– Você não pode entrar aqui assim não ô! – Perdi meu sentido por um momento. Era como se nenhum barulho ou ruído existisse mais. Eu não acreditava no que eu estava vendo. Eu não acreditava no Rick que eu via na minha frente. Eu não conseguia formular nada além de um murmúrio gélido que saiu de minha boca.

– Rick?

Eu não podia acreditar no estado que eu o encontrei. Seu corpo suado, fedido, seminu, barba por fazer, em cima de pilhas e pilhas de roupas misturadas com restos de pizza e snacks. A mão pendurada para fora da cama ainda segurava uma garrafa de vidro contendo uns dois dedos de vodca. A mancha que escorria pelo travesseiro deixava claro suas horas de sono e baba. O que deu nele? Nunca o vi nesse estágio! Rick mal bebia!

– O que aconteceu com ele? – Indaguei ao menino com semblante desnorteado.

– Fomos numa festa ontem à noite. Só isso! – Ele disse com descaso.

– SÓ ISSO? – Apontei para Rick que respirava entre roncos e resmungos. Ele então não foi me encontrar de noite por que foi para uma festa beber até cair? Como ele pôde?

– Eu o levei, ele precisava se divertir um pouco. Estava cansado de ver meu amigo como um moribundo a choramingar. Isso faz mal para um homem! – Ele dizia como quem tinha toda razão do mundo.

– Então você acha que um estado melhor para um “HOMEM” é terminar desse jeito? OLHE PRA ELE! – Eu estava visivelmente fora de controle.

– Pode apostar que está melhor do que ontem! Pelo menos ele sorriu e conversou com umas meninas. Nem isso ele fazia mais.

– Ah é? E o que ele tinha de demais? – Fiz cara de inocente. Por dentro eu queria matar tanto o Rick quanto o “coleguinha” dele. “Conversou e sorriu com umas MENINAS?!”

– Olha, não me leve a mal, mas você é realmente o quê dele? Eu não vou sair por ai dando informações sobre a vida do meu amigo pra qualquer uma!

– QUALQUER UMA?! – Agora o bicho vai pegar! – Garoto, eu quero que você repita a suposição de que eu sou qualquer uma! REPETE! Repete e você vai se arrepender de ter nascido. – Falei o ameaçando enquanto meu dedo indicador batia ferozmente no peito desmilinguido do tal garoto.

– OK! OK! Foi mal! Foi mal! Eu não falei por mal, ok?

– Então vai logo desembuchando o que foi que aconteceu pra ele tá assim! – Toquei no Rick e ele nem ao menos se mexeu.

– Ele tem uma namorada que estuda na Califórnia... – Então o problema era eu?! – ele acha que a mina tá abandonando ele, que ela tá afim de outro cara. O cara tá paranoico! Você conhece essa tal garota? Porque se conhecer, pelo amor de Deus, pede pra ela voltar agora ou eu vou ter que entregar esse cara pra um hospício!

Eu passei alguns minutos parada feito uma estátua. Meu coração não correspondia aos batimentos normais. Era como se todo o meu mundo estivesse passando por um terremoto. –Esse tempo todo, nossas brigas, o tempo que ele ficou sem me ligar... Ele estava achando que eu... Que eu... Caramba! Como ele pôde achar isso de mim? Quantas vezes eu vou ter que explicar pro Rick que eu o amo? Quantas? Não quero cogitar a ideia de terminar nosso namoro porque ele não confia no meu amor. Não confia em mim?! – Sinto minhas pálpebras aquecerem e em fração de segundos sinto as lágrimas não suportarem mais e escorrerem pelos meus olhos. – O que está acontecendo? O que eu fiz? O que eu faço com ele agora ai jogado, quase desacordado em cima dessa bagunça que eles dois chamam de cama?

– Ei garota! Responde! – Ouço a voz do menino a chamar minha atenção... Quase que em vão. – Garota, você tá bem? – Ele posou a mão no meu ombro. – Você... Você tá chorando? Ei! Espera ai... Você é a namorada dele... Você é a namorada dele! – Encaro o menino como quem acabasse de ser descoberta. Como se eu não pudesse revelar. Eu sabia que a farsa não iria durar muito. Relaxei os ombros.

– Sim. – Respondi secando as lágrimas. – Sou eu. Eu sou a Kate, “a garota que estuda na Califórnia”, namorada do Rick. – Sorri minimamente.

– Cara! Que viagem! – Ele levou as mãos à cabeça.

