Conserto de Corações escrita por Lone Bowman


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

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Como você sabe que um cara está afim de você? Quando ele te trata exageradamente bem? Quando ele é simpático demais com você? Ou quando ele te convida para uma social na casa dele em que os únicos presentes são vocês dois?

Sim, isso aconteceu comigo e foi em uma ensolarada tarde de sábado, dia esse que eu sempre tratei com total indiferença já que eu raramente saía e podia contar nos dedos as vezes em que eu fui convidado para uma festa, seja ela de alguém da escola ou não.

Mas aquele sábado não foi tratado por mim com total indiferença, simplesmente por um motivo. A pessoa que me convidou para uma social na sua casa era ninguém mais, ninguém menos que o Jordan, aquele rapaz que eu conhecia há tão pouco tempo e não sabia quase nada sobre ele, mas já o considerava como o aluno mais lindo, charmoso, gostoso e simpático da escola onde eu estudava. E eu não estou exagerando.

Estava eu sentado no sofá assistindo a nova temporada de Skins com a Pamela, e sendo derrotado pelo tédio quando ele ligou para o meu celular. Me afastei da minha irmã e fui direto pro meu quarto para que ela não desconfiasse de nada.

– Você vai fazer alguma coisa hoje? - Ele perguntou assim que atendeu o telefone.

– Não. Por quê?

– Quer vir aqui em casa agora?

– Fazer o que?

– Eu chamei uma galera aqui para fazer um campeonato de Guitar Hero.

– Sério? Adoro esse jogo! Mas quem é que vai?

– Alguns alunos da escola que estavam na minha festa e outros amigos meus.

– Ah, não sei não... - Fazer um doce é uma arte.

– Por que não sabe não?

– Eu não gosto de ficar em um lugar que eu não conheço ninguém.

– Mas você conhece. Aqueles dois que estavam acompanhados da Bianca e da Thais na festa vão vir também - Ele se referia ao Isaac e o Renan - Vem logo, Vincent! Vai ser melhor do que ficar em casa o dia inteiro sem fazer nada - É impressionante como gente bacana tem o poder de te fazer sentir um idiota caso você não topar o que eles querem.

Coloquei uma bermuda laranja de alfaiataria, um sapatênis branco, uma camisa da mesma cor com a estampa de uma raposa e após avisar para minha irmã que eu iria a uma pequena reunião de amigos, fui andando até a casa do Jordan que não era muito distante de onde eu morava. Chegando lá, quem me atendeu foi ele mesmo dizendo:

– Que bom que você veio, porque pelo jeito não vai vir mais ninguém. O Isaac e Renan estão ocupados com as suas respectivas ficantes, já os outros quatro não poderão vir porque um está com febre, outro de ressaca e o casal está de castigo.

– Que azar hein?

– Pois é. Mas já que você está aqui, entra. Fique a vontade.

Ele abriu a porta e eu entrei na sua sala de estar minuciosamente bem decorada e que naquele dia estava muito mais organizada que da outra vez. Sentei no sofá menor da sua sala pensando no quanto era suspeito seis pessoas estarem impossibilitadas de vir ao mesmo tempo e quis saber se ele também achava o mesmo:

– Você não acha meio estranho seis imprevistos com seis pessoas na mesma hora?

– Eu não, imprevistos acontecem... Você quer comer ou beber alguma coisa?

– Obrigado, mas eu estou sem fome.

– Você não quer nem um suco, refrigerante, nada?

– Sério, eu não quero nada mesmo. Você tá sozinho?

– Nós dois estamos sozinhos. Bora lá pro meu quarto.

Jordan me levou até seu quarto e perguntou se eu queria ouvir alguma coisa. Respondi que sim, e ele ligou o rádio numa estação que tocava a música "Next to Me" da Emily Sandé enquanto eu analisava melhor o seu quarto, começando pela escrivaninha que nela estava o seu notebook e um porta retrato com uma foto dele criança, no colo de uma quarentona que estava sentada ao lado de um senhor de mais ou menos cinquenta anos e que eu presumi serem os seus pais devido a semelhança do Jordan com os dois.

– Quanto anos você tinha aqui nessa foto? - Indaguei exibindo o porta retratos antes de colocá-lo de volta no lugar e sem deixar de reparar que o tal senhor não parecia ser um sujeito muito amoroso com o filho, já que não se deu nem o trabalho de abracá-lo na foto.

– Isso aí foi no meu aniversário de nove anos aqui em casa - Ele respondeu se sentando numa poltrona verde - Esses dois aí do meu lado são a minha mãe e meu pai.

– Eles ainda estão viajando?

