I Miss You escrita por mandyoca


Capítulo 3
Capítulo 3




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  Tendo a capacidade de escolha, eu tentei ver os pontos negativos das duas opções. Meu lado bom dizia: “Matar aula não é certo! Vão estranhar a demora, de verdade!” Mas o lado ruim gritava: “Mexa logo essa boca e diga que vai matar aula! Além disso, é só uma vez, o que isso prejudicará?”

 

  - Certo. – descuidei. – Mas se algo acontecer de errado, a culpa irá inteiramente para você, ouviu? Não me chame de traidora quando eu lhe acusar de ter me induzido para essa história de matar aula e blábláblá. E afinal, o que as pessoas costumam fazer quando estão matando aula? Creio que elas não ficam simplesmente sentadas olhando para cima, que decadência. Você deve ser um especialista nisso. Vai dizendo, elas só ficam brisando, olhando um na cara do outro, ou o quê?

 

  - Pare de tagarelar, Kris. – pediu. – Eu nunca mato aula junto com alguém, então não, eu não sou um especialista nisso. Mas eu costumo sair da escola e ir para a minha casa. Simples assim. Eles deixam as portas escancaradas, fazer o quê? Só que você não vai querer ir para lá. Então a gente pode entrar em uma das salas, e ficar conversando, não sei. O que você acha?

 

  - Qualquer coisa para não ver Yolanda. – joguei a cabeça para trás e ele me lançou um olhar de desentendimento. – Ora, ela fez essa parada de pichar o banheiro todo só para eu pegar um castigo do diretor. Isso não é muito interessante, não concorda?

 

  - Não mesmo. – pegou meu braço e me puxou para a sala mais próxima de nós. A porta estava fechada, então ele simplesmente a abriu com um movimento cuidadoso, e a fechou sem fazer barulho após entrarmos. – Eu sei que não foi você quem fez isso. Eu não sou um idiota, qualquer pessoa saberia que foi ela. Mas o diretor é meio tapado, e com isso não podemos fazer nada.

 

  - Como você sabe então que não fui eu? – perguntei. – Você acredita no primeiro que você vê negando, ou alguma coisa assim?

 

  - Ela entrou com umas bolsas grandes. Lá cabiam umas três latas de tinta, exatamente a quantidade de cores que usaram no banheiro. – explicou. – E ela saiu com a bolsa vazia, deu para reparar que ela estava menor. Eu estava de olho.

 

  - Ah, sim, você me encarava e acabou as encarando sem querer. – acusei, indo para um pouco mais longe dele, passando entre duas fileiras de carteiras, as analisando gentilmente, vendo cada detalhe da madeira escura.

 

  - Mais ou menos isso. – admitiu. – E eu tenho provas. Já tenho provas até demais que eu nem deveria ter. E a culpa foi sua, se você quiser saber.

 

  - Espera aí, você não tem só uma prova, como muitas, e não mostrou nenhuma delas para o diretor? – franzi o cenho. – Acho que o tapado na história não é ele, e sim você. Yolanda sairá contando para todo mundo que eu fiz isso, e vão soltar o boato de que eu estou afim de você, você acha que isso é maneiro? Ah, claro, porque você vai ficar com a fama do cara que nem fala com a garota, e ela já cai por ele. Mas saiba que isso não é verdade, está bem? Você não pode sair pensando que eu estou mesmo gostando de você, isso é ridículo.

 

  - Eu não falei nenhum momento que estava acreditando num boato que nem foi solto ainda. – ele riu. Essas risadas que ele dá para qualquer coisa me deixam irritada. – Mas você liga para um boato? Eu não ligo.

 

  - Eu ligo sim, estou no meu primeiro dia de aula. – suspirei. – Já vou acabar com a minha reputação logo de cara? Puxa vida, deixe pelo menos uma semana passar, aí eu vou ficar feliz. Porque na minha outra escola nem reputação eu tinha.

 

  - E aqui você tem? – a pergunta me pegou em cheio.

 

  - Não. – olhei para o lado e sentei numa cadeira do canto. – Mas eu pretendia pelo menos ter alguma qualidade falada por aí. E boa, né. Mas acho que eu preciso desistir. Yolanda vai estragar tudo.

 

  - Esquece a Yolanda. Eu não quero ficar os próximos cem minutos falando sobre ela. – revirou os olhos.