Ele ficou coçando a cabeça tentando entender o que estava acontecendo. Fui para o lado do Rick. Não havia espaço para que eu me sentasse ao seu lado na “cama”. Ele estava completamente jogado na diagonal. Passo a mão em seus cabelos suados enquanto que com a outra mão o balanço pelo ombro a fim de acordá-lo. Chamo seu nome entre soluços que ainda restaram. Ele chega a murmurar algo que não compreendo, mas não acorda. O desespero começa a querer tomar conta de mim.

– Você precisa me ajudar. – O menino me encarou confuso. – Sabe de que horas vocês chegaram ontem?

– Sei lá pô!

– Dá pra ajudar pelo amor de Deus! – Ele arregalou os olhos.

– Era... Acho que... Ah! Meu Deus! Eram umas 5 horas da manhã... Eu acho.

– Tá. Vocês tem banheiro aqui dentro?

– Aqui nessa porta...

– Me ajuda com ele. Põe ele no seu braço eu seguro do outro...

– O que você vai fazer?

– Vamos colocar ele no chuveiro.

– Ele é pesado, a gente não vai conseguir sozinhos... Eu não sou tão forte assim. Sem contar que minha cabeça ainda gira...

– Eu só posso contar com você! Por favor! – Ele se mantinha de braços cruzados. – Ei, qual o seu nome?

– Jayden. Pode me chamar de Jay.

– Jay, eu preciso muito da sua ajuda, o Rick mais ainda. Por favor! A gente consegue. – Ele descruza os braços e me encara com certo dó.

– Tá ok... Vamos lá. Deixa-me tirar essas coisas do caminho até o banheiro... – Ele sai empurrando garrafas, roupas, sapatos, caixas de pizza, livros, tudo que estava jogado no chão pelo caminho que iríamos percorrer.

Eu nem sequer deveria estar fazendo isso. Ele não merece nem minha preocupação devido a essa infantilidade. Isso foi a coisa mais imatura que já vi o Rick fazer. Será que ele não tem amor à própria vida?

– Tudo pronto Katherine. Vamos lá? – Ele se aproximou do lado esquerdo da cama colando-se embaixo do braço esquerdo do Rick e apoiando o corpo dele no seu. Enquanto eu fiz o mesmo do lado direito. – Pronta?

– Pronta! No três! Um, dois, TRÊS! – Nunca havia feito tanta força antes. Rick é alto e seu peso não é leve. Ao colocarmos ele de pé ele abriu parte dos olhos e resmungou algo parecido com “me deixe em paz”. Eu liguei o chuveiro enquanto Jay sustentava parte do peso do Rick em si mesmo.

– Você vai se molhar Katherine!

– Eu já estou molhada Jay. – Falei vencida. – Mas ele vai me pagar caro quando ele acordar. – Rick começou a sorrir como se achasse graça até no vento que entrava pela porta. Ele estava completamente bêbado.

– Eu realmente nunca o vi bêbado desse jeito. – Jay soltou.

– Ele tem bebido muito? – Perguntei desconfiada.

– Às vezes o encontro meio atordoado voltando do Old Haunt, mas penso que deve ser por causa das longas horas que ele passa escrevendo. Não o levei a sério. – Lamentei mudando o semblante. Rick começa a abrir os olhos. No meio da água ele cantarolou algo que não reconheci.

– Ele tá começando a acordar.

– Sim está. O corpo dele não está pesando tanto quanto antes para mim. – Jay falou aliviado.

– Rick! Acorda Rick! – Eu o chamava dando leves tapas no seu rosto. – Olha pra mim Rick! – Ele se virou em minha direção como se reconhece minha voz em meio a embriaguez e fez cara de choro.

– É sério que ele vai chorar? – Jay estava desapontado.

– Você... Só eu bêbado que... – Ele soluçou. – Você apareceu? É a minha Kate? – Ele chorava sem pudor algum.

– Rick, para com isso, por favor. Sou eu sim, agora fique de pé. Acorda! Por favor! – Eu suplicava.

– Cara, isso é muito deprimente. – Jay estava me irritando.

– Dá pra você ficar calado? – Falei para o Jay.

– Desculpa. – Ele engoliu seco.

– Eu não vou calar a boca nada! – Rick esbravejou. – Você é um fantasma! Eu quero a minha Kate de verdade aqui.

– Rick, eu não falei pra você calar a boca. – Revirei os olhos. – Rick olha pra mim! Sou eu mesma que estou aqui! Acorde! – Ele passou desajeitadamente a mão sobre minha face no lado esquerdo.

– Kate?...