– Não, já voltaram. Agora meu pai tá trabalhando e minha mãe tá no shopping.

– Humm... Então, quando é que você vai ligar logo esse vídeo game aí para eu poder te dar uma surra? Não vai me dizer que tá me enrolando porque sabe eu vou ganhar de você?

– Você ganhar de mim? Que piada boa essa! - Ele colocou o jogo para rodar e de fato, ele era craque naquilo, porém, um péssimo perdedor. Sempre que ele ganhava uma partida, esfregava sua vitória na minha cara, o que me deixava com um pingo de raiva. Raiva que era subitamente aliviada nas raras vezes em que eu ganhava dele.

No final da tarde, ele sugeriu que fizessemos uma aposta que constituiria da seguinte forma: Quem perdesse a partida de futebol, teria que ir na cozinha fazer pipoca para nós comermos assistindo algum filme da escolha do vencedor, e depois lavasse toda louça.

Okay, vamos combinar que era uma aposta extremamente injusta aquela. Tão injusta que ele me ganhou de dez a zero. Mas fazer o que se eu sou um verdadeiro pereba em futebol? Seja dentro ou fora da quadra de educação física?

– Vincent, eu estou com tanta pena de sua derrota que vou deixar você escolher o filme que a gente vai assistir - Ele colocou o notebook em cima da cama e abriu uma pasta cheia de filmes. Dentre todos eles, optei por assistir o filme "A Escolha Perfeita" que assim como eu, ele ainda não tinha assistido. Fui na cozinha preparar a pipoca quando o pai do Jordan adentrou o cômodo e me lançou um olhar intimidador na medida que se aproximava de mim.

– Quem é você? - Ele disparou com uma cara nem um pouco amigável.

– Meu nome é Vincent, prazer - Estendi minha mão para cumprimenta-lo mas ele ignorou.

– Desculpa, mas eu não perguntei o seu nome, porque pelo que eu vejo você não é nenhum cantor internacional para eu te reconhecer através dele. Eu quero saber o que você é do meu filho e o que você está fazendo aqui na minha casa.

– Eu sou amigo do Jordan, ele me convidou para vir aqui.

– Só você que ele convidou?

– Não, ele chamou mais seis pessoas só que elas não puderam vir.

– Menos mau. Ninguém merece eu ter que chegar da rua cansado e ainda ter que aturar esse bando de marginais que ele chama de amigos zanzando pela casa. Bom, estou indo pro meu escritório, não esquece de limpar tudo quando for sair da cozinha, eu dispensei os empregados hoje de manhã porque eu achei que eu não voltaria essa noite.

– Pode deixar.

– Ah, e não precisa se despedir de mim quando você for embora, mas francamente eu espero que isso seja logo. E fique sabendo que eu não tive o menor prazer em conhece-lo.

– Igualmente - Retruquei assim que ouvi o Jordan descendo as escadas e me salvando daquela conversa tensa que eu não via a hora de acabar logo.

– Que demora para fazer uma pipoca hein Vincent? Pensei que você tinha ido plantar o milho - Ele entrou na cozinha reclamando da minha demora, quando notou a presença do seu pai que estava sentado na bancada fumando um cigarro - Oi pai, eu nem te vi aí.

– Poderia ter continuado sem me ver. Acho que hoje não é meu dia de sorte - Resmungou aquele senhor de estatura médio e um pouco barrigudo.

– Você já conheceu o Vincent, pai? Ele é meu amigo da escola.

– Infelizmente, eu acabei de conhecer. Tive esse desprazer.

– Você acredita que ele perdeu para mim de lavada no futebol? Eu ganhei ele de dez a zero, e olha que eu não me achava muito bom, mas é ele que é muito ruim mesmo. Sem falar no Guitar Hero, das vinte partidas que a gente jogou, ele só ganhou sete.

– Tá bom, tá bom garoto, eu já entendi. Eu vou lá pro meu escritório porque eu tenho mais o que fazer e meu tempo é muito curto para ser jogado fora ouvindo esses seus assuntos infantis - O pai dele saiu da cozinha e se dirigiu para o segundo andar da casa.

– Não liga não. Ele é sempre muito ríspido assim mesmo - Jordan afirmou.

– Tá tudo bem, não se preocupa. Eu nem me importei - Garanti a ele - Bom, eu adorei te fazer companhia, mas agora eu tenho que ir embora. Já são sete horas da noite - Fica mais um pouco, vai? Só mais duas horas. Depois eu te levo em casa.

– Não vai dar, eu tenho mesmo que ir. Falei para minha mãe que eu ia embora esse horário - Mentira - Mas já que você ofereceu a carona, eu aceito, não precisa insistir outra vez.

