Cinzas escrita por Ludi


Capítulo 43
A História é Contada por Vencedores


Notas iniciais do capítulo

Esse é o penúltimo capítulo de Cinzas. Depois dele, só mais um beeem curtinho para tirar o peso dos nossos corações. Se tiver demanda e vocês desejarem, pode até rolar um epílogo.



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43 – A História é Contada por Vencedores

Novembro 2006

Era estranho percorrer os corredores da escola sendo ela mesma.

Gina Weasley.

Sem fachadas, sem segredos, sem... medo. Pelo menos não o medo com o qual ela estivera habituada nos últimos anos. Dada a situação de Draco, Gina não poderia jamais se considerar uma pessoa tranquila, mas, definitivamente, aquela nova sensação era libertadora.

Ela parou para olhar seu reflexo em uma das janelas do corredor do terceiro andar tentando afastar todas as lembranças da última noite que estivera ali, tentando resgatar James.

Sua imagem lhe mostrava uma mulher totalmente diferente da menina que frequentara aquela mesma escola no que pareciam eras atrás. E, pela primeira vez em muitos e muitos anos, todos sabiamporque ela estava ali. Estava na estranha situação onde a clareza de objetivos era quase palpável.

E foi com seus objetivos na cabeça que Gina adentrou o corredor do terceiro andar, que dava acesso ao escritório da atual Diretora de Hogwarts e sua antiga professora de Transfiguração, Minerva McGonagall. Diretora que, por sinal, aguardava Gina pacientemente no fim do corredor.

"Boa noite, Diretora." Gina cumprimentou a mulher mais velha com deferência.

"Boa noite, Srta. Weasley." McGonagall disse quando a recebeu à beira da escada que dava acesso ao escritório, se virando para a gárgula de pedra que guardava o local para proferir a senha para adentrar no escritório. "Bombas de Caramelo." Quando Gina a olhou surpresa pela escolha da senha, Minerva apenas deu de ombros. "Pareceu-me uma justa homenagem submeter a entrada ao escritório do Diretor de Hogwarts às senhas de Dumbledore."

"Aposto que ele se divertiria muito se soubesse disso." Gina afirmou com conhecimento de causa.

"Suponho que sim. " McGonagall parou para ajeitar o chapéu e Gina teve a nítida impressão que ela tinha escondido um sorriso com o gesto. "Por aqui, senhorita." Quando a gárgula se moveu para revelar uma escada de pedra, a professora acenou para que Gina subisse. "A bem da verdade, não sei como devo me referir a você. Temo que esteja velha demais para entender essas nuances modernas das relações interpessoais. "

Gina não pôde evitar um sorriso. "'Sra. Malfoy' está muito bom para mim. Ou podemos simplesmente usar 'Gina'. É o meu preferido, na verdade. "

"Como queira, Gina." McGonagall concedeu com menos formalidade ao usar seu apelido de infância e Gina pôde até mesmo captar o vislumbre de suavidade nos lábios austeros da professora. "Seja bem vinda à nova Hogwarts. "

"Obrigada, Diretora." Gina respondeu gentilmente enquanto adentrava o escritório. "Passei por alguns alunos do primeiro ano no segundo andar, totalmente empolgados e vibrantes. É bom ver a escola voltando à normalidade. "

"O ano letivo começou há pouco tempo, como você pôde averiguar por si mesma." McGonagall explicou enquanto dava a volta para se sentar à mesa do Diretor. "Muitas dessas crianças sequer sabem o que aconteceu de verdade na Inglaterra antes de virem à escola."

"Esse é um pequeno conforto depois de tudo que passamos. Mas imagino que essas crianças que estão aqui não sejam sua preocupação mais imediata." Gina sugeriu depois de se acomodar em uma poltrona oposta à Diretora.

McGonagall entrelaçou os dedos sobre a mesa. "De fato, não são. Pela primeira vez em anos, a escola abriu com apenas um quarto de suas cadeiras discentes preenchidas. É certo que já houvera uma queda considerável quando os mestiços e os nascidos trouxas deixaram de frequentar a escola sobre o domínio de Voldemort, mas agora...". Ela deixou a frase no ar enquanto parecia se perder em suas preocupações.

"Perderam muitos dos sangue-puros também." Gina completou o pensamento suavemente.

"Sim, perdemos." McGonagall confirmou com tristeza. "Filhos de comensais e de pessoas ligadas a eles estão com medo de se colocar sob os holofotes, medo desse novo regime que certamente não vai favorecê-las. "

"Mas que não vai prejudicá-las também." Gina sondou com cautela, tentando entender como McGonagall reagiria depois de anos sendo oprimida pelos pais das mesmas pessoas que ela deveria proteger agora.

"Claro que não! " A Diretora negou enfaticamente e Gina suspirou aliviada. Sempre tinha podido contar com a retidão de caráter de Minerva McGonagall, afinal. "O que eu quero é que todas as crianças nascidas para a magia – sejam filhas de quem forem-, tenham o direito e se sintam à vontade para frequentar Hogwarts, que elas saibam que a escola está de braços abertos a todos. Contudo, como fazer isso se os todos os lados têm medo? Sangue puros e mestiços, ricos e pobres? "

Sabendo que aquela era uma pergunta retórica, Gina deixou que o silêncio se abatesse sobre elas por alguns segundos antes que ela tomasse coragem para fazer o que tinha se proposto.

"Talvez eu possa fazer algo a respeito." Gina falou calmamente e rezou para que a antiga professora não conseguisse ouvir as batidas aceleradas do seu coração.

"É mesmo?" McGonagall perguntou com polidez, escrutinando Gina com olhos felinos, avaliadores. "A propósito, sem a intenção de soar rude, sua visita repentina à Hogwarts tem a ver com isso? "

Sempre tão direta, Gina engoliu em seco diante da objetividade da Diretora McGonagall. Vamos, Gina, você consegue!, tinha repassado um verdadeiro roteiro com Blaise e Luna diversas vezes, era só colocar a teoria em prática.

Obviamente, como era verdade em vários aspectos da vida de Gina, ensaios nunca tinham sido seu ponto forte. Todos os discursos decorados, frases prontas, ataques e contra-ataques preparados,tudo fugiu da sua mente como uma corujinha fugia de uma gaiola cuidadosamente preparada para prendê-la.

Então Gina suspirou com resignação e adotou uma tática que lhe era mais confortável. A verdade.

"Hogwarts significa muito para mim."

"Assim pude perceber." McGonagall contrapôs com educação, mas ainda com seu tom objetivo. "Também é assim para todos nós. Por isso ainda estamos aqui."

Gina pigarreou e espantou a sensação incômoda de voltar a ser uma menina de onze anos sobre o olhar atento de Minerva McGonagall.

"E a guerra é uma droga."

Minerva se permitiu sorrir levemente diante da espontaneidade da afirmação. "Não posso argumentar contra isso."

Gina respirou fundo incentivada pela atenção da diretora e tentou elaborar um raciocínio que não se limitasse a cinco palavras mal concatenadas. "A grande questão é que todos nós, sem exceção, precisamos de ajuda. Não há como permanecermos de pé sem nos apoiarmos uns nos outros. E precisamos permanecer de pé."

McGonagall ponderou por alguns longos segundos, julgando as palavras de Gina e observando-a atentamente, mas permaneceu em silêncio para que a bruxa mais nova continuasse seu raciocínio.

"E isso tem que dar certo, Diretora." Gina afirmou com fervor. "Nossa reconstrução tem que dar certo."

"Mais uma vez, não posso discordar de você em nenhum desses pontos." McGonagall concordou com interesse crescente. "Só posso supor, então, que você veio até mim colocar seu nome e influência à disposição da escola. "

Gina balançou a cabeça afirmativamente e deu um sorriso tímido. "Hogwarts foi uma segunda casa para mim e sempre senti que as pessoas daqui faziam parte da minha família. "

"Muitos deles efetivamente eram da sua família." McGonagall comentou com um toque de humor e Gina riu.

