Silent Hill: Sombras do Passado escrita por EddieJJ


Capítulo 23
O Cozinheiro do Porão


Notas iniciais do capítulo

"Don't let them see what goes down in the kitchen..." - Melanie Martinez (Dollhouse)



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A espinha de Emma gelava a cada passo que ela dava dentro daquele novo andar. Os sons eram enlouquecedores e os gemidos, que acompanhavam o bafo quente do lugar, penosos. Ela continuou a prosseguir dentro do corredor por intermináveis instantes, sem chegar a lugar algum, passando a lanterna para todos os lados e não vendo nada além das paredes distorcidas da outra realidade.

Aquela altura Emma não tinha forças para negar nem para si mesma o medo que estava sentindo, embora tivesse um grande senso de equilíbrio, ela estava apavorada por dentro e o fato de estar sozinha não melhorava sua situação.

– Você só precisa pegar a chave e sair... chave e sair... - dizia para si mesma em sussurros no intuito de se acalmar - chave e... - foi interrompida por um vulto que passou rapidamente nas suas costas, ela virou-se rapidamente para olhar, mas, nada além do corredor.

Andou mais um pouco pelo interminável corredor de trevas e os gemidos começaram a ganhar gradativamente mais volume, além de já ser quase incontestável a fonte de tais sons: pessoas. Mais alguns passos, e a lanterna finalmente iluminou algo diferente, para bem pior, do habitual corredor.

Era uma porta enorme e larga feita de metal, a única em todo corredor, no fim dele. Estava completamente enferrujada e desgastada, incrustada em todo lugar de sangue e pó, dando uma aparência lamacenta e um cheiro muito forte. A maçaneta estava quebrada e ela estava envolta de correntes, como se guardasse algo que não pudesse, em hipotese alguma, ser libertado. Os gemidos eram altíssimos aquela altura e uma coisa era certa: vinham de trás daquela porta.

Naquele momento a ideia de morrer parecia preferível a ter que entrar por aquela porta, ou quem sabe simplesmente sair dali e tentar abrir o quarto com mais algumas surras. Mas para Emma, morrer ou desistir não eram opções. Ela apertou a maçaneta, um tanto úmida e quente, e a girou com certa dificuldade, conseguindo abrir a porta, não completamente, mas o suficiente para que pudesse passar.

O lugar era quente, o cheiro de morte era inconfundível e tão forte que arrancou lágrimas dos olhos de Emma, a escuridão era tão espessa que a existência da lanterna pouca diferença fazia, os gemidos vinham de todos os lugares da escuridão e pareciam flutuar pela sala. O coração de Emma estava a pouco de parar, não era possível dar nem mais um passo naquela situação, ela então permaneceu parada a porta da sala, sem conseguir ver absolutamente nada e tendo sua sanidade consumida pela atmosfera do lugar.

– Vamos Emma... - ela sussurrou para si mesma de olhos fechados.

Respirando fundo, a garota apoiou-se de costas na parede e foi andando de lado, arrastando os pés sobre o piso pegajoso e balançando os braços no ar a fim de apalpar alguma coisa. Sua cabeça logo bateu em algo que estava fixado na parede, ela levou as mãos até esse objeto e pôde sentir que estava tocando em uma espécie de interruptor. Embora receosa do que pudesse acontecer caso puxasse aquele interruptor, Emma decidiu que seria o melhor a fazer uma vez que não havia atitude nenhuma a se tomar dentro da sala naquele estado.

– Nada pode acontecer de tão ruim... Não tão diferente do que você já viu... vamos lá... - puxou-o.

Estava errada.

O interruptor ligou uma pequena série de lâmpadas bastão de intensidade fraquíssima ao longo de todo teto da sala, que agora se mostrava a cozinha, revelando a visão mais aterradora já vista por Emma em sua vida: era como um açougue de carne humana, haviam corpos podres e mutilados balançando pendurados de ponta-cabeça em ganchos e correntes em todos os cantos da sala, homens e mulheres nus cobertos de sangue cortados e decepados jogados em pilhas sobre os balcões de metal gasto daquele lugar, outros ainda presos a máquinas monstruosas, que não poderiam ser sonhadas nem nos sonhos mais medievais, ou pregados na parede de forma bruta por uma faca ou cano. O piso estava completamente coberto de sangue seco e haviam utensílios de cozinha sujos de sangue em toda parte, ao fundo da sala, um fogão enorme, onde, sobre o fogo aceso, repousava uma panela de ferro de onde alguma coisa tentava sair, batendo na tampa em desespero. Mas poderia ainda, tudo isso, ter parecido comum para Emma se não fosse o simples fato de que os corpos permaneciam, de alguma forma, vivos e gemendo de dor em agonia, como se tivessem sido condenados àquela espécie de inferno.