Jordan foi no seu quarto se arrumar para me levar em casa e voltou de lá usando uma calça jeans preta e uma camisa branca gola V por baixo de uma jaqueta preta de couro que elevou a sua gostosura de 80% para 100%, e olha que eu achava isso bem difícil de acontecer.

De fato, motos nunca foram meu veículo de transporte favorito. Eu sempre morri de medo de andar em uma e na minha primeira vez andando na dele isso não foi diferente. Eu tentava de todas as maneiras conter o meu nervosismo para não transparecer que eu estava com medo de cair, porém ele devia ter notado mesmo assim, já que eu agarrava sua cintura com todas as minhas forças naquele momento.

Mas apesar do medo que eu estava sentindo, eu tinha que confessar que a sensação proporcionada pela moto era extraordinária. Poder sentir o cheiro da estrada e o vento no rosto (Agora eu sei porque os cachorros gostam tanto de botar a cara para fora da janela do carro) era uma experiencia simplesmente incrível.

– Essa foi a primeira vez que eu andei de moto, sabia? - Confessei no exato minuto que ele me deixou em casa e eu coloquei os meus pés no chão - E não foi por falta de oportunidade, mas por falta de coragem. Antes de hoje, eu tinha pavor de motos! - Acrescentei.

– Jura? E como você se sentiu agora andando em uma?

– Eu me senti livre, eterno. Mesmo estando na garupa.

– Perdeu o medo agora?

– Acredito que sim.

– De qualquer forma, eu fico feliz que tenha sido comigo a sua primeira vez em alguma coisa - Ele revelou olhando diretamente para minha boca e me deixando completamente sem palavras pela milésima vez nos últimos dias - Até segunda.

– Vê se não vai faltar hein? Tem que garantir o achocolatado das crianças! - Entrei em casa e ele foi embora dando risada do que eu tinha dito.

Todas as luzes da casa estavam apagadas e minha irmã estava sozinha na sala deitada no sofá, aparentemente dormindo com a Televisão ligada num canal que se encontrava fora do ar.

– Pamela? - Cutuquei o seu ombro - Tá assistindo chuvisco?

– Claro que não, a TV tá descansando, Vincent.

– E por que você não vai descansar também? Vai lá dormir no seu quarto!

– Tá cedo ainda. O que você tanto conversava ali fora com aquele garoto?

– Nada demais, só trocando uma ideia.

– Parecia bem mais do que isso.

– Por acaso você ficou me espionando da janela?

– Talvez sim, talvez não...

– E ainda fingiu que estava dormindo?

– Qual é o nome dele e quantos anos ele tem?

– Jordan. Ele tem dezoito anos. Por que o interrogatório?

– Nada, só achei estranho você ter tanta intimidade assim com outro rapaz da sua escola. Você nunca teve amizade com outros garotos, só com garotas...

– Meu doce, tudo tem a sua primeira vez.

– E qual é a sua relação com ele?

– Uma relação de amizade né?!

– E esse climinha que rolou entre vocês ali fora?

– Pamela, você bebeu? Não rolou climinha nenhum. Ele só me convidou para ir na casa dele jogar video game com uns amigos, mas quando eu cheguei lá ele me disse não viria mais ninguém além de mim. Depois ele se ofereceu para me trazer em casa e a gente ficou conversando lá fora.

– Vocês ficaram sozinhos é?

– Sim, nós ficamos sozinhos. Mais alguma dúvida?

– Tenho sim senhor. Vincent, eu sou sua irmã e eu tenho o direito de saber. Desde que você era pequeno, nunca me escondeu nada, a gente sempre contou tudo um para o outro. Então confirma para mim. Qual é a sua sexualidade?

– Pamela, mas será que você pirou de vez é? Que raio de pergunta é essa agora?

– Uma pergunta que está esperando por uma resposta. Você é gay?

– Claro que não!

– Tem certeza? - Assenti - Não minta! Só o jeito que você olha para ele já denunciou que você está afim dele. Mas independente do que você é ou deixa de ser, eu continuo sendo a sua irmã. Pode confiar em mim, eu não vou te julgar.

– Tá bom - Sentei ao seu lado no sofá e suspirei antes de confirmar - Eu sou gay.

– Eu sei disso. Sempre soube. Eu só queria ouvir da sua boca.

– Nossa, e que interrogatório foi esse hein? Fiquei até sem ar aqui.

– Desculpa. Eu precisava te botar contra parede para ver se você me dizia a verdade. Se eu não fizesse isso, seria capaz de você só sair do armário depois dos trinta anos.

