Sun Goes Down escrita por Jojo Almeida


Capítulo 4
Travis, 20:21




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“Por que você está usando isso?” Connor perguntou quando nós cortamos caminho pela linha de trólebus atrás da nossa antiga escola.

Eu desenhei esse lugar no último dia de aula, quando finalmente me formei. Prédios cercados por arame farpado, e um adolescente pego entre as barras. “Ele está tentando entrar ou sair?” Arabella tinha perguntado, ano passado, ao encontrar o rabisco no meio das minhas coisas. Eu não sabia.

“Isso o quê?” eu perguntei.

“Essa camisa.” Connor franziu o cenho. “Você sabe que nós só estamos indo para o Meio Sangue, certo?”

Eu não respondi. Encontramos Polux sentado no muro da esquina, fumando. Ele levantou uma sobrancelha ao me ver.

“Aonde você acha que vai, ó príncipe encantado?”

“Vou aonde eu quiser, desgraça.” eu disse mal humorado. “Você se lembrou de deixar a janela da sala de mídias aberta?”

“Claro.”

Connor suspirou. “Tudo certo então.”

“Não acredito que nós realmente vamos roubar a faculdade.” Eu disse.

“E por que você liga?” Polux deu de ombros “Eles te expulsaram de todo jeito.”

“Não foi bem isso, Polux” Connor disse em tom de aviso, em meu socorro. “Mas na boa Trav, qual é a dessa camisa social?”

“Era a única coisa limpa que eu tinha” eu admiti, dando de ombros.

“Ah. Você podia ter me pedido alguma coisa emprestada.” Connor ofereceu.

É sobre isso que eu penso enquanto dobro as mangas da estúpida camisa azul claro. Eu realmente devia ter pego alguma de Connor emprestada. Está quente demais dentro do bar, com o calor da massa humana que lota o lugar. Do outro lado da mesa, Polux e Miranda conversam animadamente sobre um filme francês que viram na última aula, e Silena olha para o balcão, entediada.

“Kay está declarando uma reunião urgente no banheiro feminino” Connor avisa, sentando-se à mesa. Eu pego uma das três garrafas de cerveja que ele equilibra com dificuldade, e o Polux pega a outra.

Miranda sorri para Polux, como que pede desculpas, e segue Silena em direção ao banheiro.

“O que está acontecendo?” Polux pergunta franzindo o cenho.

“Eu não tenho a menor ideia.” Connor admite dando de ombros e tomando um gole de sua cerveja. “Acho que vamos ficar por aqui um pouco.”

“Ótimo!” Eu exclamo ironicamente.

“Eu vou pra casa.” Polux anuncia, fazendo menção de se levantar.

“Sem chance” Connor discorda, ameaçador. “Essa pode ser a minha última chance com Miranda.”

Eu reviro os olhos.

“E o que isso tem a ver?” pergunto.

“Tem a ver que Silena acha que eu sou alguém para Miranda. E que você é alguém para Katie. Consequentemente, Polux deve ser alguém para Silena. Ninguém vai pra casa.”

“Silena também acha que é médium.” Eu argumento. “Silena é desiludida.”

“Ela pode até ser desiludida” Polux pondera. “mas que ela é uma tremenda gata, é.”

Nós três pensamos sobre isso por um segundo.

“Certo. Silena é provavelmente a garota mais bonita de todo o campus.” Eu concordo. “Mas pensa nas probabilidades! Ela nunca sai com ninguém, certo? Quer dizer, eu não conheço ninguém que disse já ter estado com ela. E esse é o tipo de coisa que as pessoas falam.”

“Vai ver ela é muito discreta.” Polux dá de ombros.

“Vai ver ela tem namorado” eu digo. “Nós não sabemos.”

“Acho que eu consigo viver com esse risco, Trav.”

Connor apoia os braços na mesa. “Nós temos umas sete horas para matar e três garotas lindas procurando por aventura. Qual é o problema?”

“O problema” eu digo. “é que a última aventura que eu tive com Katie Gardner acabou em um hospital.”

“Então não passe a mão nela dessa vez.”

“Vou tentar me lembrar disso.”

A primeira ilustração que eu fiz foi pra ela; minha primeira parede que não tinha nenhuma frase, citação ou palavra. Uma garota com desertos correndo por sua pele, e uma estrada que ia todo o caminho em direção à costa leste. Seu cabelo era feito de florestas e seus olhos eram daquele tom engraçado de verde planta.

