Winter Soldier - Retomando o Passado escrita por Vendetta23


Capítulo 6
Definição de Herói




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Eu perdi completamente a noção do tempo. Uma hora via Nicholas entrar pela porta da cela deixando-a brevemente iluminada com a luz do dia, outra hora ele trazia consigo o cheiro de frescor da noite. De qualquer forma, eu tenho certeza de que eu quase não dormia, ou se dormia, sonhava com o pesadelo que estava vivendo, e sempre que ouvia aquela porta ranger tinha certeza de que se seguiriam intermináveis horas de dor e perguntas repetidas à exaustão.

“Onde você foi treinado?” ele perguntou não pela primeira, nem pela décima vez, segurando um dos meus dedos da mão direita com um alicate.

“Kiev” eu murmurei, ele apertou o alicate e soltei um gemido “KIEV” eu falei mais alto. Contraí meu corpo para trás tentando me desvencilhar do alicate mas logo minha visão embranquece da dor, eu estou coberto de hematomas por todo o meu corpo e tenho dois dedos do pé quebrados, meu braço está coberto de sangue seco dos cortes. Mas não era nada que me inutilizasse, não, ele não chegava nem perto de me matar, ele quer me usar.

“Não é o bastante, eu quero detalhes” sua voz era fria.

“Entre... uma cadeira de montanhas e um lago ficava a nossa base, eu juro que não sei de mais nada” minha mão treme e suo frio diante da passividade dele. Não que eu não lembrasse de mais nada, mas eu não SABIA mais nada, eu tinha uma tempestade de informações desconexas e não podia fazer nada enquanto todas as teias que tracei, conectando-as, eram destruídas. As minhas certezas? Ele bagunçou tudo o que eu tinha conseguido, nem que mediocremente, arrumar, distorcendo até a noção mais básica de quem eu sou, eu sei disso porque não sei responder a essa pergunta que ecoa na minha cabeça sempre que ele vai embora, quando sou deixado sozinho com a escuridão e, o mais assustador, comigo mesmo. Quem sou eu, quem sou eu, eu repito a mim mesmo como se fosse uma segunda fase do interrogatório, e a pergunta ecoa no vazio. O treinamento, Natasha, a guerra, Steve... eu não sei mais dizer o que é real e o que não é.

Eu tinha tanta certeza.

“Guarde suas promessas para outra pessoa” ele quebrou meu dedo com alicate e um grito nasceu e morreu na minha garganta, agora ele tinha uma barra de ferro em mãos “Você não mudou nada, é o mesmo soldado desesperado por ordens” eu olhava para ele e meus olhos imploravam para que ele parasse, a dor que eu sinto me impede de dizer qualquer coisa, estou paralisado em um estado contínuo de terror “E eu te darei ordens, e você vai segui-las”. Eu não tenho forças para dizer que não, tudo o que eu tinha foi arrancado de mim. Ele espeta um soro no meu braço, é a única coisa que me alimenta desde que eu entrei ali. Lentamente, percebo que ele está atrás de mim arrastando algo que não consigo ver pela sala escura, quando pelo canto do olho eu vejo, minha mais dolorosa tortura. Ao colocá-lo na minha frente, Nicholas tira o pano que o cobre mas meu olhos estão bem fechados. Eu ouço ele se aproximando, e sinto o soco que ele desfere no meu rosto.

“Abra... os olhos” ele sussurra, e não tenho mais forças para aguentar outro soco. Eu sou forçado, através da cortina de lágrimas que brota dos meus olhos, a virá-los para o espelho na minha frente.

Era uma coisa feia, de madeira retorcida e alguns pedaços de vidro dos cantos tinham se desprendido devido às rachaduras que o atravessavam, rasgavam a minha imagem. Essa era a piada final, depois de cada maldito dia abrindo a minha cabeça, ele deixava um espelho na minha frente. Mesmo no escuro, eu sentia-o me observar e não sei se caçoava de mim ou sentia pena.