Emma estava paralisada diante da visão daquela sala. Ela engoliu em seco e andou, com passos firmes e silenciosos, em direção ao centro da cozinha, à procura da chave. Os corpos pendurados pareciam ter consciência dela ali, pois estendiam seus braços e mãos, ou o que havia sobrado destes, para ela e gemiam em diferentes tons, como se quisessem dizer algo, à medida que ela passava entre eles.

Chegando ao centro da sala, Emma olhou em volta e notou a pequena chave de metal pendurada por um gancho sobre o fogão. Sua respiração acelerou, agora só precisava pega-la e sair dali, estaria livre daquele pesadelo. Ela andou até o fogão mais rapidamente, e, elevando-se com o auxílio de uma cadeira próxima, tentou alcançar a chave: ainda não estava alta o suficiente. Ela desceu e procurou em volta algo que pudesse empilhar sobre a cadeira até avistar uma caixa média de madeira sobre um balcão. Pegando a caixa, Emma colocou-a sobre a cadeira e subiu novamente: estava a um palmo da chave. Se pôs então sobre uma só perna e na ponta do pé, conseguindo tocar a chave com a ponta dos dedos.

– Vamos... Vamos... - pedia para que a chave caísse enquanto balançava-a no gancho.

Dando certo impulso extra, Emma conseguiu derrubar a chave, mas desequilibrou-se e caiu sobre o fogão, derrubando a panela e caindo de costas no chão. O barulho da panela ecoou pela cozinha. A mesma abriu-se com a queda e derramou pela sala toda uma água avermelhada, jogando para fora um corpo de uma mulher totalmente cozido, que agonizava sobre o chão sujo. A chave rodopiou no ar e caiu ao lado da mão do corpo.

Emma, caída, permaneceu de olhos fechados enquanto a cena acontecia, pedindo aos céus que aquilo não piorasse as coisas. Após o susto passar, ela abriu os olhos e contemplou a sala com o canto da vista: nada parecia ter mudado. Ela levantou-se e foi até o corpo pegar seu prêmio. A mulher queimada olhava para Emma e respirava ofegante.

– O..o...o... - ela grunhia em quase morte e lágrimas rolavam em seu rosto, enquanto estendia seu braço decepado para a garota.

Emma abaixou-se, pegou a chave e derramou algumas lágrimas, essas de compaixão, pela mulher.

– Desculpe... - disse ela, limpando o rosto - Eu não posso te ajudar...

– O.. o coz... - a mulher fazia cada vez mais esforço para falar enquanto balançava a cabeça.

– O coz...?

A mulher então se jogou sobre Emma, molhando seu rosto com a água quente que encharcava seus cabelos, e gritou de forma aguda e ensurdecedora.

– O COOOOZZINHEEEEIROOOOO!

Emma socou a mulher e a jogou para o lado, levantou-se rapidamente e recuou até bater de costas num dos balcões, onde um dos corpos empilhados agarrou seu braço.

– O COZINHEIIIROOO!!! - ele também gritou.

Emma gritou de susto e puxou seu braço para junto do seu peito.

Todos os corpos começaram então a se debater e a gritar desesperadamente o nome do cozinheiro. Emma olhava horrorizada por tudo aquilo e, com a chave em mãos, andava de costas até a porta para sair dali.

– O COZINHEIROOOO!!! - os corpos gritavam em coro enquanto ela andava cada vez mais rápido em direção a porta - O COZINHEEEIIRROOOO!!! - gemiam sem parar.

– Que cozinheiro?! - ela ansiava por uma resposta- Mas que droga vocês qu...ARGH! - um golpe repentino e violento atingiu sua cabeça pelas costas e a fez cair de joelhos devido à dor lancinante. Seus olhos foram perdendo o foco e tudo parecia turvo, ela então largou a chave e caiu no chão inconsciente, tendo duas botas grandes e gastas como última visão.

.

.

.

– Argh... - Emma acordava devagar - O que eu... Argh! - a dor em sua cabeça era surreal, ela passou a mão na parte dolorida e viu o sangue escorrer - Mas... - ela olhou em volta, assustada - Mas o quê?!

