O Amante escrita por Allie Blake


Capítulo 6
Encurralados




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/491421/chapter/6

O bom senso dizia a Sakura que ela estava seguindo no único caminho ajuizado que havia à sua frente. Seu coração podia avisá-la do contrário, mas ela aprendera havia muito tempo que não devia confiar nesse órgão tão caprichoso. Nem mesmo quando seu experiente cocheiro concordava com Sasuke Uchiha.

— Tem certeza de que esta viagem não pode esperar até o amanhecer, senhora? — perguntou o Sr. Hixon, abafando um bocejo.

— Sinto muitíssimo por tê-lo tirado de sua cama a esta hora da noite — ela se desculpou, porém mantendo o tom educado e insistente. Esforçava-se por não bocejar também, enquanto Hetty a ajudava a colocar a capa.

Mesmo no mês de maio, as noites podiam ser muito frias, em especial quando se pretendia ficar várias horas sentada numa carruagem seguindo pelos campos desertos.

— Acho que esse assunto não pode esperar — concluiu. — A carruagem já está pronta?

— Sim, senhora. — O criado girava o antiquado chapéu de três bicos nas mãos, indicando a porta. — Posso perguntar para onde seguimos?

— Espero estar em Tewkesbury amanhã à noite. — Sakura fez alguns cálculos rápidos, imaginando quando Oliver e Emily poderiam ter partido de Bath.

Pedia a Deus que seu sobrinho tivesse alugado uma carruagem não tão rápida, nem queria imaginar que ele pudesse ter embarcado num coche ligeiro, ou, pior ainda, que tivesse alcançado a carruagem dos correios, que era extremamente rápida e eficiente.

— Espero não precisar seguir além de Tewkesbury — murmurou quase para si mesma.

O cocheiro, porém, ouviu-a e assentiu, sabendo que teria de sentir-se muito bem disposto para enfrentar a estrada.

— Pelo menos o tempo está limpo e temos uma lua clara — comentou.

Minutos mais tarde, Hixon abria a porta da carruagem para sua patroa.

— Partindo agora, passaremos por Bristol ainda antes do trânsito mais intenso do mercado — disse. — E, se não tivermos contratempo algum, poderemos parar na taverna King's Arms para o desjejum.

— Muito boa sugestão, Sr. Hixon — Sakura apoiou, aceitando a mão que ele lhe oferecia para entrar no veículo.

Quase sempre ficavam nessa taverna e hospedaria, que era muito limpa e organizada, quando seguiam para Bath ou voltavam para a capital. Se Oliver tivesse alugado um coche e levado a Srta. Uchiha consigo antes do meio-dia, deveriam com certeza passar sua primeira noite de viagem na King's Arms. Sakura poderia obter notícias deles ali, talvez até interceptá-los, se não tivessem retomado a estrada de manhã bem cedo.

O cocheiro subiu para a boléia e, segundos depois, a elegante carruagem de Lady Haruno já partia. Dentro dela, Sakura sorria para si mesma. Antevia seu retorno a Bath na noite seguinte, e a expressão atônita de Sasuke quando lhe trouxesse a casta irmã de volta. Mas o rosto dele não desapareceu de sua mente com tanta facilidade quanto esperava. Era como se algumas imagens de Sasuke ainda a assombrassem. Revia-o chegando à porta de seu quarto, querendo saber sobre a irmã desaparecida, seu estado de desespero, sua expressão tensa, seus cabelos desfeitos... E aquela preocupação que lhe deixava os olhos ainda mais encantadores. Ah, aqueles olhos!

Depois o revia zangado como nunca o vira antes. E, em seguida, curioso enquanto ela abria a carta que Oliver deixara... Enfim, a cada segundo, uma nova imagem de Sasuke aparecia em sua mente, forte, insistente, ainda sedutora.

Talvez tivesse sido a coisa mais acertada desfazer aquele relacionamento com ele prematuramente, antes que a influência que Sasuke parecia exercer sobre seus sentidos ficasse forte demais.

Os cavalos seguiam num trote compassado e Sakura envolveu-se ainda mais em seu longo casaco, encolhendo-se num dos cantos do banco estofado e confortável da carruagem. Cerrou os olhos, descansando a cabeça contra o veludo do assento, tentando deixar de pensar em qualquer coisa que fosse sobre tudo a Sasuke. Queria dormir.

Mas, sem conseguir, decidiu concentrar seus pensamentos em algo que, com certeza, afastaria qualquer outra imagem de sua mente: seu bebê.