"Vê? Weasleys e Hogwarts tem uma história extensa e poderosa." Ela disse sorrindo. "Me parece correto lutar por essa história. "

Parecendo convencida pelas palavras de Gina, McGonagall concordou com a cabeça. "E como você pretende levar isso adiante? "

"Os mestiços e nascidos trouxas precisam de assessoria para voltar a frequentar à escola. Posso financiar esse período de reinserção no mundo bruxo para os pais dessas crianças que foram privados dos seus empregos e estabilidade financeira. Também posso garantir a eles a comunicação junto ao Ministério, Rony, Harry e Hermione, para que eles jamais sintam a necessidade de se esconder novamente."

"Como você deve saber, nomes poderosos e dinheiro pouco significam pessoalmente para mim. Sempre tratei com igualdade todos com quem tive contato." McGonagall ponderou e assumiu uma postura mais pensativa com olhos distantes e pequenas rugas se acentuando na testa. "Contudo, é inegável que o apoio de Gina Weasley seria um incentivo para essas pessoas. Sua história de vida somada à da sua família e de pessoas próximas a você seriam uma fonte de esperança para quem ainda é assombrado por Voldemort."

Gina balançou a cabeça energicamente. Merlin, está funcionando!

"E com relação aqueles de sangue puros..." Gina continuou e McGonagall fez uma careta diante da expressão, mas acenou para que sua ex-aluna prosseguisse. "Eles precisam se certificar que seus filhos serão bem tratados, que não sofrerão nenhum tipo de represália da nossa parte. "

"Não sofrerão, desde que não tenham participado ativamente do regime de horror de Voldemort."

"Eu acredito nisso." Gina respondeu sem hesitar. "O grande problema é que essas famílias não partilharão dessas convicções sem o devido incentivo. E eu posso ajudar com isso também."

"Nada como um nome como o dos Malfoy para fazer algumas pessoas saírem da toca." McGonagall suspirou entre chateada e resignada. "Uma pena que ainda precisemos desses artifícios. "

"Por enquanto." Gina mais torceu do que tinha certeza. "Temos que lutar por um futuro onde um nome não seja mais importante do que os valores."

"Espero que esteja correta." Minerva compartilhou da esperança de Gina. "Para o bem de todos."

"Eu sei que parece pretensioso, " Gina tinha consciência de que suas bochechas estavam ficando coradas, porém seguiu falando. "Mas eu posso ser a ponte entre as todas pessoas que querem se adaptar, ser alguém com quem elas podem se identificar e receber apoio de qualquer natureza. No fim, todos só querem se proteger e eu consigo entender isso perfeitamente. "

"Percebo..." Minerva concordou satisfeita e nunca antes Gina tinha percebido como ela se assemelhava a um gato. "É notório que teremos muitos problemas nessa fase de transição, mas o primeiro passo é mostrar para as pessoas que a escola é segura e receptiva para todos. Seria imprudente recusar qualquer ajuda. "

Gina quase não podia conter sua alegria dentro de si. Tinha concluído metade do objetivo que tinha a levado até ali. "Obrigada, Diretora. "

"Podemos começar a planejar uma abordagem assim que você estiver pronta-"

Gina se encolheu por antecipação diante da necessidade de interromper a Diretora, mas não tinha escolha. "Estarei pronta em breve, assim que resolver um outro problema. " Era agora ou nunca. "Com a sua ajuda."

"Perdão?" McGonagall perguntou educadamente, claramente suspeitando do novo rumo da conversa.

"Como eu disse, todos nós precisamos de ajuda. " Gina afirmou novamente pondo na voz toda a convicção que possuía. "Eu não sou exceção à regra."

Um brilho de entendimento iluminou o rosto severo da Diretora. "Suponho que seu pedido de auxílio esteja ligado à Draco Malfoy."

"Está sim." Gina confirmou simplesmente e torceu as mãos sobre o colo.

"Não vejo razões para usar de meias palavras com você, Gina."McGonagall disse depois de observar Gina por alguns segundos. "Você tem consciência da pouca estima que eu – e também Hogwarts, ao que me consta – tenho pelo Sr. Malfoy?"

"Hogwarts nunca abandona aqueles que dela precisam." Gina respondeu com os dentes praticamente cerrados. Ela não poderia julgar a Diretora por aquela postura quando por muitos anos ela tinha nutrido por Draco os mesmos sentimentos que a bruxa mais velha. Isso não significava, contudo, que ela gostava de ouvir aquilo. "Como maior representante da escola, seria apenas justo que a senhora tivesse a mesma cortesia."

A única indicação que McGonagall havia reprovado o tom de Gina eram seus lábios pressionados em uma linha severa. "Não vou negar que seu nome – e o poder do seu dinheiro, tenho que admitir-, seria um aliado de peso para se ter em épocas de turbulência, mas também me recuso terminantemente a ceder às chantagens de quaisquer espécies. "

Gina sentiu como se tivesse tomado um soco no estômago.

"Não é chantagem! " Ela exclamou numa tentativa de convencer a si mesma. "É simplesmente colaboração, ajuda mútua."

Minerva se permitiu dar um sorriso sem vida ao perceber o subjacente dilema moral pelo qual Gina estava passando. "Pergunto-me o que esse rapaz fez para garantir a devoção e lealdade de uma mulher como você. "

"Foi um bom homem." Gina respondeu sem hesitar um segundo. "Com defeitos e lados ruins como qualquer outra pessoa, mas foi um bom homem. E, como tal, ele não merece o que estão fazendo com ele. "

McGonagall refletiu sobre as palavras trocadas no que pareceu uma eternidade e Gina teve a impressão de que azararia a bruxa mais velha se ela demorasse mais – e era de conhecimento geral que duelar com Minerva McGonagall era uma das coisas mais burras que se podia fazer -, até que, para seu alívio, a Diretora se pronunciou mais uma vez.

"Se eu negasse aquilo que você deseja, se me recusasse a compactuar seja lá com o que você tem em mente." Minerva a observou com olhos semicerrados através dos óculos de armação quadrada. "Você viraria suas costas à Hogwarts? "

Aquilo pegou Gina desprevenida. Ela não esperava por aquela pergunta, mesmo com todos os ensaios com Blaise e Luna.

Ela parou para ponderar alguns segundos antes de responder. Não podia mensurar a importância que Hogwarts sempre tivera e ainda tinha dentro do seu coração.

Mas em igual proporção – até consideravelmente maior se ela se demorasse na questão um pouco mais -, estava seu amor por Draco. Não sabia ao certo o que faria se a situação realmente se apresentasse, mas sabia que faria absolutamente tudo que estava em suas mãos para ajudar Draco.

"Talvez sim, talvez não." Gina respondeu com sinceridade e deu de ombros. "Mas, definitivamente, eu não pagaria para ver se estivesse no seu lugar. "

"Para mim, Hogwarts vem sempre em primeiro lugar, Sra. Malfoy." Minerva retrucou com severidade e não escapou à Gina a utilização do seu nome de casada, como se naquele momento Minerva estivesse reconhecendo-a como uma Malfoy. E isso não era um elogio. "Assim sendo, não recusarei seu acordo. "

"Não vai se arrepender, Diretora." Gina respondeu aliviada.

"Qual é seu preço? " McGonagall perguntou e Gina deu meu máximo para não se ofender com aquilo. "Antes de responder, contudo, saiba que não farei nada contra as disposições da Suprema Corte dos Bruxos."

"Não será preciso." Gina afirmou categoricamente. "Nem eu pretendo fazer nada fora da lei," Diferente do que o Ministério está fazendo com essa enrolação, ela pensou acidamente, mas guardou a informação para si. "Só quero que o julgamento de Draco seja marcado o mais rápido possível. Conto com sua ajuda e prestígio junto ao Ministério para que isso ocorra. "

A bruxa mais velha assentiu solenemente.

"Vou dar o meu melhor para que seu marido seja julgado o mais rápido possível. " McGonagall se levantou com uma agilidade que não era esperada para alguém de setenta anos, indicando que a conversa estava prestes a ser encerrada. "Garanta que você faça o mesmo por Hogwarts."

E apesar do clima tenso, Gina quase não podia se conter de felicidade.

xxx

Blaise Zabini adentrou o escritório d'O Profeta diário com a propriedade de quem possuía o lugar – embora, de certa forma, ter uma rede de conexões capaz de levantar os segredos das pessoas garantia a ele certas prerrogativas que permitiam tal ousadia.

