Ela estava em silêncio, mas ele a conhecia bem o suficiente para saber que por dentro ela sangrava. Igual a ela, também continuou em silêncio.

—Todos os titãs eram humanos... — ela finalmente disse, bem baixinho, como se fosse apenas para si mesma. — Todos esses anos...

Os olhos castanhos se ergueram para fitá-lo, cheios de mágoa e culpa.

— Hanji... — Apertou o seu ombro.

Levi acordou em um supetão. A respiração presa em seus pulmões e o suor pingando de sua testa, fazendo o cabelo curto e negro pregar de um jeito incômodo ali. Colocou a mão no rosto, ainda zonzo e respirou fundo para regular o ritmo da respiração, que saia ofegante.

Era a quinta vez que tinha um sonho do gênero, e sempre acordava desnorteado e suado — nojento. Com um suspiro, ele levantou da cama e percebeu que Hanji já não estava mais do seu lado, provavelmente estava na cozinha ou fazendo mais algumas anotações de seus estudos loucos.

A porta se abriu e ele imaginou que fosse ela, para seu desgosto, não era. Era aquela coisa estúpida que ela chamava de cachorro, um labrador grande e amarelo — um verdadeiro invasor de privacidade, já perdera a conta de quantas vezes ele simplesmente entrara no banheiro enquanto tomava banho —, entrou e pulou na cama, bem em cima dele e lambeu o seu rosto.

Levi fez uma careta e tentou se afastar, mas o cachorro tinha uma incrível simpatia por ele, algo que realmente não conseguia entender, já que tinha deixado bem claro que não gostava dele. Sentiu a língua áspera do animal em seu rosto e empurrou-o com mais “delicadeza” que conseguiu para longe de si.

— Cachorro estúpido. Qual é o problema com você?

Como resposta recebeu um latido animado.

— Olha só quem acordou. Não seja mal com o Breasts. Você deveria ficar feliz de ele gostar de um velho rabugento como você. Venha cá, garoto! — chamou com animação e começou a rir quando o cachorro começou a lamber o seu rosto.

Levi franziu o cenho.

— Isso vem de uma pessoa que dá o nome pro cachorro de Breasts*. Eu pensei que nada poderia ser mais errado em você, até saber que você deu esse nome pra porcaria do cachorro.

— Ele não é porcaria, não fale desse jeito — resmungou, abraçando Breasts com força enquanto dava um leve carinho na sua enorme cabeça. — E ele gosta desse nome, era pra ser só brincadeira, mas olha só como ele abana o rabo quando a gente fala o nome dele. Breasts. Breeeeeeaaaaaaaaaaasts.

Ele observou o animal balançar o rabo animadamente de um lado para outro, enquanto dava mais lambidas em Hanji, que ria como uma criança. Lembrava-se com exatidão, quatro meses atrás, quando visitou a casa dela pela primeira vez e assim que chegou, a primeira coisa que aconteceu foi aquela coisa amarela e gigante pular em cima de si e derrubá-lo no chão, para depois encher o seu rosto de baba. Risonha, Hanji não moveu um dedo para ajudá-lo e disse em voz alta:

— Eu acho que ele gosta de você.

— Sério? — resmungou com uma careta. — Tire essa coisa de cima de mim.

Quando ela finalmente resolveu ajudá-lo e deixar o cachorro solto atrás da casa, enquanto limpava o rosto ele disse:

— Você nunca me disse que tinha um cachorro.

— Você nunca me perguntou se eu tinha um.

— Bom ponto — Levi murmurou antes de revirar os olhos.

— Não reclame, ele chegou primeiro que você — Zoe pontuou com divertimento. — Você não tem escolha, ame ele ou conviva com isso.

No fim, ele teve que ceder e conviver do lado daquela... Daquela criatura monstruosa. Que invadia o banheiro quando ele estava tomando banho, que já tinha pulado na cama enquanto ele e Hanji... caham... Faziam amor, que o acordava com lambidas cheias de saliva e outras milhares de coisas que ele preferia nem se lembrar.