Por baixo da capa, passou a mão pelo ventre ainda elegante, num gesto de carinho e de proteção. Apesar de todas as evidências concretas que conhecia, custava ainda a crer que havia uma criança sendo gerada dentro de si. Quantas vezes, durante os primeiros anos de seu casamento, rezara para engravidar, mas se vira decepcionada seguidas vezes. E, nesse meio-tempo, a prole bastarda de Kakashi crescia como se cada uma daquelas crianças fosse um novo insulto contra ela, uma prova a mais da virilidade dele — crianças que vinham ao mundo para serem criadas e educadas a custa de seu próprio dinheiro.

Quantas supostas "curas" tentara para acabar com sua esterilidade! Às vezes até doloridas, outras vezes, humilhantes.

Ano após ano, vira a falta de um herdeiro acabar com o relacionamento com seu marido e destruir seu casamento. Até que, por fim, mal conseguia olhar para ele de frente porque sabia o que Kakashi devia estar pensando. Porque se casara com a filha de um rico comerciante? Para repor as perdas dos cofres de sua família com a fortuna que ela herdara. Mas Sakura nem mesmo conseguia produzir uma criança para herdar o que ele se sacrificara tanto para restaurar.

A carruagem já seguia pelos campos calmos e silenciosos, e ela chorava numa mistura de suspiros e soluços, mas tão baixo que nem o cocheiro nem o criado que o acompanhava na boleia poderiam ouvir.

Quem fora o tolo mais ingênuo? Perguntava-se mais uma vez, analisando seu passado. Ela mesma ou Kakashi? Como nenhum dos dois tinha percebido que as amantes dele poderiam ter tido filhos de outros amantes, e não dele?! Mas as mulheres tinham forçado a paternidade de suas crianças sobre ele porque Kakashi possuía dinheiro para prover por elas e também porque ele estava ansioso demais para provar sua masculinidade, clamando aos quatro ventos que aqueles filhos eram todos seus.

E agora ali estava ela, finalmente grávida. E de um homem com o qual não tinha a menor intenção de se casar.

Sasuke Uchiha teria aceitado ser seu amante se imaginasse haver alguma possibilidade de que ela engravidasse? Sakura sabia a resposta para tal pergunta, pois o próprio Sasuke levantara a questão quando ela se aproximara dele pela primeira vez com sua proposta escandalosa.

Sasuke chegara a corar e gaguejara com uma inocência que a encantara, pois vinha de um verdadeiro cavalheiro. Foram necessárias três tentativas para que Sasuke deixasse claro o que estava querendo perguntar. Sakura chegara a pensar em mentir para esconder seu doloroso passado, mas algo dentro de si a fizera deixar de lado a auto -piedade e o embaraço e confessar-lhe a verdade. Sasuke quisera saber se havia perigo de uma gravidez indesejada, mas ela garantira que não, explicando que,enquanto fora casada, seu marido tivera vários filhos com outras mulheres, mas ela nunca conseguira conceber um. E rira para disfarçar sua dor e não ver nenhum olhar de piedade ou de constrangimento que pudesse surgir nos olhos negros de Sasuke. E acrescentara: "Sou tão livre quanto um homem para viver meus prazeres".

Talvez essa sua afirmação tivesse tentado o destino a provar-lhe o contrário, analisava agora. Mas seria ela quem iria rir por último, apesar de tudo. Sua grande fortuna e sua viuvez garantir-lhe-iam os prazeres de ser mãe sem a presença incômoda e entediante de um marido.

Sua consciência podia recriminá-la por imaginar que Sasuke pudesse ser considerado incômodo ou entediante, mas preferia ignorar tais recriminações. Mesmo se tivesse pensado em arriscar um novo casamento, até por questão de decência, analisaria a conveniência de um marido em uma escala diferente da que usara para escolher um amante. E Sasuke estaria numa das últimas posições em tal lista de pretendentes.

Respirou fundo, imaginando que talvez tivesse sido melhor ter trazido Hetty. Pelo menos a conversa fútil da criada a teria distraído e permitido que seus pensamentos não se voltassem tanto assim para Sasuke.

Talvez tivesse sido muito mais fácil expulsá-lo de sua casa e de sua vida do que era tirá-lo de seus pensamentos, concluiu aborrecida. Precisava fazer planos para si mesma e seu bebê assim que aquela viagem inesperada e problemática tivesse terminado e a situação de Oliver e Emily estivesse assentada.

Primeiro, seguiria para o interior, onde pretendia ficar em retiro até o nascimento da criança. Um lugar bem tranquilo, com clima saudável. Bem distante de Bath, com certeza, e ainda mais distante de Staffordshire, onde sua família vivia. Talvez algum lugar em Kent fosse o ideal. Exceto que...

De repente, a ideia de que Sasuke pudesse possuir uma casa em Kent a deixou confusa e inquieta. Tentava lembrar-se de algo que ele tivesse dito a respeito, mas não conseguia. Não se lembrava de terem falado sobre tal assunto.