Ele não esperou ser atendido por ninguém, apenas caminhou elegantemente e com segurança até a porta do Editor-Chefe do jornal, sentindo dezenas de pares de olhos às suas costas, pertencentes às pessoas que não quiseram interromper seu percurso.

Parando apenas um momento para ler a placa que dizia 'Rita Skeeter, Editora-Chefe', Blaise adentrou a grande sala sem sequer levantar as mãos para bater na porta.

"Mas que diabos-" Sentada à sua mesa em meio a papéis espalhados, Skeeter olhou Blaise com expressão chocada.

"Boa tarde, Srta. Skeeter." Blaise a cumprimentou jovialmente enquanto tirava o robe e o colocava sobre a cadeira onde iria se sentar. "Belo dia para fazer novas alianças, não acha? " Ele deu um suspiro dramático ao se sentar como se estivesse cansado por ter caminhado da entrada do jornal até ali.

A partir daquele momento, Blaise Zabini poderia se orgulhar para o resto da vida por ter deixado Rita Skeeter sem palavras por dez segundos. Contudo, alguns momentos depois, seu paraíso foi interrompido porque Rita recuperou sua voz e a compostura.

"Quem você pensa que é para entrar na sala da editora-chefe d'O Profeta Diário? " Rita disse de supetão e a única resposta que obteve de Blaise foi uma levantada tão absurda das sobrancelhas que ela quase as perdeu de vista na junção com os cabelos negros.

Era quase um olhar que dizia tantas perguntas relevantes e você escolhe a mais idiota possível?

Obviamente ela sabia quem ele era. E o que era pior: ele mesmo sabia quem era e o tamanho da influência que detinha em suas mãos.

Rita, então, preferiu uma abordagem que pudesse lhe trazer algum benefício jornalístico daquela situação inusitada.

"Bom, Sr. Zabini, já que veio até mim falando de novas alianças, seria uma ótima oportunidade para fortalecer uma entre você e eu. Gostaria de entrevistá-lo sobre sua volta à Inglaterra. Tenho absoluta certeza que meus ávidos leitores têm profundo interesse sobre as aventuras da vida do solteiro mais cobiçado da Inglaterra. " Ela piscou sedutoramente para Blaise. "Depois do recém-renascido Harry Potter, é claro."

Blaise quase fez uma careta diante do fato de que estava sendo colocado abaixo de Potter em uma escala qualquer, mas manteve a compostura. "Tentador, mas sempre fui uma pessoa muito discreta." Ele tamborilou os dedos sobre a mesa, pensando que aquela era a primeira verdade que tinha dito desde que entrara no prédio d'O Profeta. "Além do mais, há tantas coisas mais interessantes sobre as quais falar ultimamente. "

Rita Skeeter não se deu por vencida e encarou Blaise fixamente enquanto mordia languidamente a ponta de uma pena, como se não pudesse esperar para transcrever qualquer coisa que ele pudesse lhe falar. "Nenhuma mais excitante do que suas viagens exóticas para os países tropicais, posso apostar. "

"Certamente que não." Blaise concordou de forma galante antes de se inclinar perigosamente para frente e olhá-la com uma frieza capaz de congelar os citados países tropicais. "Mas não é sobre nenhuma delas que você vai escrever. "

Skeeter, por sua vez, se inclinou para trás e se apoiou na sua cadeira, subitamente sentindo a necessidade de se afastar de Blaise e daquele olhar. "Me corrija se eu estiver enganada, Sr. Zabini, mas sou a editora-chefe d'O Profeta Diário e, como tal, aquela que decide o que será publicado ou não. "

"Por quanto tempo?" Blaise perguntou educadamente.

"Como é?" Skeeter cruzou os braços sobre o peito, esquecendo completamente a pena.

"Por quanto tempo você acha que manterá esse cargo agora que Voldemort e seus capangas não estão mais no poder? Você acha que sairá ilesa depois de ter se beneficiado – e compactuado- por tantos anos de um regime que oprimiu e caçou cada uma das pessoas que estão no poder agora?"

"Isso não é verdade!" Rita exclamou ultrajada.

"Pois não?" Blaise perguntou delicadamente. "Então estou bem disposto a ouvir qual a sua verdade e saber por quanto tempo você acha que manterá esse cargo. "

"Tenho bastante segurança a respeito da minha capacidade para me manter no jornal." Rita estava tensa, mas manteve a voz estável. "E não vejo porque isso deveria interessá-lo."

Blaise acenou com displicência como se aquilo não fosse importante. "Eu fiz uma aposta com Ginevra Malfoy sobre isso e odiaria perder para ela, somos duas pessoas muito competitivas." Ele explicou distraído, fingindo não notar o brilho de cobiça que apareceu no rosto de Rita diante da possibilidade de entrevistar alguém tão proeminente. "Aliás, você a conhece?"

"Ela esteve em um ou outra manchete nos últimos tempos." Rapidamente Rita fingiu descaso com a informação.

"Bem mais do que isso, eu suponho. " Blaise afirmou com desgosto. "Ela é uma das razões pelas quais estamos tendo essa agradável conversa."

"Imaginava mesmo que havia algum motivo oculto para sua presença aqui." Rita disse no seu melhor tom profissional, não deixando transparecer sua curiosidade na voz. "O que você deseja, Sr. Zabini?"

"Achei a matéria sobre tendências em robes na Turquia muito interessante, de fato."

"Fico feliz em agradar pelo menos uma parte da população." Rita Skeeter continuou olhando-o de forma penetrante e rebateu com sarcasmo. "Contudo, para essa ocasião não bastaria apenas mandar uma coruja com congratulações?"

Blaise sorriu seu melhor sorriso. "E perder a chance de visitar alguém tão proeminente?"

"De coagir, você quer dizer?" Rita disse amargamente, mas acenou com a mão para que Blaise continuasse. "Sua fama te precede, Sr. Zabini. Vá direto ao ponto, por gentileza. "

"Desde que as forças da Resistência conseguiram derrotar Voldemort, você evitou publicar qualquer coisa sobre a guerra, citando vencedores ou perdedores. É bastante peculiar, dado que O Profeta é o jornal de maior circulação do país."

"Já vivemos em épocas tão conturbadas." Rita murmurou tristemente e Blaise farejou falsidade no ar. "Não vi necessidade de sobrecarregar ainda mais as pessoas com notícias tão negativas e pesadas."

"Voldemort perdendo a guerra é uma notícia triste?" Blaise perguntou inocentemente.

Rita ficou tensa mais uma vez. "Não foi isso que eu quis dizer, absolutamente."

Blaise ignorou a resposta dela como se não viesse ao caso. "Devo admitir que é uma estratégia interessante, essa sua. Não chama a atenção para si com a esperança de que eles te deixarão em paz. Só há um revés nessa abordagem e sinto ter que te informar sobre ele: não vai durar para sempre. Eles virão atrás de você, saberão que você compactuou com Voldemort." Agora o sorriso tinha desaparecido dos lábios de Blaise e ele olhou a mulher a sua frente de uma forma mortalmente séria. "Todos. Esses. Anos." Ele disse lentamente, pontuando cada palavra com um toque na mesa com seu dedo indicador.

Rita engoliu em seco. "Fiz porque fui obrigada pelos comensais. Era isso ou ter uma vida miserável."

"As pessoas que te julgarão são as que escolheram ter uma vida miserável."

"Elas não tem nada contra mim!" Rita exclamou ficando exaltada. "Absolutamente nada!"

"Isso vai te garantir uma estadia fora de Azkaban, isso é certo. Sem acusações formais, sem condenações formais. Por enquanto." Blaise concordou sem hesitação. "Não significa, entretanto, que não haverá investigações no futuro. Assim que elas vierem, com certeza vão buscar te tirar do nosso querido e imparcial jornal. E, quando o fizerem, seria bom ter amigos por perto, não acha?"

Um silêncio sepulcral se abateu sobre eles e Blaise quase podia ouvir as engrenagens do cérebro de Rita se movimentando fluidamente.

"De quais amigos estamos falando?" Rita perguntou sem revelar nada na voz.

