Opostos escrita por Mari


Capítulo 5
5. Uma conversa decente




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Estou com a cabeça encostada na janela do carro encarando o movimento das arvores nas floretas em volta e nos faróis dos carros que corriam pela rua movimentada, agarrada as minhas pernas com medo de qualquer coisa que possa vir a acontecer. A imagem de Dave morto próximo a mim ainda me davam arrepios, que percorriam da ponta do fio de meu cabelo, até o dedo do pé. Encaro Ethan por alguns segundos somente para ver se consigo encontrar algum receio em seus olhos, mas vejo somente a claridade de seus olhos cinza, que mostravam serenidade e paz consigo mesmo. Sem nenhum pingo de remorso ou qualquer arrependimento que o fizesse querer voltar no tempo e fazer daquele momento, algo diferente. Ethan estaciona quando estamos na entrada da cidade e estremeço. Ele retira de seu bolso uma carteira com a inicial D costurada no canto superior do couro marrom. Era a carteira de Dave. Pega algumas notas ali e joga a carteira fora.

— Por que fez isso? – Pergunto ainda me questionando se deveria confiar nele ou não.

— Acha que só o matei por causa de você? Dave me deu um valor muito menor do que o nosso acordo. – Murmurou, guardando o dinheiro no bolso.

— E só por isso achou necessário tirar a vida de alguém?

— Há dias que nem motivos eu tenho.

“Há dias”. Aquilo me fez pensar que ele já matara pessoas antes. Minhas mãos soam frio. Volto a encarar a janela quando Ethan liga o carro.

— Já pensou na probabilidade de que talvez Dave estivesse bêbado ou drogado? – Essa era uma probabilidade da qual estava pensando desde que o vi entregando dinheiro a Ethan e decidi compartilhar com alguém. Aquilo realmente estava martelando minha cabeça vagarosamente e dolorosamente.

— Ele vive drogado, ou melhor, vivia. Que Deus o tenha. – Ele sorri dando ênfase em sua última frase como se estivesse debochando do fato de eu ser religiosa. Reviro os olhos ao mesmo tempo em que pulo do banco do carro ao me dar conta de algo.

— E ainda assim o matou? Ele mal tinha consciência do que estava fazendo, quanto mais de quanto te deu. – Me seguro para não gritar com ele.

— Sabe o que eu devia ter feito? Eu devia ter o deixado terminar o que iria fazer com você para depois cobrar dele. Quem sabe assim você já teria me agradecido. – Disse ele alto, mostrando sua irritação. Fico calada por alguns segundos raciocinando sobre o assunto. Eu realmente devia ao menos tê-lo agradecido.

— Obrigada. – Sussurro após longos minutos de silêncio. – É que você me irrita muito. Perto de você eu me esqueço dos modos. – Confesso e ele ri descrente.

— Por quê?

— Porque você só fala asneiras. – Murmuro encarando a janela.

— Eu só disse uma: Feia. – Disse ele me encarando. Encaro-o de volta e nossos olhos novamente se encontram. Um calor no qual jamais conheci penetra bem fundo cada célula viva do meu corpo. Ethan pisa fundo no acelerador ainda me encarando, como se tivesse um olho na orelha para enxergar o trânsito. Esse era o momento em que eu deveria estar surtando e implorando para que ele olhasse na direção onde os carros corriam. Mas eu me sentia segura e gostava da sensação de milhões de borboletas voando pelo meu estômago. Desvio de seu olhar intenso e ele também pareceu sair de seu transe.

— Então... Onde estão seus pais? Quero dizer, você vive com seu tio... – Mudo de assunto e ao encarar a amargura em seus olhos cinza vejo que esse era um assunto do qual ele não queria comentar. Mas eu queria saber mais sobre ele.

— Eles estão presos. – Diz ele. Sorrio e ele me encara sério. – O que foi?

— Gosto da forma como é sincero. Podia ter inventado: dito que moram em outra cidade ou que não gostam de você, mas escolheu dizer a verdade sobre eles. Isso é um dom. Conserve sempre. – Um silêncio constrangedor reina por alguns segundos. – Mas então... Eles também mataram alguém?

— Não, na verdade, fui eu quem matou. – Encaro-o de esguelha. – Eles decidiram confessar algo que não fizeram para me safar. Queriam que eu mudasse. Não fosse mais esse cara. – A aceleração do carro diminui drasticamente. – Droga, nem sei o porquê estou te dizendo isso.

— Talvez por que você sente o mesmo que eu quando estou com você. – Confesso. Eu disse isso mesmo? Arqueio a sobrancelha e acabo sorrindo com que acabara de dizer. Quero dizer, eu o conheci esta manhã. Não é irônico isso?

— E o que você sente quando está comigo? – Ele também devolve um sorriso lindo, revelando covinhas fofas em suas bochechas.

— Por incrível que pareça me sinto segura quando estou com você. – Digo sincera, quase que em retribuição do fato dele ter sido verdadeiro comigo.

— É... Talvez eu também sinta o mesmo. – Ele comenta por fim. Mal percebo que ele havia estacionado o carro em frente a minha casa. Como ele sabia que eu morava ali? Isso era mais uma das infinitas coisas que espero perguntar para ele um dia. Ou talvez guarde para mim mesma.

Desço do carro e corro para casa, entrando vagarosamente temendo acordar meu pai, mas é claro que ele estaria acordado. Meu pai estava sentado na sua velha poltrona em frente à lareira lendo a bíblia, que rapidamente foi deixada sobre a mesinha de centro ao ouvir o barulho da porta se fechando. Ele corre até mim me abraçando com força e eu retribuo o abraço.

— Chegou atrasada. Duas horas. – Diz ele sorrindo. – Deixarei essa passar, mas por favor, não faça isso de novo. Onde está Camille?

— Decidi ir embora mais cedo e ela quis muito ficar então deixei o carro com ela. Desculpe a demora, vim a pé.

A casa de Clarice era muito longe da minha, então considerei essa uma ótima desculpa. Meu pai dá um sorriso que se fecha rapidamente.

— Creio que o carro daquele marginal não seja uma bela forma de andar a pé. – Diz ele bravo.

— Como é? – Pergunto sem entender o motivo de ele estar tão bravo.

— Como pode mentir para mim Sophie? – Abaixo a cabeça e encaro o chão. Droga fui descoberta. Como pude pensar que meu pai não tinha olhado algo pela janela da casa?

— Sinto muito. Ele me pegou na metade do caminho, eu estava cansada. Não queria mentir para o senhor, mas não gosta dele então achei que essa mentirinha só faria bem para sua mente descansar. – Mais mentiras. Levanto a cabeça e acaricio os cabelos macios de meu pai tentando contornar a situação. – Não acha que é melhor irmos dormir? Estou cansada e preciso de um banho.

A fisionomia de meu pai muda e eu suavizo minha expressão de desespero. Meu pai me dá um leve beijo na testa e sobe às escadas, sonolento, enquanto eu desligo o abajur da sala correndo para o banheiro e tomando um banho relaxante. Pobre Camille, nosso pai ficará possesso e ela terá que inventar uma bela desculpa também. Sorrio ao me lembrar da conversa que tive com Ethan no carro. Finalmente uma conversa decente. Fico feliz em ver que evoluímos em apenas um dia. E que dia...


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