Aprisionada escrita por Arabella Turner


Capítulo 4
O Retorno




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O que sobrou de mim? Susana se perguntava enquanto seus soluços eram abafados pelo badalar da meia noite do relógio da igreja. A neve ao seu redor não eram frias como seu coração naquele momento. Vazio, sozinho, sem ninguém ao seu lado.

– Me desculpe, Lú – ela choramingava – Me desculpe... Você sempre foi a corajosa, a destemida. Você não mediu esforços para salvar as pessoas que você amava e acreditava serem boas. Você nos ensinou o valor da família e do amor. Você é a especial. Eu queria ser como você! Eu não quero mais ser o que sou. Ajude-me. Tire-me daqui. Aslam, me perdoe. Perdoe-me por minha negligencia. Neguei ser filha de Eva, ser a Rainha de Nárnia, ser uma governante ao lado dos meus amados irmãos que tanto queriam o meu bem. Ao lado do Caspian que eu tanto amo. Por favor, deixe que eu vá!

Mas o cemitério continuou vazio e silencioso. O relógio parou e a neve cessou a cair sobre Susana. Ela sentia frio, mas não ligava. Não importava se morresse ali, ao lado dos irmãos. Pelo menos, de seus corpos. Porque Susana sabia que eles não estavam de fato ali. Eles haviam retornado para Nárnia, porque a fé deles era inabalável. Ela desejava que a sua fosse do mesmo modo que a de Pedro, de Edmundo e de Lúcia, mas não era. Susana era a que possuía mais defeitos entre todos. Ela não pertencia ao lado dos Narnianos. Era diferente.

Seus dedos tocaram o bolso de seu casaco que pesava com algo que havia trazido. Um último presente para os seus irmãos. Antes que a última gota de fé se esvaísse de seu corpo, Susana se lembrou de que, em seus tempos em Nárnia, conheceu alguém que era diferente dos Narnianos, que ao seu modo, também não pertencia àquele lugar. Um Telmarino. Um bravo Telmarino que ao final, salvou Nárnia.

Susana pegou o embrulho no bolso do seu casaco. Secou as lágrimas com a manga, não se importando mais com sua maquiagem. Seu corpo estava congelado, mas quando começou a desembrulhar o pequeno objeto coberto em uma seda roxa, seu corpo começou a aquecer, a esperança retornando à sua alma. O pequeno objeto era uma trompa com boca de leão entalhada em madeira. Não era polida nem pintada como a que ela um dia possuiu, mas aquela carregava o mesmo sentimento que Susana sentia ao tocar seus lábios na trompa que tinha: Esperança.

Susana levantou a trompa com suas mãos tremulas, encostou em seu lábios e a soprou, deixando toda a sua descrença, toda a sua vida que ela não se agradava se esvair em seu lábios. A trompa soou abafada, consequência de uma trompa feita por qualquer carpinteiro de Londres. Nada aconteceu. Susana esperou mais um pouco, mas a noite continuava silenciosa.

Susana se levantou sentindo suas pernas dormentes. Caminhou para a saída do cemitério. Ao tocar o ferro gelado do portão, olhou mais uma vez para as lápides que tanto lhe traziam dor.

– Eu deveria estar do lado de vocês – Susana sussurrou e virou-se para sair do cemitério uma última vez.

Por alguns segundos, seus olhos perderam o foco ao olhar para uma luz brilhante que cortava o céu. Não era uma estrela cadente e muito menos um meteoro. Aquela luz se aproximava de Susana, como um anjo, silencioso com todo o esplendor que podia sentir. Susana imediatamente tirou os sapatos de salto alto e tocou a neve com seu pé, apenas cobertos com uma meia fina. Tirou seu casaco também, já que não sentia mais frio. Aquela luz estava lhe proporcionando todo o calor que ela necessitava.

Caminhou em sua direção, sentindo como uma criança que caminha animadamente para o mar, na primeira vez em que o vê, sentindo a areia entre seus dedos, o aroma da água salgada em seu nariz e a brisa suave tocando seu pescoço. Susana fechou seus olhos, se entregando a essas sensações, ouvindo o som do mar ao longe e o gosto salgado tocando seus lábios.

O som do mar aumentou junto com todas as outras sensações. Susana ainda segurava a pequena trompa de madeira em sua mão, mas quando abriu seus olhos, soltou-a lentamente, com a grande surpresa que seus olhos viam ao seu redor. A areia branca da praia brilhava como pequenos diamantes. A água azul como o céu batia em seus pés descalços. Ao longe, uma montanha se erguia sob um magnifico castelo. Não. Não era qualquer castelo, mas sua casa, Cair Paravel em todo o seu esplendor e beleza. Vozes e risos podiam ser ouvidos ao longe. Não tão longe quanto Susana acreditava. Ao longe, três figuras corriam pela praia, montadas em belos cavalos enquanto riam e brincavam uns com os outros.

Susana correu na direção deles, sentindo seu coração sendo reparado aos poucos enquanto o alívio inundava sua alma e fazia brotar lágrimas em seus olhos. Eles estavam ali, sãos e salvos, felizes e despreocupados. E ela também estava ali. Ela havia sido perdoada. Antes que Susana pudesse alcançar as três figuras, outra apareceu na sua frente, maior e mais bela que emanava o mesmo brilho que a acolheu no cemitério. Era um leão. Era Aslam.

– Me perdoe, Aslam – Susana caiu de joelhos à sua frente – Eu não queria dizer aquelas coisas. Eu estava com raiva, com medo e eu não sei! Perdoe-me.

– Filha de Eva – Aslam disse com sua voz que abalava as estruturas de todos os mundos – Esses sentimentos cegam o humano, mas não devem cegar uma Narniana. Por um tempo, você se esqueceu de que é Narniana e a cegueira lhe invadiu. Mas seu coração clamou e você enxergou a verdade. Não lhe abandonei por um momento sequer. Estive ao seu lado, olhando por você e cuidando de você como pude. Mas como seu irmão lhe disse uma vez, a sua jornada era mais solitária do que eu queria. Porém, isso não importa, já que agora você está mais uma vez no lugar em que lhe pertence. E nunca mais sairá daqui, pois seu coração também reside aqui.

Susana abraçou Aslam fortemente, algo que sua irmã fazia com mais frequência que ela. Seus olhos voltaram a se encher de lágrimas, mas agora eram de alegria e não mais de tristeza. Nunca mais.

Aslam saiu de sua frente quando os três cavalos pararam ao seu lado. As três figuras, Pedro, Edmundo e Lúcia desceram dos cavalos atônitos. Por um momento, Lúcia a encarava com descrença, mas Susana sabia que isso não pertencia a Lúcia, a pessoa com mais fé que ela já conhecera. Lúcia provou de que ela estava certa, correndo em direção à irmã, abraçando-a com força enquanto chorava por entre os cabelos negros de Susana.

– Está tudo bem, minha irmã. Agora também estou em casa – declarou Susana Pevensie, A Gentil, retribuindo o abraço.

FIM


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