 

  - Tecnicamente, já se passaram uns dez minutos, então são os próximos noventa minutos falando sobre ela. – especifiquei. – E eu não ligo que você ache isso ruim, porque não é você quem vai aguentar o resto da sua vida escolar sendo ofendido.

 

  - Eu já passo por isso, Kristal. Essa é a história da minha vida. – colocou o capuz enquanto andava pelo outro lado da sala. – Yolanda já espalhou boatos irritantes sobre mim, e se você se interessa, muita gente pensa que eu sou mudo. Nenhuma vez eu retribuí a ela o que ela queria. Provocação, xingamentos. Em chamadas orais, os professores me pulam. Eu só falo com o diretor, e uso a voz apenas quando necessário. Sinta-se com privilégios por estar me escutando falar. Desde que me mudei, meus pensamentos são voltados para uma única coisa, e isso não me dá vontade de falar. Nem um pouco. Só que algo abalou minha estrutura hoje, e eu preciso muito ir para a minha casa para... conferir uma coisa.

 

  - Você não fala porque não quer. – me desencostei da carteira e andei um pouquinho. – Você tem uma voz daquelas de matar, e só não a usa porque tem medo da Yolanda, admita. O que ela vai fazer com você se você disser um simples e único: “Vá se danar”?

 

  - Se eu disser isso, darei a ela o que ela quer. – ele andou uns passos, e pude ver que na carteira onde Dave estava perto, tinha a caneta preferida dele, a que ele tanto amava. – Ela quer medir forças, mas é muito famosinha nessa escola. É impossível vencer dela, então para prevenir a humilhação, é melhor nem arriscar.

 

  - Espera, é isso o que ela quer? Ganhar numa medição de forças? – soltei uma risada. – Qual é! Isso sim é infantil, sinto muito ter de dizer algo desses. Mas eu não vou ficar calada nisso tudo, eu não vou.

 

  - É melhor ficar. – sugeriu.

 

  - Ou eu vou ser você daqui dois dias, e todos vão me chamar de esquisita! – desabafei, mas pude ver que isso ofendeu. Ele, que andava de um lado para o outro, parou apenas para me olhar, e então sentou em uma cadeira.

 

  Num impulso eu levantei, mas ele olhava para a janela, e não para mim. Eu o olhava, mas o que pude fazer foi olhar para baixo e até arrancar um pouco do esmalte seco – vermelho – que estava em minhas unhas. Vendo que eu não podia fazer nada, levantei a cabeça para vê-lo mais uma vez e então sentei.

 

  Eu nem sabia o que fazer. Nunca fui boa em voltar atrás, e o que estava dito, simplesmente estava. Era algo com que eu não podia lutar, pois jamais haverá um vencedor. No delírio do sol, ele começou a desaparecer por entre poucas nuvens. Horrível, porque o dia estava maravilhoso, e agora... ele está assim, prestes a chover. Mas a chuva não é ruim. Ela purifica a alma, levando tudo o que há de ruim em apenas algumas poucas e solitárias ou acompanhadas gotas cintilantes que vêm do céu para acalmar a violência que está tendo aqui em baixo, nesse enorme ninho de mafagafo, com gente cheia de poder e de corrupção.

 

  O silêncio já havia durado uns longos cinco minutos, da qual eu o olhava cada segundo, e ele não correspondia.

 

  - Desculpe. – sibilei. – Eu não sabia que ia magoar. Eu sinceramente não queria que você se sentisse mal por um medo meu de ser má recebida em algum lugar. Eu sempre fui sozinha, e honestamente sempre me senti de forma absurda com relação a isso. É muito ruim não ter ninguém, e eu achei que a minha vida, se fosse mudar, que pelo menos fosse para melhor. E a pior coisa que eu fiz foi ter vindo para cá, onde todo o drama se estendeu, e os episódios dessa novelinha mexicana estão acontecendo na vida real. Perdoe-me por ter sido tão idiota a ponto de dizer aquilo, eu só precisava de ajuda.

 

  Ele levantou a cabeça e eu senti um olhar magoado. Isso fez com que eu levasse uma boa pontada no estômago, de um remorso sem fim e eu comecei a passar mal. Nada mais bonito. Eu sempre passava mal quando ficava com um peso grande na consciência.