"Mas não estávamos acabando de falar de Ginevra Malfoy?" Blaise deu um tapinha na testa como se tivesse acabado de lembrar daquele nome. "Certamente você não irá querer fazer inimizades ou criar desavenças com alguém que possui o nome Malfoy e é uma legítima filha da Resistência, eterno amor de Harry Potter. Arrisco a dizer que, depois de Shacklebolt e Harry Potter, Ginevra é a pessoa mais influente da sociedade atualmente."

"De fato, é uma posição de destaque." Rita pensou por alguns segundos. "Ela vai garantir minha posição no jornal?"

"Não." Blaise respondeu sem misericórdia e Rita o olhou espantada com a sinceridade.

Era assim que o famoso Blaise Zabini convencia as pessoas a agir como ele queria?

"Então por que esse teatro todo?" Rita não conseguiu conter uma risada incrédula. "Ela não pode me oferecer nada."

"Pode te oferecer sua liberdade." Blaise argumentou calmamente. "A caça às bruxas, com o perdão do trocadilho infeliz, ainda não começou, Skeeter, mas ela virá, sequer sonhe em duvidar disso. Voldemort está morto e alguém vai ter que suportar o fardo de anos de miséria e opressão. A maioria dessas pessoas quer justiça, isso é verdade. Mas muitas delas querem vingança e vão virar seus olhos rancorosos para todos aqueles que não tiveram ao seu lado em épocas de resistência. As famílias de comensais mais proeminentes tem como se defender, é claro." Zabini fez uma pausa dramática para que o pensamento assentasse na mente de Rita. "A grande pergunta é, você tem?"

"O que ela quer?" Rita suspirou vencida.

E, senhoras e senhores, temos mais uma vitória, Blaise sorriu como um predador.

"Um julgamento."

"Devo indicar o endereço da Suprema Corte dos Bruxos?" Skeeter perguntou com sarcasmo. "Sua apelação vai fazer mais sentido lá."

"Não, mas pode mostrar uma outra forma de caminho até eles." Blaise sugeriu suavemente. "Queremos Draco e sua história - as partes boas dela, é claro - estampados em todas as manchetes d'O Profeta até que as pessoas não aguentem mais olhar para a aquela cara branquela sem se questionar a razão pela qual um bom moço regenerado, apaixonado e que praticamente matou Voldemort ainda não teve um julgamento justo."

"Praticamente a nova reencarnação de Merlin." Skeeter comentou com veneno.

"Precisamente." Dessa vez, o sorriso brotou nos lábios de Blaise era um verdadeiro e, por isso mesmo, potencialmente intimidador. "Acho que chegamos em um acordo razoável."

xxx

Gina estava absolutamente aflita e, se não fosse a presença firme e constante de Blaise ao seu lado, ela já teria cedido à vontade de ir ao banheiro se dobrar aos comandos do sua barriga nervosa.

Estava sentada em uma grande sala de reunião do Ministério, geralmente onde as mais importantes decisões do mundo bruxo eram tomadas. A mesa circular propiciava a vista que a deixava mais ansiosa, de pessoas que ora demonstravam desconfiança, ora resignação, ora aversão.

Ela não se orgulhava de ter pedido para sua mãe intervir ao seu favor e estava um pouco envergonhada por não ter se dado conta antes de que Molly Weasley, depois da perda daquele que tinha sido seu companheiro por 35 anos, sempre teria crédito com todos os bruxos ali presentes.

Gina passou o olhar por todos eles: Kingsley Shacklebolt, Minerva McGonagall, Harry, Augusta Longbottom, Gui, Rony, Jorge, Percy, Hermione e vários outro bruxos da atual Ordem da Fênix, que seria a base da reconstrução do Ministério.

Sua mãe tinha sido o máximo, Gina não podia negar. Conseguira um breve encontro de alguns minutos, mas estrategicamente posicionado antes de uma reunião semanal da Ordem, onde todos os bruxos relevantes estariam presentes.

"Sra. Malfoy," Kingsley chamou a atenção para si com sua voz forte. "Apesar do pedido irrecusável de Molly, temo que eu já saiba a razão para esse encontro. Acho desnecessário, no entanto, que precisemos de todas essas pessoas como testemunhas para interceder pela liberdade do Sr. Malfoy."

"Pelo contrário, Sr. Ministro." Gina respondeu suavemente enquanto viu com o canto de olho como Blaise deu um meio sorriso irritante. "Acho de vital importância a presença de todos aqui. E eu não vim pedir a libertação de Draco."

"Não?" Kingsley perguntou educadamente, curiosidade parcialmente levantada. "Pela natureza das notícias que estão saindo n'O Profeta Diário e das cartas dos leitores do jornal que estão chegando no Ministério sobre as injustiças cometidas contra ele, me admira o Sr. Malfoy não estar circulando pelo Beco Diagonal como um cidadão de bem."

"Está contradizendo o jornalismo mais sério praticado no país ultimamente, Sr. Ministro?" Blaise interveio languidamente, sentado confortavelmente em sua cadeira. "Só podemos confiar n'O Profeta quando as alternativas se resumem a veículos estapafúrdios como O Pasquim." Ele terminou sua sentença e encarou Luna como se a desafiasse a contestá-lo sobre a natureza do jornal que ela voltara a publicar, numa homenagem a seu falecido pai.

Para a frustração de Blaise, Luna simplesmente sorriu amigavelmente para ele. "Toda fonte de informação é valiosa, Sr. Zabini." Ela disse sem alterar sua voz etérea, nada ofendida com a declaração do Sonserino. "Imaginei que você, mais do que ninguém, já soubesse disso."

Blaise rolou os olhos e Gina aproveitou a chance de retomar o assunto.

"Eu não sou inocente para supor que Draco entrará por aquela porta como um homem livre." Ela continuou no mesmo tom. "Mas eu espero que ele tenha a oportunidade de ser julgado com justiça."

"Sra. Malfoy, o caso do seu marido demanda muito cuidado para ser resolvido tão rapidamente." Amos Diggory interpôs e Gina sabia que o pai de Cedrico era um daqueles que queria as penas mais drásticas para os envolvidos com Voldemort. E ela não podia contestar as razões deles. "É uma situação bem delicada."

"Assim como a de vocês." A expressão de Gina era mortalmente séria.

"Pois não?" O Ministro ergueu uma sobrancelha para ela, finalmente deixando transparecer uma leve irritação com a situação.

"Espera aí, Gina." Jorge interrompeu antes que ela pudesse responder. "Você fala como se estivéssemos em lados opostos."

"Enquanto Draco não for julgado de maneira justa, nós estaremos." Gina disse com tristeza. "Sinto muito, Jorge."

Ela evitou encarar a expressão de decepção de Harry ou a de resignação de Hermione.

"Não podemos apressar a lei, essa é a verdade." Sr. Diggory argumentou enfaticamente. "Draco Malfoy não está acima dela."

"Tampouco está abaixo de qualquer outra pessoa." Blaise rebateu de forma quase preguiçosa. "E ninguém vai para cadeia sem um julgamento, certo? A não ser, é claro, na época em que Voldemort ditava as regras, mas estava com a impressão de que esse era um período que todos nós gostaríamos de deixar para trás."

Diante daquela comparação, muitos dos presentes estremeceram visivelmente.

"Quanto mais o tempo passarmos nesse impasse, mais as pessoas se questionarão sobre os métodos do Ministério. E mais eu incentivarei para que assim o seja, usando contatos, veículos de comunicação e meu nome." Gina completou colocando as cartas na mesa.

"Será sua voz, como esposa de um Comensal da Morte - e veja bem, um dos principais Comensais- contra a voz do Ministério." Sr. Diggory disse tentando ganhar terreno.

"Será a voz de uma Weasley." Rony não conseguiu se conter, suas orelhas levemente vermelhas. "E, por Merlin, isso tem que contar alguma coisa depois de tudo que passamos."

Gina sorriu esplendidamente para o seu irmão, agradecendo silenciosamente o apoio dele naquela hora tão crucial. "Também não estou acima da lei, eu suponho. Mas juro que não vou descansar enquanto não conseguir o que quero."

"O que você está propondo, Gina?" Hermione perguntou com curiosidade. "Creio que seja do interesse comum que ninguém aqui seja prejudicado."