“Não...” tinha descoberto que odiar a quem eu vejo lá refletido é muito mais fácil do que encontrar uma carcaça vazia sem forças para afirmar o próprio nome.

“Se Steve fosse seu amigo, ele não deixaria isso acontecer” só conseguia distinguir a sombra de Nicholas parado ao lado do espelho. Eu tento me convencer de que ele não existe, às vezes. Ele conseguiu, se tornou um herói prestigiado, tudo o que ele desejava desde criança, eu virei uma peça a ser descartada pelo caminho.

Eu corro pelo campo, mas não muito rápido. A grama alta pinica os meus joelhos e o sol me atrapalha a visão, logo entro sem saber num lamaçal e me viro procurando por Steve entre as muitas árvores. Ele pula de trás de um tronco fino e aponta sua pistola de madeira para mim.

“Renda-se, Bucky!” ele anuncia em sua voz asmática, acho que o fiz correr demais, logo levanto as mãos.

“Você me pegou” eu me aproximo lentamente dele e ele mantém a mira da pistola apontada para a minha cabeça, quando chego mais perto, acelero o passo até ele e faço um movimento lento insinuando que vou derrubá-lo no chão, esperando que ele aperte o gatilho e dispare a rolha em mim, matando o vilão para que ele se torne o herói. Mas nós dois acabamos caindo juntos na lama e não ouvi nenhum estouro. “Agora eu te peguei” eu o ajudo a se levantar, ele tira tristemente a lama das roupas, “Por que você não atirou, Steve?” tive que perguntar.

“Você é meu amigo, Bucky” ele balança os ombros, ele nunca entendeu muito bem o papel de vilão “De qualquer jeito eu não fui feito pra ser herói, mas obrigado por me deixar ser, mesmo que esteja fingindo” ele me esticou a arma.

“Ei, ei” eu pego a arma e coloco uma mão no ombro dele “Um herói de verdade não machuca os amigos” e a solto, ela cai na lama com um ‘splash’, eu agora o abraço “Você é mais herói do que qualquer um, Steve”.

Aquele garotinho já estava, há muito, morto. Eu observo meus olhos no espelho pela primeira vez desde que estive ali, eu não tinha mais medo do que iria encontrar, eu sabia que estariam vazios.

“Não, ele não deixaria” eu concordo, deixando todas as minhas memórias se submeterem a uma lógica insana e ao sentimento desesperador de abandono.

“Então ele não deve ser um problema, certo?” Nicholas me coloca na minha frente, agachado “Você pode achar que eu te machuquei, James, mas eu abri os seus olhos” ele apontou para o meu braço “As pessoas que fizeram isso te machucaram, te enganaram, fizeram você lutar por uma batalha perdida e sem sentido. Eu te dou a chance de ir atrás delas”. Ele mergulha na escuridão novamente e volta com uma pequena pilha de pastas “Muitos ratos não afundaram com o navio. Eu te ajudo e você me ajuda, combinado? Eu vou te proteger do Capitão Rogers”. Mesmo sem mais nenhum interesse naquele homem, eu sou obrigado a perguntar o por quê. “Porque ele está te caçando e não vai parar até te achar” ele me olhou pela primeira vez com uma certa compaixão “Eu entendo que vocês compartilham um passado, mas vocês não pertencem juntos ao futuro, desculpe Barnes”. Acho que ele se tornou um tipo bem diferente de herói do que ele aspirava nas nossas brincadeiras.

“Eu te ajudo” a frieza que um dia correra em minhas veias quando a estrela vermelha representava pelo que eu lutava renasceu de um ponto negro da minha alma, eu não questiono ordens, eu as cumpro. Ele abriu um sorriso.

“Ótimo, eu te preparo amanhã”.

Naquela noite, a escuridão não me assombrou, mas sim o riso de dois garotos. Mais alto do que a voz reconfortante que me dizia que agora eu tinha uma direção, gritava uma voz que dizia que eu estava completamente errado. ‘Eu não sei quem eu sou, mas sei quem eu não sou’ ela dizia, mandei-a se calar.


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