 

  - Ah, meu Deus. – Vi o mundo girar, vi três Daves, e a caneta sumiu entre todo o embaçado. Curvei-me sobre a barriga, e senti que alguma coisa estava se mexendo lá dentro. – Dave, eu... – Coloquei a mão na testa, como se isso fosse ajudar. – Eu acho que vou... – Coloquei o cabelo para trás. Meu coração se acelerou, e ele estava querendo ultrapassar o meu peito. Estava furioso comigo, eu sei que estava. – Ah! – E tombei no chão.

 

  A pancada foi forte. Senti meu peso esmagar o meu pulso contra o piso. Tudo ficou branco, fato que me lembrou o filme “O Ensaio Sobre A Cegueira”. Eu não via nada, nem uma sombrinha. Mas eu podia escutar os passos. Dave veio preocupado até mim, e eu ouvi o raspar da caneta na carteira enquanto era retirada do local. Ele me pegou no colo. Eu só soube disso quando percebi que não estava mais no chão.

 

  E alguém bateu alguma porta.

 

  - Diretor... Ela precisava de água, os bebedouros não funcionaram e a lanchonete só abre no intervalo! – Dave arfava com a mentira, e parecia desesperado. – Na busca de só um copo d’água ela começou a se sentir mal e caiu no chão. Eu a arrastei para o canto do corredor e aí tentei abaná-la algumas vezes e não adiantou! Por favor, estou sem reação alguma!

 

  - Jesus! – exclamou o diretor. – Ela não estava assim quando eu a vi. Por favor, Dave, leve-a para o hospital... Você estava nas aulas de direção, não estava? Leve-a, leve-a! O que está esperando?

 

  - Eu não tenho um carro ainda. – sua voz soou mais profissional, mas ainda tinha desespero. – Eu não posso roubar um, também.

 

  Ouvi um barulho de chave. Um forte e enigmático barulho de chave. Então, me agarrei ao pescoço de Dave, podendo enxergar agora a sombra de seu pescoço, mas a visão não me impedia de poder sentir o cheiro de seu perfume, uma boa dose de Portinari Azul. Sem palavras para descrever. Mesmo eu sentindo que iria morrer em dois segundos, tive o direito de abraçar o misterioso cara que eu tinha um pouco de medo, e que eu estava enganada por reagir assim, já que ele é tudo de bom.

 

  Eu ouvi uma porta de carro se abrindo, juntamente com as chaves que se moviam e faziam aquele tipo de barulhinho estridente. Ele me deitou no banco, colocando primeiro a cabeça e depois as pernas. Eu comecei a ver cada vez mais traços dos objetos que tinham em volta e logo eu conseguiria falar. Eu não queria ir para o hospital, isso ocorre constantemente, e é só uma reação ruim aos meus atos anteriores.

 

  Pude enxergar mais nitidamente e então sentei. Embora minha voz tenha saído rouca e baixinha, ainda consegui completar as frases que eu precisava:

 

  - Desculpe. – falei com dificuldade. – Dave, não me leva para o hospital, eu não quero ir. Isso acontece sempre... Arraste essa droga de carro para a minha casa, por favor, eu sei o que fazer. – Eu me encostava nos bancos.

 

  - Como se eu soubesse onde é a sua casa. – ele continuou com os olhos na rua estreita que se seguia continuamente e infinitamente, até o horizonte.

 

  - Eu não vou para o hospital, e eu disse que isso acontece sempre. – lancei minha voz de teimosia.

 

  - Só diga ao médico o que você estava sentindo. – pediu, as duas mãos no volante. Ele dirigia incrivelmente bem, e eu nunca fiz aulas de direção.

 

  - Dave, eu não quero ir, me entenda! – Coloquei a mão em seu ombro. – Pare na frente da escola e eu descubro o caminho a pé. Ou eu arranjo um celular qualquer e ligo para Marie, assim ela me leva para casa e acabou. Não é complicado, eu já recuperei minha coordenação motora. Só não continue.

 

  - Nós estamos chegando. – anunciou, o rosto sério, as mãos duras no volante, olhos no caminho, postura reta, cabelo balançando ao vento da janela aberta, e só. Ele não ia me escutar de forma alguma, mas eu sabia que eu ia conseguir fazê-lo parar. Da primeira vez que eu fui ao médico, ele pensou que era um trote, porque eu estava intacta e muito bem. Os sintomas que eu lhe passara não davam em nada, e ele disse que é impossível algo tão não-complexo passar tão rápido. Por isso alegou ser uma mentira muito bem bolada, mas eu sabia o que eu senti tanto quanto eu sabia que era real. Não importa o que um médico diga, mas seja o que for, ele não acreditará.

