À Sombra da Justiça escrita por BadWolf


Capítulo 16
A Um Passo de Jack


Notas iniciais do capítulo

Sim, caríssimo leitor, é isso mesmo!!!
Nossos amigos estão a um passo do Jack, Holmes, correndo por um lado, e Reid pelo outro. Quem chegará primeiro? O nosso querido Engomadinho de Baker Street, ou o Inspetor mais brabinho da Yard? Não sabemos... Por enquanto. Siga abaixo para saber.
Obrigada por acompanharem, e boa leitura!
The Game is Afoot!



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Em algum lugar do East End. Londres, Inglaterra. 23 de Junho de 1894.


Holmes estava disfarçado outra vez, com seu terno gasto e cigarro barato no canto da boca, caminhando de um canto a outro por East End. Nos últimos tempos, mal parava em Baker Street, estando na rua o tempo todo atrás de pistas ou de mais vítimas do Estripador. Não que ele reclamasse. Ele precisava voltar ao trabalho outra vez, para ao menos manter sua cabeça afastada de mais problemas.

–Sigerson, Sigerson!

Holmes se virou. Era Rose Willians.

–Sigerson, você não sabe o que eu descobri!

Holmes estava aborrecido e se esforçava em dar atenção.

–Hum?

–Young está percorrendo toda Londres atrás desse assassino. Ele encontrou um cocheiro que disse ter carregado um homem e uma mulher desmaiada naquela noite!

Os olhos de Holmes se arregalaram.

–Encontrou?

–Sim, e ele disse que não foi muito longe. Ele a levou até um apartamento aqui mesmo, no East End! Young já está lá!

–Rose, você sabe onde ele fica?

–Sei.

–Por favor, me leve até lá!

–Mas Sigerson, Young está cercado de capangas e certamente não irá gostar de...

–Então me diga onde ele fica. Por favor. – suplicou Holmes.

–Porquê tanto interesse, hein? Flora era tão especial assim, em comparação à mim?

A cada menção de Rose quanto àquele lamentável episódio, Holmes ficava mais embaraçado. E Rose adorava provoca-lo a este ponto. Parecia saber de todo o seu arrependimento a respeito daquela noite, que ele sequer se lembrava, mas sabia que tinha acontecido.

–Tudo bem, eu vou lhe dizer. Fica na Leon Road. Apartamento 12.

Holmes continuou a caminhar, com rapidez até lá.

Assim que cruzava a esquina, reconheceu Young e mais alguns sujeitos. Eles pareciam conversar, na porta da entrada do prédio nojento e necessitado de uma reforma. Young parecia orientar os capangas, todos preparando revólveres para finalmente capturarem o Estripador. Mas em poucos instantes, todos daquela cena, inclusive Holmes, foram surpreendidos pelo apito policial. Eram nada mais que dois cabriolés, abarrotados de policiais da Divisão H, tendo o Inspetor Edmund Reid à frente, liderando os uniformizados, e também o Inspetor-Chefe Abberline. Decerto, a denúncia do refúgio de Jack chegou à delegacia da Lemon Street também.

–Mãos ao alto, meliantes! Polícia! Saim daí, os senhores estão obstruindo o curso investigativo da Lei!

Obviamente, os capangas de Young não cederiam aos escrúpulos do inspetor e prepararam seus revólveres, mas dada a movimentação da rua, Young tentou ainda buscar outros meios.

–Nada disso, goodfellas. – disse aos seus capangas, que recuaram. – Vamos resolver isto de outra maneira, inspetores. Queremos aquele homem tanto quanto vocês, mas admitam que chegamos primeiro. Então, apenas esperem aqui, do lado de fora, enquanto os verdadeiros homens de Whitechapel façam seu serviço.

Reid parecia descrente com a audácia de Young. – Para seu entendimento, Mr. Young (se é que o senhor possui algum), a Lei não discute nem negocia com marginais. Iremos subir neste prédio custe o que custar, e saia agradecido por eu não prendê-lo por obstrução.

Young riu, ameaçadoramente. – Obstrução, Mr. Reid? O senhor parece mesmo impressionante falando desse jeito. Deu sorte, essa rua possui esgoto encanado, ou eu lhe faria conhecer o meu cocô intimamente.

Os marginais riram, mas Reid evitou cair na provocação.

–Apenas quem irá conhecer alguma coisa aqui, Mr. Young, é o senhor, que irá conhecer o sabor do meu punho se não sair daqui imediatamente.