Durante todo o tempo em que Levi em Hanji estavam saindo — quatro meses, duas semanas, dezesseis dias, três horas —, ele descobriu que Hanji podia ser a pessoa mais irritante do mundo quando queria, mas também que podia ser racional e sabia conversar sobre assuntos que realmente o interessavam. Ela descobriu que Levi podia ser a pessoa mais pessimista do planeta, mas também que era a melhor companhia quando algo ruim acontecia.

Era bem simples como as coisas funcionavam, eles incrivelmente se completavam, não precisavam de muitas palavras ou de muitos gestos, só precisavam ficarem juntos e tudo estava tudo bem. Eles tinham construído uma conexão incrível, em que não precisavam falar para que se entendessem.

— Eu fiz café — Hanji disse, interrompendo os pensamentos dele. Deu uma palmadinha na bunda do cachorro para que ele saísse e depois pulou na cama, ao lado de Levi. — Você está bem?

— Estou — mentiu. Toda vez que sonhava com essas coisas estranhas, acordava com o coração batendo tão forte que achava que poderia sair pela boca, e sempre ficava com aquela sensação incômoda no peito.

— Tem certeza? Você está pálido — notou preocupada.

— Eu estou bem, mulher — insistiu sem paciência. Não queria contar que tinha sonhos estranhos sobre os dois.

A expressão dela se suavizou, ela sabia que Levi estava mentindo, mas se ele não queria falar, o que poderia fazer? Apenas murmurou algo e jogou-se em cima dele.

— Então me dá um beijo. — Fez um biquinho.

— Eu não vou beijar você, sua cara está cheia de baba do Breasts — comentou ácido. — E... Eu ainda não escovei os dentes.

Hanji revirou os olhos. Mas pegou-o de surpresa e beijou-o rapidamente, depois levantou da cama em um pulo.

— Você é um idiota — declarou. — Vem tomar café, nós precisamos levar o cachorrão pra passear.

— Nós? — repetiu com os olhos apertados.

— Nós — reafirmou com um sorriso que dispensava recusas. — Espero você na cozinha, comprei aquele chá estúpido que você gosta.

E deixou o cômodo sem dizer mais nada. Levi suspirou e também levantou. Foi para o banheiro e tomou uma ducha rápida, apenas para tirar aquela sensação imensamente desconfortável de estar grudento, escovou os dentes, vestiu-se e finalmente foi para a cozinha.

— Eu não sei como alguém pode demorar tanto para se arrumar — Zoe reclamou assim que Levi pôs os pés na cozinha e entregou uma xícara com chá para ele.

— Você não deveria reclamar por ter um namorado que gosta de ficar limpo e cheiroso, para você.

— Mentiroso — acusou em um tom brincalhão. — Isso não é para mim, é pra você mesmo.

— Também, mas você deveria agradecer de qualquer forma.

Hanji revirou os olhos e aproximou-se dele.

— Tudo bem, Senhor eu-sou-paranoico-por-limpeza. Se apresse, vamos sair logo — falou, depois tirou a coleira que estava pendurada na parede e gritou pelo cachorro.

Tudo que Levi queria era um tempo para tomar seu querido chá em paz, mas nem isso ele poderia fazer, quando se tratava do animal de estimação da louca que ele chamava de namorada, todas as suas necessidades eram menos importantes do que as do animal.

— Às vezes eu me pergunto de quem você gosta mais, de mim ou do Breasts — reclamou baixinho para que ela não escutasse.

Mas ela escutou.

— Você quer mesmo saber? — Arqueou as sobrancelhas, desafiadora.

— Inacreditável.

Ela riu.

— Você está com ciúmes do cachorro. Isso sim é inacreditável.

— Eu não estou com ciúmes do cachorro — afirmou categoricamente.

Au.

Os dois olharam para o cachorro, que tinha parado de frente para a bancada e estava com a língua rosa pendurada para fora da boca, enquanto ofegava.

— Você está.

— Não estou! — insistiu ficando sem paciência. — Mas você deixava ele dormir na cama com você. Sabe o quanto deu trabalho para tirar todos aqueles pelos dos travesseiros?

— Você fez tudo aquilo porque quis — ela lembrou-o e encaixou a coleira em Breasts.

Levi limitou-se a suspirar. Bebeu mais dois goles de chá e levantou-se.

— Vamos logo acabar com isso.