– Verdade, era isso mesmo que eu pretendia. É que eu tinha tanto medo de ser rejeitado por vocês duas quando vocês soubessem. Pelo menos agora eu sei que por você, eu não serei.

– E eu tenho certeza que pela minha mãe você também não será.

– Por falar nela, onde é que ela tá? Ainda não voltou desde aquela hora?

– Ela voltou da praia com o Rodrigo um pouquinho depois que você saiu, tomou um banho e foi dormir. Vincent, aproveitando esse seu momento de sinceridade comigo, me responda uma coisa. Quando exatamente você vai contar pra mamãe que você é gay?

– Eu não sei, eu não estou pronto para falar isso para ela ainda.

– Você só está adiando o inevitável. Uma hora ou outra ela vai acabar descobrindo. E você sabe o quanto ela odeia ter que descobrir as coisas. É melhor você falar de uma vez.

– E se ela reagir mau?

– E por que minha mãe iria reagir mau? Você acha o que? Que ela vai te deserdar e te colocar pra fora de casa por causa da sua orientação sexual? Você já devia saber que esse tipo de atitude não tem nada a ver com ela. Tá pra nascer uma mulher mais mente aberta que ela.

– É, por um lado você tem razão. Mas tudo tem a sua hora e eu ainda não estou pronto para me assumir para ela. Eu preciso de mais um tempinho para me preparar.

– Tudo bem, desculpa. Pode deixar que eu não vou ficar te pressionando, cada um tem o seu tempo. Agora vamos ao que interessa? Me conta um pouco mais aí dessa sua paquera.

– Deixa eu ver... Por onde eu começo...

– Você pode começar me dizendo como ele é, se já rolou alguma coisa e o que aconteceu exatamente com vocês dois sozinhos na casa dele.

– Até então, só algumas cantadas, troca de olhares, indiretas que para mim foram mais do que diretas... E ele me trata super bem, ás vezes até demais. Parece que ele tem uma dedicação especial por mim, sabe? - Ela fez que sim com a cabeça e eu prossegui - Mas fora isso, ele é simpático, gentil, insinuante, cativante, misterioso, sedutor.

– Quantas características! Mexeu com você pelo que eu estou vendo né?

– Mexeu sim, não vou negar. Hoje mais do que nunca. Lá na casa dele, eu me sentia uma presa na frente de um leão que, até então não estava com muita fome.

– Ou planejando te cozinhar para só te devorar mais tarde.

– Boba - Bati na sua cabeça com uma almofada pequena e quis saber dela sua opinião sobre algo - Pamela, seja sincera, você acha que eu dou muita pinta?

– Vincent, você dá tanta pinta que quando você me acordou eu achei que fosse um dálmata invadindo a casa - Caímos juntos na gargalhada e ela disse colocando a mão sobre a minha - Mas o que importa é que eu te amo e te aceito do jeito que você é. Nunca se esqueça disso.

– Você é a melhor irmã do mundo, sabia?

Dei um beijo de boa noite nela, fui para o meu quarto e fiquei girando na cadeira de rodinha pensando nas coisas que ela tinha me dito até que eu vejo o Charlie sentado na sua cama que ficava de frente para sua janela que era de frente para a minha.

Ele me olhou e sorriu timidamente. Eu não queria ter que ficar gritando para as minhas vizinhas fofoqueiras prestarem atenção na nossa conversa e depois pensassem que nós éramos algo além de colegas, então peguei um bloco de desenho que eu costumava usar nas aulas de artes e escrevi nele um "Oi, tudo bem?" com caneta hidrográfica. Expus o caderno na janela com a mensagem e ele foi até a sua escrivaninha fazer o mesmo que eu, dando inicio a uma conversa:

Charlie: "Oi vizinho (Carinha feliz). Tudo ótimo e você?"

Eu: "Suave. Tá fazendo o que?"

Charlie: "Conversando com você né..."

Eu: "Mas fora isso, o que você estava fazendo antes?"

Charlie: "Tava assistindo Skins, já ouviu falar?"

Eu: "Lógico! Você também gosta dessa série?"

Charlie: "Não, imagina. Eu gosto de acompanhar sérios que eu odeio"

Eu: "Ironia mandou lembranças. Disse que está sendo muito bem usada"

Charlie: "Eu sei disso. Já guardei o cartão postal que ela me mandou"

Eu: "Não esquece de guardar também o que a gente conversou hein?"

Charlie: "Prometo que vou tentar seguir em frente"

Eu: "Você não vai tentar, você vai conseguir"

Charlie: "Sim senhor, capitão" - Ele fez sinal de continência e me deu boa noite antes de fechar a cortina do seu quarto. Fui para minha cama e peguei no sono uma hora depois.


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