–Inspetor, Inspetor... - disse Young. - Eu sempre soube que o senhor era um bom boxeador, por isso dispenso o convite. Ainda mais porque eu gostaria muito de poupar as pessoas inocentes que caminham nestas ruas e nada têm a ver com nossos negócios...

É a minha deixa. – pensou Holmes, aproveitando que os dois grupos estavam distraídos, discutindo quem entraria primeiro no maldito prédio, e subiu, disfarçando.

Não foi difícil para Holmes entrar no local, nem se localizar. Imediatamente, ele se direcionou até uma senhora, que tricotava na escada. Retirou do bolso um distintivo policial – um que ele pegara de Reid, no dia que o jogara no esgoto – e se dirigiu até a mulher, assustada.

–Que confusão, esta... – ela comentou.

–Parece que havia um assassino usando este prédio.

–Não me surpreenderia. – ela disse. – Já ouve dois casos de assassinato aqui. Um homem matou a mulher e escondeu o corpo no porão. O outro empurrou um bêbado daqui e adivinha?

–Jogou o corpo no porão?

–Exatamente. – ela confirmou. – Acho que temos um porão muito grande. Porões grandes são bons para guardar mobília velha, eu mesmo guardava o piano quebrado de meu falecido marido em um desses, mas neste lugar miserável eles guardam corpos, não quinquilharias.

–Dizem que um homem entrou aqui com uma mulher desmaiada...

–Bom, isso pode ter acontecido mesmo. Grande bobeira. O Barney trás mulheres desmaiadas aqui e ninguém reclama.

Barney... O codinome do líder comunista.

–Você conhece esse Barney?

–Não, eu nunca o vi pessoalmente. Quem disse isso foi a estalajadeira, Mrs. Strokes.

–Sabe como eu posso vê-la?

A mulher idosa ergueu uma sobrancelha, desconfiada. Holmes apresentou seu cartão de mandato falso.

–Ah, sabia que era um... Perguntas demais... Lamento dizer, mas ela não está na Inglaterra. Parece que ganhou uma passagem para Gales, para visitar os filhos.

–E ela é a única que conhece Barney?

–Sim. Barney mora no quarto do térreo. É um inquilino muito discreto, dizem. Eu jamais o vi, diferente do..

Foi a vez de Holmes erguer uma sobrancelha.

–Diferente de quem?

–Ah... O outro inquilino... O outro rapaz... Problemático... Tinha problemas com drogas pesadas, dizia coisas sem sentido, gritava dentro do quarto... Os gritos dele durante a noite não deixavam ninguém dormir. Dizem que Mrs. Strokes só tolerava a presença dele porque pagavam bem pelo quarto.

–“Pagavam” bem? – perguntou Holmes, estranhando o plural da frase.

–Sim. Ela sempre dizia assim, “pagavam bem”, mas eu só via esse Lewis.

–Lewis? – Holmes estava surpreso com a descoberta.

–É, é só assim que eu o conheço. Bom, mas esse Barney, pelo menos não parece ser problemático. Fora o fato de levar meninas desmaiadas... Sabe-se lá para o quê... Pelo menos ele não incomoda o meu sono.

–O que a senhora pensa dessas mulheres?

–Devem ser prostitutas, ou mulheres fáceis. Sabe como é esses rapazes de hoje em dia, se aproveitam de uma bebedeira...

A conversa foi interrompida por um tiro. A pobre senhora se assustou e fez movimento de que iria sair, da qual Holmes não se impôs. Ao menos, deu para saber muita coisa interessante.

Havia ali uma série de quartos, barulho de gente e cheiro de urina misturado a fumo barato, isso atrelado ao som de pessoas caminhando, agitadas com o que estava acontecendo do lado de fora, para todos os cantos. Os capangas de Young e a Yard, reunidos em uma espécie de entrave mexicano, mostraram-se bem intimidadores para aquela gente, decerto, imaginou Holmes.