"O que minha querida amiga aqui quer dizer, Granger," Blaise comentou serenamente, respondendo por Gina. "É que vocês terão acesso ao crédito e financiamento que precisarem, Gringotes será o amigo número um do Ministério. Se colaborarem conosco também."

"Não podemos compactuar com qualquer ameaça, Sr. Zabini." O Ministro rebateu sombriamente.

"Ah, não é uma ameaça." Gina prosseguiu sentindo suas bochechas ficarem vermelhas. "É a constatação de uma fato. Disse que a situação de vocês é delicada, e é a verdade. Precisamos reconstruir uma nova ordem, sobre as ruínas de uma que fracassou. Mas, para isso, precisamos de uma economia forte, de apoio em todos os setores da sociedade, de cooperação entre todos nós. Eu estou absolutamente disposta a ajudar a criar novos alicerces que erguerão nossa comunidade."

"E se não seguirmos adiante com seu pedido?" Kingsley a olhou de forma penetrante como se buscasse algo oculto nas ações de Gina.

"Então eu vou me certificar que o meu cofre, assim como o dos Malfoy e dos Black, seja selado para o Ministério para todo sempre." Gina disse sem piedade e pela primeira vez seus irmãos tiveram que admitir que Malfoy tinha, de alguma forma, contaminado sua irmã. "E também o acesso a todo dinheiro espalhado por Voldemort nos cofres das famílias puro sangue mais tradicionais. Posso garantir que lealdade é um valor tão forte para eles quanto é para vocês."

Blaise deu um leve chute na canela dela para chamar sua atenção e então sorriu seu sorriso mais bonito, como se dissesse 'essa é minha garota!'.

"Temos acesso ao cofre dos Black." Dédalo Diggle interpôs fracamente, olhando de soslaio para Harry como se estivesse pedindo desculpa por trazer aquele assunto a tona. "Harry é o único herdeiro de Sirius Black, portanto, com acesso ao dinheiro que está lá."

Por essa ela não esperava. Pense rápido, Gina! Pense!

"E James Weasley Potter é herdeiro de Harry!" Ela se agarrou na sua última esperança. "Como responsável por ele, teríamos que recorrer à Suprema Corte dos Bruxos para determinar o quanto desse dinheiro Harry poderia colocar à disposição do Ministério. Na hipótese que Harry queira fazer isso, é claro." Ela encarou Harry esperando que ele se posicionasse a favor dela ou do Ministério, mas ele simplesmente manteve seu olhar, não dizendo nada.

"Na verdade, o acesso de Potter corresponde a um terço do cofre dos Black." Blaise se intrometeu novamente. "A outra parte é de Narcissa Malfoy e Andromeda Tonks. Claro, ainda é uma quantia obscena de dinheiro, mas é o suficiente para o Ministério? Além do mais, teríamos que todos entrar numa disputa legal para decidir quem fica com o quê e a Suprema Corte não vai se submeter a julgar uma coisa supérflua dessas quando há tanto acontecendo, não é mesmo? O iminente julgamento de Draco Malfoy, pra começar."

"O que está fazendo desonra seu pai, menina." Diggory se dirigiu a Gina e amargura da sua voz era latente . "Ele morreu nas mãos das mesmas pessoas que você está ajudando."

Tudo então aconteceu ao mesmo tempo. Gina e Rony se levantaram num pulo como se fossem partir para cima de Amos. Jorge e Blaise repetiram os movimentos para contê-los e Gina sentiu o braço de Blaise ao redor da sua cintura, enquanto Rony era detido pela mão de Jorge no seu peito. Todos os outros presentes afastaram suas cadeiras como se precisassem partir para disputas físicas - ou fugir – a qualquer momento.

"Não tenha a pretensão de saber o que meu pai faria sobre qualquer coisa, Sr. Diggory." Gina disse com os dentes cerrados, apontando um dedo indicador ameaçador para o homem mais velho. "Nós entendemos e respeitamos sua dor com a morte de Cedrico. Por favor, tenha a decência de fazer o mesmo por nós."

"Basta! Todos vocês!" O Ministro se levantou com a varinha em punho – a única presente naquela sala - no caso de precisar evitar mais desentendimentos. "Essa história já foi longe demais!"

"Concordo, Kingsley." McGonagall se levantou e parou ao lado do Ministro, colocando a mão suavemente sobre o braço dele, abaixando a varinha e dando tempo para que todos os presentes se acalmassem e se sentassem novamente. "Tudo isso já foi longe demais, inclusive a teimosia do Ministério."

"O quê?" O Ministro parecia surpreso com a postura da Diretora de Hogwarts. "Até você, Minerva?"

"Já adiamos demais um julgamento por questões que vão além da justiça, infelizmente. O Sr. Malfoy precisa ser julgado e todos nós sabemos disso."

Com a mão livre, o Ministro pressionou a ponte do nariz com o indicador e o polegar num gesto de clara exasperação. "O resultado desse julgamento..." Ele se dirigiu a Gina novamente, depois de assentir discretamente para a Diretora. "Pode não ser aquele que você almeja. Provavelmente não o será, se formos honestos."

"A única coisa que peço é uma chance." Gina respondeu firme, sem se deixar abalar pela falta de esperança no tom do Ministro.

"Então uma chance você terá, Sra. Malfoy." Shacklebolt suspirou resignado e Gina se obrigou a ficar na cadeira tamanha expectativa. "O julgamento será marcado para os próximos dias. Que Merlin ajude a todos nós."

xxx

Gina se remexeu inquieta sobre o banco duro do tribunal da Suprema Corte dos Bruxos.

Eu pedi uma chance, ela pensou pesarosa enquanto tentava ficar mais confortável para esperar o que viria, mas acho que deveria ter pedido um milagre.

Apesar dos tradicionais julgamentos breves da Suprema Corte, eles estavam prestes a começar o terceiro dia – e provavelmente último - do julgamento de Draco e, até aquele momento, os prognósticos não eram dos melhores.

Blaise estava fazendo o possível na defesa de Draco, mas até aquele instante o desfile de crimes cometidos por Voldemort e seus capangas tinha feito uma cena e tanto com os bruxos da corte.

Como nos outros dias, Gina tomou seu tempo para observá-los com atenção. Havia muitos rostos novos entre aqueles sentados no grande círculo central e isso a preocupava, bem como o fato de que eles não chegavam nem perto dos cinquenta membros que a Suprema Corte tivera no seu auge. Havia menos pessoas – e pior, menos pessoas amigas. Ela tentou se consolar com o fato de que Gui e Hermione estavam entre eles, mas, ainda assim, dois votos potencialmente a favor de Draco pareciam muito pouco diante do que ele efetivamente precisava.

A própria Gina já tinha dado sua cartada com um depoimento sincero e emocionado sobre tudo que acontecera durante seu casamento e como Draco tinha salvado – e transformado – várias vezes a sua vida. Narcissa também tinha deposto, mas a impressão geral era de que as duas eram testemunhas altamente enviesadas e, portanto, com menor grau de confiabilidade.

Se duvidam de uma Weasley e de Narcissa Malfoy, depois de tudo o que ela fez pela Ordem da Fênix e por Harry, em quem mais vão confiar?, Gina se perguntava à beira do desespero.

O depoimento do próprio Draco não tinha sido de muita ajuda. Sua maneira de se expressar, seu histórico como Comensal da Morte e as perguntas que foram feitas pela Suprema Corte não deram espaço para que os presentes pudessem simpatizar com a causa dele - tanto os curiosos que acompanhavam o julgamento quanto os bruxos que decretariam a sentença de Draco.

Nos dois dias anteriores, várias vítimas e sobreviventes do regime de Voldemort também haviam sido convocados para depor e Blaise havia ficado furioso, Gina podia sentir.

"É como se estivessem julgando Draco pelos crimes de Voldemort." Ele havia dito na noite anterior enquanto (incrivelmente) jantava com ela e sua mãe n'A Toca. "Como se ele fosse o culpado de tudo o que ocorreu nos últimos anos."

"Perdão, Sr. Zabini." Molly interrompeu gentilmente e olhou para a filha como se estivesse constrangida com o que estava prestes a dizer. "Mas não podemos considerar Draco um modelo de virtude."

