Fragmentos de uma amizade escrita por Gui Montfort


Capítulo 1
Capítulo 1




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Os sinos da pequena paróquia reluziam à luz do luar. Eram novos, só Deus sabe quantas tortas foram vendidas a fim de custeá-los. Deus e o padre, obviamente. Foi em uma noite estrelada que Zeus – meu cão – e eu conhecemos o jovem Adriano. Já passava das onze da noite quando nós o encontramos sentado no banco da praça, admirando os sinos. Cansado, resolvi fazer companhia ao menino desconhecido que ocupava o único banco da pequena pracinha. Sua calça de linho era de um preto mais forte que as entranhas da noite. O sapato refletia em seu negror a luz que emanava do poste, uma luz amarelada e fosca que volta e meia apagava, reacendendo em seguida.

Bela camisa, disse-lhe oferecendo minha mão cordialmente. Ele a apertou e agradeceu ao elogio.

- Minha me disse que preto com branco é infalível. – Emendou com um sorriso típico de adolescente.

- As mães sempre têm razão. – Brinquei. Zeus nos observava de longe, mas continuou a aproveitar os minutos de liberdade que eu lhe dera ao libertá-lo da coleira.

Continuei com a conversa. O pequeno rapaz falou-me de como gostava de ir ali, àquela praça enquanto a cidade dormia. Me contou que seus pais quase nunca estavam em casa nos dias úteis.

Ali nasceu uma amizade interessante; Eu tinha o dobro de sua idade, mas Adriano possuía uma elegância no falar que lhe conferia alguns anos a mais. Uma amizade que tinha tudo para ser eterna. Tinha. Zeus, por outro lado, não gostava de Adriano, sempre julguei ser ciúmes. Rangia e mostrava-lhe os dentes em cada oportunidade. Meu jovem amigo não ligava, preferia rir da lâmpada amarelada do poste que não sabia se ficava acesa ou apagada.

- Ela pensa que é lâmpada de árvore de natal. – Brincava ao mesmo tempo em que recusava o sanduíche que o oferecia.

Aos poucos fui me descobrindo, fui me conhecendo em um nível que não alcançaria sem aqueles momentos com o pequeno Adriano. Mas a vida não é feita de sorrisos apenas. Adriano me contou em um de nossos últimos encontros que possuía uma doença rara; não demoraria muito a morrer. Falava-me com uma calma monástica. Não entrou em detalhes sobre sua enfermidade.

Ao tentar esconder minhas lágrimas, olhando para a rua em frente, vi uma senhora que passava e balançava a cabeça em tom de reprovação. Julgava-me um pedófilo, com toda a certeza era isso que se passava naquela mente diabólica. Adriano se despediu e disse que nos veríamos na manhã seguinte, na paróquia. Segundo ele, desejava que o acompanhasse em suas preces, queria rezar antes de fazer uma viagem com seus pais.

- Haverá uma missa às 08:00 – Disse-me enquanto se despedia com um aceno.

Conforme o combinado, ali estava eu, adentrando na nave da igreja – atrasado – procurando Adriano. Trazia comigo uma caneta em um estojo dourado, um presente para que escrevesse suas aventuras nas horas vagas. O estojo foi ao chão quando vi a foto de Adriano junto ao altar. Ao lado do padre. Fui tragado pelo chão quando vi naquele banner as inscrições com os anos de nascimento e morte de Adriano. Acordei na sacristia. Uma senhora me explicou que a missa fora encomendada pelos pais do menino, era seu aniversário de morte. Um ano de seu falecimento.

Tornei a desmaiar. Só dias depois que meus olhos se abriram. Tudo fazia sentido, as luzes que piscavam sempre que Adriano estava por perto, os latidos de Zeus, sua recusa em comer ou beber algo que o oferecia, o olhar de Dona Margarida que me julgava louco, não pedófilo, louco por estar falando sozinho.

Desde então, encontrava Adriano aos domingos. Não o via, mas sabia que ele estava ali, vendo as flores que eu levava ao seu túmulo, fazendo alguma piada da situação.


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Notas finais do capítulo

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