A ideia de seguir sozinha sem a minha mãe, somente com Miles e Ruby, me é perturbadora. Junto toda a comida que posso levar em minha mochila preta desgastada enquanto Miles e Ruby me observam, curiosos. Embainho a minha katana, com o sangue seco da minha mãe que eu não fiz questão de limpar, na minha bainha. Prendo Miles naquele negócio que nunca aprendi o nome, mas que serve para prender a criança na sua frente. Ajeito o treco bem em cima. Ruby, ao meu lado, rosna pra porta quando eu a abro. A rua foi dominada pelos bichos... Vou chamá-los de Errantes.

Desembainho a espada e corto a cabeça de todos que aparecem na minha frente, prendendo a respiração. As cenas me assustam. São mais perturbadoras do que as que eu vejo nos meus trabalhos voluntários no hospital em que minha mãe trabalhava.

Entro no carro da minha mãe e coloco Miles numa cadeirinha no banco da frente mesmo, e Ruby se deita aos pés dele.

Como se liga isso? sussurro, pensando na forma como minha mãe o ligava. Faço tudo o que ela fazia, e o barulho do motor ligado e os movimentos que eu faço para colocá-lo na estrada me animam um pouco. Piso fundo, e logo caímos na estrada. O centro de Atlanta está mesmo um caos. Não vejo uma única alma viva além de mim, Miles e Ruby. Há um tanque de guerra no centro, e parece que eu ouço algum cara falando com outro. Deve ser minha imaginação. Ruby, Miles, se segurem. Acho que eu finalmente criei jeito com isso. Algo muito estranho para uma pessoa de dez anos dizer. Acelero e passo por cima dos Errantes. Eles caem por cima do carro, alguns racham os vidros. Ligo os para-brisas para limpar o sangue e me deixar enxergar. Falta pouco, galera! Ruby gane e Miles choraminga. Quando finalmente saímos da cidade o carro pifa. Ah, sério? Saio do carro para ver o que houve. Bem, era óbvio. As rodas estão cheias de pedaços dos mortos, elas não vão mais à lugar nenhum, e eu é que não vou meter minhas mãos aí. Galera, eu acho que... Ruby late e rosna. Miles abre um berreiro e eu corro de volta para a frente. NÃO! Berro e puxo um Errante para fora do carro, cravando a lâmina da espada na testa dele e o empurrando, indo verificar Miles e Ruby. Ruby para de rosnar e olha para Miles, soltando um ganido triste. Tropeço e quase caio para trás, tropeçando também no morto. Não... Não... As lágrimas escorrem pelo meu rosto. Miles está morto, o Errante conseguira mordê-lo. Ruby, sai do carro.

Ruby pula para fora do carro. Tiro Miles para fora também, segurando-o e balançando-o.

Miles, meu amorzinho... Eu sinto tanto... Coloco-o delicadamente no chão e desembainho minha espada, apertando os olhos e cravando a lâmina em sua testa. Se não estava morto, agora está. Minha visão fica turva com as lágrimas, e eu não quero agir tão friamente com meu irmãozinho, como agi com minha mãe, mas é necessário. Ruby, vamos embora. E dou as costas. Ruby me segue, mesmo que para ela ela pareça hesitante. Embainho minha espada Eu... Eu deveria ter cuidado dele... É... Isso é minha culpa... A morte do Miles... A morte da mamãe... Olho para as minhas mãos ensanguentadas. O sangue de Miles... Ruby ergue o olhar para mim e lambe minhas mãos. Eu vou te proteger, Ruby. Eu prometo. Vou ser forte. Vou aguentar até que esse pesadelo acabe, e então vamos acordar. Não vou deixar isso me mudar.

[QUATRO ANOS DEPOIS]

A lâmina sai facilmente da testa do Errante, da mesma forma que entrou. Suspiro, cansada de tudo isso. Ruby me encara e balança cabeça. Quantos eu já havia matado desde que tudo começou? Eu não tinha noção disso. Talvez metade do mundo... Talvez uns mil... Uns quinhentos.

Andamos por um campo. Não pude deixar de admirar as rosas e as margaridas florescendo, e as que já floresceram. Eram tão bonitas... Mas manchadas de sangue.

Ruby, do nada, latiu e saiu correndo.

RUBY, ESPERA! Gritei e corri atrás dela. Corremos por um bom tempo até chegarmos na frente de uma... Prisão?

Ruby latiu novamente.

Shh, Ruby...