Emma havia acordado e se deparado com uma situação nada cômoda: ainda estava na cozinha, porém, assim como os outros, estava nua e pendurada pelos pés por uma corrente próxima ao canto da sala.

No outro lado pôde ver o tal cozinheiro: era um homem grande e gordo, usava duas botas marrons muito acabadas e um avental encharcado de sangue. Era fisicamente deformado, cheio de marcas e cicatrizes, e no lugar da metade posterior do seu braço direito havia encaixada uma faca enorme e amarelada, como que anexada ao bolo de carne que era onde terminava a metade restante do seu braço. Ele estava suspendendo a mulher de antes pela cabeça e metendo violentamente de volta na panela, enquanto esta ainda tentava lutar, sem nenhum resultado.

Após lacra-la de volta na panela fervente, ele deu as costas para o fogão e andou em direção a uma espécie de pia onde um corpo estava disposto. Ele começou a decepa-lo violentamente, ignorando os gemidos e gritos, e distribuir suas partes pelos balcões da sala.

Emma sabia que em questão de tempo seria a próxima, por isso, sem perda de tempo, começou a pensar num jeito de sair dali. Olhando em volta, percebeu que sua chave estava em um balcão a uns poucos metros de distância, junto com suas roupas.

Precisava ser rápida.

"Tenho que dar um jeito de tirar meus pés daqui..." ela pensou olhando em volta. "Algo escorregadio seria ideal.", lembrou-se de uma vez, quando pequena, que havia usado manteiga para retirar um anel que havia ficado preso em seu dedo. Mas não havia manteiga ali, ou um sabão ou coisa parecida. Emma continuou a olhar para os lados até perceber, no corpo de um homem pendurado ao seu lado, um corte profundo na lateral do peito pelo qual saia uma secreção viscosa.

A garota quase vomitou com a ideia que passara pela sua cabeça, mas não havia outro jeito e o pior: poderia dar certo! Emma então respirou fundo e começou a balançar-se de um lado pro outro até conseguir tocar o homem. Com a mão em concha, ela apanhou uma porção daquela coisa. Estava quente e fedia. Quase consumida pelo nojo do que estava fazendo, Emma alongou-se até seus pés e untou-os, assim também com a corrente, com a secreção do corte do homem.

Voltando à posição inicial, ela relaxou todos os músculos do seu corpo e começou a esfregar os pés um no outro e contra a corrente. Estava dando certo! A secreção amenizou o atrito entre a pele de Emma e a corrente e ela estava escorregando. Felizmente, não foi preciso mais que alguns esfregões para que Emma caísse de pele nua sobre aquele chão podre. Para sua sorte, não foi ouvida, pois os gritos do homem que estava sendo desmembrado foram suficientemente altos para disfarçar os demais sons na sala.

Emma engatinhou até o balcão e, com uma mão, recolheu suas roupas, com a outra, a chave e a lanterna. Logo deu as costas e começou a caminhar cuidadosamente em direção a porta, não podia correr o risco de ser vista.

Delicadamente, pôs a mão na maçaneta e a girou, quando quase foi acertada por uma faca em alta velocidade que ficou cravada na parede, a centímetros do seu rosto.

– Droga! - disse Emma ao olhar para trás e ver que o cozinheiro estava parado, olhando para ela.

– AAAAAAARRRRGGGGHH!!!!! - ele gritou para ela contraindo os músculos, numa voz grossa e devastadora.

Emma respirava estática.

O cozinheiro pegou um dos balcões com a única mão que possuía, derrubando todos os corpos no chão, e o arremessou contra Emma. Ela esquivou jogando-se para o lado, no canto da sala.

– GRRRRRRRRRR.... - ele começou a andar com passos firmes e pesados em direção a garota.

Emma olhou para os lados, desesperada, procurando uma solução, porém a única coisa que estava a seu alcance era... o interruptor. Rapidamente levantou-se e desligou o interruptor de energia antes que aquele monstro chegasse até ela, mergulhando a sala num breu novamente.

Os passos pararam e Emma, assim como entrara na sala momentos antes, arrastava-se pela parede em direção a porta. Não conseguia ver nada e isso dificultava cada vez mais sua fuga. Quando finalmente conseguiu tocar a porta de ferro, seu braço bateu no balcão derrubado e o barulho chegou aos ouvidos do monstro, que voltou a andar em direção ao barulho.

– Droga... - sussurrou.

