podemos falar abertamente... nenhum mal foi feito, você não machucou ninguém, embora tenha sorte de que suas vítimas não-intencionais sobreviveram... Eu posso te ajudar, Draco.

- Você não pode. Ninguém pode. Ele me disse para fazer isso senão me mataria. Não tenho escolha. – eu falei tudo de uma só vez. Se parasse para respirar, talvez não conseguiria continuar. Minha mão tremia, tornando cada vez mais difícil segurar a varinha.

- Venha para o lado certo, Draco, e nós podemos esconder você mais completamente do que você pode imaginar. Eu posso mandar membros da Ordem para sua mãe hoje a noite para escondê-la também. Seu pai está seguro no momento em Azkaban... quando a hora chegar, nós podemos protegê-lo também... Venha para o lado certo, Draco. Você não é um assassino.

- Mas eu cheguei até aqui, não foi? Eles acharam que eu morreria na tentativa, mas aqui estou. Eu estou no poder. Eu tenho a varinha e você está à minha mercê.

- Não, Draco, é a minha misericórdia e não a sua que importa agora.

Eu não consegui falar mais nada. Era verdade que eu tinha a varinha, mas me faltava coragem. Estava condenando toda a minha família por ser um covarde. 

Então eu ouvi passos pesados subindo a escada e quatro comensais irromperam pela porta. Eu não conseguia me mexer. Não conseguia respirar. Desmaiaria a qualquer momento.

- Dumbledore está encurralado. – eu reconheci a voz de Amycus Carrow. Amycus era um homem corpulento e feio. Eu não gostava dele nem de sua irmã, Alecto. - Ele está sem varinha, Dumbledore está sozinho. Muito bem, Draco, muito bem.

- Boa noite, Amycus. – Dumbledore disse calmamente. Como ele podia agir assim, se eu que estava sendo elogiado estava prestes a gritar em pânico a qualquer momento. – E você trouxe Alecto também... encantador...

- Pensa que suas piadinhas vão te ajudar no seu leito de morte? – Alecto zombou.

- Piadas? Não, isso são boas maneiras. – Dumbledore disse num tom cordial. Eu estava começando a não entender mais o que acontecia. Minha cabeça estava ficando leve. Desmaiaria a qualquer momento.

- Ande logo. – Fenrir disse, me trazendo a lucidez de volta. Eu odiava ficar perto dele. Aquele cheiro de sangue e suor e seu corpo sujo me enojavam. Aquilo só aumentava a minha vontade de vomitar.

- É você, Fenrir? – Dumbledore perguntou. É claro que era Fenrir. Quem mais poderia ser tão asqueroso?

- Isso mesmo. Contente em me ver, Dumbledore?

- Não, não posso dizer que estou.

- Mas você sabe o quanto eu gosto de crianças, Dumbledore. – Greyback falou.

- Acredito que você está atacando mesmo quando não é lua cheia, não? Isso é muito incomum... você desenvolveu um gosto por carne humana que não pode ser saciado uma vez por mês? – Dumbledore perguntou. O tom que usava com o lobisomem era diferente do que usara comigo minutos atrás. Dumbledore não parecia mais tão cordial.

- Isso mesmo. Isso choca você, não é, Dumbledore? Te assusta?

- Bom, não posso fingir que isso não me enoja nem um pouco. – Dumbledore disse. Ele então olhou novamente para mim. – E eu estou sim um pouco chocado que Draco tenha te convidado, de todas as pessoas, a vir para a escola onde seus amigos moram. – isso fez o meu corpo gelar novamente. Estava passando por tantas sensações desagradáveis naquele momento que acho que só não desmaiei com medo de que Greyback me atacasse.

- Eu não o chamei. – eu respondi, sem sequer olhar para o lobisomem. Não queria ver sua expressão. – Eu não sabia que ele viria.

- Eu não queria perder uma viagem à Hogwarts, Dumbledore. Não quando há tantas gargantas a serem rasgadas... delicioso, delicioso... – mais uma vez um frio percorreu minha espinha e eu quase vomitei. Eu precisava tirá-lo dali antes que ele matasse alguém. – Você poderia ser o próximo, Dumbledore.

- Não. – eu ouvi Yaxley falar. – Agora, Draco, e rápido.

Agora meu corpo estava me deixando na mão. Minhas mãos tremiam e minhas pernas estavam bambas. Ter que encarar Dumbledore novamente era torturante. O diretor me olhava com a mesma expressão, embora estivesse cada vez mais pálido.

- Ele já não pertence mais a esse mundo, se você me permite dizer. – falou Amycus, sendo seguido por risadinhas de sua irmã idiota. – Olhe para ele... O que aconteceu com você, Dumby?

Foi então que eu percebi. Aquela aparência de Dumbledore não era medo. Desde o começo do ano que eu venho observando que Dumbledore não era mais o velho enérgico de antes. Estava cada vez mais pálido, parecia mais fraco, e ainda tinha aquela mão. Aquela mão grotesca, que parecia morta.

- Oh, resistência mais fraca, reflexos mais lentos, Amycus. – o diretor disse. –Resumindo, velhice... Um dia, talvez, lhe aconteça o mesmo... se você tiver sorte. – Dumbledore disse. Pela primeira vez apreciei o sarcasmo do diretor. Pela primeira vez na minha vida eu admirei Dumbledore. E eu estava ali, empenhando todas as minhas forças em matá-lo.

- O que isso quer dizer, hein? O que quer dizer? – Amycus gritou. Pelo visto, o humor ácido do diretor não o agradou. – Sempre o mesmo, não é, Dumby, fala, fala e não faz nada. Nem sei por que o Lord das Trevas está se preocupando em matar você! Vamos, Draco, mate de uma vez!