Eu pintei a noite toda, com um curativo em meu queixo e um machucado em meu antebraço esquerdo ia até a parte de cima de meu cotovelo, atrás da velha fábrica nos limites da cidade. O lugar era péssimo, eu precisava me equilibrar para não pisar em falso no terreno esburacado do barranco e mosquitos picavam meus braços. Porém, valia a pena: essa era uma parede que eu não queria que ninguém visse, uma parede que ninguém merecia ver.

Nenhum policial apareceu e eu fiquei lá até o sol queimar o escuro. Não foi nem um bom nascer do sol. A fumaça da fábrica engoliu as cores antes que elas sequer tivessem uma chance e o céu ficou cinza e nublado.

Eu vi Katie pela primeira vez algumas semanas depois do começo de meu terceiro semestre. Era segunda-feira, no meio da manhã, e eu matava a aula de Antropologia Jurídica em um café. Tinha a vaga esperança de que a cafeína fosse apaziguar uma das piores ressacas de toda minha vida, e esperava a atendente me entregar o troco, quando ela virou a esquina.

A verdade é que sempre tive um pouco de antipatia de quem anda de bicicleta. São Francisco tem ladeiras demais, e um sistema de transporte público muito eficiente. Você tem que ser louco ou masoquista para se sujeitar ao inferno na terra que é pedalar, especialmente pelas manhãs. Não suficiente, ciclistas geralmente são ou fanáticos ambientalistas ou fanáticos da boa forma.

Katie não parecia nada disso. Ela pedalava sua bicicleta azul escuro devagar, como se realmente aproveitasse cada segundo do movimento. Seus cabelos soltos voavam para trás numa confusão cor-de-terra, bem mais compridos do que estão hoje, e ela sorria levemente. Através da vitrine de vidro, eu conseguia ver que ela usava fones de ouvido. O sol batia em sua pele, e eu posso jurar que, naquele momento, eu não sentia mais dor de cabeça, enjoo ou a certeza que tinha tomado péssimas decisões na noite anterior.

Peguei o troco desajeitadamente, e saí do café sem pegar meu mocha. Não conseguia tirar os olhos dela, e o mundo parecia ter subitamente mudado seu centro gravitacional para uma garota.

“Hey!” eu gritei ao passar pela porta. Atravessei a rua correndo, e cheguei a outra calçada quando ela terminava de prender sua bicicleta a um poste com um número quase inacreditável de correntes. Tinha essa pequena marca de nascença em seu pescoço, e eu não conseguia parar de encarar. Eu queria comprar um bilhete só de ida para aquela marca, pintar uma parede sobre o que achasse lá, talvez um mapa detalhado da pele dela.

Ela se curvou, e pegou as caixas na parte de frente da bicicleta, equilibrando com cuidado um bule de chá vermelho. Quando virou, era toda pele, boca, cabelo, olhos. Olhos verde planta, o exato tom de um mundo no qual eu não me importaria de me perder.

Eu devia estar olhando de um jeito estranho.

“Hã... Oi?” Katie disse, parecendo envergonhada e levemente sem fôlego. Eu não sabia dizer se ela estava corando, ou se só estava cansada de pedalar.

Ela ficou ali, em pé, me encarando e mexendo os braços para acomodar a pilha de coisas que carregava desconfortavelmente. De repente era como se tivesse um buraco negro na minha mente, e todos meus pensamentos caíssem diretamente no abismo. Não conseguia lembrar de nenhuma palavra.

“Você... Érhm...” eu gaguejei, em pânico. “Você quer ajuda?” Ela sorriu gentilmente e por um segundo nada mais importava.

“Brutal.” Connor disse quando eu liguei para ele me buscar, porque ela tinha me deixado com um nariz sangrando no meio fio e eu não tinha dinheiro suficiente nem para pegar um taxi. Ela nunca sequer perguntou se eu tinha sobrevivido, ou se estava bem.

“Sobre o que você acha que elas estão falando lá dentro?” Polux pergunta olhando em direção ao banheiro feminino.

“É só um palpite, e tal... mas eu diria que é sobre a gente.” Connor diz, se recostando na cadeira. “Garotas e dívidas zeradas. Eu tenho uma sensação boa.” Ele olha por cima do ombro, pela décima quinta vez na noite.

Ele e Polux continuam conversando e rindo e agindo como se nós não se importassem que nós muito provavelmente vamos ser pegos mais tarde na faculdade. Eu olho pela janela, e penso naquela pequena marca no pescoço da Gardner. Quem sabe os últimos três anos não me tornaram um cartógrafo melhor.


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Notas finais do capítulo

O capitulo curtinho, mas feito com muito amor hahahaha
Lembrem de por favor, por favor, por favor, deixar reviews!
Beijinhos



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