Gina havia sorrido discretamente enquanto mirava sua comida. Aquela era a mãe que conhecia e amava, que preferia uma verdade amarga a uma doce mentira. Gina não podia fazer mais nada além de apreciar aquela qualidade - que ela partilhava com sua mãe, diga-se de passagem.

"Ah, não! Permita-me explicar melhor, Sra. Weasley." Blaise deu um dos seus sorrisos cativantes para Molly. "Draco tem as mãos sujas por ter compactuado com esse regime e eu não duvido que haja coisas mais sérias e degradantes no seu currículo - incluindo aí feitiços da morte e outras maldições imperdoáveis. Mas a verdade é que a Suprema Corte não pode provar nada disso."

"Não?" Gina perguntou esperançosa e, diante do olhar de leve decepção da sua mãe, ela ruborizou fortemente, mas não recuou da pergunta. Ela sabia que não era correto esperar que não houvesse punição para alguém que tinha cometido tantos erros, mas decidiu colocar as questões morais em segundo plano até o fim do julgamento de Draco.

Blaise pareceu frustrado por um segundo. "Nem mesmo eu fui capaz de levantar provas concretas. Draco sempre foi ardiloso o suficiente para não deixar vestígios daquilo que fazia. Creio que as únicas pessoas que poderiam provar qualquer coisa nesse sentido são Voldemort e o próprio Draco. Com Voldemort morto..."

Molly deu um suspiro. "Draco nunca iria depor contra si mesmo, mesmo que fosse a coisa certa a se fazer."

"Acredito que eu não possa condená-lo por isso." Blaise deu de ombros diante dos dilemas levantados. "Draco levará a magnitude e extensão dos seus atos para seu túmulo."

"E carregará seu peso pela vida, eu suponho." Molly completou sombriamente.

"Draco deveria estar sendo julgado por omissão, seguindo essa linha de pensamento." Gina argumentou para Blaise tentando retomar o rumo da conversa. "Por não ter feito nada para impedir as atrocidades de Voldemort."

"Exato." Blaise concordou. "E, pelo ritmo do julgamento, qual a chance de isso acontecer?"

E durante toda a noite Gina ficou com aquela pergunta na cabeça, se revirando na cama à espera do dia seguinte.

Uma comoção na entrada no tribunal chamou sua atenção de volta ao presente e ela se viu mais uma vez com um aperto peculiar na boca do estômago. Aquela pequena aglomeração só podia significar uma coisa: estavam trazendo Draco para o recinto.

Era a terceira vez que ela o via depois que ele acordara e era o máximo que tinha conseguido chegar perto dele, já que não tinham permitido que eles trocassem uma palavra. E Gina sentiu mais uma pontinha de dor ao se lembrar de todas as cartas enviadas e que Draco não tinha respondido. Ainda assim, não havia se acostumado com o misto de júbilo e alegria por ele estar vivo e uma tristeza dolorida por vê-lo naquelas condições.

Trazido algemado por um auror, caminhando com certa dificuldade e com um braço direito numa tipoia, Draco estava visivelmente mais magro e pálido - se é que aquilo era possível - com os cabelos muito loiros ainda mais compridos, cobrindo os olhos cinzentos.

"Lembre-me de obrigá-lo a cortar esse cabelo quando tudo isso terminar." Uma voz altiva criticou ao lado dela. "Está dolorosamente igual a Lucius."

Gina literalmente pulou do banco. Primeiro de susto, por não ter sequer percebido Narcissa se sentar ao lado dela, tão concentrada em Draco como estava. Segundo de alegria, pela mulher ainda falar naqueles termos tão esperançosos, como se Draco fosse ser solto em breve. Se sentindo particularmente ousada, ela buscou a mão de Narcissa e a apertou carinhosamente, enviando e recebendo confiança para aguentar mais um dia.

Se havia alguém no mundo capaz de entender sua dor, essa pessoa era Narcissa Malfoy.

Narcissa retribuiu o gesto e então os olhares das duas bruxas procuraram Draco mais uma vez.

Como sempre, ele foi sentado com certa rudeza na cadeira ao centro do círculo central, com as mãos atadas nos braços da cadeira.

Como sempre, os olhos dele buscaram o ponto onde Gina e sua mãe vinham se sentando.

Como sempre, Gina deu seu melhor para sorrir como se dissesse 'estou aqui, Draco, e não vou desistir de você.'

Sem poder contar com as mãos, ele assoprou os fios platinados para longe dos olhos para observá-la melhor e jogou os cabelos para trás. Pela primeira vez desde o fim da Terceira Batalha de Hogwarts, Gina pôde ver seus olhos completamente.

Neles havia tanta tristeza e dor pela vida que eles poderiam ter e que provavelmente não teriam. Tanto cansaço e mágoa, tanto ressentimento e resignação, todas as coisas que Draco tinha se acostumado a sentir nos últimos anos.

E tudo que Gina pôde fazer foi formar as palavras na boca, mesmo sabendo que ele não ouviria daquela distância.

"Eu sei." Gina murmurou para consolá-lo.

E ela sabia mesmo. Sabia que ele estava apavorado com as consequências do julgamento – provavelmente desfavorável a ele. Sabia que ele estava sentindo traído por aquelas pessoas que ele havia ajudado nos últimos meses e, acima de tudo, se sentido livre do peso que havia carregado por anos.

E, acima de tudo, ela sabia que independente do resultado daquele dia, eles estariam sempre juntos.

Gostaria que você soubesse disso também, Draco, Gina pensou tristemente.

Draco levantou o olhar para o teto da sala quando os bruxos da Suprema Corte começaram a ocupar seus lugares, como se não quisesse dar a eles a chance de ver seu momento de vulnerabilidade. Blaise parou ao seu lado e, num gesto discreto, colocou a mão no seu ombro por um milésimo de segundo. Draco assentiu sem nem precisar olhar para Blaise.

Os dois se entendiam sem precisar de palavras; Draco porque não gostava delas, Blaise porque aprendera a nunca falar demais.

No instante seguinte, Kingsley Shacklebolt se levantou da cadeira principal e posicionou sua varinha para ampliar sua já potente voz. A antecipação era tão latente no ar que, se Gina esticasse seus dedos, poderia tocá-la. Ela engoliu em seco e freou a vontade de tossir para desanuviar o ambiente.

"Nos últimos dois dias pudemos acompanhar fatos, documentos e depoimentos que nos ajudaram a reconstruir os últimos dez anos da trajetória de Draco Lucius Malfoy, antigo Comensal da Morte de Voldemort e Chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia." Kingsley começou seu discurso e todos entenderam que aquele era o momento final. "Através desses fatos levantados, pudemos comprovar que Draco é responsável por chantagens, prisões irregulares de mestiços e nascidos-trouxas, suborno, desrespeito às instituições bruxas, falso testemunho e lesão corporal."

Shacklebolt fez uma pausa ao se virar para Draco para buscar qualquer sinal de arrependimento, mas o rapaz ainda estava olhando para o teto como se aquilo tudo o entediasse ao extremo e ele não visse a hora de chegar em casa a tempo de tomar o chá.

Deixe essa fachada, Draco, por favor, não complique sua situação, Gina pensava com frenesi e, inconscientemente, apertou um pouco mais a mão de Narcissa. Não dê mais motivos para eles.

"É a única forma que ele tem para se defender." Narcissa sussurrou para Gina como se quisesse justificar as ações do filho.

E isso era uma das coisas que Gina também sabia, mas não mudava o fato de que o comportamento não ajudava em nada.

Indiferente ao comportamento de Draco, o Ministro continuou seu discurso, dessa vez com um tom mais pesaroso. "Infelizmente, também é responsável por práticas de Maldições Imperdoáveis em pelo menos uma ocasião comprovada -Maldição Imperius praticada contra um auror subordinado - desconsiderando ainda aquelas proferidas durante a Terceira Batalha de Hogwarts."

Obviamente, Gina pensou cinicamente, se fôssemos condenar a todos que usaram Maldições Imperdoáveis na Batalha de Hogwarts teríamos que trancafiar todos os presentes aqui em Azkaban. Bom, tirando Harry, é claro.