 

  Por isso, revoltada, levantei o pino que trancava o carro e abri a porta. Eu iria pular, mas a velocidade estava bem rápida e eu tinha medo de me esborrachar no chão. Certo, não era medo, mas receio de cair em cima do meu pulso e sentir a mesma dor outra vez. Dave virou então para trás por causa da barulheira que começou a entrar ainda mais (porque sua janela aberta já mandava um bom som para cá), e eu ameacei:

 

  - Para agora mesmo ou eu pulo. – Coloquei a mão na porta jogada para fora. O vento poderia até arrancá-la de lá, mas a culpa sinceramente não seria minha. Pus o pé no canto do carro, metade para dentro, o resto para a direção da mata que estava nas laterais da pequena ruinha estreita.

 

  - Kristal Steven, feche essa porta! – berrou Dave num tom nervoso. Espera aí. Fala sério, ele não tem direito de fazer isso. Ele não manda em mim.

 

  - Quem você pensa que é para gritar comigo? – falei no mesmo tom de sua voz. – Dave Loyer, eu falei para você que não quero ir. Obrigada pela sua preocupação, mas eu só te conheço há menos de um dia e você já está achando que tem direito de me dar ordens! Você tá pensando que me conhece há anos? PARE-ESSE-CARRO-CACETE.

 

  Assim, a velocidade foi aos poucos diminuindo, os pneus cantaram alto quando ele freou desnecessariamente rápido bem no finalzinho. O carro só parou no encostamento num trecho pequenino. Esses encostamentos apareciam frequentemente, mas eu não sabia a distância por culpa da velocidade um pouquinho exagerada.

 

  - Obrigada por me ouvir. – desci num pulinho para fora e ajeitei o meu cabelo todo embaraçado. – Me lembre de nunca mais entrar num carro com você. – pedi, fechando a porta. Rapidamente, Dave desceu do carro também, e correu até parar exatamente na minha frente. Se ele pretendia dar um discurso, que desse em outro lugar, porque eu vou tampar meus ouvidos como uma criancinha demente.

 

  - Eu te levo para o colégio. – sussurrou, com a maldita da caneta que me dava medo em suas mãos. Agora que não tinha ninguém por perto, ele podia me matar com ela e me jogar na mata para que sei lá quem encontrasse (se encontrasse).

 

  - Não. – cruzei os braços e comecei a andar bem devagar pelo piso íngreme e com bastante terra molhada se juntando no meu all star.

 

  - Então você descobre o caminho da sua casa, mas no carro. – sugeriu, me acompanhando. Isso me irritava, para falar bem sério.

 

  - Não. – repeti, sem parar nem um segundo.

 

  - Só entre no carro e depois eu ligo para a... Marie. Você sabe o número de cor? – quis saber, hesitante. Ele ficou mais para trás de mim agora, e eu não pude ver suas reações. Se ele pulasse em cima de mim com aquela maldita caneta, ferrou.

 

  - Não e não. – caminhei mais rápido, com um pouco de medo para dizer a verdade, mas imponente. Ele não ia desistir, mas ainda não podia largar o carro ali.

 

  Então, como se tivesse lido meus pensamentos mais uma vez, entrou no carro e começou a dar ré no encostamento. Quando o encostamento acabou, ele continuou pela parte da mata onde não tinha árvores. Digamos assim, no comecinho dela, onde não era rua e também não era matagal. O carro ia à minha velocidade, que era bem lenta agora. Mas se eu pudesse correr, não ia ser tão devagar assim – sem querer me gabar.

 

  - Não vai entrar? – perguntou. Claro, para você ficar querendo me levar ao hospital de novo para ter certeza de que vou ficar viva até amanhã.

 

  - Não.

 

  - Só até a escola? – insistiu. Claro, para você passar reto e arranjar outro hospital para me levar, e ter certeza de que vou ficar viva até amanhã.

 

  - Não.

 

  - Só até uma lanchonete? – Ah, tá. Aham. Nada mais amigável do que uma lanchonete. Porque pode ser a lanchonete de um hospital, da qual ele me levará só para ter certeza de que ficarei viva até amanhã. Para essa pergunta, tem uma resposta.

 

  - Não.

 

  - Só até algum lugar? – Sim, um hospital com uma lanchonete e uma escola desconhecida, da qual terei de ir de carro com você! Vai sonhando.

 

  - Não.