— Nós não estamos indo pro matadouro, você sabe, não é? — disse, indo na direção da porta.

— Mas é como se fosse.

— Sensível.

— x —

— Segura ele pra mim, eu vou comprar água.

— Leve-o com você.

— Pare de ser tão malvado e segure a maldita coleira enquanto eu vou comprar água — retrucou fazendo uma carranca. — Ele vai se comportar.

— Não acredito em você. Da última vez que me disse isso, seu maldito cachorro me arrastou pelo parque. — Fez uma careta ao lembrar-se daquele episódio.

— Só dessa vez. Por favor! — pediu com os olhos brilhando, suplicando. Como ele resistiria àquele olhar?

— Depois nós vamos embora. E será a última vez.

— Amo você — comemorou com um pulinho e entregou a coleira para Levi. Deu-lhe um beijo antes de sair. — Já volto.

— É bom que dessa vez você fique quieto, maldito cachorro.

Breasts se aproximou e fungou no pé de Levi, olhando-o atentamente com seus olhos grandes, castanhos e brilhantes. Isso o fez se lembrar de Hanji — os olhos eram da mesma cor! Levi o encarou de volta, com um ar suspeito. Discretamente, abaixou a mão até alcançar as orelhas do labrador, que abaixou-as e deixou que ele fizesse o carinho.

— Até que não é tão ruim — sussurrou enquanto cocava as orelhas de Breasts.

De repente, o cachorro levantou as orelhas e olhou para frente. Levi olhou na mesma direção que ele e não demorou a perceber que crianças brincavam com uma bola a poucos metros de distância dali. Sentiu o animal puxar a coleira e forçou-a para perto de si.

— Não. Não — resmungou na tentativa de ser firme. — Não faça isso, Breasts.

Mas não adiantou, o cachorro correu e saiu arrastando Levi pelo gramado — de novo. Ele ainda tentou pará-lo, mas o animal estava completamente louco. Bolas, o maldito cachorro não podia ver bolas que ficava louco. Mais uma vez, tentou cravar os pés no chão com toda força que podia e não adiantou. Observou, com horror, enquanto corria aos tropeços, uma enorme poça de lama.

— Merda. Merda. Merda.

Era tarde demais para soltar a coleira. Segundos depois o cachorro o derrubou com tudo na sujeira. Levi xingou todos os palavrões que conseguia se lembrar naquele instante e se levantou, enquanto Breasts se enturmava com as crianças e requisitava a bola.

— Levi? — Hanji chamou, ela estava ofegante, claramente tinha corrido. — O que aconteceu?

— O que aconteceu? — repetiu incrédulo, olhando para si mesmo, todo sujo de lama. Sua perfeita camisa branca arruinada. Quanto tempo demoraria para tirar toda aquela sujeira? — Breasts aconteceu, Hanji. Se você não amasse tanto aquela coisa, eu o mataria.

— Obrigada pela consideração. Bom saber disso. — Hanji prendeu uma risada em vão. — Você está ridículo.

— Foda-se — resmungou baixinho, com raiva.

— Não seja assim. — Abraçou-o com força sem se importar com toda a sujeira.

— Não encosta em mim, eu estou imundo! — retrucou sem olhá-la, só um pouquinho constrangido por todos estarem encarando.

— Eu não me importo. Você é a pessoa mais adorável do mundo. Você odeia meu cachorro, mas mesmo assim sai pra passear com ele. Tão fofo! Eu acho que já amo você. — Apertou-o com mais força e riu.

— Eu não sou fofo, mulher — disse antes de revirar os olhos. Tentou não se apegar ao fato que ela tinha dito que achava que o amava.

— Você é — afirmou. — Vamos voltar pra casa, nós precisamos de um banho.

Ela andou na frente, alegremente, o cachorro a seguiu voluntariamente e Levi ficou para trás. Ele suspirou.

— Hanji!

— O que? — Virou-se e esperou.

— ...

— Você me ama, eu sei.

— Você é uma pessoa de merda — acusou sem conseguir conter um sorriso minúsculo.

— Mas você me ama mesmo assim, e olha, você tem amor em dobro. Eu te amo, o cachorrão te ama.

— Não. Hanji. Apenas... Não.

— Apenas brincando. Idiota.