Lupi Luna, 20 de Novembro
Minha Carmelita,
Hoje a saudade bateu com tanta força que não aguentei de novo, tive que te escrever. A letra não está das melhores porque tive muito trabalho manual na oficina, minhas juntas doem e minha caligrafia não está mais bonita do que garranchos esquisitos. Estou velho demais para aguentar o pique de antes. Ainda mais agora sem um par de mãos a mais. O moleque faz falta. Tanto na ajuda nos carros, quanto na companhia.
Aconteceu mais uma vez, sabe? Amanheci o dia sentindo o cheiro de seu café pela casa, escutei o farfalhar de seu vestido de chita pelo quarto, até tremi com a lembrança vivida de seu toque em meus cabelos. Não sei mais o que fazer com esse fantasma reconfortante que insiste em me despertar. Às vezes, eu até finjo que não sinto, sabe? Finjo porcamente, devo dizer. Eu sei que não é real. E sei também que essas aparições só não param por minha própria culpa. Não consigo deixá-lo ir. Me agarro a qualquer coisa sua, qualquer coisa, e esse espectro, mesmo sendo fruto da minha imaginação frágil e doída, ainda tem a sua essência. Não dá para soltar assim.
Stella voltou recentemente e você sabe como ela pode ser durona, às vezes. Aquela ideia de contar a ela sobre minhas dores agora me parece uma coisa horrível. Como pode me deixar fazer aquilo, Lita? Ela é tão difícil de lidar! Assim, sendo a mandona de sempre, ela me fez prometer voltar a escrever para você, só para que eu saísse do buraco onde me enfiei. Eu fiz. E venho fazendo secretamente há muito tempo, você sabe mais do que ninguém. Se eu não soubesse que essas cartas idiotas me fazem tão bem, você sabe que eu não as teria escrito. Deve parecer muito estranho, mas, entenda, essa é uma forma esquisita e macabra de um velho amargurado se sentir um pouco mais próximo da mulher da vida dele. Cada um lida com a perda do seu próprio jeito. Eu tive longos nove anos para encontrar o meu, apesar de ter recaídas constantes.
Ontem, enquanto me afundava em depreciação e tristeza - você se lembra quão dramático eu posso ser quando quero, não lembra, amor? - ouvi aquela sua fita preferida. O rádio está meio velho e não toca mais como antes, tem chiado na porta de saída e corta em algumas partes por conta da poeira, mas faziam tantos anos que eu não escutava. Suas músicas sempre foram melhor escolhidas que as minhas.
Voltei no tempo. Quando nós nos conhecemos, ainda jovens e cheios de rebeldia.
Eu me lembro perfeitamente, cada mínimo detalhe daquele dia. Você estava linda. Como sempre, né? Os cabelos crespos enrolados no alto da cabeça numa fita amarelo ouro, a pele negra brilhando com a luz do sol, o olhar forte, feroz, que me capturou no momento em que nossos olhos se encontraram. Vindos de uma cidadezinha no México, não foi fácil começar a vida do zero. Eu sei que não foi, passei pelos perrengues com vocês. Escolhi amar, proteger e cuidar da adolescente mais velha que eu dois anos que tinha o sorriso mais bonito da Itália inteira e de sua família.