O quarto estava com a porta fechada, mas não trancada. Ao entrar, o que pôde ver foi o estado deplorável do pequeno quarto, com seus poucos móveis revirados. Parece que nem Young e seus parceiros grosseiros teriam pouca paciência para vasculhar por pistas, foi o que constatou Holmes. Alguém já tinha passado por ali, aparentemente procurando por algo – ou levando sabe-se lá o quê, e Holmes tinha a esperança de que algo relevante tivesse sido deixado para trás no que parecia ser uma fuga dada às pressas. Havia desenhos em algumas paredes, como numa espécie de código que lembrava o hebraico, marcado à tinta, mas recentemente apagado, sem muito sucesso, pois a marca permanecia na parede. Com atenção, Holmes copiou um trecho disso em seu bloco. Aquele era um quarto deveras exótico, ele constatou. Uma cama, uma pequena escrivaninha, uma cadeira. Havia ainda um pedaço de corda amarrado à cadeira. Poderia ter sido usado para prender a vítima (neste caso, a prostituta Flora ou uma das outras). Dois copos jaziam sobre escrivaninha. Um deles cheirava a um conhecido calmante: morfina

Holmes estava começando a inspecionar o quarto quando ouviu som de tiros. Parece que a confusão estava começando a ficar séria, ele pensou. Isso lhe dava mais tempo, mas também mais riscos. Afinal, os ânimos estavam exaltados em todos os lados, e não era culpa de ninguém. Todos queriam pegar Jack. Percebeu que, debaixo da cama, havia uma espécie de diário, que guardou consigo.

Enquanto caminhava, ele lembrou-se do que a senhora idosa disse.

Nesse lugar, todos os corpos são guardados no porão.

Ele olhou para o assoalho debaixo de seus pés, e cogitou a possibilidade. Percebeu que a ponta de um deles estava mais gasta que o normal. Havia marcas claramente recentes, como de um objeto forçando a madeira.

De posse de um pé-de-cabra – que deveria ter um propósito ali – ele forçou a madeira e a retirou. Quando a claridade do quarto entrou ali, ele avistou, nitidamente, um corpo amarrado.

Pela descrição de Rose, era da prostituta Flora.

A moça não continha o ventre arrebentado, mas apresentava claros sinais de que tinha morrido de uma overdose. Havia em seu braço um marca nítida, um ferimento recente, de uma agulha. Se o assassino, deliberadamente, soube que teria seu cativeiro descoberto e tentou “adiar” o assassinato mais um pouco, decerto ele ministrou mais uma dose de droga, dessa vez mais forte do que as outras, para manter a vítima inconsciente enquanto fariam a busca. Assim, ela não tentaria escapar, ou gritar. Entretanto, diante do corpo cansado, e das outras doses, a droga na veia de Flora foi suficiente para fazê-la dormir. Para sempre.

Holmes deixou o corpo na mesma posição que encontrara, para não atrapalhar a investigação policial – ou de quem quer que fosse. Decidiu retornar às gavetas, não encontrando nada demais, até perceber um fundo falso em uma delas.

Havia ali, para consternação de Holmes, papéis escritos em russo. A coincidência mostrou-se ainda maior quando ele percebeu uma faca idêntica às outras deixadas pelo assassino.

Mas a maior surpresa de seu dia foi um desenho que ele encontrou.

Era um retrato, desenhado de maneira artística, do rosto de Esther.



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Holmes passou o resto do dia consternado. Andava de um lado a outro em Baker Street, tentando reunir todas as pistas e entender a gravidade do que tinha descoberto.

Acabou que o tiroteio foi vencido pelos Yarders, que prometeram comemorar no pub mais tarde, entretanto, a incursão dos policiais ao local não tinha sido das mais frutíferas, mas ao menos o corpo foi encontrado. Abberline estava convencendo Reid de que aquele, provavelmente, era um caso isolado. Certamente, um apavorado cliente da prostituta escondeu o corpo depois que ela morreu de overdose. Afinal, quase todas elas faziam uso de drogas daquele tipo. Sem alternativas, Reid decidiu abandonar a ligação com Jack e tratar aquilo como um homicídio comum.

–Estranho... – disse um dos uniformizados, diante da escrita hebraica na parede. Abberline parou ao seu lado, também analisando.

–A estalajadeira está em Gales, mas duas pessoas disseram que isso era coisa de um velho inquilino. Pode ver que tentaram apagar. – ele disse, apontando para as marcas da tinta. – Esqueça isso, filho.

–Eu não sei se sabe, Mr. Abberline, mas minha família fugiu da Espanha. Somos judeus convertidos e... Bem, eu sei o que está escrito, e isso é o que me causa estranheza.

Abberline ergueu as sobrancelhas.

–O que está escrito?

“A devassidão deste mundo impera / Vós, detentores de espada e conhecimento / Cortai-na, feri-na, destroçai-a / Atirai-na às fossas de suas impurezas / Mostrais a este mundo cego / O que é certo e o que é errado.”