– Sou eu Rick. – Minha voz tentava sair suave, mas eu estava desapontada demais para não expressar isso. Ele então abriu os olhos. Um azul melancólico me observava.

– Kate! Kate me desculpa... Eu... Eu sou um imbecil!

– É... Eu sei que é. – Ele se mantém sério assim como eu. – Consegue manter-se de pé agora?

– Vamos lá cara, você pesa! – Jay também o pedia. Rick não tirava os olhos desconcertantes de mim. Eu desviei o olhar e desliguei o chuveiro.

– Eu acordei. Pode me soltar. – Rick pediu.

Secamos tanto a ele quanto a nós. Ainda o apoiando levamos Rick de volta pro quarto. Jay o apoiava enquanto eu arrancava tudo de cima da cama. Inclusive os lençóis sujos.

– Têm algum lençol limpo aqui? – Indaguei aos dois.

– Ali na cômoda, na última gaveta. – Jay apontou o dedo demonstrando o local. Abri o único lençol limpo e forrei. Rick sentou-se recostado ao espelho da cama e ainda me encarava com certa tontura.

– Tem alguma cafeteria por aqui? – Perguntei.

– Tem sim. – Jay respondeu.

– Ótimo! – Catei minha carteira dentro da pequena bolsa que havia trazido. Tirei 5 dólares e entreguei a Jay. – Traga um café preto grande. E rápido!

– Ela é sempre assim mandona? – Jay perguntou a Rick que apenas sorriu minimamente.

Assim que Jay fechou a porta, um silêncio desconcertante se instalou no quarto escurecido por causa da dor de cabeça do Rick. Ele já não me encarava mais, talvez por vergonha do que fez. Tentei parecer paciente. Não adiantaria nada conversar com um bêbado. Sermões também não iriam adiantar de nada. Minha respiração era pesada.

– Você tem alguma camisa limpa aqui? – Eu apontava minha blusa molhada.

– Dentro do armário. – Ele respondeu ainda sonolento. Encontrei uma azul de botões que me lembro de como ele gosta dela. Troquei rapidamente, ali mesmo. Pendurei minha blusa molhada numa cadeira perto da janela.

– Kate... – Rick sussurrou.

– Rick, nós não vamos falar nada agora ok?

– Mas é que...

– Não Rick! É melhor não! – Eu o encarei com convicção, mas transpareci toda a minha indignação pelo olhar. Tenho certeza que transpareci, mesmo sem querer.

Jay logo retornou com o copo de café, pediu desculpas, mas disse que precisava sair e resolver umas coisas. Entendi que tudo era uma pretensão estúpida de me deixar a sós com o Rick. Como se as coisas fossem se resolver agora nesse minuto. Entreguei ao Rick o café e não sai daquele lugar enquanto não o vi tomar boa parte daquele copo.

– Eu não aguento mais Kate. – Ele resmungou.

– Tá, me dá aqui. – Falei pegando o copo da mão dele.

– Eu estou muito enjoado. – Ele fez cara de incomodo e pôs as mãos na barriga.

– É pra você se lembrar de nunca mais fazer isso. – Falei bravamente o encarando nos olhos. Acho que foi uma péssima ideia o encarar. Acho não, tenho certeza. O café e o banho surtiram certo efeito e ele me lançou aquele olhar que somente eu posso entender. Aquele olhar que me paralisa, que me gela, me arrepia. Por instinto me impulsionei para levantar da cama. – Rick, eu já vou... – Sinto de repente a mão dele segurar meu braço com força. Volto a encará-lo devido ao atrito.

– Kate, eu sei que não vamos conversar, mas fica aqui comigo.

– Rick, eu preciso ir... – Sussurro como quem deseja omitir a verdade. Engulo seco tentando controlar meu impulso e faço certa força para me desvincular dele.

– Kate, eu errei feio, mas, por favor... – Ele me segura com mais pressão.

– Rick... – Chamo seu nome como quem implora.

– Você também sentiu minha falta Kate. Tá escrito em você. – Senti meu coração saltar pela boca.

– Para Rick! Para! – Eu perco meu controle e ponho minha cabeça entre meus braços apoiados no meu colo. Ele solta meu braço vagarosamente. Ouço a respiração de desilusão preenchendo e deixando seus pulmões. Levanto como por impulso e pego a minha bolsa.

– Kate! – Abro a porta e o avisto pela última vez.

– Fique bem Rick. – Vejo nossos olhos encherem de lágrimas, mas é inevitável. Fecho a porta deixando atrás de mim um Rick derrotado. Eu também estou.