Na verdade, raramente haviam falado fosse do que fosse além de trivialidades, talvez até por receio de haver um envolvimento maior entre ambos.

Sakura respirou fundo, zangada consigo mesma. Estava pensando em Sasuke de novo. Se queria saber se ele tinha ascendência em algum lugar do interior, precisava afastar as perguntas e as divagações e deixá-las para quando estivesse com Emily, de volta a Bath. Poderia perguntar tudo o que quisesse à moça sobre sua família, suas propriedades...

Deixou de pensar nisso e tentou outra coisa: a casa silenciosa e agradável que arrumaria para si mesma e seu filho. Eram pensamentos doces e suaves que lhe agradavam muito. E deixou-se levar, sentindo o balanço da carruagem embalar seus sonhos e planos.

Foi com certo desconforto que, pouco tempo depois, sentiu a mudança de ritmo no seguir da carruagem. Percebeu, então, que cochilara, talvez até dormira, e imaginou que deviam estar seguindo pelas ruas calçadas de pedras. Tranquila, deixou-se adormecer de novo. E só tornou a despertar de repente quando a carruagem diminuiu abruptamente de marcha, quase a lançando contra o banco da frente.

Tudo estava imerso na escuridão lá fora. Quanto tempo dormira? Sakura tentava imaginar. Onde estariam agora?

Os relinchos dos cavalos soaram no silêncio da noite quando o veículo, por fim, parou. Sakura ajeitou-se no banco e ergueu o braço para bater contra a parede da carruagem, exigindo uma explicação do cocheiro. Mas o som que veio em seguida, lá de fora, fez sua mão parar no ar enquanto um frio terrível percorria-lhe o corpo, e seu estômago revirava, mas sem ter nada a ver com sua gravidez.

— Desça daí e entregue tudo! — gritou uma voz.

Talvez alguém estivesse fazendo uma brincadeira de mau gosto, Sakura chegou a pensar, mas logo afastou tal ideia, considerando-a ridícula. Escondeu sua bolsa sob as dobras da capa, pensando nas figuras famosas e terríveis dos salteadores de estrada, que haviam sido numerosos no século anterior, mas que agora quase não existiam.

Talvez tivessem sido os viajantes, que ficaram mais conscientes dos perigos de viajar à noite e passaram a evitar as estradas nessas horas, considerou, estremecendo. O aviso prudente de Sasuke parecia ecoar em sua mente. Ele dissera que a viagem podia ser difícil, até perigosa...

Mas ela estava tão ansiosa por afastar-se dele, tão impaciente em relação às tentativas dele de controlar a situação que não o ouvira.

— Deixem-nos passar! — ouviu o Sr. Hixon dizer. — O que querem, afinal?

— O que acha que queremos? — o outro homem rebateu com desdém.E então se seguiu uma gargalhada que fez com que Sakura se arrepiasse. —Uma carruagem assim bonita deve ter um bom recheio, não é? Vamos dar uma olhadinha...

Sakura encolheu-se junto ao banco enquanto ouvia alguém desmontando e seus passos se aproximarem da porta do veículo.

— Estou com uma pistola armada e pode ter certeza de que não tenho receio de usá-la — avisou o salteador, para quem pudesse estar dentro da carruagem.

Sakura vasculhou em sua bolsa e retirou algumas notas das muitas que trazia. Aquele bandido jamais daria por falta delas.

Mesmo com o coração na boca, ela estendeu o braço, abriu a porta e jogou sua bolsa para fora, para a silhueta que aparecia nas sombras da noite.

— Pegue isso e deixe-nos em paz — disse. — Preciso chegar a Gloucester pela manhã. Minha mãe encontra-se muito enferma.

Se aquelas terríveis criaturas tinham coração, a mentira e a colaboração que demonstrara deviam ajudá-la a não ser molestada ainda mais.

— Sinto muito saber disso, moça — disse o salteador, sacudindo sua bolsa, onde as moedas tilintaram. — Obrigado pelo presentinho, mas não se apresse tanto assim para seguir viagem.

Ele deu dois passos à frente, e Sakura encolheu-se ainda mais dentro da carruagem.

— Sabe, estou imaginando se você é tão linda quanto sua voz é suave— continuou o bandido, enfiando o braço para dentro do veículo.

Sakura notou que a mão que tentava alcançá-la estava enluvada.

— Não sou bonita — disse, tentando desesperadamente pensar em alguma coisa que dissuadisse aquele criminoso de fazer o que parecia ter em mente. — E estou com varíola!

De repente, o corpo do homem invadiu a carruagem, e ela não conseguiu reter um grito de pavor.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!