Eu novamente tentei manter meu braço erguido, mas novamente sons vindos do andar de baixo me distraíram. Eu ouvi uma voz gritar.

- Eles bloquearam as escadas. Reducto! REDUCTO!

- Ande, Draco, mate-o. – eu nem sequer sei quem falou. Estava entorpecido devido ao pavor. Não conseguia mais apontar minha varinha. Estava tudo acabado. Eu estava acabado.

- Eu farei. – eu ouvi Greyback dizer. Ele então se aproximou de Dumbledore, com suas mãos esticadas e dentes à mostra.

- Eu disse não! – Yaxley gritou. Eu estremeci novamente.

- Anda, Draco, mate-o ou se afaste para que um de nós... – Alecto começou a dizer, mas então alguém arrombou a porta. Eu não ousei olhar para trás para ver quem era.

- Nós temos um problema, Snape. – Amycus disse. Então era Snape. Ele viera me roubar a glória. Eu precisava agir rápido, mas não conseguia. – O garoto não parece capaz...

- Severus… - eu vi Dumbledore implorar. Pela primeira vez naquela noite, Dumbledore demonstrou fraqueza. Eu sabia o que viria a seguir. Não queria olhar, queria fechar meus olhos, mas nem minhas pálpebras não me obedeciam mais.

Foi então que eu me mexi. Mas não era voluntário. Snape me empurrara e foi em direção a Dumbledore. Isso não estava acontecendo. Era um pesadelo.

- Severus, por favor... – Dumbledore implorou novamente. Ele parecia tão frágil. Isso era tão cruel. Por que eu fui me meter nisso?

- Avada Kedavra! – Snape disse. Eu vi uma luz verde atingir o peito de Dumbledore e ele caiu. Mas ele não caiu no chão. Dumbledore fora arremessado da torre.

O que aconteceu nos segundos seguintes eu não sei explicar. Sei que alguém me agarrou pelo colarinho da blusa e me tirou dali. Nós passávamos por pessoas caídas no chão e outras que vinham atrás da gente, para nos atacar. Mas eles se detiveram apenas aos Comensais da Morte que estavam conosco. Pareciam ignorar a mim e a quem me empurrava pelos corredores. Eu ouvia gritos e estouros, mas tudo começava a ficar distante agora.

Eu então senti o vendo cortante no meu rosto e me dei conta de que já havíamos saído do castelo. Consegui recuperar o domínio sobre minhas pernas e me pus a correr. Logo atrás de mim, vinha Snape, gritando para eu correr em direção ao portão.

Alecto e Amycus agora atacavam o meio gigante, que tinha deixado sua cabana para impedi-los de deixar a escola. Ele lançava feitiços sobre eles com algo que parecia ser um guarda-chuva, mas acho que era minha imaginação. Nenhum feitiço que os irmãos lançavam parecia deter o guarda-caça.

Nós não paramos de correr nem por um segundo. Eu tentava o mais rápido possível chegar aos portões, mas pareciam tão distantes.

- Estupefaça! – alguém gritou e eu vi um jato vermelho cortar a escuridão, passando perto de mim.

- Corra, Draco. – Snape gritou logo atrás de mim.

Eu então acelerei. Minhas pernas agora doíam, mas eu não podia sequer considerar a opção de parar. Meus pulmões queimavam com o ar frio, mas eu não me importei. Continuei correndo. Agora já podia ver os portões se aproximarem. Alecto, Amycus, Yaxley e Rowle corriam logo atrás de mim.

- NÃO ME CHAME DE COVARDE! – eu ouvi Snape gritar. Não sei com quem ele falava.

Eu ouvi então um alto ruflar de asas e um grito alto. Me permiti olhar para trás e desejei sinceramente não tê-lo feito. Um gigante hipogrifo perseguia Snape, que corria como louco em nossa direção. Se o desespero não fosse tamanho, a situação chegaria a ser cômica.

Eu finalmente passei o portão e esperei os outros chegarem. Olhando dali, Hogwarts não parecia mais tão fascinante, tão aconchegante. Eu só desejava com todas as minhas forças que aquela não fosse a última vez que eu veria aquele castelo.  No céu escuro, além da grande fera, a Marca Negra ainda brilhava.

Severus Snape finalmente chegou, arfando, mas não se deu ao luxo de esperar um segundo sequer.

- Mansão Malfoy. – ele ordenou. Então, todos  nós aparatamos.

Quando abri os olhos, estava na estrada que levava à minha casa. Ali, de longe, vi o casarão, com as luzes faiscando nas janelas. Me aproximei o mais rápido possível, passando pelo grande portão negro e pisando no caminho de saibro que levava até a porta de entrada. Finalmente estava em casa.

Apressei-me até a grande porta de imbuía e girei a maçaneta de prata. Nunca me senti tão bem ao entrar em casa. O hall de entrada estava bem iluminado e os retratos de meus antepassados que ali estavam me olhavam de forma curiosa. Logo em seguida, os outros também entraram. Isso significava que meu pesadelo não terminaria nem tão cedo. Mas então eu a vi e nada daquilo importava mais.

- Draco? – minha mãe perguntou. Sua expressão era de dor, mas assim que viu que era realmente eu, um sorriso enorme se desenhou em sua pele pálida. Eu corri até minha mãe e a abracei. – Você está vivo, meu filho. – ela disse, a voz ficando chorosa. Eu não consegui dizer nada. Nos braços dela eu sabia que estava protegido, pelo menos por enquanto.

 


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.
Beijão.