Abberline parecia analisar a questão, ainda descrente.

–Decerto, algum judeu doentio esteve aqui e escreveu essas besteiras de sua religião.

–Frequentei uma sinagoga até meus catorze anos, sir. Li a Torá, inclusive. Isso não existe em qualquer trecho das Escrituras.

–Então, é trabalho de um lunático. Pior ainda. Abandone isso, Constable. Termine de colher os depoimentos, vá para casa e beba sua cerveja. Esse é um homicídio comum de Whitechapel, estamos procurando sarna para se coçar.

Quando Abberline estava descendo, encontrou Reid conversando com a senhora. Ele não parecia nada contente.

–O que foi, Eddie?

–Esta senhora disse que um homem esteve aqui e apresentou-se como Inspetor Reid e fez perguntas sobre o inquilino.

–Apresentou distintivo? – diante da confirmação da mulher, Abberline parecia surpreso.

–Diga-me: ele levou alguma coisa?

–Não. – disse a mulher. Abberline deu de ombros.

–Decerto, Reid, foi aquele distintivo que o senhor perdeu em Whitechapel. Será que não foi o sujeitinho que te empurrou no esgoto que pegou sem você se aperceber? Afinal, quem rouba um relógio de bolso rouba um distintivo também. – disse Abberline. – Não vamos tornar isso maior do que é, Reid. Isso é um caso comum. Não quero que empregue a força policial nisto. Decerto, é algum sujeito fazendo troça conosco.

O comentário de Abberline, ao menos, abriu os olhos de Reid. Quando o inspetor-chefe já tinha ido embora, ele perguntou a mulher.

–Como era este homem?

–Educadíssimo, embora vestisse roupas simples. Tinha o cabelo preto, a barba por fazer, uns quarenta anos, eu acho...

Reid deu um soco na parede, assustando a senhora.

Holmes!

Do pouco que ele o conhecia, dificilmente teria saído dali sem coisa alguma.



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Já era noite quando Holmes voltou à estalagem do East End.

De posse de uma fotografia de James Stewart, obtida na coluna social de um jornal, a velha senhora da estalagem confirmou sua identidade como sendo do primeiro inquilino, o problemático. Disse que ele usava seu apartamento para encontros amorosos com algumas prostitutas do East End e que pagavam bem á estalajadeira para manter seu segredo, além de sessões de drogas e gritarias de delírio na madrugada. Quanto à Barney, o último acompanhante, nada pôde dizer, pois jamais o conheceu.

No que ele encontrara no fundo falso da gaveta, havia algumas anotações em russo, além do boletim da Universidade de Eton da matéria Relações Políticas 2, em nome de James Stewart. Aparentemente, aquela pocilga também era um local de estudo. Havia uma série de provas, livros e anotações. Ao que tudo indicava, ele pretendia ser diplomata na Rússia. . No meio de tais papéis, Holmes encontrou uma carta, de um famoso político, assegurando que a vaga de assessor de diplomacia em Moscou seria sua.

Seu diário trazia detalhes sobre suas aventuras amorosas, ainda que sem possuir nomes, apenas iniciais. Talvez ele se sentisse orgulhoso de possuir uma coletânea. Além do diário, havia algumas anotações referentes à faculdade. Ele percebeu que o jovem tinha um ímpeto em utilizar folhas de papéis como desabafo, sinal de que era solitário.

Uma delas falava mal da nova professora da Universidade, com todos os maus adjetivos imagináveis. Alguns cabulosos.

Algumas páginas seguintes, a tal “mulher” passar a ser designada como “judiazinha”, entre estes adjetivos.

Esther.


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Notas finais do capítulo

Caramba, que confusão, Holmes!!!
Agora Esther precisa cada vez mais de você!!! Se cuida, cara!!!
E que confusão foi esta em Whitechapel, hein?? Algo me diz, Holmes, que Reid não vai deixar barato sua interferência no caso, ainda mais depois que você o jogou no cocô.
E no próximo cap, para quem está esperando, um reencontro entre Holmes e Esther. Não sei se será o que vocês queriam, mas ira desencadear muita coisa.
Então, o que estão achando da fanfic? Já tem seus suspeitos? Gostaria de saber (review ou MP), quem sabe não dou uma dica?? kkkkkkkk
Obrigada por ainda acompanharem a fanfic, os que acompanham desde o início e os novos também. Garanto que o final será bacana.



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