"O fato de que não sabemos ainda exatamente a extensão da utilização desses feitiços foi levado em consideração durante a deliberação dessa Suprema Corte. Contudo, tendo por base tudo que nos foi apresentado até o presente momento, temos elementos o suficiente para determinar a sentença de Draco."

Silêncio.

Silêncio arrebatador e sufocante.

Pela primeira vez, Gina viu a máscara de Draco cair e sua expressão era de pura aflição.

"A Suprema Corte dos Bruxos reunida no dia cinco de novembro de 2006 determina, com autoridade outorgada por mim, Kingsley Shacklebolt, Ministro da Magia, que Draco Lucius Malfoy seja livre para sair de Azkaban depois de pagar pelos seus débitos para com a sociedade bruxa-"

Livre livre livre, em algum momento ele estará livre.

O coração de Gina deu um salto de alegria ao saber que ele não ficaria preso para o resto da vida, para então ser esmagado pelas próxima palavras do Ministro.

"-no ano de 2026, cumprindo então a sentença de vinte anos em Azka-."

Sem sequer pensar no que estava fazendo, Gina se ergueu num salto, interrompendo o Ministro numa falta de decoro absoluto. "Não!"

Kingsley não teve tempo de ficar ofendido com o comportamento da caçula dos Weasley porque uma outra pessoa tinha se levantado repentinamente junto com ela.

"Perdão pela intromissão, Sr. Ministro, minha e da Gina." Harry pediu humildemente e Kingsley assentiu, ainda um tanto confuso com a falta de formalidade nunca antes vista num julgamento do Ministério da Magia.

"Acho que quando se trata você, da Sra. Malfoy e de Ron e Hermione Weasley, a quebra de protocolo é mais regra do que exceção, Harry." O Ministro disse com voz cautelosa, mas que ainda carregava o tom de um adulto que fala com as crianças de quem toma conta. "Eu entendo a manifestação de Gina – algo até esperado dadas as circunstâncias -, mas o que você deseja com isso, especificamente?"

"Apesar de não ter sido chamado como testemunha para o caso," Harry disse um tanto timidamente, como se todos ali não devessem a vida a ele. "Eu gostaria de falar sobre o caso."

Um burburinho se instalou entre todos os bruxos presentes e se espalhou como um rastilho de pólvora enquanto Kingsley pensava sobre o assunto.

"Acredito que isso seja bastante atípico para um julgamento e pode abrir precedentes perigosos." O Ministro ponderou depois de uns segundos. "Mas também é verdade que não teremos um julgamento justo enquanto desconhecermos fatos relevantes para o caso. Você tem algo a acrescentar além do que já foi dito, Harry?"

"Sim." Harry respondeu simplesmente e Gina se sentou novamente, não acreditando na firmeza dos seus joelhos para continuar de pé.

A frase de Blaise dita tantos dias antes a atingiu como um raio: Consiga alguém de peso e será melhor do que uma dúzia de pessoas sem expressão.

Não podia acreditar que Blaise tinha grandes chances de estar certo, de novo. Será que Harry poderia (ou iria) ajudar Draco de alguma forma?

"Você se opõe a isso, Sr. Malfoy?" Kingsley se dirigiu a Draco formalmente.

Draco abriu a boca para responder alguma coisa e foi bruscamente interrompido por Blaise – que não confiava em nada do discernimento de Draco para aceitar uma provável ajuda vinda de Harry Potter. "É claro que ele não se opõe!"

Naquele momento, Gina poderia ter beijado Blaise. Preferia viver no eterno desconhecimento do que Draco pensava a respeito da interrupção.

Draco levantou uma sobrancelha loira para Blaise, mas manteve seu silêncio. O Ministro interpretou o gesto como um consentimento para continuar com aquilo. Ele acenou para que Harry se aproximasse do centro da sala e se sentasse na cadeira oposta a Draco. Por um momento, os dois apenas se encararam friamente e Gina começou a repensar se tinha sido uma boa ideia deixar que Harry Potter prestasse um depoimento no julgamento de Draco Malfoy.

Tarde demais, suponho, ela pensou torcendo as mãos sobre o colo.

"Bem," Harry começou um tantinho envergonhado e desviou o olhar de Draco, que agora parecia estar totalmente concentrado no julgamento. "Todos devem estar se perguntando o que estou fazendo aqui."

IMAGINA, HARRY, Gina quase arrancou seus cabelos diante da constatação óbvia de Harry.

"Mas a razão é simples, na verdade." Ele continuou falando com mais firmeza quando ninguém corroborou seu pensamento anterior. "Uma vez um homem me disse que são as nossas escolhas que revelam o que realmente somos, muito mais do que nossas qualidades. E eu acho que esse é o pensamento certo para reconstruir a nova sociedade que queremos."

Não foi preciso dizer para nenhum dos presentes que o homem em questão era Dumbledore e muitas pessoas discretamente abaixaram suas cabeças diante da lembrança dolorosa do ex-Diretor de Hogwarts, inclusive Draco. Com a menção aquele nome, Gina podia jurar que as bochechas dele tinham ficado um pouquinho rosadas.

"Draco tem péssimas qualidades, falando com a experiência de quem o conhece desde os onze anos. É mimado, arrogante, ambicioso e egocêntrico." Harry falou no tom de quem constata o óbvio e Gina pôde ver como as feições de Draco quase se torceram para reter uma careta, rubor de dez segundos antes totalmente esquecido. "Mas ele realmente fez escolhas certas nos últimos tempos. Por mais que possam dizer que ele o fez por egoísmo ou porque não havia outra solução, eu sei que Draco escolheu nos ajudar, por razões que passam bem longe do individualismo e se assemelham mais a..." Harry pausou procurando a palavra certa e, inconscientemente, seus olhos verdes pousaram sobre Gina. "... a amor. E amor é uma coisa que devemos defender."

Um novo murmúrio intenso se espalhou pelo recinto a ponto do Ministro ter que pedir silêncio a todos. Gina devolveu o olhar de Harry, colocando nele todo o carinho que ela podia reunir naquele momento por aquele homem que era a parte mais nobre da sua vida.

Kingsley refletiu por uns instantes sobre as palavras de Harry. "Ele também escolheu matar Dumbledore - mesmo que tenha falhado. Escolheu deixar os Comensais da Morte entrarem em Hogwarts, escolheu ajudar Voldemort a erguer um regime ditatorial, o qual ele manteve funcionando com bastante competência nos últimos anos."

Draco teve a coragem de assentir distraidamente concordando com a existência da sua competência em manter o Ministério de Voldemort funcionando e Gina pensou se chamaria muita atenção se ela tirasse seu sapato e atacasse no rosto descarado dele. Por sorte, todos os outros olhos estavam em Harry, que não hesitou por um segundo e continuou a defesa do seu ponto de vista.

"Ele estava encurralado. Em pânico, na verdade. Fez o melhor que podia para garantir sua sobrevivência e da sua família." Harry afirmou deixando a menor demonstração de emoção na sua voz. "A pergunta que fica é: cada um de nós faria algo diferente do que ele fez? É claro, é muito difícil de prever como iremos agir em situações tão traumáticas, eu admito isso. Mas de uma coisa eu tenho certeza, Ministro: cada um aqui estaria disposto a abrir mão do que lhe é mais caro para defender sua família."

Harry tomou um minuto para olhar para Draco e não soube traduzir o que via naqueles olhos cinzas que por tantos anos só lhe mostraram desprezo e ódio. Agora ele só via um homem quebrado e que merecia uma nova chance. Isso reafirmou suas resoluções e Harry teve certeza de que fez a coisa certa, por mais que aquilo doesse em algum outro nível dentro dele.

"Draco Malfoy lutou ao nosso lado," Harry se dirigiu aos bruxos da Suprema Corte dessa vez. "Esteve do nosso lado. Talvez não pelos padrões que consideramos adequados, mas ele esteve."

"Sem a ajuda de Draco, provavelmente Voldemort não teria obtido tanta eficiência na administração do seu regime, se apoiando na fraqueza e arrogância de jovens como o próprio Malfoy." Kingsley apontou com propriedade uma verdade que nenhum ali poderia negar.

Harry, contudo, não deixou por menos. "Sem a ajuda de Draco, Voldemort ainda estaria aqui."