Não daria tempo de abrir a porta! Emma então engatinhou por entre o balcão de ferro e aprofundou-se na escuridão da cozinha, afastando-se da porta. Não havia outra opção. O cozinheiro balançava sua faca onde o barulho havia sido emitido, tentando acerta-la.

Emma sabia que para sair dali precisava afasta-lo da entrada. Ela então encolheu-se no canto do que parecia ser mais um balcão e apalpou sua superfície até por as mãos em um pedaço de carne, pegando-o para si, pôde perceber: era um pé, sujo e molhado. Sem pensar duas vezes, Emma localizou a direção para qual ficava a porta e atirou o pé no sentido contrário, que atingiu um outro balcão, fazendo barulho.

O cozinheiro ficou imóvel por alguns instantes e depois dirigiu-se para outra fonte do barulho, arrastando seu braço-faca no chão, fazendo um barulho irritante. Emma voltou a engatinhar e chegou até a porta, com um pouco de esforço abriu-a, fazendo- a ranger.

– Gr... - o cozinheiro grunhiu ao ouvir o barulho da porta abrir, e, sem o menor interesse de deixar seu prato ir embora dali, correu vorazmente através da sala até a porta, derrubando e arrastando tudo em seu caminho.

Emma fez o mesmo: pôs-se de pé e correu o mais rápido que pôde através do corredor de volta ao elevador.

Atravessado o corredor, abriu a grade de metal e apertou todos os botões dos andares superiores. A grade começou a fechar.

– Vamos, vamos!!! - ela apertava desesperadamente os botões do painel.

Da escuridão do corredor já de podia ouvir os passos e gritos cada vez mais altos e próximos de seu caçador implacável, que vinha com tudo, chocando-se contras as paredes do corredor.

A grade fechou e o elevador começou a subir, mas não rápido o suficiente. O cozinheiro saiu das sombras num salto e jogou-se contra grade do elevador em ascensão, amassando-a e jogando Emma contra a parede do elevador. Mais dois golpes na grade foram dados e ela caiu completamente deformada. Faltavam apenas alguns poucos decímetros para que o elevador saísse do andar, porém ele agarrou o piso do mesmo com a mão e começou a puxa-lo esforçadamente para baixo até a altura da sua cabeça.

Emma ficou horrorizada ao ver que ele a mostrava seus dentes tortos e amarelados em um sorriso doentio e tentou golpear sua mão, furando-a com a chave, mas era inútil. Ao descer o elevador à altura do seu peito, ele ergueu seu braço- faca e começou a tentar golpear a garota, que se esquivava com sorte. Olhando para cima, Emma viu que o teto do elevador era feito de uma malha xadrez de barras de metal, ela então pulou e pendurou-se nelas, escapando do alcance dos golpes.

– GRRRRRRRRRR!!!! - a criatura grunhiu insatisfeita por não poder mais acertar a garota.

O cozinheiro então se pôs peito adentro no lugar para tentar acerta-la, perdendo o apoio e estabilidade que tinha no braço e nos pés, sendo suspenso pelo elevador, que voltou a subir. Suspenso e com metade do seu corpo para fora do elevador, o peito do cozinheiro foi sendo esmagado pelo contato com o teto do andar e ele debateu-se violentamente tentando inutilmente sair dali.

Emma, pendurada e vendo a situação, usou o pé para apertar o botão de comando da subida, para que o elevador não interrompesse o comando que lhe fora dado. Os sons de ossos quebrando eram nítidos e reforçados pelos gritos de agonia da criatura. Em poucos instantes, a agonia cessou e ele parou paulatinamente de se mexer. O elevador, no entanto, não conseguiu decepa-lo por causa da espessura do seu corpo e permaneceu ali parado, numa tentativa interminável de subir para o andar superior.

Emma largou as barras e caiu sentada no chão, ofegante.


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Notas finais do capítulo

Emma desce até o porão e se assusta com a atmosfera do lugar. Atravessando uma porta grande e enferrujada, localizada no fim do corredor do andar, ela chega ao que parece ser uma cozinha, uma cozinha canibal dos horrores.Após pegar a chave para o quarto sobre o fogão, Emma é desacordada pelo que os corpos da cozinha chamam de "O Cozinheiro". Acordando como um pedaço de carne pendurado em um açougue, Emma executa uma grande escapada e, após uma breve "luta"com o cozinheiro, ela dá um jeito nele com a ajuda do elevador.



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