 

  - Você não sabe falar nada que não seja não? – revirou os olhos. Não que eu tivesse visto, mas é a coisa certa a fazer numa pergunta desse grau.

 

  - Para você, não.

 

  - Você confiou em mim uma vez. – lembrou.

 

  - E você zoou com a minha cara. – tossi uma vez.

 

  - Estou falando da outra, você matou aula. – Quando ele disse isso, senti uma onda de arrependimento passar pela minha coluna.

 

  - Tanto faz. – Olhei o chão.

 

  E então começou a chover. Nada melhor do que isso, ahn?

 

  - Droga. – murmurei, sentindo os pingos me tocarem com rapidez, e parecia que isso aconteceu só para me provocar. É, as nuvens pesadas que haviam se juntado eram inacreditáveis. Mas eu não podia fazer nada, eu não costumo controlar o tempo, porque sério, seria muito estranho poder controlar algo tão significativo.

 

  - Entra. – Dave pediu mais alto para que sua voz não fosse abafada pelos pingos grossos da chuva.

 

  Eu, como uma garota muuuuuuito exemplar (ironicamente), não entrei em lugar nenhum, e ao invés disso fiquei parada exatamente onde eu estava – não precisamente parada, mas andando no mesmo ritmo de antes.

 

  Dave se irritou e saiu do carro mais uma vez, com o capuz de seu blusão. Ele me ergueu no colo e eu me debati contra ele, sem sucesso de fuga. Colocou-me no banco da frente, toda encharcada e acelerou o carro.

 

  Eu não falei com ele. Eu não queria falar com ele. E depois de uma meia hora, ele estava na frente da minha casa. Pisquei duas vezes, com desentendimento e confusão, e então ele abriu os pininhos do carro com um só botão que tinha no chaveiro da chave pra que as portas fossem destravadas.

 

  - Tenha um bom dia, Kris. – falou baixinho.

 

  Eu lancei mais um olhar embaralhado para ele, mas saí do carro. Eu queria perguntar como ele sabia onde era a minha nova casa – que nem eu sabia o caminho – mas minha voz não saiu. Talvez ele conhecesse Marie. Ou sei lá.

 

  Mas eu tinha muita coisa para fazer, e o carro se disparou estrada afora após fazer uma manobra para girá-lo. Entrei em casa com a chave que eu guardava na calça jeans e aí que eu lembrei: “PUTS! Meu material da escola... Como eu vou fazer?” Mas eu estava cansada para me preocupar com isso. Gritei um: “Olá, vovó!” E ela respondeu com um abafado: “Olá, Kristal! Pensei que fosse para eu te pegar hoje na escola! De qualquer forma, seja bem vinda à sua nova casa!” Dei um sorriso e fiz o trajeto pequeno para chegar ao meu quarto.

 

  A casa não era grande. Dava para, no máximo, três pessoas e um animal de estimação (que no caso, vovó tem, mas é medroso pra caramba. Ele se esconde de mim toda a vez que eu chego perto dele, então ele não me conhece e eu não o conheço. É um cachorrinho pequenininho, filhote de um mestiço. Mistura de golden retriever com pastor alemão. Seria um adorável cão de caça! Mas seu medo fala mais alto. Seu nome é Scared). Tinha dois andares, mas o meu quarto ficava em baixo. Apenas uma parede separava o local onde eu estava do meu destino, então apenas dei uma curva e abri a porta de madeira.

 

  O quartinho tinha apenas uma cama, ao lado dela uma mesinha de canto, um armário e uma escrivaninha com um computador. Era um computador novo e rápido (e com pouco uso. Vovó não gosta de aparelhos eletrônicos), mas era bom para se eu quisesse me comunicar com alguém de longe (e as futuras novas amizades, que duvido que tenha), ou fazer pesquisas escolares. A janela da parede era daquelas de porta. Não ficava na frente da casa, e sim para o lado direito, do ponto de vista de alguém que chega lá na frente. Bem, tem também uma cortina branca e longa, mas eu gosto de deixá-la aberta, como eu fiz noite passada. Eu fiquei olhando as estrelas antes de finalmente dormir, e essa foi uma experiência agradável, mesmo. Eu dormi tranquilamente e sonhei com mamãe. Eu me apeguei a ela, eu a amo, mas se ela não me quer, não posso fazer nada. Não sei manipular pessoas, e algo que não serei, é alguém artificial, falsa, e essas coisas. Serei sempre eu mesma, mesmo que esteja acontecendo comigo a pior situação do mundo todo.