Um barulho intenso foi o que recebeu as palavras de Harry, todos os bruxos ali lutando contra os cenários que foram criados em suas cabeças onde Voldemort ainda estava vivo. Harry aproveitou aquele momento para continuar falando. "Malfoy salvou Percy da morte quando ele foi capturado pelo Ministério. Salvou Carlinhos Weasley na Romênia no cerco realizado na Europa Oriental. Durante a Batalha de Hogwarts - onde só entramos porque ele sabia como fazê-lo-, Draco Malfoy fez coisas- " Harry engoliu em seco procurando uma forma não ofensiva de dizer aquilo. "- coisas que eu não tive coragem de fazer. E ele salvou minha vida."

Para que eu salvasse as de todos vocês.

Harry Potter não disse aquelas palavras em voz alta, mas elas ficaram tatuadas na mente de todos os presentes, resultado de toda a sua argumentação.

"Por isso, como um favor pessoal a mim, eu peço humildemente que reconsiderem a sentença dele." Harry terminou seu discurso olhando para seu colo, sentindo que usar sua influência para mudar os rumo de um julgamento era algo totalmente desonesto, mas, ao mesmo tempo, com sua consciência um pouco mais leve.

Pouco a pouco, o barulho foi cedendo lugar a assombro. Aquilo estava mesmo acontecendo? Harry havia intercedido de forma tão firme em favor de Draco Malfoy?

Kingsley saiu do seu posto e se inclinou para discutir com alguns bruxos próximos a ele e todos os olhos o acompanharam.

Gina se pegou roendo as unhas, mas parou diante de um olhar severo de Narcissa. Ele deu de ombros, mas se forçou a permanecer em silêncio.

Quando Kingsley se endireitou novamente era possível ouvir uma agulha caindo no chão. "Senhoras, senhores. Diante do novo depoimento do Sr. Potter e à luz do que ele nos trouxe, a Suprema Corte pede mais uma hora para deliberar sobre a sentença de Draco Malfoy."

Com isso, ele se encaminhou à saída do tribunal, seguido de perto pelo restante da Suprema Corte.

"Qual é!" Gina exclamou alto o suficiente para que as pessoas a sua volta se virassem assustadas para ela. "Mais uma hora nessa aflição?"

"Uma hora para reverter vinte anos parece-me uma troca justa." Narcissa comentou friamente e Gina murchou visivelmente. Esperar nunca tinha sido seu forte, afinal.

Harry, por sua vez, se levantou calmamente se dirigindo ao seu antigo lugar e passando por Draco e Blaise no caminho.

"Nunca pensei que um dia teria que agradecer a você por qualquer coisa, Potter." Draco arrastou as palavras, mas sem a dose habitual de veneno. Agora, só havia cansaço nela. "Parece que minhas esperanças tem sempre a tendência de se provarem infrutíferas."

"Não precisa se preocupar com meu caso, Malfoy. Ainda não sabemos qual será a decisão da Suprema Corte." Harry parou ao lado dos dois homens. "Além do mais, você salvou meu filho – minha maior preciosidade - incontáveis vezes. Sou eu que sempre estarei em dívida com você, Draco."

Com isso, Harry se retirou para seu lugar com a consciência tranquila de quem tinha feito tudo que podia.

Blaise assobiou baixinho. "Isso tudo foi... intenso."

"Quais são minhas chances agora, Blaise?" Draco perguntou se dirigindo a Zabini pela primeira vez naquele dia, ainda com os olhos colados nas costas de Harry.

"Você não vai sair livre daqui." Blaise comentou inexpressivo.

"Não sei como te aguentei por tanto tempo." Draco comentou entediado, apoiando o queixo na mão saudável na posição mais confortável que podia, todo amarrado à cadeira como estava.

"Porque sempre fui o único capaz de te aturar e ter um cérebro ao mesmo tempo." Blaise respondeu sem se abalar com o sarcasmo de Draco. "Sobre sua sentença, contudo, tem boas possibilidades de uma revisão favorável, me parece."

Draco assentiu silenciosamente e esperou imerso em seus próprios pensamentos.

Uma hora depois, um a um dos bruxos da Suprema Corte voltou aos seus lugares e o Kingsley não perdeu tempo em retomar a palavra.

"A Suprema Corte dos Bruxos tomou uma decisão." O Ministrou tomou um tempo para que o silêncio total fosse obtido antes de continuar. "Nós revisitamos a sentença de Draco Lucius Malfoy numa decisão que é reconhecidamente heterodoxa na história do Direito Bruxo, mas que leva uma mensagem que gostaríamos de transmitir na reconstrução da nossa sociedade: esperança que podemos ser pessoas melhores ao recomeçar. Como primeiro passo do Novo Ministério da Magia em direção às novas chances, concedo a palavra à Hermione Granger, Chefe do Departamento de Execução de Leis da Magia."

Gina ficou mais apreensiva. Não que ela não confiasse na nobreza do espírito de Hermione, mas colocar em suas mãos a responsabilidade de repassar a decisão da Corte sobre o futuro de Draco era um recado e tanto. Era uma segunda chance para ela também.

"Obrigada, Sr. Ministro." Hermione sorriu timidamente e respirou fundo. "Levamos em consideração não apenas os fatos objetivos apresentados, mas também o que queremos ser como uma comunidade. Não é porque Draco – ou qualquer outra pessoa submetida ao que ele foi - tropeçou e se perdeu que não poderemos mostrar a eles um caminho melhor. E Draco mereceu essa oportunidade, indiretamente salvando a todos nós. Obrigada também, Harry, por abrir nossos olhos para isso."

Hermione se aproximou um pouco mais do centro da sala, olhando diretamente para Draco dessa vez. "A Suprema Corte dos Bruxos reunida no dia cinco de novembro de 2006 se retifica e determina que Draco Lucius Malfoy cumpra em Azkaban a sentença de um ano. A partir desse período, será um homem livre e sem dívidas com a comunidade bruxa."

Gina quase caiu para trás não acreditando que aquilo estava acontecendo. Claro, ele ainda seria preso e afastado dela. Mas aquele era o melhor que eles conseguiriam naquele momento e Gina estava irradiando felicidade. Ordenando suas pernas para que a obedecessem, ela ignorou todo o protocolo mais uma vez e correu até Draco, pulando fileiras de cadeiras e desviando de pessoas em estado de choque.

Ela parou exatamente em frente de Draco, não controlando mais suas lágrimas. Respeitosamente, Blaise deu um tapinha vitorioso nas costas de Draco e deu espaço aos dois.

"Você conseguiu, afinal." Draco deu um sorriso torto para ela. "Depois dessa, eles vão pensar duas vezes antes se colocarem entre seus objetivos e você."

Gina sorriu e fungou ao mesmo tempo, numa combinação que ela sabia que não seria das mais aprazíveis. "Logo você estará livre, Draco!"

Tão imersa como estava em Draco, ela não percebeu quando os aurores se aproximaram para retirar o prisioneiro.

"Você já está, Ginevra." Malfoy sorriu de verdade para ela e Gina não soube como interpretar aquilo.

Na verdade, ela não queria interpretar nada naquele momento. Estava feliz, como em muito tempo não ficava.

Anestesiada, ela deixou que os aurores passarem por ela e desamarrarem Draco, que seguiu seu caminho sem olhar para trás para não correr o risco de fraquejar.

"Nos vemos em breve, Draco." Gina murmurou para si mesma, radiante por aquela segunda chance.

E ela não iria permitir que Draco Malfoy estragasse aquela também.


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Notas finais do capítulo

Terminei essa versão do capítulo e fiquei 'nhé'. Tenho consciência de que poderia ter saído melhor e que algumas soluções vieram fáceis demais/foram mais ou menos desenvolvidas.

A verdade é que, quando terminei de escrever a primeira versão, tinha um monstrinho de 20 mil palavras na mão. Inviável.

Cada depoimento dado, Draco, Gina, Narcissa, testemunhas, todos eles tinham sido descritos e explicados. Mas, no fim, acabou ficando pesado demais para um capítulo só. Como eu não queria quebrar em dois MAIS uma vez, acabei optando por deixar uma versão minimalista. (com 10 mil palavras, leia-se. É, preciso parar com isso, eu sei)

Espero que não tenham ficado muito chateados.



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