 

  A minha mala de viagem ainda estava no chão. Por isso, tirei do saquinho que estava lá dentro uma foto minha de quando era pequena junto com meu pai. Botei também uma foto minha com minha mãe, e outra só minha, com quinze anos de idade. Depois, fui colocando minhas roupas dentro do armário. Quando acabei, resolvi abrir a janela-porta com a chave que estava do lado da lixeira, embaixo da escrivaninha, só para entrar um pouco de ar. Era interessante o modo como a cortina se movia. Pareciam ondas do mar, quebrando e erguendo-se novamente. Como lá fora tinha uma capa em cima, a água da chuva não entrava no meu quarto. Coloquei a chave onde a encontrei, e deixei a janela aberta, com a cortina se debatendo para desgrudar.

 

  Tinham alguns cadernos na mala, nada escolares. Eu contava muitas coisas. A parte da minha vida em que mais escrevi era o período de oito anos (a época em que me apaixonei) até os doze. Mas eu lia de vez em quando, e não era legal. Isso me fazia perguntar de novo: “Será que o garoto ainda está vivo?” E eu me arrependi por não ter escrito seu nome ali, porque eu tinha medo que alguém pegasse esse meu caderno tão precioso e descobrisse minha paixão. No final, a garota que me bateu descobriu. Foi porque uma melhor amiga minha – a única pessoa para quem eu contara isso – contou para ela, e eu me ferrei. Ótimo.

 

  Descobri outras fotos dentro da mala. Eu tinha realmente muitas. Só que essas não tinham molduras, por isso as deixei em três pilhas na escrivaninha, junto com os cadernos. Nessas fotos, haviam eventos escolares e familiares. Peguei uma foto que até tinha o garoto pelo qual me apaixonei, e me perguntei o motivo dele parecer tão estranhamente conhecido para mim. Talvez porque eu o amava muito naquela época, o contrário de uma paixão idiota absolutamente impossível de garotinha de oito anos. A parte do absolutamente impossível é verdade, porque eu sinto que mesmo ao olhar a pequena foto em minhas mãos, a vontade de vê-lo atualmente cresce e renasce tudo o que eu vivia na época passageira. Não que eu ainda esteja apaixonada por ele (porque isso até seria meio que pedofilia, já que a foto que eu tinha nas mãos aparecia o garotinho com nove anos, e eu não sinto o mesmo que eu sentia antes. O meu sentimento atual é saudade, eu acho).

 

  Liguei o computador, e Marie apareceu na porta, sorrindo.

 

  - O que você vai querer para almoçar, querida? – perguntou num tom gentil. Quando eu morava com minha mãe, ela nem perguntava. Ela tacava o arroz e o feijão no prato e acabou. Eu tinha que comer tudinho, ou nada de janta. Quem sabe ter me mudado para a casa da vovó não tivesse sido uma ideia tão ruim assim, apesar da escola ter sido uma lástima? Só o destino dirá.

 

  - Qualquer coisa. – dei de ombros, olhando à senhora não muito velha, com cabelos curtos tingidos de castanho. Seu sorriso era lindo, adorável. Ela tinha sessenta e quatro anos, mas parecia ter uns cinquenta, sem exagero. Ela dirige e tudo. Marie é alguém maravilhosa, uma pessoa sinceramente franca e generosa.

 

  - Você gosta de macarrão? – acertou na mosca.

 

  - Eu amo. – falei a verdade. Eu adoro macarrão, é bem delicioso. – Essa é uma das minhas comidas preferidas, mas minha mãe não fazia para mim porque ela dizia que fazia mal para a saúde. Por isso só comi uma vez na vida, e fiquei esperando um grande tempo para que eu pudesse comer de novo.

 

  - Então você ganhou no bingo. – deu uns passos para trás. – Eu posso fazer quando você quiser. Agora eu vou lá preparar. – ela agora estava mais longe, e só ouvi a sua voz da cozinha. – Eu chamo quando estiver pronto.

 

  - Obrigada. – gritei.


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Notas finais do capítulo

Ei, gente! Tudo bom?
Vocês devem saber que os autores adoram aquelas estrelinhas e também uns comentários de quem está acompanhando a história, e taaals... Então sintam-se livres para mandar alguns que eu responderei a todos com muita sinceridade, e respeitarei a opinião daqueles que não gostaram.
Beijinho! :D